Tadayoshi mal respirava enquanto encarava a enorme besta diante dele

Este não é o demônio que procuro, pensou o espadachim, uma sensação de vazio espalhando dentro de si.

No outro instante, a raiva preencheu esse vazio. Ele apertou o cabo da espada com mais força. Outro beco sem saída… merda…

Apesar da raiva e do desapontamento, ele não tinha tempo para esses sentimentos.

Mesmo se o demônio na sua frente não era o que queria vingança, era uma ameaça. Uma que poderia matá-lo se cometesse o menor erro.

O demônio parecia perplexo pelo número de pessoas gritando na clareira e ficou parado.

Tadayoshi olhou para seu amigo e sua discípula sem fazer qualquer som. Merda, ele pensou quando viu Ei e Ryuu paralisados.

— Qual o seu nome, demônio? — o espadachim perguntou numa voz baixa. Ele sabia que era além de estupidez fazer a besta focar a atenção nele. Mesmo assim, ele fez na esperança de conseguir algum tempo para seu amigo e sua discípula se esconderem.

Como ele esperava; o Oni virou quando notou sua presença.

A besta ficou onde estava, encarando Tadayoshi nos olhos.

O espadachim sentiu seu corpo gelando e ficando dormente. Mesmo assim, ele não desviou os olhos.

O Oni então olhou para os corpos ao redor dos pés do humano, a respiração funda e podre. Mesmo daquela distância, o espadachim sentia o bafo quente no rosto.

Foi atraído pelo cheiro de sangue e os gritos…? Se for, é apenas um demônio sem inteligência… Não vou conseguir nenhuma informação disso…

Tadayoshi ficou completamente parado. Ele não emitia qualquer som enquanto esperava o Oni agir. Ele se tornou parte da natureza enquanto juntava toda a concentração que tinha. Se fosse mesmo uma besta sem inteligência, com tanta força bruta, ele morreria caso se distraísse mesmo por apenas um instante.

A besta levantou a cabeça um pouco e sorriu. Ou pelo menos parecia estar sorrindo. Com tantos dentes, era difícil dizer. Mas não importava. Porque no outro instante, o Oni urrou. Era um urro que parecia excitado com morte e sangue, e que mandou um calafrio pelo corpo do espadachim.

Quando a mão de Tadayoshi tremeu, sua espada tiniu um pouco.

Apesar de mal ser audível, aquele som baixo era o suficiente para fazer a besta correr na direção dele.

Era lenta, mas cada passo massivo tinha uma força monstruosa, fazendo a poeira subir das ruínas do templo. Quando o demônio estava perto o suficiente, balançou o pesado kanabo como se balançasse um graveto.

Tadayoshi saltou para trás, escapando ileso por um fio de cabelo. Foi o suficiente para ele confirmar o poder da arma e da coisa que a usava. Se for acertado uma vez, vou morrer!

O espadachim sabia que só existia um jeito para sobreviver; acabar a luta o mais rápido que pudesse. E o único jeito para conseguir isso precisaria de toda velocidade e reflexo.

Tirando vantagem da confusão da besta por não acertar nada, Tadayoshi colocou todo seu peso na espada e atacou o cotovelo exposto com toda força.

A lâmina mal penetrou a pele vermelha e preta.

O Oni reagiu, balançando sua arma por reflexo.

Apesar de reagir, Tadayoshi percebeu. Seu ataque não faz diferença. Foi como uma picada de um inseto.

O espadachim desviou da arma e correu entre as pernas da besta. Enquanto passava, ele mirou nos tornozelos.

Mas mais uma vez seu ataque mal penetrou a pele.

A besta gritou de raiva e foi atrás dele.

Apesar de ser muito mais rápido, Tadayoshi sabia que não conseguiria evitar os ataques por muito tempo. Se eu falhar uma vez, estou morto, ele pensou, desviando de um golpe que teria arrancado sua cabeça se tivesse acertado.

Enquanto desviava dos ataques e tentava achar um lugar onde sua lâmina pudesse causar algum dano, ele sentiu algo nas suas costas. Prendendo a respiração, Tadayoshi percebeu que estava preso contra uma árvore. Merda!

O Oni atacou de novo, balançando o kanabo de lado.

Sem outra opção, Tadayoshi se jogou no chão. Enquanto a arma passava acima de sua cabeça, ele sentiu a força tremenda.

A árvore atrás dele foi destruída com apenas um golpe.

