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Capítulo 03 - Perdido Nas Lembranças Que Revivo


Como posso estar perdido nas lembranças que Revivo? Como posso culpar você? Se sou eu quem eu não consigo perdoar.

Dimitri Belikov

A porta do quarto foi aberta e um grupo considerável de pessoas entrou, eu me ajeitei na poltrona tentando me situar antes de me levantar para cumprimentar Lissa, Christian, Eddie e Adrian que tinham ido visitá-la.

— Por que ela faria algo assim? — Lissa chorou parada ao lado da cama.

Christian se limitou a observar enquanto Adrian parecia irritado.

— Eu tenho uma boa ideia do motivo — Adrian murmurou.

— Mesmo? — Lissa olhou em sua direção, esperando uma resposta. Eu tive um mau pressentimento sobre aquilo.

— Ahh sim, faremos uma lista — Adrian começou — ela se mete em um monte de encrenca na tentativa de salvar o ex namorado, você começou a usar o espírito de maneira desenfreada sem se preocupar com as consequências que traria à ela. Eddie olhou em minha direção com uma expressão desconfortável por estar presenciando aquilo.

— E então, você se une a ele e passam a afastá-la. Você pensou no que isso poderia causar? — ele rosnou, pouco se importando com o olhar chocado que recebia da princesa.

Meu primeiro instinto foi protegê-la. Mas como eu poderia, se ele estava certo em tudo o que falou? Eu jamais deveria ter envolvido Vasilissa nisso!

— Você está dizendo que é minha culpa? Eu fiz de tudo para ajudá-la — Lissa enxugou as lágrimas.

— Se você não acredita, veja a aura dela — Ele se aproximou da cama, dedicando sua atenção à Rose.

Eu saí do quarto após aquilo. Era melhor deixá-los um pouco mais à vontade com a amiga, e eu não podia fingir que as palavras do Ivashkov não me atingiram. A pior parte de tudo o que ele falou, é que ele estava completamente certo.

De qualquer forma eu precisaria me alimentar, e era melhor aproveitar enquanto ela estava acompanhada. Eu não sabia ao certo se estava livre para caminhar pela corte sozinho. Mas, como nenhum guardião me impediu, eu segui até o café que tinha próximo ao hospital. O clima estava tenso. A notícia sobre o assassinato da rainha já tinha se espalhado e todos pareciam perdidos ou desesperados, de maneira que consegui passar quase despercebido. Recebi alguns olhares chocados pelo caminho, mas nada que eu não pudesse ignorar.

Estávamos na metade da manhã, peguei um copo grande de café e algumas torradas com ovos antes de me acomodar em uma mesa afastada. Por um instante eu encarei a comida sentindo aquela conhecida dúvida se eu conseguiria ou não engolir aquilo surgir. Mas foi logo esquecida após morder a torrada. Meu estômago roncou e me ocupei em comer por alguns minutos, sem me preocupar com o que acontecia em volta.

— Dimka, finalmente te encontrei! — Tasha se sentou em minha mesa, atraindo minha atenção.

— Bom dia, Tasha — eu sorri, me sentindo feliz por encontrar um rosto amigo.

— Eu estava tão preocupada com você — ela suspirou — como você está? Eu queria te visitar, mas falaram que você não estava recebendo visitas.

Minha resposta foi um sorriso espontâneo. Era bom encontrar alguém neutro em toda essa questão.

— Eu estou bem — eu garanti — senti sua falta.

Fazia muito tempo que não nos víamos, e talvez um ombro amigo fosse o que eu precisasse nesse momento.

— Eu não posso nem dizer o que eu senti nesse tempo, Dimka — ela levou sua mão até a minha — eu fico feliz que no meio de toda essa bagunça você esteja bem.

— Eu estava até agora no hospital com a Rose — eu desabafei.

— Eu fiquei sabendo, uma verdadeira tragédia — Tasha me olhou com piedade — eu sinto muito que isso tenha acontecido. Talvez ela tenha se arrependido.

— Como? — eu franzi o cenho, sem entender o que ela quis dizer.

— Você sabe, o assassinato da Tatiana Ivashkov — ela abaixou o tom — ouvi dizer que Rose usou a própria estaca. Eu deveria ter visto que ela estava disposta a usar de medidas extremas quando fez aquelas ameaças, mas...

— Tasha, Rose não fez isso! — eu me surpreendi.

Seu olhar se tornou ainda mais piedoso enquanto me observava. Ela acariciou minha mão como se estivesse prestes a me contar péssimas notícias.

— Dimka, eu sei que você costumava gostar dela, e por isso não quer acreditar — ela começou — Mas você não a viu na última reunião, ela ameaçou a rainha na frente de todos e não foi uma cena bonita de se ver.

