Capítulo XIX – Problemas

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- Que horas são? – perguntei meio sonolenta, embora não conseguisse fazer de jeito e maneira nenhuma que o sono chegasse.

Aidan virou sua face para o lado, depois ele suspirou, acho que como eu, ele também estava decepcionado por minha falta de sono.

- Onze e meia. Você devia estar dormindo, terá de levantar cedo amanhã.

Bocejei e depois me acomodei mais em seu peito largo. Talvez eu estar deitada sobre seu corpo, aspirando seu cheiro maravilhoso surtisse o efeito contrário, e ao invés de fazer-me relaxar, deixava-me ainda mais elétrica.

Aidan apertou-me delicadamente contra o seu corpo e eu sorri em resposta, ainda não estava completamente acostumada à idéia de sentir-me tão amada, e para completar, por uma criatura tão bela e intrigante.

- Estou sem sono. – sussurrei automaticamente, talvez no fundo, minha falta de sono não fosse tão ruim quanto eu imaginava. – Acho que estou aderindo aos seus hábitos. – brinquei com ele, tentando afastar aquela nuvem que estava rondando-o desde que eu iniciara aquela conversa de que ele teria de ir embora em breve, custara-me muito convencê-lo a me deixar dormir abraçada a ele!

- Nem mesmo brinque com isso. – ele retrucou, ainda mal humorado.

- Ora e por que não? Ao que me consta você não nasceu um Mediador. – provoquei-o ainda mais, tentando de qualquer forma descontrair nossa conversa.

Ele suspirou novamente, parecia estar refreando seu mau humor, o que eu tinha de admitir, não estava funcionando muito bem.

- Você tem que ser escolhido para se tornar um deles. Não é algo que ocorra do dia para a noite, existe um treinamento, uma preparação que se faz necessária.

Deixei que meus dedos passeassem pela superfície de sua camisa, traçando leves círculos.

- E isso te fez infeliz. – sussurrei, e ele enrijeceu imediatamente, por um momento arrependi-me de ter cutucado aquela ferida sua, mas depois senti seus lábios em meus cabelos e tive a certeza súbita de que ele estava bem.

- Você tem razão, isso me fez infeliz por décadas.

- Quinze décadas. – eu o corrigi e ele concordou comigo, rindo levemente.

Em um movimento sutil, levantei-me, apoiando meu cotovelo em seu tórax, enquanto pegava seu rosto em minhas mãos. Meus olhos perderam-se nos seus, mais uma vez.

- Aidan? – eu o chamei, requisitando toda a sua atenção para mim. – Pode tirar uma dúvida minha?

Ele franziu o cenho, desaprovando minha idéia, aposto que ele queria me ver dormindo. Mas depois ele simplesmente se rendeu com um longo suspiro.

- O que quer saber?

Antes que eu pudesse sequer perguntar a ele, roubei-lhe um beijo, como que para compensá-lo por sua imensa paciência comigo.

- Vocês, sei lá... vocês se casam? – tentei fazer parecer com que minha pergunta não parecesse nada intencional, e mantive meu tom de voz completamente despreocupado.

- Por que quer saber isso? – perguntou-me ele, um pouco desconfiado.

- Só curiosidade. – garanti-lhe.

Aidan arqueou uma de suas sobrancelhas, mas novamente ele se viu sem saída. Sem resposta, sem sono para mim.

- Tudo bem, - ele se rendeu – como você sabe, nós somos em geral criaturas muito solitárias. Mas, sempre há aqueles que se cansam de viver na solidão. – disse-me ele, lançando-me uma piscadela - Não posso dizer que seja exatamente como o casamento dos humanos, mas há uma cerimônia oficial para a troca de votos, como de fidelidade, proteção e companheirismo.

- Como em um casamento. – complementei.

- Sim, quase como em um casamento. – ele concordou comigo, mas eu fiquei emburrada. Torci meu rosto para o lado, evitando seus olhos.

Aidan logo notou que havia algo de errado comigo.

- O que foi? – perguntou-me ele.

Tornei meu olhar para ele, meu rosto ainda estava vincado pela decepção. Eu não queria contar a ele o que me afligia naquele momento, principalmente porque era deveras constrangedor.