Não arrancada da terra. Destruída.

Enquanto a poeira caia nele, Tadayoshi parou de respirar, suas mãos tremendo. Até mesmo ele não conseguia acreditar na força da besta. É esse tipo de inimigo que o casal idiota encara? O espadachim sacudiu a cabeça e apertou o cabo da sua espada com mais força. Até seus dedos perderem a cor e ficarem dormentes. Com sua respiração rasa, ele olhou para cima.

Através da poeira, ele viu que a besta não estava prestando atenção nele. Estava encarando onde o resto do tronco caíra.

Deve tá pensando que sou eu, Tadayoshi percebeu. É tão poderoso que não consegue dizer a diferença entre um humano e uma árvore. Respirando fundo, ele agachou sem fazer barulho e perfurou a barriga do Oni usando toda força que tinha.

Um filete de sangue vermelho escuro desceu pela lâmina, mas a ponta da espada mal perfurara. Apesar de ser mais macio que as pernas e os braços, o ataque dele mal penetrou além da pele de novo. Merda! Meus ataques são inúteis!

A besta gritou, mais de raiva do que de dor. Ela virou a cabeça para o estômago, onde a lâmina ainda estava. Então viu Tadayoshi no outro lado da espada. O Oni torceu a boca no que parecia um sorriso assustador, levantou o kanabo e abaixou com toda força.

Tadayoshi tirou a espada e rolou a tempo, mas o impacto deixou um buraco onde ele estava instantes atrás.

Merda, o espadachim pensou, limpando o suor frio de sua testa.

Enquanto a besta atacava, deixou várias brechas, que Tadayoshi aproveitou. Era o mesmo que nada; nenhum de seus ataques tinham qualquer efeito.

Mas cada vez que o Oni balançava a arma, árvores caiam e o chão ganhava novos buracos. E o pior, cada vez que o kanabo acertava contra a terra, as pedras e rochas acertavam Tadayoshi toda vez.

Merda! Merda! Tenho que fazer alguma coisa agora ou vou morrer, ele pensou, ignorando as dores em seu corpo.

O demônio balançou a arma de novo, mas dessa vez Tadayoshi não recuou.

Cerrando os dentes, ele saltou diagonalmente. Ele evitou o golpe direto do kanabo, mas não os detritos. Com a bochecha sangrando, o espadachim colocou sua arma contra o braço da besta e deslizou a lâmina, arrancando um pedaço de pele. É como cortar couro velho!

Os gritos do Oni ecoando pela montanha era como uma linda melodia aos ouvidos de Tadayoshi. Pela primeira vez, ele tinha causado algum dano de verdade no demônio. Mesmo que não possa cortar os músculos, eu consigo fatiar a pele…

Com um sorriso selvagem, o espadachim sabia como podia ganhar.

Ryouchikei… morte por mil cortes… Tadayoshi soltou uma risada fraca. Não acredito que tô considerando fatiar essa coisa mil vezes. A ideia não era nenhum pouco animadora, mas pelo menos agora ele tinha uma chance de sobreviver.

Sim… se esse é o único jeito, vou fazer… não vou morrer aqui… não posso morrer ainda…

A besta balançou o kanabo de novo.

Tadayoshi já esperava e avançou. Enquanto escapava do golpe, ele invadiu o território do Oni. Da mesma forma que ele fatiou o braço do demônio, ele fatiou a perna.

Um grito alto o bastante para fazer os ouvidos de Tadayoshi doerem e seu corpo tremer ecoou pela floresta de novo.

Apesar da dor, o espadachim queria escutar mais. Antes que o demônio reagisse, ele levantou a espada e fatiou um pedaço do peito perto do pescoço. Três, ele pensou, ofegando um pouco. Só faltam 997…

Tadayoshi mergulhou debaixo do braço do Oni, fatiando um pedaço da pele do demônio antes que o kanabo o alcançasse. Sem perder tempo, ele virou e avançou assim que viu a abertura, fatiando de novo e de novo.

Logo o espadachim e sua lâmina estavam cobertos de sangue, os pedaços de pele fatiada espalhados pela clareira.

Duzentos… e cinquenta… e um… Tadayoshi mal chegara a um quarto, mas ele já ofegava demais. Suor caia pelo seu rosto, sangue caia pela suas costas e pernas, suas roupas vermelhas, seu cabelo duro com o líquido seco, sua espada pesada para seus braços.