Eu retirei minha mão do seu alcance, ainda sem acreditar no que estava ouvindo. Como ela pode acreditar em coisas assim?

Ela conhece Rose!

— Natasha, Rose não fez isso — eu repeti devagar.

— Dimitri, você está deixando antigos sentimentos nublarem seu julgamento — Ela respirou fundo — Não existe outra pessoa capaz de ter feito algo assim.

— Existe uma pessoa capaz de ter feito isso, e essa pessoa não é a Rose! — eu rosnei me levantando.

Ela se surpreendeu e parece ter ficado magoada com minha reação. Eu a deixei para trás junto com minha comida. Eu não sentia mais fome depois daquela conversa. Retornei ao hospital sem saber o que encontraria ali.

Os visitantes de Rose já haviam partido quando retornei, eu me acomodei novamente na poltrona, me preparando para mais uma jornada. Os dias seguintes seguiram a mesma rotina, eu passava a maior parte do tempo ali no quarto, saindo apenas para comer e tomar banho quando Rose tinha alguma visita.

Meus pesadelos também continuaram a serem interrompidos pelo rosto de Rose. Em alguns momentos eram apenas lembranças boas e em outros, eram como visões de um futuro que poderia ter acontecido se eu não a tivesse repelido.

Se não tivesse dito aquelas palavras.

Quatro dias já haviam se passado, eu estava sentado na poltrona de sempre com meus pensamentos perdidos no último sonho.

Eu estava preso e perdido, no começo, pensava que tinham me jogado de volta na cela, mas não. Aquele lugar era úmido e escuro, eu não conseguia ver luz em lugar nenhum, apenas dezenas de corpos, corpos de Strigois que eu matei na tentativa de me redimir. Eu odiava aquela sensação que tomava conta de mim, eu queria me libertar, queria encontrar uma saída. Eu caí de joelhos no chão molhado, sentindo meus pulmões encolherem com aquela escuridão sufocante.

O som de passos apressados fizeram com que eu me virasse, buscando a origem do som. Eu me joguei contra o Strigoi que tentou me pegar desprevenido, eu não hesitei um segundo em acertá-lo com a estaca, e de novo, e de novo... Até que seu tórax ficasse completamente destruído. Aquilo nunca teria fim, nada nunca seria o suficiente.

— Dimitri — uma voz chamou minha atenção, fazendo com que eu erguesse o rosto.

E então, lá estava ela. Rose vestia uma calça jeans e uma regata preta. Seus pés estavam descalços e ela tinha o mesmo olhar caloroso e cheio de vida de antes de toda aquela bagunça tomar conta de nossa vida.

— Roza…

Ela se ajoelhou ao meu lado, parecendo receosa em me tocar.

— O que você está fazendo? — eu balbuciei.

— Vamos camarada, eu vou te tirar daqui — ela se manifestou, tentando retirar a estaca de minha mão.

Eu fugi de seu toque, sabendo que não era digno daquilo. Ela precisava sair antes que acabasse presa naquela escuridão comigo!

— Eu não posso sair, eu nunca mais conseguirei ser o mesmo — eu neguei — eu...

Acabei me calando quando ela insistiu em segurar minha mão.

— Dimitri, você pode fazer isso. Eu sempre estarei aqui, você só precisa se reerguer — ela declarou com a voz suave.

— Como? Eu não consigo — eu segurei sua mão, tentando trazê-la para mais perto.

— Você pode se apegar à beleza das coisas. Se você for capaz de encontrar beleza em meio a toda essa escuridão, você consegue se libertar, Dimitri.

Seus olhos brilhavam cheios de esperança. Eu observei seu rosto com cuidado, parecia que fazia anos que eu não a olhava. Fazia anos que não admirava sua beleza única.

— Você consegue, Dimitri? — ela sorriu roubando um pouco meu fôlego, me transmitindo uma sensação etérea.

— Seu cabelo — eu levei minha mão até os fios soltos — eu amo seu cabelo.

Eu suspirei diante daquela lembrança. Ela precisava se recuperar, precisava ficar bem. Eu precisava acreditar naquilo e manter minha esperança.

Me levantei e fui até onde ela repousava, levei minha mão até a dela, tocando sua pele macia enquanto observava cada traço de seu rosto com adoração. O inchaço havia diminuído, sobrando apenas as escoriações e hematomas, mas mesmo assim ela era bela. Ela era a coisa mais bela que eu já tinha visto, e eu tive sorte de tê-la conhecido.

— Belikov? — Mikhail chamou minha atenção.

Ele era um bom guardião e desde que eu fui restaurado ele vinha tentando ser um bom amigo. Eu não esperava receber simpatia de ninguém, mas ele fazia sem pedir nada em troca.

— Nenhuma mudança? — ele questionou após um pequeno aceno de reconhecimento.

