Capítulo XIV – Sentimentos Negados

“Eu quero estar lá para você,

E ser... Alguém com quem você possa contar

O amor corre mais profundo que os meus ossos

E você é lindo, não sabe?”

(Flyleaf – There For You)

Vesti o suéter vermelho, arregaçando um pouco as mangas, penteei meus cabelos uma última vez, antes de sair do meu quarto como um furacão.

Desci as escadas, notando a “nova” decoração da sala. A árvore de natal estava no canto, recostada em uma das paredes, os enfeites brilhantes e chamativos decoravam-na, estrelas prateadas, esferas douradas, entre outras bugigangas. Minha mãe todo os anos insistia em montá-la, ela pedia-me que não estragasse sua diversão, e que a ajudasse, dizendo que era um ritual de família todos os natais. E que tradição é tradição, e não deve ser quebrada.

Claro que quando mais nova, eu fechava a expressão, fazia um biquinho e a contragosto a ajudava a montar a árvore, pendurar meias na velha lareira que quase nunca era utilizada. Arrumar a mesa de jantar adequadamente.

Os anos passaram-se, e infelizmente nada mudou para minha mãe.

Estaquei aos pés da escada, John lia um jornal tranqüilamente no sofá, seus dedos folheavam as páginas finas e ressecadas, e seus olhos pareciam entretidos com a matéria. Mas, ao notar minha figura estática ali, observando-o furtivamente, John elevou seus olhos castanhos dele, um sorriso emoldurou seus lábios no mesmo instante.

Ele dobrou o jornal e o repousou ao seu lado, cruzando as mãos e parando para observar-me, o que me fez corar – só um pouquinho.

- Está muito bonita essa noite, Agatha.

Fitei meus pés, não sabendo se seria capaz de olhá-lo sem que meus olhos ou minha expressão entregassem meu constrangimento.

- Obrigada, John.

Decidi ir até a cozinha e espiar minha mãe, embora ela certamente fosse expulsar-me de lá em breve, ela odeia espectadores.

Quando disse a ela com a maior calma e tranqüilidade possível, “mãe, teremos mais uma pessoa à mesa conosco amanhã”, ela nem mesmo pareceu ligar muito, mas assim que disse a palavra “garoto” uma centelha de desconfiança aflorou dentro dela, lampejando em seus olhos negros e profundos.

Mas seja o que for que ela tenha especulado, preferiu guardar para si mesma. E eu agradeci internamente por isso. Embora eu pudesse sentir algo diferente nos olhos dela naquela noite, uma empolgação diferente.

Ela retirou o assado do forno, o colocou sobre o fogão, retirando as luvas, e um cheiro maravilhoso predominou na cozinha no mesmo instante.

Ela virou para mim, recostando-se na bancada da pia. E um sorriso emoldurou seus lábios.

- Seu amigo chegará quando? – perguntou-me ela, com um misto de empolgação e curiosidade nos olhos. Eu estremeci.

- Não sei... – sussurrei, desesperada para encerrar aquele assunto. E realmente era verdade, Christian era uma caixa de surpresas, imprevisível.

Quem sabe ele até desistisse e nem mesmo aparecesse por aqui. Mas, o som de alguém batendo à porta acabou por me sobressaltar. E logo depois, John atendeu, murmurando um simpático “boa noite”. Ele realmente estava aqui!

Fiquei um pouco tonta, respirando de forma dificultosa, e vi minha mãe erguer as sobrancelhas, claramente curiosa. Ela colocou as mãos na cintura, e revirou os olhos de forma teatral.

- Não vai atendê-lo?

Meus olhos esbugalharam no mesmo instante.

- Estou... indo.

Engoli em seco e dirigi-me até a sala novamente, vendo que John já conversava com Christian. O par de olhos azuis foram direcionados para mim, no exato instante em que eu pisei no assoalho da sala.

Acenei, tímida demais para murmurar até mesmo um simples oi. John o cumprimentava, gentil e amistosamente. Vi que John já se dirigia até a mesa de jantar, sentindo obviamente o cheiro do assado de minha mãe.

Fiquei na sala por alguns instantes na companhia de Christian. E em um silêncio mortal... Não ousei olhá-lo nos olhos, estava constrangida demais. Mas, gelei ao senti-lo aproximar-se de mim, eu podia quase jurar que ele estava sorrindo daquela forma que me deixava completamente irritada... e encantada.

Remexi de forma nervosa em uma mecha de cabelo, enquanto ele enfiava as mãos nos bolsos.