O sangue vermelho escuro do Oni escorria pelo seu corpo todo, mas sua força não fraquejara em nada.

Não parece que estou fatiando até a morte…

Tadayoshi cuspiu o sangue da besta em sua boca. Morte por mil cortes parece fácil quando o inimigo não pode se mexer…

Mas o pior foi o que ele descobriu durante a luta. A besta tinha uma certa inteligência. No começo, Tadayoshi fatiava a pele sem muito problema. Mas quando chegou perto dos cento e cinquenta, ele começou a cansar, e o demônio a esquivar. Não era o suficiente para escapar da velocidade dele, mas era o suficiente para fazer o espadachim se esforçar mais por cada fatia.

O efeito era visível; os cortes eram menores e demoravam demais. Tenho que mudar de estratégia agora ou vou morrer antes de chegar em 500!

O Oni levantou o kanabo e abaixou com toda sua força.

Tadayoshi saltou e rolou para o lado. Ele evitou o golpe, mas quando a arma explodiu o chão, a poeira subiu e uma pedra veio na direção de seu rosto, acertando o olho direito.

Sua visão avermelhou, a dor imensa. Mas Tadayoshi ignorou. Ele precisava. Suas reações já estava mais lentas devido a exaustão. Se tirasse a mão do cabo para limpar o rosto, ele podia morrer.

Com um balanço do braço, o demônio limpou a poeira. Quando seus olhos enfurecidos encontraram Tadayoshi, a besta correu até o humano que tentava matar.

Tadayoshi mergulhou para fora do caminho, mas ele rolou até uma árvore. Os ferimentos por todo seu corpo gritaram em dor. Merda! A agonia em seu olho era tanta que o fez perder a atenção dos arredores.

Demorou um piscar de olhos para ele se recuperar, mas quando se levantou, era tarde demais.

O golpe vinha em sua direção e o espadachim só conseguiu pensar em uma coisa para salvar sua vida; saltar para o lado contrário e colocar alguma distância e algumas árvores entre ele e o kanabo. Mas quando ele tentou sair do alcance da arma, de novo ele encontrou o caminho bloqueado.

Ele sentiu seu corpo gelar quando percebeu que os troncos arrancados estavam em seu caminho.

Merda!

Tadayoshi foi para trás, colocando algumas árvores entre ele e a arma. Ao mesmo tempo, colocou sua espada ao lado para impedir um golpe direto por reflexo e se preparou para o impacto.

O kanabo destruiu quatro árvores como se fossem nada e acertou o espadachim.

Tadayoshi sentiu o corpo explodindo em dor enquanto atravessou a parede de troncos e voou até o templo.

Graças ao prédio, ele ainda estava de pé, porque não conseguia fazer isso sozinho.

Cada parte de seu corpo latejava. Tadayoshi conseguia sentir ossos quebrados, um pedaço de madeira perfurando seu ombro, o braço esquerdo estava dormente e seu olho que funcionava via dobrado. Sua boca estava cheia de sangue e só respirar doía.

Mas… ainda estou… vivo… por pouco…

Graças ao seu reflexo e sua arma, ele ainda respirava. Mas tinha custado sua espada, a última lembrança de seu mestre. O espadachim conseguia sentir pedaços da lâmina em suas costelas.

Com grande esforço, Tadayoshi levantou a cabeça. Ele viu dois demônios procurando por ele onde a arma tinha atacado.

Não… Só é um…

O espadachim sabia que precisava se mexer, que precisava sair dali antes que a besta o achasse. Mas seu corpo se recusava a obedecer. Só respirar era difícil.

Vamos, Tadayoshi… Ande… você não pode morrer ainda. O velho deve estar rindo do outro lado… Falou tanto, jurando que ia vingá-lo e tudo, mas agora vai morrer pra um demoniozinho desses…?

A besta finalmente o encontrou, e dessa vez mostrou um sorriso de verdade. Era além de grotesco.

Enquanto o monstro massivo correu até ele, Tadayoshi respirou fundo, se preparando para desviar de mais de um golpe. Mas seus corpo ainda não respondia.

Mexa… se mexa, droga…

Mas não fez diferença. Ele não conseguia nem levantar os braços.

Merda… Tadayoshi abaixou a cabeça e fechou o olho bom. Então é assim que o homem sem nome, sem lealdade vai morrer? Lutando contra um demônio sem nome?