— Já faz quatro dias — Eu respirei fundo, voltando minha atenção para o rosto de Rose.

— Ela ficará bem, mas neste momento o guardião Croft quer te ver. Vamos.

Guardião Croft, desde que ele permitira que eu me tornasse o acompanhante oficial de Rose, não havia mais se incomodado comigo. Na verdade todos os outros guardiões se focaram em manter o controle da situação da Corte e tentar desvendar o misterioso assassinato da rainha Tatiana.

O que ele poderia querer nesse momento?

— Sabe, eu a conheci de uma maneira inusitada — Mikhail comentou após minutos em silêncio me escoltando até o prédio dos guardiões.

— O que? — eu franzi o cenho ao observá-la.

— Rose... Eu a conheci há algumas semanas — ele explicou.

— Como? — eu olhei para o guardião com o canto do olho.

— Ela invadiu os arquivos onde tinham me colocado em serviço burocrático. Eu a encontrei enquanto afanava um deles — ele abaixou o tom, escondendo um pequeno sorriso.

Eu pisquei atordoado e tive que me controlar para não interromper meus passos. Ela enlouqueceu de vez. Como ela invadiu o prédio dos guardiões logo após se formar!?

— E o que você fez?

— Eu a deixei ir com o documento que ela foi buscar — ele deu de ombros.

Dessa vez eu realmente parei de caminhar. Nós dois estávamos a poucos passos da entrada do prédio e ele admitiu mesmo que permitiu que algum invasor levasse um dos documentos dos guardiões?

— Você está brincando! — eu observei sua expressão tranquila.

— Não, ela parecia desesperada por aquilo e pensei que seria importante — ele deu de ombros — e eu tinha razão.

— O que poderia ser tão importante? — eu questionei ainda sem acreditar.

— Ela disse que o arquivo a ajudaria a descobrir como restaurar Strigois — ele declarou antes de voltar a caminhar, me deixando para trás congelado no mesmo lugar — Você não vem?

Meu corpo voltou a se movimentar, seguindo mecanicamente enquanto Mikhail me guiava à sala do guardião Croft, mas minha mente continuava presa em suas palavras. O que mais ela foi capaz de fazer para descobrir a maneira de me trazer de volta? E eu ainda falei para ela que Lissa havia me restaurado!

Quando eu menos esperei, estava diante de Hans Croft e de diversos outros guardiões, como Steele e Alberta Petrov.

— Belikov, é bom te ver novamente. Espero que a guardiã Hathaway esteja se recuperando bem — Hans me cumprimentou com uma expressão séria.

— Ela está estável, Senhor — eu respondi sem me sentar, observando todas as pessoas ali presentes.

— Por favor, senhor Belikov, Sente-se — o guardião Steele pediu.

— Eu prefiro saber do que se trata antes.

— Vamos direto ao ponto então, Belikov — Hans ergueu uma sobrancelha — Nós estamos aqui para investigar a verdadeira natureza de seu relacionamento com a guardiã Rose Hathaway.

Eu sabia que eles investigariam isso em algum momento, mas não podiam esperar?

— Sente-se — Steele pediu.

Eu respirei fundo, seguindo sua recomendação sob o olhar atento de todos os guardiões presentes.

— Belikov, é um prazer revê-lo, mesmo que nessas circunstâncias — Alberta começou.

— O prazer é meu, Guardiã Petrov — eu retribui o cumprimento.

— Senhor Belikov, nós estamos aqui para decidir o seu destino — Steele revirou os olhos — e não para confraternizar com conhecidos.

— Belikov, Como você sabe, chegou ao nosso conhecimento o relacionamento amoroso entre você e a Guardiã Hathaway enquanto ela ainda era menor de idade — Hans ignorou o colega.

— Nós passamos os últimos dias conversando com os amigos da guardiã Hathaway e reunimos muitas informações sobre o que aconteceu, e.. — Steele foi interrompido quando a porta foi aberta subitamente, e para minha surpresa, Abe Mazur entrou.

Dois guardiões acompanhavam o moroi e se colocaram aos fundos da sala, enquanto os outros presentes na sala, encaravam a cena sem saber o que estava acontecendo.

— O que é isso? — Steele vociferou — Senhor, essa é uma reunião privada.

Por um momento, a única resposta que o homem recebeu foi um olhar astuto do moroi. Eu me senti apreensivo, conhecia Abe Mazur e sabia o perigo que sua presença representava. Mas o guardião Steele parecia alheio aquela informação.

— Boa tarde, Senhor Mazur — Alberta tomou a dianteira — é um prazer tê-lo conosco.

Por que ele está aqui?

— Bem, acho que eu não poderia evitar — ele declarou sorrindo — Ainda mais depois de saber que estão perdendo tempo com essa besteira ao invés de buscar o verdadeiro assassino de Tatiana.

