Capítulo VII – Dança das sombras

“Um a um eles morreram

Um massacre que tomou toda a noite

Eles não tiveram chance, não era luta

Você não pode matar o que foi morto antes,

Eles morreram...”

(Nightwish featuring Within Temptation – Gatekeeper)

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O vento passou rasgando toda a floresta ao meu redor, agitou as copas das árvores e moveu as folhas sob os meus pés. Eu ainda não tinha conseguido me levantar, estava petrificada demais, perplexa demais.

Eu encarava a toda aquela cena completamente chocada, encarava o rapaz a minha frente, rígido, pronto para atacar ou se defender a qualquer momento. Encarava as duas figuras sombrias e medonhas à frente dele em posições hostis.

O céu ainda era revestido pelo manto negro da noite, o silêncio ainda prevalecia naquela floresta agora enegrecida pela ausência do luar.

Meus olhos permaneciam fixos na figura imóvel de Aidan, de costas para a minha. Eu não sabia exatamente o que estava fazendo ali, muito menos o que estava havendo ali. Minha mente estava vazia pelo pânico, eu não conseguia pensar em uma resposta racional para o que presenciara, para que vivera e para o que testemunhara.

Talvez em meu subconsciente eu esperasse que aquilo tudo não passasse de um pesadelo, que eu tivesse adormecido em meu quarto em algum momento enquanto esperava por Max, que tudo aquilo fosse apenas produto de minha imaginação fértil. Mas por que eu não despertava então?

As pessoas não costumam despertar de sonhos ruins quando querem? As pessoas não costumam ter consciência de que estão apenas sonhando? Então por que isso não acontecia a mim também?

Por que eu não conseguia mais acordar daquele sonho horroroso? A resposta estava bem diante de meus olhos, e embora eu não quisesse aceitá-la, ela estava.

Porque eu não estava sonhando. Aquilo não era um pesadelo. Aquilo era a realidade. Uma obscura e medonha realidade na qual eu caí e da qual eu não consigo mais me libertar.

Um ruído estranho trouxe-me de volta a terra, e eu me vi fitando as três figuras imóveis naquela floresta novamente.

E então a luta começou.

Um dos jovens avançou na direção de Aidan, lançando-se como um projétil para a frente, com a graça e velocidade de uma flecha sendo disparada de um arco.

Aidan agachou, flexionando suas pernas, as mãos estavam cerradas em punho, moendo seus ossos.

E então ele saltou. Não tive certeza de como, foi muito rápido. Mas ele impulsionou suas pernas, lançando-se no ar silenciosamente. Eu mal acreditava no que via, ele devia estar a quase dez metros de distância do solo.

Seu adversário também saltou, e em questão de segundos ambos chocaram-se no ar. Aidan passou seus braços ao redor do corpo dele, prendendo-o em um aperto esmagador. Aidan o imobilizou, ele parecia muito mais experiente no que fazia do que o outro.

E então com um movimento sutil ele impulsionou seu corpo novamente, desta vez na direção do solo, colocando o corpo de seu inimigo abaixo de si.

E então eles se chocaram contra o chão, houve um som ensurdecedor na floresta no exato momento em que eles atingiram o chão. Como se uma pedra de várias toneladas tivesse sido lançada nele, e não o corpo de um jovem.

A terra fofa e úmida foi lançada para todos os lados, e eu cobri meu rosto com minhas mãos a fim de proteger de meus olhos.

O impacto levantou uma chuva de folhas secas, lançando-as para o alto e depois, fazendo-as despencar para ele de volta.

Retirei a mão de meu rosto e encarei chocada a imensa cratera no chão de terra, aberta pelo impacto da queda daqueles dois corpos.

Fitei a figura de Aidan, ele ainda imobilizava o outro jovem no chão, prendendo seus braços em suas costas. Com aquela escuridão eu não podia ver seu semblante, e alguns fios de sua franja impossibilitavam-me de ver seus orbes.

O jovem abaixo dele debatia-se para se livrar da imobilização, mas eram esforços inúteis, Aidan parecia muito seguro do que fazia quando o soltou pelo menor dos segundos.