Mas ele insistiu, e eu sabia que se não contasse para ele o que se passava em minha cabeça, ele ficaria remoendo isso por dias.

- Agatha?

Rendi-me com um longo suspiro, assim como ele. Afaguei seu rosto com meus dedos, acompanhando cada linha que o compunha, e deliciava-me com a perfeição absoluta que eu tinha na ponta de meus dedos.

- Alguma... – pausei por alguns segundos, vasculhando minha mente pela palavra correta – Mediadora já... se interessou por você?

Ah, aquilo devia ser música para os ouvidos dele. Ver-me com tamanho ciúme, isso devia ser ótimo!

E eu estava certa, porque ele riu, e riu muito de mim. Ah, como eu gostaria de silenciá-lo com meus lábios agora, mas eu me contive, ainda estava desejosa por sua resposta.

- Por que está se preocupando com isso? – perguntou-me ele, ainda rindo.

Fiz um biquinho, ele adorava divertir-se às minhas custas.

- E não é óbvio? Duvido que eu consiga competir com uma!

Ele abriu um sorriso torto que roubou todo o meu fôlego.

- Você não precisa competir com uma. Isso porque não há o que ser disputado, meu coração já é seu. Aliás, tudo o que eu sou pertence a você. Estou preso a você até o findar de meus dias.

Senti um alívio imenso ao ouvi-lo dizer aquilo, embora ele claramente estivesse tentando desviar o rumo de nossa conversa. Não me dei por satisfeita, se ele acreditava que conseguiria tapear-me, estava muitíssimo enganado.

- Você ainda não respondeu minha pergunta. – acusei-o, séria.

Aidan ainda mantinha-se relutante, então eu realmente possuía uma rival na Itália, e só de imaginá-la, causava-me arrepios.

- Tudo bem, você venceu novamente. Sim, uma delas já demonstrou interesse por mim.

- Quero um nome e descrição. – exigi-lhe.

Aidan riu e sua mão percorreu minhas costas, deslizando suavemente, causando-me arrepios.

- O nome dela é Crystal Sherwood, ela é filha de uma lendária Mediadora, uma das mais poderosas que eu já vi para ser franco, e que hoje é uma das Sete Tristezas, assim como meu mentor.

- Quantos anos ela tem?

- Ela nasceu alguns anos depois d’eu ter sido levado à Itália por Ducian, crescemos juntos, eu a vi crescer, e garanto que não sinto absolutamente nada por ela, a não ser é claro, um grande respeito e admiração.

- E como ela é? – insisti no assunto, disposta a não deixá-lo mudar o rumo de nossa conversa.

- Como qualquer outra garota aos meus olhos.

- Não foi isso o que eu quis dizer. – cortei-o, indo direto ao ponto que me interessava.

- Argh! – ele retrucou, mas sorriu para mim e prosseguiu, rendendo-se mais uma vez – Claro que ela é bonita, atraente e eu devo dizer que é bem teimosa também.

- Acho que eu imagino porque. – retruquei, irônica.

Ele riu novamente de meus ciúmes exagerado, mas era algo inevitável. Seria tão anormal assim que eu tivesse medo de perdê-lo para alguma Mediadora poderosa e bonita?

Sua voz interrompeu meus devaneios, exigindo minha total atenção mais uma vez.

- Você sabe que todo esse seu ciúme é desnecessário. Eu convivi durante tantos anos entre os meus, entre os seus, e jamais encontrei a felicidade como encontrei em você. Estava escrito, Agatha, você esteve destinada a mim desde o inicio, assim como eu estava destinado a você. Mas, se você quer saber, eu tenho muito mais motivos para ter ciúmes de você. Peter anda muito abusado ultimamente, acho que posso encarregar-me dele?

Toquei seus lábios com meu indicador, agora era a minha vez de falar-lhe.

- Pare de ser bobo! – eu o recriminei – Eu só tenho olhos para você.

- Isso é bom. – assentiu ele – Por um lado, porque pelo outro não me permite colocar medo nos garotos que correm atrás de você.

- Nem são tantos assim. – lembrei a ele.

- Se você não pode sentir a energia deles quando passam perto de você, então não pode ter certeza. Acredite em mim, você mexe com todos eles. O que claramente significa mais concorrência para mim.

- Tudo bem, agora você está exagerando. – zombei dele, rindo.