Então é por isso que ele está aqui? Procurando justiça para a rainha?

— Senhor Mazur, eu entendo que como Moroi o senhor quer que o culpado seja punido, mas estamos julgando algo igualmente importante nesse momento — Steele avisou.

Abe Mazur gargalhou com aquela declaração.

— A vida amorosa da minha filha é tão importante quanto o assassinato da rainha? — ele ainda sorria antes de olhar nos olhos do guardião, ficando sério em seguida — não sei se fico lisonjeado ou o considero o mais tolo guardião por colocar as coisas assim.

Ele é o pai de Rose!?

— O que o guardião Steele quis dizer, é que houve uma denuncia por estupro de vulnerável contra Dimitri Belikov e nós temos que averiguar, Senhor Mazur — Hans tomou o controle da situação.

Eu absorvi suas palavras me sentindo irritado com aquilo. Eu sempre soube que meu relacionamento com Rose poderia me trazer problemas, mas ser acusado de estupro?

— Por favor, estupro de vulnerável? Vocês consideram Rose vulnerável? — Abe desdenhou — Ela se relacionou com alguém três meses antes de completar dezoito anos! Vocês deveriam estar se focando em descobrir quem incriminou a minha filha, e não revivendo esse assunto depois de tanto tempo!

Ele está mesmo me defendendo por dormir com a filha dele? Apesar de considerar aquela situação igualmente ridícula, eu não ousava me manifestar. O tempo todo eu sentia o olhar analítico de Alberta sobre mim.

— Não importa o tempo que passou, Sr Mazur — Steele interferiu — Um crime é sempre um crime.

Notei uma mudança no semblante do Moroi antes de um pequeno sorriso perigoso surgir em seus lábios.

— Você tem toda razão, não devemos tolerar esse tipo de coisa — ele declarou ainda se dirigindo ao guardião — E você ainda mantém contato com a jovem April, guardião Steele?

O homem empalideceu consideravelmente enquanto observava Abe parado à sua frente.

— Como... — ele tentou se recompor.

— Ohh não se culpe. Descobrir esse tipo de coisa é um prazer pessoal — Abe continuou sorrindo — Eu poderia fazer isso com todos presentes aqui, afinal, todos tem um passado, não é?

Hans exibia uma expressão cansada enquanto os outros guardiões se moviam desconfortavelmente em suas cadeiras.

— Creio que se nem o pai da suposta vítima se incomoda com o que aconteceu, nós estamos perdendo um tempo precioso aqui — Alberta tomou a dianteira — Belikov sempre foi um bom guardião e eu acompanhei de perto o relacionamento dele com a Guardiã Rose Hathaway e não houve nada de errado ali.

— Ótimo, então eu e o guardião Belikov estamos indo — Abe indicou que eu me levantasse — e é melhor que vocês encontrem quem fez isso com minha filha.

Eu o segui para fora da sala, incerto se deveria agradecer por aquilo ou me manter em silêncio, mas ele logo se manifestou.

— Não pense que fiz isso apenas por gostar mais de você do que do Ivashkov. Temos muito a resolver e acredito que você será mais útil.

— Como? — Eu franzi o cenho sem entender ao certo o que ele quis dizer.

— Eu quero descobrir quem incriminou a garota, Belikov — ele explicou sem parar de caminhar, seguindo em direção ao hospital — e creio que você é o mais indicado para me ajudar.

Aquilo fazia sentido. Ele não me livraria assim apenas por prazer. E se eu puder de alguma forma ajudar a descobrir quem incriminou Rose, eu farei!

— Por isso o senhor me ajudou...

— Esse foi um dos motivos, Filho — ele garantiu.

— E qual foi o outro? — eu questionei com curiosidade.

Por um momento eu pensei que o homem fosse simplesmente ignorar minha pergunta. Nós chegamos ao hospital em silêncio e continuamos assim até estarmos diante da cama de Rose, com Abe observando a filha com certo carinho.

— Eu a conheci na Rússia — ele comentou sem desviar o olhar dela — ela estava com a sua família. Tinha ido contar sobre você.

Eu desviei o olhar tentando não pensar no que aconteceu na Rússia, mas minha mente vagou para a lembrança da ponte. Eu lembrava da expressão obstinada de Rose quando tentou se jogar de lá, e de certa forma, imagino que tenha sido a mesma expressão que Christian viu.

— Quando a conheci, ela estava despedaçada, rapaz. Como se a razão de viver dela houvesse sido cruelmente arrancada — ele continuou acariciando sua cabeça — eu não permitiria que ela o perdesse novamente e se sentisse culpada por isso.

Eu absorvi suas palavras, observando o homem ao lado de sua filha. Será que ele pensaria da mesma forma se soubesse o motivo da garota estar naquela situação?