Depois suas mãos lançaram-se como serpentes para o rosto dele, agarrando-o. E com um único movimento, silencioso e quase imperceptível, ele girou a face sob suas mãos fortes, torcendo-a, e levando o pescoço consigo em um golpe que quebrou seu pescoço.

A cabeça do jovem tombou no chão de terra, imóvel, os olhos arregalados, então eu soube que ele estava morto.

Algo parecido com uma punhalada agitou a boca de meu estômago, e a sensação de náusea voltou a me incomodar.

Aidan permaneceu imóvel sob o corpo do jovem que ele acabara de executar. A cabeça pendendo para a sua expressão silenciada para sempre. E então o outro jovem rosnou para ele, chamando sua atenção com um rosnado bestial.

Aidan o fitou calmamente. E então ele partiu em sua direção. Assim como o outro, ele se lançou na direção dele com uma velocidade anormal.

Aidan permaneceu imóvel enquanto seu outro adversário lançava-se como um leão em sua direção, os olhos tomados pela fúria, o furor da batalha queimando em seus músculos.

Porém, antes que ele sequer pudesse tocá-lo, algo o atingiu em pleno movimento, como uma onda de energia invisível, poderosa, que o lançou para trás novamente, fazendo-o chocar-se contra o tronco de uma árvore violentamente.

A onda de energia alcançou-me, porém sem provocar dano algum, somente agitou as folhas ao meu redor e eriçou os pelos de meu braço. Uma reação natural de meu corpo, diante do que eu estava testemunhando com meus olhos mortais e limitados.

Tornei a encarar a batalha a minha frente, e então eu fui tomada pelo pânico. Aidan havia sumido de meu olhar, movendo-se com tal velocidade que se tornara quase invisível.

E então ele alcançou o jovem desnorteado, caído em meio às folhas secas. Com outro movimento sutil ele agarrou o jovem pelos ombros e em seguida o prensou contra uma árvore, uma de suas mãos ainda o segurava fortemente, enquanto a outra se moveu até seu rosto, envolvendo seus olhos, cobrindo-o completamente.

Houve um silêncio mortal nos segundos que se passaram a seguir, mas então os lábios de Aidan pronunciaram palavras estranhas que eu desconhecia, mas tinha a absoluta certeza de que não eram italianas.

O jovem agitou-se sob suas mãos, debatendo-se como uma presa indefesa tentando se livrar de seu predador, e depois ele cessou os movimentos e tombou a cabeça para o lado, os olhos vazios, arregalados.

Aidan o soltou e ele desabou no chão, completamente imóvel.

Vi-me apanhada por meu temor novamente. O que iria ser de mim agora? O que iria acontecer comigo? Tantas perguntas vinham a minha cabeça naquele momento, e toda as respostas possíveis para elas deixavam-me atordoada.

Vi-me com medo dele, medo do que acabava de presenciá-lo fazer. Vê-lo agir como um assassino, elegante e veloz, havia me deixado apavorada.

Mas, mesmo assim, eu não demovia meus olhos de sua figura imóvel próxima à árvore onde acabara de abater o segundo jovem.

E então, muito que deliberadamente ele começou a se virar para mim. O pânico tomou conta de todo o meu corpo, a adrenalina fluiu livremente por minhas veias, como um choque de milhares de volts, que me fez levantar daquele chão frio, e afastar-me dele, afastar-me dele cada vez mais.

Andei de costas, passo por passo, não demovendo meus olhos de sua figura. Até que ele finalmente ficou de frente para minha expressão apavorada.

O susto foi tamanho que eu pisei em falso, torci meu tornozelo e fui ao chão novamente, caindo sentada em meio às folhas secas.

Minha respiração escapava através de lufadas rápidas por meus lábios entreabertos, meu coração sofreu um solavanco e depois começou a martelar com violência em meu peito, obrigando meu sangue a fluir por minhas veias.

Ainda desolada por meu pânico, tentei me levantar daquele chão, embora meus olhos continuassem fixos no rosto inflexível de Aidan a menos de quinze metros de mim.

Com dificuldade eu coloquei-me de pé novamente, estava trêmula, não por frio, mas por medo. E só então percebi que estava sufocando diante disso, por mais que tentasse, eu não conseguia forçar o ar a penetrar por minhas vias aéreas e chegar até meus pulmões.