Ele respirou fundo, tentando achar qualquer forças para se mexer, ou pelo menos balançar sua lâmina quebrada mais uma vez.

Mas nada.

Com um sorriso amargo, ele esperou sua vida acabar.

Mas o tempo passou e o golpe final não veio. Ao invés da morte, Tadayoshi sentiu um bafo quente e podre em seu rosto e arriscou abrir o olho.

Tinha um par de olhos vermelhos o encarando de volta.

A besta tinha parado ao invés de atropelá-lo. Abaixou a cabeça até estar quase na altura de Tadayoshi, vendo se sua presa ainda estava viva, o sangue vermelho escuro e denso escorrendo com o suor e a sujeira pelo corpo.

Provavelmente checando que tipo de humano poderia dar tanto trabalho, o espadachim pensou, sua mente no limiar de desmaiar.

A besta o agarrou com a mão livre.

Aquela mão massiva mandou uma onda de dor através daquele corpo já dolorido. Merda… só me matar não é o suficiente? Vai me atormentar até o final?

A raiva tomou conta dele. Antes que percebesse, Tadayoshi encontrou forças para levantar o que restara de sua espada.

O demônio inclinou a cabeça um pouco, intrigado pela ação.

Com um sorriso selvagem, o espadachim cortou os olhos do demônio.

O rugido foi ensurdecedor. A besta largou Tadayoshi e o kanabo, levando as duas mãos ao rosto. O demônio correu de um lado ao outro da clareira, destruindo qualquer coisa em seu caminho.

Tadayoshi caiu sobre as pernas, acertando os joelhos no chão. Mas ele mordeu os lábios para impedir seu grito de dor e aproveitou a chance para se arrastar o mais longe que podia.

Tenho que me afastar… sobreviver… mais um dia… Aquele pensamento lhe deu forças suficiente para se mexer.

Mas cada passo tinha seu preço. Na metade do caminho até a floresta, a dor era tanta que suas pernas se recusavam a se mexer de novo. Ele tentou se puxar com a mão livre, mas o braço estava pesado demais.

Com a respiração rasa e dolorosa, Tadayoshi encostou contra uma pilha de troncos destruídos e observou o Oni, esperando o monstro voltar a atenção para ele.

Mas o demônio nunca olhou para ele.

Tadayoshi não conseguiu evitar o sorriso quando viu a besta massiva de joelhos com as mãos no rosto, gritando e tentando parar o sangue. Ele pode ter perdido a luta, e se escapasse com vida, seria uma sorte que não merecia. Mesmo assim, tinha algo satisfatório em saber que tinha causado um dano sério à algo tão monstruoso.

É assim que aquele casal idiota se sente?

Com outro rugido ensurdecedor, o Oni levantou e virou a cabeça para todos os lados. Respirando rapidamente, virou para o espadachim.

Tadayoshi congelou, mas a besta não avançou até ele.

Espera… está cego…? Então ele percebeu. Não está respirando rápido… está tentando me achar pelo cheiro!

Era o pouco de sorte que ele precisava para sobreviver. Mesmo assim, lhe faltava forças para fugir. Merda… não posso fazer nada nesse estado

O demônio começou a correr enlouquecidamente, espalhando a destruição enquanto derrubava mais árvores só com o corpo. Mas sempre ficando dentro da clareira.

Se não fosse o cheiro de sangue e carne da própria besta espalhado e sobre ele, Tadayoshi sabia que teria sido encontrado a essa altura. Ele também sabia que precisava fazer alguma coisa antes que fosse encontrado de verdade.

Ainda segurando o que restava de sua espada, ele procurou algo para jogar. Tinha a espada de madeira na cintura, mas com o braço naquele estado, seria quase impossível sacar, muito menos jogar longe o suficiente.

Sua mão trêmula foi para dentro das roupas ensopadas de sangue e encontrou o que precisava; a faca. Respirando fundo, mandando ondas de dor pelo seu corpo, ele reuniu o pouco de forças que restava. Então jogou a faca o mais longe que podia.

A arma voou quase lentamente para Tadayoshi, o metal ressoando quando caiu na terra. Foi baixo, quase inaudível, mas o suficiente para atrair a atenção da besta.

O demônio correu até o som, a clareira tremendo com cada passo.

Tadayoshi esperava que o demônio ia passar por cima da faca, Mas, para seu horror, a besta parou centímetros da arma e acertou os punhos no chão com toda força.