- Então, você realmente veio... – murmurei, desesperada para quebrar aquele silêncio, mas para a minha surpresa – e constrangimento – ele respondeu-me, ainda sorrindo.

- Você me convidou, lembra-se?

- Não achei que você fosse levá-lo a sério.

Ele soltou um longo suspiro, como se eu o tivesse magoado.

- Se quiser, posso ir embora.

Desesperei-me pela idéia, fitei-o no mesmo instante, a expressão chocada.

- Não! Quer dizer, não foi isso o que eu quis dizer...

Ele riu de minha fala atrapalhada e eu decidi que estava na hora de apresentá-lo a minha mãe. Caminhamos até a copa, John ajudava minha mãe a pôr os pratos na mesa, e assim que seus olhos negros encontraram a face de Christian, ela... sorriu, maravilhada e admirada para o meu alívio.

Ela estendeu a mão gentilmente e Christian a segurou, abrindo um sorriso que abalou as estruturas de minha mãe, eu pude ver claramente.

- Sou Christian, Christian McGonagall.

Arqueei uma de minhas sobrancelhas, ele não havia me contado que seu sobrenome era McGonagall. Aliás, havia muito dele que eu ainda não sabia.

Minha mãe retribuiu seu gesto, parecendo-me extremamente encantada com sua figura.

- Eva. – disse ela sem mais cerimônia.

- Encantado.

Quem pareceu meio descontente com tudo aquilo foi John, mas logo todos assentamo-nos à mesa. E enquanto nós três nos servíamos, Christian contentou-se em voltar-se totalmente para mim, os lábios projetados em um sorriso de canto arrebatador.

- E então, Christian, o que o traz a South Hooksett? – perguntou John, claramente tentando iniciar uma conversa com ele, e eu agradeci-lhe internamente por estar sendo gentil.

- Tenho assuntos a resolver em South Hooksett, mas de qualquer forma, não pretendo permanecer muito tempo.

- E por quanto tempo exatamente? – ele tornou a perguntar.

Christian juntou as sobrancelhas, estreitando os olhos suavemente, enquanto o sorriso morria em seus lábios.

- No máximo até o fim do ano.

Estaquei depois de ouvir aquilo, ele não havia me dito que partiria em apenas alguns dias. Mordi o lábio inferior, de certo que ele resolveria seu assunto pendente aqui primeiro, para então partir.

Não sei ao certo o que houve comigo, mas meu apetite esvaiu-se completamente depois de ouvir isso. E logo, minha mãe iniciava outro assunto.

- Quantos anos exatamente possui, Christian?

Ri internamente, ao imaginar que tipo de resposta ele poderia dar, mas ele sorriu novamente, como quem aprecia uma piada interna.

- Dezoito.

- Então acabou de se formar? Estou correto? – dessa vez, John entrou na conversa.

- Sim.

- Então, foi admito em alguma universidade? – perguntou minha mãe, parecendo-me extremamente interessada, na verdade até demais.

- Sim, - ele respondeu, lançando uma discreta piscadela para mim – em Dartmouth.

Reprimi o riso novamente, era difícil imaginar Christian em uma universidade, com todo o seu jeito pomposo e seu ar superior, com certeza atrairia legiões de fãs – de garotas –, e quem sabe até mesmo acabasse por conquistar as professoras.

Minha mãe riu, cruzando as mãos e apoiando-as sobre a mesa, claramente interessada no rumo que a conversa havia tomado.

- Ora, isso é impressionante, Dartmouth é uma excelente universidade, isso quer dizer que estará em Hanover ano que vem. Isso é ótimo! Espero que Agatha dê duro para conseguir uma admissão também.

Sua última fala veio acompanhada de um olhar intimidador, quase como se seus olhos negros pudessem falar-me “e eu realmente espero que isso aconteça, para o seu bem, mocinha”.

- Mãe, já tivemos essa conversa antes. A senhora sabe quais são os meus reais planos para quando me formar.

Christian arqueou uma sobrancelha, como se não tivesse entendido.

- Eu quero ir para a Itália. – murmurei, segura do que estava dizendo.

Minha mãe bufou, como sempre fazia quando iniciávamos aquela discussão.

- Já conversamos sobre isso, filha, e você não tem condições para ir a um país estrangeiro, principalmente sozinha.