Eu também não raciocinava corretamente àquela altura, prestes a ter uma síncope. Eu estava beirando a insanidade, estava na ponta daquele precipício, pronta para despencar daquele barranco e nunca mais conseguir retornar a superfície da razão.

O que mais me apavorava era aquele silêncio mortal. Eu não conseguia encontrar minha voz para poder gritar, pôr todas aquelas sensações para fora, pelo contrário, eu tentava em vão reprimi-las e contê-las, suprimindo-as em meu vazio, mas não conseguia.

Aquele turbilhão estava agitando todo o meu interior, sufocando-me, arrastando-me para a insanidade. Eu estava enlouquecendo ali e não conseguia fazer absolutamente nada para deter aquele processo.

Foi então que uma voz desconhecida, suave, gentil, aveludada, como o canto de um arcanjo celestial falou-me.

“Acalme-se”.

Sussurrou a voz para mim em minha mente atordoada e confusa. E uma onda de paz e tranqüilidade atingiu-me, retirando-me da ponta daquele precipício.

Senti um jorro de paz fluir minhas veias, acalmando minha pulsação, diminuindo os batimentos acelerados de meu coração.

Foi como se tivessem derramado um jarro de água fria sobre mim, livrando-me do inferno onde a pouco eu estava.

Apartei minhas unhas nas palmas de minhas mãos, a confusão ainda estava retirando todo o meu fôlego e eu estava preste a sufocar, quando eu ouvi a voz suave em minha mente novamente.

“Durma”.

Eu não tive como resistir, eu não queria. Aquela voz tão doce sussurrando para mim, como uma brisa suave em uma manhã de verão, era demasiado bom.

Ela pedia para que eu dormisse, para que eu me entregasse a aquela paz que agora fluía por minhas veias. Eu podia muito bem estar flutuando agora.

Minhas pálpebras pesaram, meus músculos amoleceram, e meu corpo ficou leve como uma pluma. Era uma sensação boa, muito boa.

E eu não tive como resistir a aquela voz, eu fechei meus olhos, cedendo a seu pedido tão gentil e doce.

Meu corpo foi apanhado por outra onda de paz e tranqüilidade e fê-lo relaxar ainda mais. Minha respiração tornou-se suave novamente e eu mal me dei conta de que não estava mais em pânico.

O barranco havia desaparecido de minha vista, e eu parecia estar flutuando em um rio de águas cristalinas, mas não eram frias, eram mornas e aconchegantes.

Meu corpo tornou-se dormente, o torpor atingiu-me com uma intensidade ainda maior, e eu já não tinha mais consciência do peso de meu corpo. Eu simplesmente afundei naquelas águas tranqüilas e desabei de encontro ao chão, perdendo a consciência.

No inicio tudo ficou indistinto, como se uma forte neblina estivesse toldando a todos os meus sentidos. Uma mancha branca impedia-me de ver qualquer coisa, meus olhos ardiam.

Mas a sensação de tranqüilidade não me deixava por nenhum momento. Então eu tive a certeza súbita de que estava bem, de que estava em boas mãos, protegida pelos braços quentes e fortes de um arcanjo celestial.

E ele me carregava em seus braços fortes, eu podia sentir o sacolejo de sua marcha lenta. Sentir seus braços ao meu redor trouxe-me tanta paz de espírito, tanta luz...

Minha cabeça recostada em seu ombro forte tão suavemente, ainda girava, mas não de confusão, mas sim de paz. Uma paz tão forte que inundava a todo o meu ser, transbordando de meu interior como um recipiente completamente cheio.

Embora ao meu redor estivesse frio e desconfortável, os braços do anjo tratavam de me aquecer, era como um manto de veludo cobrindo-me.

Recostei mais minha cabeça no ombro forte de meu anjo, e um perfume suave impregnou em minhas narinas. Tão suave tão indescritível...

Minha mente confusa e tranqüila processou rapidamente o cheiro que eu captara timidamente, e uma vaga lembrança veio a minha mente. Estava tão nebulosa e a mancha branca que toldava meus olhos impedia-me de ver com clareza, mas o cheiro estava lá, eu podia senti-lo.

E uma nova alegria pareceu consumir-me por inteira, eu já o conhecia, eu já conhecia meu anjo. Eu sabia que seu cheiro me era familiar, minha mente confusa dizia-me isso.