Tem senso de distância… mesmo cego…? Merda… será que os outros sentidos melhoraram depois que perdeu a visão? É mais humano do que pensei…

Merda… Se fizer qualquer som, vai descobrir onde estou na hora…

Tadayoshi colocou a mão na sua outra arma. Precisava sacar e jogar o mais longe que podia. Era a única coisa que tinha que poderia usar para fazer um som e atrair a atenção da besta de novo.

Mas seu braço estava dormente de mais para fazer muito. Respirando lentamente, o espadachim pressionou a espada contra a árvore e empurrou até a arma estar livre. Mas logo que fechou os dedos no cabo, Tadayoshi sabia que nunca poderia levantar naquele estado. A espada de madeira mais parecia de ferro.

Enquanto desesperadamente procurava por algo para jogar, um movimento estranho no canto da visão atraiu sua atenção. Tinha algo além do demônio se movendo na clareira.

Tadayoshi tentou focar, mas ainda via dobrado. Ele fechou o olho e limpou o suor, sangue e sujeira com as costas da mão, ainda segurando o que restara de sua espada com a outra.

No começo, viu apenas borrões. O que quer que se mexia era apenas uma sombra indistinguíveis das árvores. Depois de forçar a vista um pouco mais, o espadachim finalmente viu o que era os borrões.

Ryuu balançava os braços, desesperado para conseguir a atenção dele sem fazer nenhum som e atrair o demônio.

Tadayoshi estreitou o olho e pouco a pouco os contornos ficaram mais nítidos.

Sua discípula carregava várias pedras nos braços e indicava algo com a cabeça. Com esforço, ele virou o olho para onde Ei olhava, sua visão passando e ignorando a besta ensandecida.

Não tinha nada além dos destroços da luta.

O que… eles… estão… pensando…? Ele olhou de volta.

Ei pegou uma das pedra em seus braços e jogou com toda força na direção onde apontou. A pedra acertou um dos troncos destruídos com um som seco e eco.

A besta cobriu a distância até a pedra em poucas passada. Mas antes que pudesse destruir o chão, Ei atirou outra pedra no lado oposto. O Oni parou e ficou parado por um instante antes de pular até a outra pedra. Quando a discípula jogou outra, a besta virou confusa, soltando outro rugido ensurdecedor.

Obrigado… Sob os sons inaudíveis das pedras e dos passos monstruosos da besta, Tadayoshi entendeu. Sua discípula e seu amigo estavam dando tempo para ele fugir. Obrigado!

Recuperando um pouco de ânimo e parte de sua força, o espadachim respirou fundo e forçou seu corpo a andar.

Cada passo fazia seus ferimentos latejarem dolorosamente, mas o som das pedras renovavam suas forças. Faz quanto tempo desde que tive pessoas dispostas a arriscar as vidas por mim, o homem sem nome? Ele deu outro passo, e outro. E por eles, eu vou viver! Tadayoshi disse para si, arrastando o corpo com a ajuda das árvores caídas.

O que restava do templo desabou com um barulho estrondoso. A besta tinha desistido de encontrá-lo, e agora apenas destruía o que restou da clareira.

Mesmo com Ei e Ryuu atiraram as pedras, o Oni simplesmente ignorou, pegando os troncos e jogando para todos os lados.

Tadayoshi quase foi atingido por um dos troncos. Se não tivesse parado e apoiado nos joelhos para recuperar o fôlego, estaria morto agora. Parece que meu destino não é morrer aqui, ele pensou com um sorriso fraco.

Graças à destruirão ensandecida do demônio, um caminho tinha surgido diante do espadachim; uma trilha quase invisível escondida pelas árvores ainda em pé.

Eu vou viver… eu vou viver! Eiko e Ryuu me deram essa chance… não vou desperdiçar! Tadayoshi repetiu em sua mente, ganhando forças com as palavras.

Mesmo se as pessoas o chamassem de covarde no futuro, não era hora para ser herói. Nunca era para ele. Ele não era como seu mestre. Tadayoshi tinha um objetivo e não era sua hora. Não ainda. Mesmo sendo difícil, ele iria sobreviver até realizar sua vingança.

Preciso de tratamento agora… No seu estado, apenas se afastar o máximo que podia do demônio seria difícil o suficiente. Mas se eu conseguir, Ei pode me salvar, ele pensou. Tinha sido assim pelo último ano. Depois das lutas, se ele tivesse qualquer ferimento, até mesmo um arranhão ou outro corte insignificante, sua discípula o tratava apesar das reclamações dele.