- Posso me virar, e, além disso, já sou uma pessoa adulta. – contra-ataquei, eu odiava quando minha mãe tentava assumir as rédeas sobre mim e controlar meu destino. Talvez, ela soubesse o real motivo que me levava até a Itália, e isso a aborrecesse.

Minha mãe soltou um longo suspiro, ela estava refreando a si própria para não iniciar uma discussão na frente de John e de Christian comigo. Eu podia ver a fúria ardendo em suas íris negras, isso significava que mais cedo ou mais tarde ela tocaria naquele assunto novamente.

Com esse assunto encerrado, o jantar prosseguiu-se tranqüilamente, exceto quando minha mãe perguntou a Christian por que ele não estava comendo conosco, e Christian inventou uma desculpa qualquer.

Retiramo-nos da mesa, e John mostrou-se muito prestativo, ajudando minha mãe a retirar a mesa e cuidar da louça suja. Christian e eu voltamos até a sala, onde assim que ficamos a sós, eu soltei o riso que estivera reprimindo há muito tempo.

- Dartmouth? – eu repeti com esgar – Fala sério!

Ele colocou as mãos nos bolsos, e fingiu uma expressão ofendida.

- O quê? Acha que eu não tenha capacidade?

- Capacidade sim, mas jeito para isso, não, definitivamente não.

- Humf... Pois saiba a senhorita que eu estudei sim em uma Universidade, La Pienza, na Itália.

- Puxa, isso é impressionante. – murmurei, não conseguindo esconder minha admiração por isso. Ele simplesmente deu de ombros.

- Sillentya acredita que os Mediadores não devam ser apenas uma pilha de músculos, precisamos ser inteligentes, conhecedores das artes, das ciências, da filosofia, e possuir amplo conhecimento em línguas estrangeiras. E principalmente, precisamos nos misturar ao resto da população, agir com naturalidade e assumir diversos tipos de embustes, desde estudantes, até médicos, professores. Somos treinados para podermos nos infiltrar em qualquer lugar, em qualquer ambiente.

- Entendo... Mas ainda não consigo imaginá-lo levando algo a sério.

Ele fez uma careta para mim, uma que eu fiz questão de ignorar. Minutos depois, minha mãe e John juntaram-se a nós dois na sala, e eu sabia perfeitamente que momento era aquele: presentes.

Mesmo quando criança, eu nunca soube ao certo demonstrar entusiasmo suficiente, e quando minha mãe aparecia com aquelas caixas enormes, embaladas em papéis coloridos, contendo bonecas que fariam a maioria das meninas gritar histericamente, eu só conseguia fazer uma carranca e recusá-los.

Claro que eu não tinha mais idade para ganhar presentes desse tipo, mas minha mãe sempre insistia em manter aquela tradição cafona. John colocara em minhas mãos um pacote vermelho e verde com uma fita dourada de cetim em seu centro.

Abri-o, vendo que ele continha uma caixa de equipamento eletrônico. Reconheci ser um celular.

- Er, obrigada John... Eu acho...

Quem não gostou muito da idéia foi minha mãe, que iniciou uma série de reclamações. Mas logo John domou a fera, dizendo que eu já tinha idade suficiente para manter um. Eu precisava de mais responsabilidades, dissera ele.

Eu só esperava que esse seu presente durasse mais que o outro – mesmo John tendo me garantido que um conhecido seu consertaria meu carro, eu recusei sua oferta, ainda sentia pânico ao imaginar ter de pegar em um volante outra vez.

Minha mãe ganhara um belíssimo par de brincos de ouro, claro que ela achara o presente exagerado demais, mas nada parecia ser comum e simples com John.

Minha mãe dera a ele um suéter de cashmere. E eu só me lembrei de que havia mais um pacote, quando percebi um par de olhos azuis como lápis-lazúli sobre mim.

Peguei o pacote pequenino colorido e o estendi para Christian, ele ergueu as sobrancelhas, como se estivesse realmente muito surpreso.

- Tome.

Sorri-lhe, vendo sua expressão confusa desmanchar-se vagarosamente, e ainda meio relutante, ele apanhou o pacotinho de minhas mãos.

- É seu, pode abrir.

Christian, ainda sério, puxou a fita vermelha, destampando a pequena caixinha de papelão colorido. E retirou de dentro dela um globo de vidro, sacudindo flocos de neve artificiais dentro dela.

A redoma de vidro brilhante cintilou em suas mãos, enquanto uma réplica em miniatura da cidade de South Hooksett recebia os floquinhos de neve falsos, e eles repousavam graciosamente nos telhados pequeninos das casinhas de madeira.