- Estou, é? Já parou para notar o quão diferente e exótica você é?

- Com a parte do diferente eu até concordo.

- E quem está sendo bobo agora? – perguntou-me ele, apertando-me mais em seus braços.

- Continua sendo você. – retruquei e depois inclinei meu corpo, curvando meus lábios até os seus. Minha alegria não durou muito, logo ele afastou-se de mim, os olhos brincalhões.

- Muito bem, hora de dormir.

Rendi-me com um suspiro, mas eu tinha de admitir que discutir com ele havia me deixado cansada, pelo menos o suficiente para ter uma noite tranqüila de sono.

Tornei a pousar minha cabeça em seu peito largo, sentindo o leve arfar de seus pulmões e eu senti seus dedos entrelaçando-se nos fios de meu cabelo, ele realmente estava disposto a me colocar para dormir.

- Aidan... – chamei-o uma última vez.

- Hmm...

Sorri, eu ainda não havia me acostumado à idéia de dizer aquilo, mas com ele era tão fácil, tão espontâneo, então não tentei conter mais aquilo.

- Eu te amo... – sussurrei-lhe e senti seus braços estreitarem-se ainda mais ao meu redor.

Ele depositou um beijo casto em minha testa e depois me apanhou desprevenida, meu coração acelerou, mas por não conter tamanha felicidade.

- Eu também te amo, mais do que qualquer outra coisa.

E ainda sorrindo, eu acabei por vagar até a escuridão, deixando que ela me envolvesse completamente, enquanto eu dormia em seus braços.

O clima estava agradável, uma típica manhã de quarta-feira. Eu havia acordado cedo, embora o despertador tivesse praticamente chutado-me para fora da cama.

Eu caminhava completamente distraída pela calçada estreita, estava quase em frente à escola, quando um som diferente chamou minha atenção. Estava um falatório infernal e uma multidão aglomerava-se de uma forma estranha em frente a ela.

Só depois vi as viaturas da polícia e uma ambulância, postadas de uma forma incomum. E então a sensação de que algo havia acontecido aflorou em mim, causando arrepios em todo o meu corpo e eriçando os pêlos da minha nuca.

Aproximei-me de forma cautelosa da grande multidão, reconheci não apenas alunos, como funcionários da escola, todos com os olhos esbugalhados, o semblante em completo choque, enquanto eles comentavam o que havia acontecido ali.

Vi a figura de Tamara passar através deles, espremendo-se para chegar até mim. Peter veio logo atrás dela. Ela estacou diante de minha figura, sua expressão estava igualmente chocada.

- Tamara... o que houve? – perguntei a ela, um pouco temerosa do que ela viesse a me dizer.

Ela mordeu os lábios, seus olhos faiscaram até o rosto de seu irmão, mas ele assentiu e ela tomou fôlego.

- Houve um assassinato ontem à noite na escola. – murmurou ela, a meia-voz.

- O quê? – perguntei a ela, completamente confusa.

- Encontraram o corpo do zelador Harrys hoje pela manhã. Só conseguiram identificá-lo devido ao crachá, porque... parece que arrancaram a pele de seu rosto.

O chão sumiu abaixo de mim e eu teria caído se não sentisse alguém segurar em minha cintura, sustentando todo o meu peso. Era Aidan, eu já sabia disso, mas tê-lo ali naquele momento, parecia ter atenuado um pouco de todo aquele desespero que eu estava sentindo.

Tamara acenou para ele, simpaticamente.

- Oi, Aidan.

Ele assentiu e Peter também o cumprimentou, deu meia-volta e meteu-se novamente no meio da multidão barulhenta.

Tamara olhou-me como quem pede desculpas e depois se retirou, juntamente com Peter.

Olhei para cima e vi os olhos semicerrados, quase furiosos de Aidan. Então era como eu havia suspeitado, havia sido obra de um Mediador.

- Aidan? – chamei-o, mas ele não respondeu de imediato, eu não gostava de vê-lo assim, lembrava-me o Aidan frio e fechado que eu conheci no passado. Ele em nada parecia com a pessoa de ontem à noite.

Sem ao menos olhar nos meus olhos, ele conduziu-me para o mais distante possível daquela multidão.

- Vem, vamos embora, duvido que haverá aula hoje.

