Capítulo 1

Steve não havia notado quando, mas certo dia, ele perdera a alma.
Fazia apenas alguns anos (Ou seriam meses? Dias?) e o sol brilhara em seus olhos em um campo de futebol quando Alan Morris ( Tommy Jones? Não, não, Tommy Jones estava morto, como poderia se esquecer?, ele mesmo dera a ordem de assassinato) correra em sua direção balançando um flyer para um circo dos horrores.
Podia ter sido neste exato minuto ou então, talvez, mais tarde, na classe, quando ele olhara com olhos cobiçosos para o nome das atrações.
Deformidades.
Monstros.
(Steve queria ser como eles)
E então, ele conseguiu sua oportunidade. Em suas mãos, o bilhete, a entrada para o circo, sim, sim, só podia ser obra do destino, ele estava destinado a ir para o circo, a se tornar um monstro, e ele aceitaria, e ele aceitou, e mal percebeu quando destino se tornou Des Tino.
Ele não percebeu que fora um monstro também.
A verdade é que, no fundo, ele sempre fora.
Belo, selvagem, bom.
(Mas até mesmo monstros têm alma)
Mas então Darren Shan veio (Ele sempre esteve ali, você não vê?, pronto para tomar o que é seu por direito susurra a voz de Des Tino em sua cabeça), e Darren Shan se tornou um monstro, tornou-se seu monstro, e assombrou seus pesadelos, e a noite assustava os esqueletos em seu armário e Steve não conseguia mais dormir.
Ele queria o lugar que Darren roubara dele. Ele seria o monstro nos sonhos de Darren.
(Fora ali que ele perdera a alma?)
Ele mudou, o tempo fluiu como sangue.
Despertar, ódio, ilusão, noite, manhã, destino, cruz, morte.
Darren.
E Des Tino (destino não existe) mostrou-lhe o caminho.
Steve era o Senhor, seria o Senhor. Das Sombras, do Mundo.
De Darren.
Um pesadelo, dele, dele, como Darren era somente seu.
(Não fora quando ele afundou em nada)
Havia se tornado horror para outra pessoa também. Sangue do sangue daquele que ele queria derramar, sangue misturado com o seu, filho, não seu filho, alguma coisa para destruir Darren, Darren para o qual ele voltou.
E quando ele voltou, triste fim, não era nada mais que memória de dias felizes.
(Memória, a mesma cena se repetindo, e se repetindo, e se repetindo, e se repetindo, outra vez, mais uma vez, pela eternidade, como ele preferia qualquer coisa a se lembrar...)
Então, Steve traiu Darren como havia sido traído.
E eles eram alvorada, crepúsculo, pesadelo, sonhos, vida, morte, sina e destino.
(E ele ainda possuía alma)
E ele sentiu, debaixo de seus dedos, em sua pele, carne morta, morta, como nunca tinha sido, sangue parando de correr, um pescocinho de criança torcido, não o dele, não de Darren, por que, por quê?
(Eu te desafio a fazer... isso! Vozes de criança ecoavam na sua cabeça)
E a dor não era dele, e Darren não se manifestou, e Steve precisava que Darren o fizesse, deuses, como ele precisava que Darren matasse seu filho e provasse que era um monstro também, como ele, exatamente como ele!
Darren dissera que ele perdera a alma.
Fora o dia mais feliz de Steve, aquele, mesmo que soubesse que não, que ainda tinha salvação, mas que não a aceitava, que Darren era o único que podia, que iria roubar sua alma para si, que carregaria o peso de todas as mágoas que Steve semeara, todas as dores que Steve sentia.
E então, tudo havia se reduzido a eles dois. A guerra lá fora, as criaturas deformadas do circo dos horrores que era lar de Steve, as criaturas deformadas do Circo dos Horrores que era lar de Darren.
E nem mesmo Des Tino sabia como seria o grand finale.
Mas Steve sabia.
Ganhasse ou perdesse, não haveria mais Darren.
E quando ele sentiu a carne de Darren sendo rasgada sob sua faca, ele riu, e deixou que Darren o matasse.
E DesTino revelou tudo, pouco aos poucos, como destino deveria ser.
E Darren olhou-o nos olhos, assombro no olhar. Medo, ódio, desespero.
Amor, talvez amor.
(Estava se aproximando...)
“Steve...”
(As palavras seguintes foram abafadas pelo som de algo se quebrando. Darren falava sobre horrores, sobre aranhas, sobre um passado já distante, sobre rir, sobre tudo ter sido planejado.)
Ele só podia enxergar Darren.
E em seu olhar, Darren pediu para mata-lo.
Steve queria te-lo feito sorrindo.
Mas Darren só viu lágrimas, dor, ódio, a face contorcida de Des Tino.
E Steve...
Steve perdeu a alma.