Ele abriu um sorriso, avaliando de todos os ângulos possíveis o globo de vidro, o suporte dourado onde estavam cravadas frases como “Loja de Lembranças do K”, “Volte sempre”, “Bem-vindo a South Hooksett”.

- Tentei encontrar algo que fosse a sua cara, mas não encontrei muita coisa... – expliquei-lhe, deixando que meus olhos repousassem sobre a réplica em miniatura. – Então, queria que você algum dia pudesse se lembrar de Hooksett do Sul, mesmo que esteja distante daqui...

Seus olhos azuis encontraram os meus, e naquele momento, eu vi algo a mais cravado neles. Eu não sabia ao certo o que era, mas parecia-me talvez... Culpa?

- Obrigada, Agatha. É lindo, muito obrigada mesmo.

Eu ri um pouco de sua expressão constrangida e meio deslocada. Ele que sempre se mostrava tão seguro de si, agora esboçava a falta de confiança e um pouco de timidez.

Ele riu sem humor, devolveu o globo de vidro à caixinha, mas não se atreveu a fitar-me mais uma vez.

- Está ficando tarde, talvez eu devesse ir. – murmurou ele, e a confusão tingiu todo o meu semblante.

- Tarde? Mas, ainda é tão cedo... – tentei reclamar, mas ele parecia já ter tomado a sua decisão.

- Eu preciso realmente ir embora agora, Agatha.

Soltei um longo suspiro, rendendo-me.

- Tudo bem, eu o acompanho até a porta.

Levantamo-nos do sofá e fomos até a porta da frente. Christian abriu-a, permitindo que eu passasse. Ainda nevava lá fora. Tive que esfregar meus braços. Estava realmente muito frio.

Christian fitou-me, mas daquela maneira estranha novamente. De seus olhos emanava o remorso, eu podia quase desvendar seus pensamentos, ele sentia-se culpado, de alguma maneira que eu não conseguia compreender.

Toquei seu ombro, deixando que toda a minha preocupação por ele transparecesse em meu rosto.

- Ei, o que foi? Você está bem?

Ele riu sem humor novamente, demovendo seus olhos dos meus.

- Estou me sentindo culpado, não comprei nada para você. – confessou-me ele, mas eu sabia que aquele não era o motivo de suas preocupações, de seu remorso.

- Você não precisa me dar nada, Christian. É sério, sua presença aqui foi o melhor presente que podia ganhar. – tentei reconfortá-lo, mas sem sucesso.

Ele respirou fundo várias vezes, parecia tão relutante consigo mesmo naquela noite. Ele fitou o nada, fixando seus olhos na imensidão negra que era aquela noite, e franziu o cenho.

- Agatha, eu preciso te dizer uma coisa...

- Pode dizer. – eu o encorajei.

- Eu não fui muito sincero com você.

- O quê? – o choque atravessou todo o meu rosto naquele instante. Do que ele estava falando? – Christian, o que você quer dizer com isso?

Sua resposta foi objetiva.

- Quero dizer que o motivo específico que me trouxe até South Hooksett foi você.

Eu ri, incapaz de digerir aquela idéia.

- Christian, se isso é algum tipo de brincadeira...

- Não, não é. – ele cortou-me, parecendo extremamente apreensivo. – Eu vim até aqui por sua causa.

Peguei em seu braço, fazendo-o olhar em meus olhos, e lá estava a culpa e o remorso novamente. Ele não estava brincando.

- E por quê? – eu perguntei a ele, irritada e confusa. Mas, mais uma vez sua resposta objetiva acabou por me assustar. E eu recuei, temerosa.

- Eu vim até aqui para me vingar.

Meus olhos perderam foco, enquanto eu tentava processar cuidadosamente cada palavra que havia me dito. E meus lábios entreabriram-se.

- Como assim você está aqui para se vingar?

- Eu a enganei, Agatha, todo esse tempo eu a venho enganando... Eu menti para você.

Espalmei minhas mãos, interrompendo-o.

- Pare! – exigi, ainda confusa – Não continue, eu não quero saber!

Ele pegou em meu pulso, puxando-me, trazendo-me para mais perto de seu corpo, seus lábios não esboçavam absolutamente nada. Seu rosto era uma máscara impassível. Mas em seus olhos, ainda havia toda aquela culpa o consumindo.

- Eu realmente sinto muito, – sussurrou ele, seus lábios próximos aos meus, deixando-me sem chão – eu pensei que podia lidar com isso, mas não posso...