Enquanto me virava junto com ele, vi os legistas retirando o corpo do local, coberto pelo tecido branco, o sangue tingia o pano. E ouvi claramente a voz do delegado Percy pedindo a todos que abrissem caminho, a fim de dar passagem para os legistas.

Não vi mais nada, virei meu rosto para a frente, enquanto caminhava calmamente pela calçada, junto de Aidan.

Eu não sabia para onde exatamente ele ia levar-me, só temia que sua fúria fosse demais para ser contida. No fundo, eu sabia que ele estava culpando-se por isso. Eu somente não conseguia adivinhar o que exatamente se passava por sua cabeça naquele momento.

Assim, caminhamos durante um bom tempo, sempre em silêncio. Até que quando dei por mim, já estávamos na floresta, próximo ao seu chalé.

Aidan sem a menor cerimônia, lançou sua mochila no chão, eu fiz o mesmo, porém não com tanta violência.

Vi que ele desistiu de manter a fachada tranqüila, caminhou de forma rígida até uma árvore e depois a socou com extrema violência.

Eu estremeci, jamais o havia visto com tanta fúria. Tive medo de tentar acalmá-lo e ser repelida por sua raiva, então permaneci completamente muda, aguardando que seu humor melhorasse.

Aidan apoiou as duas mãos no tronco da árvore e baixou sua face, ele claramente estava muito irritado com toda aquela situação.

Uma sensação estranha apoderava-se de mim, vagarosamente, e impelia-me a aproximar-me de Aidan e perguntar o que tanto o havia perturbado.

Deixei meus temores de lado e avancei em sua direção, medindo meus passos. Estaquei a alguns centímetros de sua figura raivosa e então travei uma batalha interna, mas minha curiosidade falara mais alto do que meu medo no fim.

- Aidan? – eu o chamei, ainda um pouco temerosa.

Ele não me respondeu de imediato, e eu tive de aguardar por vários segundos, antes que toda a sua fúria dissolvesse-se por inteiro.

- Sim? – ele respondeu-me, ainda que a raiva estivesse contida em suas palavras, tornando-as quase ásperas.

- O que... houve com você?

Ele hesitou e isso não passou despercebido por mim. Seja lá o que estivesse aborrecendo-o, estava preocupando-me.

Contei mentalmente até vinte antes que sua voz permeasse pela clareira mais uma vez.

- Não é nada demais.

Eu insisti naquele assunto, disposta a não deixá-lo enganar-me.

- Você não precisa tentar proteger-me mais, apenas me diga a verdade, por favor.

Aidan suspirou por longos segundos, depois se virou para mim e eu encontrei seus olhos furiosos, e olhar dentro deles fez-me estremecer de imediato.

- O que houve para deixá-lo tão perturbado? – perguntei-lhe novamente, esperançosa de que ele me desse a resposta dessa vez.

- Você ouviu o que Tamara lhe disse, não ouviu?

Assenti e ele prosseguiu.

- Quem você acha que cometeu esse crime brutal?

Sua pergunta pegou-me desprevenida, eu só pensara em apenas um tipo de criatura.

- Foi o... desertor, não foi?

Aidan olhou em derredor, semicerrando seus olhos.

- Não exatamente.

- Como? – perguntei, exaltando-me – Quer dizer que não foi um Mediador?

- A julgar pelo estado em que o cadáver foi encontrado, não, não foi um Mediador. – concluiu ele, calmamente.

- Mas, então quem ou o quê fez aquilo?

Aidan caminhou alguns passos para a esquerda, seu semblante fugindo de meus olhos, e eu não pude mais ver sua expressão. Mas eu vi quando ele cerrou os punhos com força, estalando seus ossos.

- Um Devorador de Almas. – ele respondeu-me tenso, a meia-voz.

O que raios era aquilo?

- O que é um... Devorador de Almas? – perguntei-lhe.

- Criaturas sombrias, escondem-se da luz do dia e caçam a noite. São como sombras, espectros, não há como matá-los, apenas afugentá-los para longe daqui.

- E por que não?

Ele virou-se novamente para mim, os olhos cautelosos.

- Porque eles simplesmente não estão vivos para que se possa matá-los.

- Então... eles estão... mortos? – conjeturei.

- Não também. – respondeu-me ele, prontamente.