Tadayoshi sabia a razão por trás da insistência dela. Apesar das reclamações diárias sobre ele como mestre, ela tinha medo de se separar dele, de ficar sozinha de novo. O espadachim sabia que eles poderiam continuar daquele jeito por alguns anos, mas não para sempre. E por isso, pouco a pouco, ele tinha feito o caminho para o futuro dela, dizendo que já tinha ensinado tudo que sabia. Mesmo assim, ele era grato por tê-la ao seu lado.

Saber que ela estaria ali para ele o fazia se sentir melhor. Sim, ela… e Ryuu… vão me fazer novo de novo… mas quando conseguirem, a gente vai estar nessa montanha esquisita… mas é melhor do que morrer encarando aquela raiva ensandecida daquele demônio selvagem.

Podemos ir pra vila… tem uma chance deles estarem envolvidos com o Oni… eles o reverenciam… mas, mesmo que não estejam envolvidos, o demônio pode ir até lá atrás da gente… se eles estiverem envolvidos, então será seu destino. Se não, não posso fazer nada para mudar isso…

Tadayoshi não era um herói. Nunca fora e nunca pretendia ser um. Apesar de admirar seu mestre, ele nunca quis ser um samurai. Não vou sacrificar minha vida por estranhos… Precisamos sair dessa montanha maldita… Sim, sim. Ryuu tem um mapa. Ele pode nos tirar daqui… sim… ele pode…

Seu corpo ficando mais e mais pesado. Logo estava se arrastando um pouco menos. Sua alma exausta perdia forças com cada batida do coração. Ele queria fechar os olhos, descansar. Não, ele precisava descansar.

Tropeçando numa raiz, Tadayoshi quase bateu a cabeça numa árvore. Com respirações curtas, rápidas e dolorosas, ele usou o braço que ainda funcionava para descansar as costas no tronco, o membro latejando por causa da estaca em seu ombro.

Ele olhou para trás. O espadachim não tinha percebido, mas mesmo em sua passada lenta, ele tinha colocado alguma distância entre ele e o Oni.

As árvores estavam tão juntas que era difícil ver a clareira direito. Agora mal dava para escutar a destruição, todos os sons engolidos pela floresta. Forçando sua visão, Tadayoshi viu algo que o fez parar de respirar.

A besta continuava sua destruição, mas o que fez seu coração afundar foram Ei e Ryuu.

Perto demais… eles precisam se afastar… agora…

Por um momento Tadayoshi pensou que eles foram encurralados pelo Oni quando o mesmo chegou perto demais enquanto eles atiravam as pedras. Mas não era isso. Mesmo dessa distância, o espadachim reconheceu o medo no rosto de sua discípula.

Não era que eles esperavam por uma chance para sair de lá; eles não conseguiam. Ei e Ryuu estavam paralisados pelo terror, e o Oni estava chegando cada vez mais perto. Se continuasse com a sua destruição, logo chegaria neles.

Ei e Ryuu tremiam tanto que derrubaram as pedras em suas mãos quase na mesma hora.

O Oni parou e virou a cabeça na direção do som.

Não…não… não!

Tadayoshi sentiu sua mente ficar dormente.

— Seu… demônio… de merda…

O espadachim não tinha ideia do que estava fazendo. Apesar disso, no momento que falou, sabia que falhara.

Ele pretendia gritar e conseguir a atenção do demônio. Mas apenas um sussurro saiu de seus lábios, e não tinha forças para mais que isso.

Mesmo assim, a besta o escutou.

— Estou aqui…

O rosto da besta se distorceu no que parecia um sorriso que anunciava a morte. No outro instante, correu na direção dele, arrastando tudo no caminho.

Todo o seu ser gritava para ele correr. Tadayoshi queria, mas sabia que, naquele estado, não tinha chances dele sair do caminho a tempo.

O demônio parecia mais como uma verdadeira besta agora, correndo sobre os braços e pernas, o rosto se contorcendo cada vez mais, a boca aberta mostrando todos os dentes afiados.

Apesar de sua morte estar vindo em velocidade máxima até ele, tudo parecia se mexer lentamente para o espadachim.

Se toda luta fosse assim, seria tão fácil, ele pensou com uma risada fraca.

