Season

Capítulo Único


Hoje, eu só queria... Lembrar.
Por muitos e muitos anos a expressão de seu rosto fora esquecida por mim. Claro, por todos esses anos eu quis não lembrar, eu escolhi não lembrar. Eu queria não ter visto o que eu vi naquele inverno. Mas eu vi.

Tudo começou na primavera. A nossa primavera não é como todas as outras, não existiam flores nos jardins, nem girassóis nos campos e quintais no bairro onde morava desde que nasci, na verdade, não lembro de um dia ter existido rosas e flores na minha vida. Até aquele momento.

Inicio de fevereiro. Com ele, as aulas na minha escola também deram inicio. Eu poderia lamentar o final das férias em que estiver em \'tour\' pelo nordeste brasileiro, mas eu não quis lamentar, não depois de ver ela.

Eu era o perfeito garoto sonhador de uma bela família liberal, ou quase isso. Era moda ser liberal no meu bairro e minha família logo se pôs a atualizar-se na postura social. Tavares era o sobrenome da minha família, mas tanto amigos quanto fãs adotariam esse como meu nome. Meu primeiro nome. E eu gostei, de verdade, assim me apresentando nos lugares que eu conheceria posteriormente.

Ela era clara, cabelos castanho-escuros em que insistia em dizer que eram loiros, que seja então. Mas, loiros eram as mechas na parte debaixo de seu cabelo que caíam perfeitamente bem com a cor de seus olhos azuis, um azul puro e com o brilho direto, capaz de encantar até o mais rude dos homens. Além de seu estilo \'Rocker\' peculiar para sua sensibilidade e um porte quase pertencente a realeza, ela era a garota mais sensacionalmente humilde que eu já conhecera, não deixando os inúmeros elogios que recebera constantemente devido a sua beleza e seu belo físico desviarem sua atenção do que ela realmente gostava, Música. E como ela gostava.

Ouviamos sempre as mesmas bandas e consequentemente as mesmas músicas e foi através disso que nos aproximamos e nos tornamos amigos. Foi ela que me apoiou quando decidi compor canções, me apoiou quando fiz a minha primeira tatuagem, era ela que sempre ouvia pacientemente as estórias que contava, as músicas que eu cantava e os sonhos em que eu declarava. Logo eu estava apaixonado, mas ela ainda não. Bom, pelo menos foi o que ela disse no verão quando finalmente criei coragem para me declarar pra ela. Não foi fácil, fácil nunca é, mas o silêncio entre nós estava realmente me incomodando, antes não era assim, não antes de eu amá-la, então eu sabia que havia algo de errado em mim e se eu não falasse o que sentia pra ela, eu poderia me arrepender. Oh, só os deuses sabiam como meu coração ficava ao olhar pra ela, e eu sempre olhava, e eu amava isso.

Logo novembro chegara e o medo do final das aulas também, eu não queria perdê-la, mas seria inevitável porque as ferias estavam chegando e eu tinha apenas uma semana até que chegassem. A última semana de aula. A última semana com ela. Levando-a pela mão, enquanto sentia o calor de seus dedos que faziam meu coração acelerar como nunca, eu estava lá, levando-a para o bosque que por décadas fora reconhecido como o lugar mais romantico da cidade. Eu podia sentir que ela também gostava de mim, eu poderia até mesmo apostar que ela me amava, mas eu não tinha certeza. Não tem como ter certeza. Então, como se movido por um impulso em que eu não pudera controlar, roubei um beijo dela enquanto ela me falava sobre as constelações de saturno. Eu não estava mais aguentando esperar, eu precisava beijá-la. Mas, foi a reação dela que me surpreendeu ou na verdade, não. Ela não me deu um tapa ou sequer disse algo desagradável sobre isso, apenas abaixou a cabeça em sinal de vergonha, coisa me deixou triste, eu queria que ela tivesse ficado feliz, mas eu não poderia saber. Não tinha como saber. Eu não sabia mais o que dizer ou o que fazer, também fiquei em silencio enquanto a euforia de tê-la beijado e o terrivel medo que me empedia de falar o que eu sentia tomava conta de mim. Medo, talvez por saber que eu poderia me arrepender de falar o que eu estava sentindo ou qualquer coisa do tipo. Fiquei calado, mas o arrependimento veio do mesmo jeito mais tarde, dessa vez, por eu não ter falado. Naquele momento em que eu pude ver suas bochechas coradas só pude falar uma coisa, só tive coragem de falar uma coisa: \'Tchau!\'. E saí depressa. Pra nunca mais.

O inverno chegou. Já não tinha mais aula alguma que me fizesse vê-la novamente. Depois do que aconteceu, eu não a vi mais na escola, eu não sabia o que tinha acontecido ou o que estava acontecendo com ela para ela subitamente fugir de mim, não tinha como saber. Eu a vi pela última vez quando eu estava saindo de casa com minha bicicleta para voltar ao bosque com uma fina esperança de encontrá-la lá, lembrando do nosso beijo, mas não deu tempo de subir na bicicleta. Ela estava no banco de trás de um carro que seguia lentamente um caminhão de mudança, seus olhos azuis brilhando por causa das lágrimas que rapidamente surgiram nos olhos ao me ver imóvel, apavorado ao constatar que era por isso que ela não havia ido pra escola, estava de mudança. Ela estava infeliz, eu pude ver, pude sentir porque também estava doendo em mim. Só pude encara-la pelos breves segundos em que o carro parava no sinal, nenhum de nós disse palavra alguma, nem podia, estavamos longe demais um do outro, mas eu tinha certeza pela primeira vez naquele ano de que ela realmente me amava, dessa vez eu soube, dessa vez eu vi. Por fim, a vi pousar a mão esquerda sobre seus lábios e lentamente, com um carinho que jamais a vira ter, mandou um beijo pra mim enquanto uma lágrima caía, era a última lágrima que eu vi dela.

Depois disso, tentei esquecer tudo o que eu presenciei naquele dia, tudo o que eu havia sentido naquele ano e todo o amor que eu descobri naquelas estações. E hoje, mesmo depois de todos esses anos tentando esquecer o que lembro todos os dias e ter seguido minha vida sem saber se ela continuava a me amar, é nela que eu penso quando falo de amor, é pra ela que eu guardo todos os meus sonhos e é pra ela que escrevi uma música.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.