- Então eles... – apenas comecei minha frase, mas sua voz interrompeu-me.

- Sim, eles não estão nem vivos e nem mortos. Não possuem alma própria, por isso precisam alimentar-se de uma. Acreditamos que essas criaturas estejam aqui desde o inicio dos tempos, assim como os antigos, porém, quando Riguran fez a distinção dos dois planos e baniu os espíritos para o plano espiritual, essas criaturas não puderam atravessar a barreira, não estavam mortas, mas também não estavam vivas. Então elas ficaram presas ao plano físico, fadadas a vagar sob as sombras noturnas e caçar humanos para assegurar suas sobrevivências.

- Espera. – eu o interrompi – Está me dizendo que temos um Devorador de Almas aqui? Em South Hooksett?

- Um não. – ele corrigiu-me – Devoradores de Almas jamais caçam sozinhos, eles agem em bandos.

Estremeci mais uma vez somente de imaginar criaturas como essas vagando pela cidade durante a noite.

- Mas e quanto ao... rosto dele?

Aidan foi categórico quando me respondeu.

- Devoradores de Alma não possuem um rosto próprio, dizem que eles são somente formas medonhas de energias canalizadas. Eles roubam a face de suas vítimas e a inserem em seu próprio corpo, como uma máscara de pele humana.

Recebi uma apunhalada no estômago, a náusea era bem forte e roubou-me todo o fôlego. Respirei fundo a fim de reprimi-la.

Cerrei meus olhos com força e deu certo, o enjôo passou.

- Mas como criaturas como essas poderiam estar aqui?

Mais uma vez ele foi objetivo enquanto respondia minha pergunta.

- Acredito que seja obra do desertor. Já ouvi falar de Mediadores que fizeram pactos com criaturas como essas, usando de suas habilidades e poderes para realizar seus objetivos e pagando-os com almas humanas.

- Então é o desertor. – conclui.

- Sim.

Aidan aproximou-se de mim novamente, ele já parecia estar um pouco mais controlado. E seus olhos estavam cautelosos mais uma vez.

- Agatha, quero que me prometa que não fará absolutamente nada de arriscado, e quando eu não estiver ao seu lado, por favor, não faça nada imprudente, apenas permaneça em sua casa e evite sair à noite. Eles podem vir atrás de você e podem tentar feri-la para me atingir.

- Tudo bem, eu entendo. – assegurei-lhe, e então ele me abraçou, lançou-se em minha direção, seus braços cercando-me de forma protetora e ele enterrou sua face em meus cabelos.

- Eu não suportaria se algo acontecesse a você. – sussurrou ele, inspirando na pele sensível de meu pescoço.

Aconcheguei-me mais ao seu corpo e cerrando meus olhos também sussurrei para ele.

- Eu também não suportaria perder você.

E um vento frio irrompeu pela clareira onde estávamos, vergastando os galhos das árvores, sacudindo as folhas sob nossos pés. Arrepiei-me por sentir tamanha gelidez, mas afugentei essa sensação ruim, eu estava bem, na verdade, estava mais do que bem, estava com Aidan.

O cheiro que provinha da cozinha era absolutamente irresistível; minha mãe caprichara no menu do jantar. Já havia anoitecido, e a hora do jantar aproximava-se cada vez mais. Claro que ela estava feliz, que mãe não ficaria feliz em conhecer o namorado de sua filha? Principalmente se ele foi o responsável por fazer brotar um sorriso em seus lábios e deixá-la mais animada do que uma criança em noite de natal.

É, é exatamente assim que eu me vejo, uma criança. Sinto-me tão animada a e inocente quanto uma.

Terminei de vestir minha blusa de tecido leve, cor de creme e desci as escadas com uma empolgação fora do comum. Eu tinha certeza de que minha mãe adoraria conhecer Aidan, e que tipo de pessoa poderia permanecer incólume aos encantos dele? Nem mesmo eu havia conseguido isso.

Invadi a cozinha, espiando por sobre o seu ombro. Minha mãe cantarolava uma canção alegre enquanto remexia-se pela cozinha. O prato que ela levara horas preparando, uma receita de família, já dava sinais de estar no ponto.

Minha mãe encarou-me, ela odiava ser observada enquanto executava suas tarefas, principalmente se estivesse colocando suas mãos mágicas para trabalhar.

