Sangue de Arthur

7- Capítulo, Idiota no deserto


KOJI, Tatsuo

Mordred não aparecia há três dias e aquilo era muito tempo. Os selos de comando podiam pôr um fim nisso, mas devia?

Olhou para o jardim na casa do Emiya. A grama verde balançando junto a brisa, as árvores erguendo-se do solo ao céu e o muro de um laranja pálido cercando-os. Vez ou outra assistia a criança praticando esgrima com o pai e o rei dos cavaleiros. Comia junto deles, conversava um pouco. Eles eram bem animados mesmo nas pequenas discussões. Rindo, brincando e amando. Uma família em um milhão.

E por isso não queria que Mordred visse aquilo. Jogar em sua cara que toda sua infância podia ter sido assim, que seu sofrimento fora inútil…. Eu mesmo já estou no limite com essas pessoas.

Na guerra pelo graal todo tipo de figura histórica, mitológica ou não, podia surgir dotada de poderes sobre humanos que, até onde Tatsuo sabia, não possuíam regras a respeito de balanceamento. Uma personalidade estupidamente forte ter encontrado a garota cavaleiro e subjugado-a ou controlado sua mente não era uma ideia tão tola naquela situação. E o rapaz não conseguia deixar de morder os lábios, as vezes até sangrarem, sempre que cogitava isso. Mesmo assim não conseguia obrigá-la a aquele lugar. Mordred precisava tomar sozinha essa decisão.

Ou… ou o quê? Deveria simplesmente forçá-la a obedecer, idiota. Quem se importa com o amor ou o ódio de um servo?

— Koji-san, Koji-san! - a voz da garotinha dos Emiya se interpôs entre ele e seu devaneio.

Ela vinha correndo sobre o assoalho de madeira da varanda segurando a espada da seleção. A ponta da lâmina estava para cima e a menina segurava o cabo com as duas mãos. O sol refletia no aço e tornava os traços da pequena ocultos, dando ao contorno dela a tarefa de permitir a Koji vislumbra-la.

Magra, pequena e animada, os passos dela ecoavam enquanto corria.

Observá-la fez o garoto se perguntar se já fora uma criança dada a risos e travessuras como a pequena Eli. Se alguma vez amara tanto seus pais ou fora amado por eles. A resposta trouxe-lhe o calor, que antecede lágrimas, aos olhos.

— Oi.- respondeu.

— Vamos brincar.

— Emiya-san não está limpando a casa? Pensei que ele fosse precisar da sua ajuda, por que não vai ajudá-lo? Brincamos depois. - em verdade o rapaz não conseguia controlar os pensamentos negativos que dirigia as pessoas a sua volta naquele momento, o sumiço de Mordred estava-o deixando com os nervos agitados.

— Reis não limpam casas e eu vou ser rei depois da mamãe. - proclamou a garotinha.

— Certo, certo, princesa. - pelo canto do olho viu Emiya se aproximar. - Mas acho que seu pai tem uma ou duas coisas a dizer sobre isso.

A criança abriu a boca e ainda mais os olhos. Virou-se para trás e enxergou Shirou vindo até onde estava. Segundos depois largou a espada e fugiu o mais depressa que aquelas pequenas pernas a permitiam.

Emiya pôs-se a correr também e logo risadas preencheram o lugar.

Aquele era um ambiente familiar tão feliz que fazia Tatsuo querer xingá-los até ficar rouco, amaldiçoar seus nomes e cuspir em seus túmulos.

Porque não teve aquilo, no lugar… uma mãe que rapidamente voltou-se contra ele e um pai mais preocupado com trabalho do que com família. Além de sua própria estupidez quanto a relacionar-se socialmente levando-a até uma solitária vida escolar.

Devia muito aos Emiya por abriga-lo, mas estava irritado com a felicidade que faziam parecer tão comum, tão ao alcance das mãos quanto os próprios dedos. Não diria uma palavra desagradável ou seria algo menos do que cortês com eles. Acostumara-se a engolir opiniões que sabia terem potencial para gerar discussões hostis há muito tempo, antes do incêndio. Mas ainda sentia-se ridicularizado, como se fosse um idiota no deserto que não bebera a água bem ao seu lado e a perdeu para um outro qualquer.

Levantou e saiu para mais uma tarde de procuras pela cavaleira. Dessa vez pretendia vasculhar o lado sul até que a lua surgisse.