Eu tentava abrir meus olhos para poder enxergar seu rosto, eu queria olhar em seus orbes, deviam ser tão belos...

Mas a mancha branca não se dissipava de forma alguma, e um cansaço estava consumindo todas as minhas forças. Uma exaustão tão grande que fazia todo o meu corpo permanecer mole e completamente imóvel.

Eu me sentia como uma boneca de pano, sem nenhum movimento. Mas aquela sensação não era poderosa o suficiente para me deixar aborrecida. Aquela paz de espírito tão grande ainda me dominava.

Então eu simplesmente desisti, e me entreguei novamente a aquela sensação tão boa, afundando novamente naquele lago de águas cristalinas e mornas...

Lentamente eu fui recuperando minha consciência. Era como emergir das profundezas de uma grande lagoa.

A luz retornava a meus olhos, enquanto minha mão direita notava uma leve pressão em minha pele.

E então eu ouvi meus batimentos cardíacos, suaves, e minha respiração, o arfar de meus pulmões, leves como plumas.

Abri meus olhos e então me arrependi de tê-lo feito...

Uma forte luz cegou-me, ardendo em minhas íris sensíveis. Eu tinha consciência de que se tratava de uma luz artificial, era branca demais, branda demais, não era como o sol, dourado, cintilante e intenso, era apenas irritante.

Apertei meus olhos na esperança de fazer passar aquela ardência e então a pressão em minha direita se intensificou, apertando-a delicadamente.

Virei minha face para o lado direito, e minha cabeça tomou consciência do travesseiro meio desconfortável atrás dela.

Aliás, o colchão todo era desconfortável, eu parecia mais estar repousada em uma mesa de mármore.

E então ainda um pouco grogue, meus olhos reconheceram o semblante preocupado e doce de minha mãe, era ela a segurar em minha mão.

- Mãe... – consegui sussurrar, descobrindo que minha voz havia voltado.

Os olhos de minha mãe cintilaram pelas lágrimas que se acumularam neles e ela sorriu aliviada.

- Agatha, minha querida... – disse-me ela, bem baixinho.

E sua mão apertou a minha mais uma vez.

Minha memória me falhava, eu não me lembrava de absolutamente nada e a confusão deixava-me tonta.

- Mãe, onde estou?

Tentei sentar-me para ver que local era aquele e por que eu estava deitada em uma cama tão dura. Mas as mãos de minha mãe foram mais rápidas e seguraram-me pelo meu ombro, detendo-me em meu movimento, empurrando-me de volta a aquele leito desconfortável.

- Não, querida! Você tem de repousar! – repreendeu-me ela, o tom de voz alterando-se.

Não a contestei, eu estava tão exausta que no momento em que tentei me sentar uma forte tontura apanhou-me, fazendo todas as paredes ao meu redor girar.

- Mãe, onde eu estou? – repeti minha pergunta desejosa de saber o que estava havendo ali.

Minha mãe desviou seus olhos dos meus, suspirando. Eu tinha perdido alguma coisa? Mas quando ela se pronunciou, seu tom de voz era firme e categórico.

- Você está em um hospital, Agatha.

- O que? – minha voz saiu algumas oitavas mais altas do que eu pretendia. – Mãe, o que houve? Por que estou aqui?

- Você passou por um estresse físico e mental muito grande, querida, quase teve uma hiperventilação.

- Hiperventilação? – eu repeti confusa, eu não me lembrava de absolutamente nada.

- Sim, você foi trazida para esse hospital inconsciente e quase sufocando pelo stress.

Eu ofeguei, estava confusa demais. Como isso poderia ter acontecido?

- Trazida? – eu repeti suas palavras, por quem?

Minha mãe notou a confusão em meu semblante e tratou de me explicar.

- Um rapaz te trouxe até aqui, e então eles ligaram para mim. Agatha, você não sabe o susto que me deu! Tem noção de que eu quase tive uma taquicardia?

Só metade da frase dita por minha mãe foi processada por minha mente atordoada.

- Rapaz? Que rapaz?

Minha mãe suspirou derrotada.

- É o que eu também gostaria de saber, antes que eu sequer tivesse chegado aqui ele já tinha partido sem ao menos se identificar na recepção.