Ela terminou de secar a mão no pano de prato, depois as colocou na cintura, olhando-me com hostilidade.

Ergui minhas mãos para o alto, rendendo-me.

- Tudo bem, eu verei se não está faltando nada na mesa.

Minha mãe assentiu, mas eu me lembrei de um fato importantíssimo que não deveria ser esquecido; Aidan não comeria conosco a mesa.

- Er, mãe, a senhora não devia ter feito tanta comida. – eu a alertei.

Ela virou-se para mim novamente, a colher em uma das mãos.

- Ora e posso saber por que?

Ri um pouquinho antes de responder-lhe.

- Mãe, eu a avisei, Aidan meio que está em uma... dieta especial. – sorri internamente ao imaginar sua expressão quando minha mãe perguntasse qual era a tal dieta a que ele estava submetendo-se.

Minha mãe resmungou e depois voltou a mexer na travessa gigante de vidro, da qual exalava aquele cheiro tão irresistível.

- Espero que ele não tenha estômago sensível. Não acredito que ele fará essa desfeita! - murmurou ela, decepcionada.

Olhei para ela como quem se desculpa e depois corri até a sala de jantar, observando a mesa. Eu até mesmo já imaginava a cena; minha mãe tentando conversar com Aidan, seria no mínimo interessante e eu apostava que seria muito, muito engraçado.

O som de três batidas leves na porta da frente sobressaltou-me; era ele.

Lancei-me como um míssil até a porta e a abri, revelando o rosto que eu mais queria ver naquele momento.

E ele estava lindo, como sempre.

Abracei-o, cercando-o com meus braços e ele retribuiu meu gesto no mesmo instante. Afastei-me para olhar em seus olhos e sorri.

- Não acredito que você esteja realmente aqui! – murmurei, tentando abafar a minha voz e não deixando de demonstrar o quanto sua presença ali, deixava-me feliz.

- Eu prometi, não prometi?

Seus dedos afagaram meu rosto, meu coração estranhamente estava a mil. Eu mal me segurava para colocar ambos frente a frente.

Puxei Aidan para dentro de casa, fechando a porta. Fiz-lhe um sinal com meu dedo indicador para que ele aguardasse por mim.

- Fique aqui e não se mexa.

Aidan colocou as mãos nos bolsos de seu jeans e eu parti, rumando novamente na direção da cozinha. Minha mãe encontrou-me no meio do caminho, já com a imensa travessa de vidro nas mãos. Não lhe dei chance, puxei-a pelo cotovelo, praticamente empurrando-a até a sala de jantar.

Minha mãe sorria, igualmente entusiasmada. Postei-me ao seu lado, desta vez empurrando-a com minha mão em suas costas.

E assim que ela viu Aidan, seu semblante mudou. Meu coração disparou, mas eu ignorei aquela sensação, e tratei de apresentá-los formalmente.

- Mãe, esse é Aidan Satoya. – apontei para ele e sua expressão indecifrável, ele parecia tenso, mas eu devia estar imaginando coisas.

Olhei novamente para minha mãe e então me assustei; seus olhos estavam esbugalhados, seus lábios estavam abertos pelo choque, todo o seu corpo havia ficado mole e ela afastou-se de mim, recuando de costas.

Ela parecia estar vendo uma assombração naquele momento, seu rosto ficou completamente pálido, lívido.

- Mãe? – eu a chamei, mas não houve resposta.

Aquilo estava deixando-me confusa. O que estava havendo ali? Ela agia como se... como se... o conhecesse...

E então um som alto rompeu o silêncio na sala, o som de algo se quebrando, partindo-se em mil pedaços. Reconheci ser a travessa de vidro que minha mãe tinha nas mãos. Enquanto que seu conteúdo espalhava-se pelo assoalho de madeira escura, manchando-o.

E minha mãe continuava a se afastar de mim, nunca demovendo seus olhos de Aidan, enquanto seus lábios tremiam e sua voz rouca pronunciavam três palavras.

- Não pode ser! - e ela cobriu os lábios com as mãos, não dizendo mais nada.

E lágrimas rolavam por sua face, enquanto eu ficava ali, petrificada, sem fazer absolutamente nada e principalmente, sem entender nada.