A busca fracassou como ocorrera nos dois dias anteriores e como imaginava que aconteceria na próxima vez. Nenhuma pista, nenhuma esperança e nenhuma ideia de para onde Mordred fora existia para guiá-lo. Quis deitar e esperar, torcendo, pela retorno da cavaleira.

Estúpido, murmurou para si mesmo enquanto atravessava o portão da residência dos Emiya.

As luzes estavam acesas e ouvia-se o som de conversas. Vozes que não pertenciam apenas as pessoas de sempre dançavam no ar. Visitas, nada que o garoto soubesse ou quisesse lidar após outro fracasso.

Os pés dele se afastaram da construção principal e voltaram-se até uma árvore que crescia solitária próxima ao muro. Folhas acertaram-lhe a face quando uma brisa soprou trazendo frio.

Tatsuo Koji sentou encostando as costas no tronco e deixando as íris pairarem sem rumo. Fitando céu, a madeira que fora usada para erguer a casa e mesmo a grama verde e curta que lhe fazia companhia as centenas e milhares.

Em algum momento seus olhos fecharam-se.

´´Eu te odeio… murmurou enquanto sangue saia de sua boca e a lança fria tocava-lhe as tripas. Eu te odeio, dessa vez não mais do que um pensamento. A vida lhe escapava e levava consigo sua força, sua mente e o que quer que a trouxe até ali. Por que me odeia? Foi a frase, mesmo que não ditas em voz alta, que por último formulou em vida.``

Quando acordou já era manhã e estava numa cama no quarto de hóspedes. Lençóis brancos o cobriam juntamente a um grande vazio. Aqueles sonhos eram sempre tristes o bastante para sedar sua vontade de chutar a bunda do mundo e mesmo a de querer vencer a batalha pelo graal. Desistir e permanecer deitado tornava-se tudo que sentia ser capaz de fazer.

Mas ele se ergueu e viveu para presenciar outro dia onde os Emiya eram felizes e Mordred permanecia desaparecida. Aquilo o fez querer rir e chorar. Estava desesperadamente desejando encontrar alguém, tentando não se deixar hostil perante a zombaria dirigida a ele pela alegria da família do rei Arthur e manter-se fiel ao seu objetivo.

Tudo isso parecia tão inútil que ele simplesmente não conseguia largar a ideia de deixar para trás e definhar numa vida sem lutas ou ações.

Por isso sem mais nem menos, naquela tarde quando saiu para rua, foi com intenção de não retornar.

MORDRED, Pendragon

Com suas ambições mortas homens tornam-se criaturas terrivelmente dispostas ao ócio. Mulheres e homúnculos não eram diferentes.

As pessoas por que passara, os prédios e as casas, cinzas e prata, negro e branco, ela não achava que houvesse um motivo para nada daquilo. Nenhum deles lhe prestava atenção ou a interessava. Apenas andavam de um lado pro outro, tantos que ela até mesmo desistira de pensar que eram diferentes.

Rei, pensou sentada num banco em uma praça qualquer que alcançara após caminhar sem rumo por quase meio dia, que existência triste deve ser. Lidar com tantos problemas e divergências e guerras por pessoas cujos nomes desconhece, não é à toa que muitos usufruiam dos benefícios com todas as forças. Mas não o rei Arthur que estava mais do que disposto a morrer servindo seu povo. No fim Mordred não podia fazer o mesmo, nunca pôde e por isso sentia raiva de si. Ele sempre soube que eu não passava de um cão louco e que o campo de batalha era o único palácio ao qual podia aspirar.

Havia feito uma rebelião, odiado e matado seu próprio povo, por algo que erroneamente pensou merecer. Tão estúpida, tão inútil.

O sol estava no ponto mais alto e quase todo o chão fora coberto pelo seu manto amarelado. Folhas caiam, douradas e embaladas pelo ar, em todos os cantos. Dos bancos até o chão e sobre a cavaleira. O calçamento seguia o formato de pequenos tijolos cinzetos postos um ao lado do outro que davam forma a estrada. Mas rara era a vista de pessoas ali naquele momento.

Se levantou e pôs os pés para caminhar. Rua após rua. Sem rumo, sem esperança e sem qualquer desejo de encontrar nenhum dos dois.

— Mordred? - a voz familiar a fez ser assaltada por um arrepio que percorreu-lhe a espinha.