Ele inspirou profundamente, a ponta de seu nariz roçava em minha pele, em um trajeto lento e suave. Seus olhos foram cerrados com força, e ele ergueu-me pelos ombros, enquanto ainda roçava nossos narizes.

Não fiz absolutamente nada. Apenas fechei meus olhos, incapaz de dizer ou fazer algo mais...

- Eu pensei que pudesse fazer isso, mas não posso... – ele lutou contra as próprias palavras – Não posso machucá-la, não consigo, não tenho... Forças para isso.

- Christian... – sussurrei seu nome, e seu toque em meus ombros afrouxou, libertando-me do transe e de seu abraço esmagador.

- Preciso ir... – murmurou ele, e afastou-se de mim em um único movimento, lançando-se em direção à negridão, onde sua silhueta desapareceu rapidamente.

Pisquei atônita, incapaz de assimilar o que de fato havia ocorrido ali. Eu teria imaginado tudo aquilo?

Sacudi minha cabeça, ainda confusa e meio avoada. Entrei novamente, fechando a porta atrás de mim. Minha mãe logo apareceu para o interrogatório.

- Querida, onde está seu amigo?

Minha voz estava estranhamente abalada, como se eu não estivesse presente dentro de meu próprio corpo, como se eu tivesse me desconectado.

- Ele se foi...

- Mas já? – perguntou ela -, ainda não é nem meia-noite.

- Eu sei.

Minha mãe sorriu, os olhos lampejando esperança e empolgação.

- Traga-o aqui mais vezes, eu adoraria conversar novamente com ele.

- Claro. – assenti, ainda confusa, até parecia que um vendaval havia passado dentro de mim e destruído e reduzido tudo a escombros e mais pilhas de escombros.

- Mãe? – eu a chamei.

- Sim, querida?

- Estou um pouco indisposta, vou me deitar um pouquinho.

Ela aproximou-se de mim, sua mão delicada repousou em minha testa.

- Está se sentindo bem?

- Não tenho certeza...

Já devia passar das duas da madrugada, e eu ainda não tinha conseguido pregar os olhos. Eu nem mesmo havia trocado de roupa.

Pressionei mais a minha face contra o travesseiro, observando os flocos de neve acumular-se na janela de meu quarto. Soltei um longo suspiro, virando-me sobre o colchão. O sono não vinha de forma alguma.

Somente de imaginar o que houve entre mim e Christian mais cedo... Minha pele arrepiou-se por inteira.

Sentei-me na cama, meus olhos encontravam-se semicerrados, e a negridão predominava em meu quarto. Eu ainda não conseguia compreender o que exatamente ele tentara me dizer. Mas seja o que for, talvez fosse melhor que eu não descobrisse...

Esgueirei-me pelo colchão, estava decidida a dar uma rápida passada no banheiro e tomar um daqueles fortes antigripais, para que pudessem realmente me derrubar. Eu não estava nem um pouquinho a fim de passar o resto da madrugada pensando no que Christian dissera-me.

Caminhei através do corredor escuro e silencioso. Fazendo o mínimo de ruídos possíveis, adentrei ao pequeno cômodo. Abri a porta do pequeno armário, em cima da pia, e lá estava o pequeno frasco laranja.

Apanhei-o, segurando entre meus dedos, enquanto hesitava. Fechei meus olhos, apertando o frasco entre meus dedos.

- O que está havendo com você? – perguntei, encarando o indistinto reflexo no espelho.

Devolvi o frasco à prateleira, eu não queria dormir, mas também não queria permanecer insone.

Voltei até meu quarto, encostando a porta, passei a mão nos cabelos e então vi alguém parado próximo à janela.

Sobressaltei-me de imediato, levando a mão até meu seio esquerdo, mas relaxei assim que a figura moveu-se, recuando das sombras mais densas, um brilho azul intenso cintilou no quarto.

Era Christian.

Meu coração estava estranhamente acelerado e um sentimento desconhecido apoderou-se de mim.

- O que está fazendo aqui? – perguntei a ele, mas não houve resposta de sua parte, o que me deixou alarmada.

Observei seu semblante sendo encoberto pelas sombras, enquanto os olhos continuavam cintilantes. Ele moveu sua mão, e sua pele alva como alabastro de seu braço revelou-se da escuridão. Ele usava apenas uma camiseta cinza-escura baby look.

Seus músculos delineavam os contornos do tecido de sua camisa e seu cabelo ondulado mesclava-se à densa negridão que prevalecia ali.