Arquei uma de minhas sobrancelhas, eu realmente não me lembrava disso.

Ouvi o som da porta sendo aberta e aparecendo de detrás dela, o delegado da quase pacifica e tediosa cidade de South Hooksett, Gregory Percy. Reconheci logo a sua figura imensa, quase tão grande quanto à de Bill, porém seus olhos não eram gentis como do admirador fiel de minha mãe, pelo contrário, eram severos e intimidadores.

Gregory fitou minha mãe por alguns segundos e depois seus olhos caíram sobre minha figura deitada em cima daquele leito.

- Eva, sua filha já despertou? – perguntou ele calmamente.

Minha mãe assentiu e o incentivou a entrar no quarto.

- Sim, agora pouco.

Gregory analisou-me com seus olhos negros, e por alguns segundos eu temi o motivo de sua visita.

- Agatha, estou aqui porque quero que você me responda algumas perguntas.

Olhei confusa para minha mãe, mas seu semblante estava sereno, então me acomodei mais na cama dura feita pedra e assenti.

- Tudo bem.

Gregory aproximou-se mais de mim e de minha mãe, sentada naquela poltrona de couro sintético azul-claro.

- Agatha, você sabe por acaso onde o Max está?

Foi como se eu tivesse sigo golpeada por um punhal.

- Não... – consegui responder, forçando minha voz a sair por minha garganta. – por que eu deveria?

Gregory pigarreou, depois muito que deliberadamente aproximou-se mais de meu leito. Seus olhos estavam cautelosos, medindo cada reação minha.

- Bom, Agatha... O Max, ele fugiu da casa dos pais esta noite e bom, eu pensei que como vocês dois são amigos...

O punhal deslizou por minha carne novamente, abrindo um rasgo enorme, e eu me sentei na cama, confusa. Um aperto em meu coração estava deixando-me atordoada.

- Não! Eu não sei! – consegui expressar, levando minha mão até meu peito e agarrando o tecido da camisola de hospital.

Senti as mãos de minha mãe sobre meu ombro, tentando acalmar-me.

- Agatha, por favor, você não pode se exaltar!

Ela tinha razão, eu não estava passando bem, mas eu não conseguia conter aquele turbilhão de sensações que me atingia. Eu me sentia presa, engaiolada, sufocada, como se não houvesse oxigênio suficiente naquele ambiente.

Meus olhos ficaram úmidos e arderam. Minhas mãos ainda agarravam o tecido em meu seio. Eu estava enlouquecendo.

- Agatha! – minha mãe repreendeu-me novamente.

- Sinto muito, senhora Bryce, eu não sabia que ela iria reagir assim. – Gregory desculpava-se com minha mãe.

- Respire devagar, meu amor! – sussurrou ela, seus dedos acariciando meus cabelos.

E então a umidade transbordou de meus olhos, eu não sabia porque chorava, só sabia que aquela dor estava acabando comigo. Eu me sentia com a carne dilacerada, sangrando, em retalhos.

- É melhor você ir agora, Gregory. Quando minha filha estiver em condições melhores ela poderá responder as suas perguntas. – recomendou minha mãe.

- Talvez ela esteja fingindo, sabe como é, para protegê-lo. Todos sabemos que ela e ele são como unha e carne.

- Minha filha não é uma delinqüente! E muito menos mentiria para uma autoridade! Se Max fugiu de casa, minha filha não tem nada a ver com isso!

Abracei minha mãe, tentando desfazer de alguma forma aquele turbilhão apavorante que ameaçava fazer-me ruir diante de minha mãe e do delegado. Eu não sabia o que havia de errado comigo, eu não entendia absolutamente nada.

- Está tudo bem, querida. – sussurrou minha mãe em meu cabelo.

- Bom, eu só queria avisar também que Max pode ter tido companhia nisso, mais três pais notificaram que seus filhos não voltaram para casa depois de uma festa.

- Quem são? – ela perguntou.

- Roy Lindson e mais dois amigos. – Gregory suspirou – eles já têm histórico por arrumar confusão, pelo visto será uma longa noite.