Usando o pouco tempo que tinha, Tadayoshi pensou em suas opções. Mesmo se usasse toda a força que lhe restava para sair do caminho, a besta o encontraria. Se não, ele seria pego se o demônio começasse a destruir tudo naquela área. E mesmo se conseguisse se arrastar, não tinha pedras para mascarar os sons de seus passos dessa vez.

O que posso fazer…?

Encarar um inimigo sem um plano, ou pelo menos uma espada era além de estupidez. Mas estive fazendo coisas estúpidas minha vida inteira.

Sem perceber, Tadayoshi sorria ao pensar em três das cicatrizes em seu abdômen. Elas também eram fruto de sua burrice.

Seu corpo inteiro doía com cada respiração rasa que dava, mas não parou. Ele precisava reunir toda força que lhe restava.

Então, com grande esforço, o espadachim conseguiu levantar o que restara de sua espada.

A mão, o braço e o ombro latejavam e tremiam, mas ele não abaixou a lâmina quebrada.

Estou mesmo acabado. Um espadachim que mal consegue levantar sua espada, ele riu de seu estado patético. Mesmo assim, manteve a espada onde estava. Não abaixaria por nada. Não importava o quanto seus músculos gritassem.

Porque estava apontando sua vida na ponta quebrada da espada.

Enquanto a besta se aproximava, Tadayoshi tentou gritar como seu inimigo, mas sua voz se recusava a sair.

A espada tremeu ainda mais. Não era apenas o esforço; ele não estava apostando apenas sua vida, mas as vidas de pessoas preciosas para ele.

Alguns vivem, alguns morrem no caminho da espada, a voz de seu mestre ecoou na cabeça dele.

Foi uma das primeiras coisas que ensinei pra Ei…

Ryuu era um exorcista que arriscava sua vida lutando seres que não eram deste mundo.

Ei apostava sua vida sempre que sacava a espada.

Se eu não tentar de tudo pra sobreviver, não poderei encarar minha discípula e meu amigo de novo…

Tadayoshi respirou fundo. Seu corpo parou de tremer e a dor foi embora; estava concentrado demais para sentir qualquer dor.

Tudo que o espadachim podia ver era sua espada quebrada e o demônio correndo em sua direção. Até mesmo as árvores ao seu redor ficaram borradas. Só tinha ele e seu inimigo.

— Venha! — ele conseguiu gritar.

O tempo parecia se esticar ainda mais.

Tadayoshi notou tudo. O Oni esmagando a terra e madeira com cada passo, seu corpo arrastando tudo na sua frente até finalmente chegar no mesmo caminho que Tadayoshi.

O rosto coberto por sangue e suor parecia mais demoníaco do que nunca. Mesmo cega, a besta encarava na direção dele, quase como se soubesse onde sua presa estava.

Os destroços e árvores no caminho diminuíam sua velocidade, mas o Oni continuou vindo.

Tadayoshi ajustou a ponta de sua lâmina quebrada, mirando no pequeno alvo que poderia salvar sua vida.

O demônio estava quase nele, junto com as árvores que arrastava. Com um rugido, a besta saltou, fazendo a floresta tremer.

Com um grito próprio, Tadayoshi colocou toda a força na lâmina quebrada.

Quando a besta caiu em cima dele, o espadachim sentiu a espada entrando na boca dela.

Enquanto Tadayoshi voava para trás com o impacto monstruoso, pela primeira vez ele sentiu sua lâmina perfurando o demônio, atravessando a cabeça até o outro lado.

Seu plano tinha funcionado.

O corpo do demônio tremeu e então finalmente parou de se mexer.

Mas o momento era grande demais, mesmo com as árvores e os troncos que impediam a besta de se mexer livremente.

Com a queda, Tadayoshi bateu a cabeça, quase perdendo a consciência.

Mesmo assim, ele não largou a espada, seus dedos fechados ao redor do cabo com força. Tadayoshi parou de sentir dor por completo, cada parte de seu corpo dormente. Acho que é melhor do que sentir aquela dor o tempo todo…

Ele tinha vaga consciência da situação. Se não fosse pelas árvores e troncos dos dois lados, Tadayoshi estaria esmagado pelo corpo da besta.

Mesmo agora, o Oni grunhiu, a respiração diminuindo até finalmente parar por completo.

O espadachim tinha vencido, mas não tinha forças para se mexer.

Desculpe, mestre. Parece que não vou poder retribuir tudo o que você fez por mim.

Com esse último pensamento, Tadayoshi perdeu a consciência.