Capítulo 2

A porta do quarto bateu. Allie se jogou entre os lençóis em que dias atrás se entregara ao seu amor, descobrindo assim pela primeira vez, o que era o amar dos corpos. Chorou.

- Allie! Allie, minha filha. – Joanna entrou no quarto e sentou-se ao lado da filha. – Querida, o que houve? Está chorando...

Allie afastou o rosto do travesseiro.

- Mamãe, me abrace. Só me abrace!

Joanna passou o resto da tarde junto a Allie.

Os dias vieram e foram, e em vez de telefonemas ou cartas, Allie recebia flores. Rosas. Passou a trocá-las no vaso todas as noites e, antes de se recolher, era inevitável não olhar e lembrar-se dele. Michael. O amava.

- Lhe telefonarei todos os dias!

- Não atenderei uma única vez.

- Lhe mandarei cartas.

- Esqueça.

Michael escrevia todos os dias. Falava de seus sentimentos e da tamanha falta que cultivava por Allie. Ainda podia sentir o toque da pele dela contra a sua, o encontrar dos corpos, o sabor do beijo. Era tudo tão sublime, tão puro.

Costumava escrever nas madrugadas onde se aproximava da janela aproveitando a frágil luz da lua ou dos postes.
Algumas, se trancafiava no banheiro permanecendo horas, podendo assim pensar nela e escrever, sossegado. Tinha o receio que um de seus irmãos o vissem e lessem seus devaneios. Cada carta era como o seu diário. Sua vida.

Não as enviava por temer que Allie não lesse. E sim, apenas as flores por saber que eram suas preferidas.

As flores foram cessando com o passar do tempo, dos meses, pouco a pouco. E quando Allie percebeu que a próxima não viria mais, guardou a última entre as páginas de um livro.

1981

- Ah, nem posso acreditar que estamos livres! – Exclamou Lessie, estonteante. – Livres!

Allie parecia não ouvir o que lhe proclamavam ao seu lado. Continuava andando, divagando, mantendo-se reclusa à suas lembranças. Com livros nas mãos e sapatilhas nos pés, entrou o internato feminino com o intuito de preparar suas malas e voltar para casa dia seguinte.

Lessie era a sua vizinha de quarto.

- Allie, algum problema? Não parece feliz para o baile de formatura.

Allie demorou um pouco para se situar.

- Oh, não! – Sorriu, nervosa, tentando não olhar para Lessie que lhe mantinha um ar preocupante. – Mas é claro que estou! Enfim livres, não é mesmo?

Livres, pensava ela, irônica. Quando que eu estarei livre dele, afinal?

Se despediu de Lessie com um ligeiro aceno e se encontrou mais uma vez naquele cubículo onde passara seus últimos anos.

Um porta-retrato de Michael junto a ela decorava o simples criado-mudo. E não era de se esperar que a porta se escancarasse daquela forma, sem ao menos dois toques antes de abri-la.
Era Kim, sua companheira de quarto.

Kim jogou seus pertences na cama, que por sinal terminaram no chão. Tirou as presilhas do cabelo e abriu o armário abarrotado de tralhas. Pegou algumas peças de roupa e uma toalha. Foi até a porta.

- All – era como a chamava -, faz-me um favor? John ligará a poucos minutos. Pode avisá-lo que estarei no banho?

- Claro.

Era assim, um cara para cada fim de semana. Todos queriam sair com Kim Fieldman.

- Obrigada.

Ainda assim, ela era uma garota legal.

Allie resolveu se deixar recolher ao ver materiais de Kim no chão. Seus olhos se moveram instintivamente para aquela foto semi-amostra no jornal amassado rente aos objetos largados de Kim. Allie agarrou-o não hesitante em abrir. E foi como se seus batimentos cessassem por segundos.

- Michael e Tatum O’Neil? – Ela indagou, incrédula. Respirou fundo, largando o jornal em algum lugar, já sem ânimo. – Era de se esperar, não é mesmo, Allie? – Falava com si mesma.- Oh, como pude ser tão ingênua em pensar que... – Voltou a se deitar, encolhida, de frente à parede branca. Olhou para o porta-retrato. Pensou: - Mas você me amou, não amou, Michael?