Dessa vez o punhal não atingiu minha carne, porque eu não consegui sentir mais nada. Foi como se um grande buraco tivesse se aberto diante de mim e agora eu caía nele, caía rumo a escuridão, onde eu encontrei a verdade, onde eu me lembrei de tudo o que houve nessa noite.

Eu e Max, mais dois amigos, na antiga casa dos Hamilton, a sensação de estar sendo vigiada, Roy e seus amigos, Max apanhando covardemente, a tentativa de estupro de Roy, e a estranha presença naquela clareira...

Depois tudo veio a minha mente de uma só vez, em flashes perturbadores que fizeram meu coração acelerar novamente e meu peito arfar rapidamente.

- Não... – eu sussurrei e desvencilhei-me dos braços protetores de minha mãe. – Não! – eu ofeguei.

- Agatha, o que foi? – perguntou-me ela.

- Não! –eu gritei. – Eles estavam lá!

Levei minhas mãos até minha cabeça, tentando conter a seqüência de flashes perturbadores. Mas foi em vão.

E então eu gritei novamente, desesperadamente.

- Agatha, meu amor, o que foi?

- Eu os vi lá... – sussurrei desnorteada.

- Quem você viu? – perguntou Gregory.

- Todos eles, todos eles... estavam lá! E então alguma coisa se mexeu no escuro, alguma... coisa se mexia lá!

- O que houve, querida? – insistiu minha mãe.

Gritei novamente, e percebi que a falta de ar ainda me apanhava.

Lancei minhas pernas para fora da cama, eu só queria sair dali o mais depressa possível. Tentei correr até a porta, mas Gregory me segurou. Debati-me contra seus braços, enquanto minha mãe olhava para mim como se eu tivesse enlouquecido.

Mas eu sabia o que tinha visto lá, naquela clareira, algo sobrenatural, algo surreal e... apavorante!

Eu tinha medo de que a coisa tivesse me seguido, eu tinha medo de que a coisa estivesse naquele hospital naquele momento.

Ouvi claramente quando minha mãe chamou pelas enfermeiras, o caos mal passava percebido por meus sentidos. Na verdade eu só ouvia o zunido fraco em meu ouvido, mas ele era suficiente para toldar meus ouvidos para a verdade; eu estava descontrolada. Mas eles não podiam me culpar, não depois do que eu havia visto.

De repente, vi-me imobilizada no chão frio, várias mãos seguravam-me, tentando conter-me. E depois eu só senti a picada da agulha em meu braço, e o sedativo espalhando-se por minha corrente sanguínea.

Depois veio a dormência em meu corpo, a sonolência, e eu fui cedendo, cedendo, e finalmente cedi.

Meus olhos fecharam-se lentamente, enquanto eu parava de me debater. Depois senti dois braços quentes e reconfortantes ao meu redor.

Lábios em meu cabelo, e dedos acariciando-nos.

- Calma, meu amor, tudo ficará bem, eu lhe prometo.

E depois eu adormeci, caindo nas águas da inconsciência novamente. Onde lá eu refleti.

Eu sabia que o que tinha visto não era fruto de minha imaginação, eu sabia que tinha sido real.

Embora eu não quisesse admitir, eu fora a única a sobreviver a aquela experiência horrorosa, enquanto que meu amigo padeceu diante de mim.

Mas, o que eu mais temia naquele momento, era o fato de que teria de enfrentar aquele quem me salvara daquela experiência, embora que para isso ele tenha relevado para mim a sua verdadeira face, e sua máscara caiu diante de meus olhos, espatifando-se em muitos pedaços, enquanto eu tomava conhecimento de seu verdadeiro eu. Porque eu sabia que teria de enfrentá-lo mais ou cedo ou mais tarde, sim, eu teria de enfrentar Aidan Satoya.

E meu segundo motivo para temer naquele momento. Eu havia entrado por uma porta que dava acesso a algo desconhecido e assustador, eu passei por essa porta. E eu temia nunca mais poder ver a luz da realidade, eu temia perder-me naquele mundo sombrio para sempre, e então nunca mais poder despertar para a verdade, para o mundo seguro e completamente normal, o oposto do qual eu vivia agora, o mundo do sobrenatural, o mundo que, por mais que eu não quisesse admitir, Aidan pertencia, e agora, inegavelmente e indubitavelmente, eu também.