Ele colocou a mão no bolso de sua calça, e retirou de lá, segundos depois, uma corrente fina e dourada, ele apertou a corrente entre seus dedos, revelando um pingente pequenino, redondo, pendurado na ponta.

Era uma jóia muito delicada.

Ele moveu-se novamente, aproximando-se de mim. E estacou.

- Eu precisava falar com você. – explicou-se ele, seu rosto estava a centímetros do meu, e seu cheiro atingiu-me em cheio, devolvendo-me aquelas mesmas sensações estranhas que eu tivera ainda há pouco.

Minhas mãos gelaram, eu simplesmente não sabia o que dizer. Mas, algo me dizia, que quem seria o único a falar ali, seria exclusivamente ele.

Então, permaneci sem fala alguma, meus lábios escancarados pelo choque. E os olhos azuis encontraram-me mais uma vez, atravessando meu rosto, tomando meu semblante para si, não permitindo que eu me libertasse deles.

- Agatha, eu sinto muito... – sussurrou ele.

- Sente pelo o quê? – consegui perguntar-lhe, já era a segunda vez que ele tentava desculpar-se comigo, mas eu não compreendia porque.

- Eu vim até você disposto a lhe causar mal, disposto a lhe machucar, lhe ferir. – ele cerrou os olhos com força, obrigando a si mesmo a prosseguir – Mas, eu não pude. Eu simplesmente... Não consegui.

Lancei-me em sua direção, segurei em seus braços fortes, tentando exigir dele uma resposta mais objetiva e clara, uma que pudesse desfazer aquele turbilhão de confusão no qual eu encontrava-me.

- Christian, do que você está falando? Eu... Eu não consigo te entender...

Suas mãos sobrepuseram as minhas, segurando em meus ombros novamente, limitando meus movimentos, prendendo-me entre seus braços. Os olhos azuis mais uma vez atravessaram todo o meu semblante, deixando-me sem qualquer reação.

- Você não precisa tentar me entender, apenas saiba que eu estive durante todo esse tempo, tentando encontrar alguma maneira de conquistar a sua confiança, para depois... – ele interrompeu-se, trincando seus dentes. – Agatha, por favor, escute-me, eu não sou um herói, eu lhe disse que não tinha sido uma pessoa boa nesses últimos oitenta anos. Quando perdi Caroline, eu achei que jamais fosse me recuperar desse golpe, que estaria fadado a conviver com a dor de tê-la perdido para sempre. Eu era movido por minha fúria e por minha sede por vingança, e você, Agatha, era a única maneira de eu obtê-la, de fazer justiça, mas o fato é que eu não sou física e emocionalmente capaz de te machucar. Nunca, eu jamais poderia fazer algum mal a você.

- Christian... – chamei-o, mas ele prosseguiu, não permitindo que eu o interrompesse.

- Agatha, não é apenas porque você se parece com ela, - ele fez uma curta pausa, deixando que seus olhos recaíssem sobre os meus de forma cálida, penetrante, abrasadora, apaixonante... – Agatha, - ele começou novamente, lutando contras as próprias palavras que pareciam querer entalar em sua garganta, e então, finalmente confessou-se, revelando o que seu coração guardava às sete chaves, e deixou-me sem qualquer reação – Agatha, estou me apaixonando por você.

Eu arfei, tentei processar palavra por palavra, ver o significado oculto por trás de cada uma delas, e então quase fui ao chão.

Seu aperto em meus ombros aumentou, e ele puxou-me para si, encaixando sua face em meu ombro esquerdo, abraçando-me como jamais havia me abraçado.

Suas mãos buscaram por minha cintura, e apertaram-me contra seu corpo. Eu ainda não conseguia reagir corretamente, Christian acabava de admitir que estava se apaixonando por mim. E que o elo que nos mantinha unidos, não eram apenas as suas lembranças de Caroline, era mais do que isso, ele... Ele estava me amando...

Meu coração ainda martelava violentamente em meu peito, e eu perdi a conta de quantos segundos exatamente permanecemos abraçados daquela maneira. Podiam ter sido meros segundos, ou uma eternidade inteira.

Eu sentia todo o mundo ruir ao meu redor, as paredes rachando, vindo ao chão, tornando-se pó e escombros. Porque, de alguma forma, desconhecida e maravilhosa, eu estava conectada a ele, sim, nós possuíamos uma conexão.

E aquele sentimento vibrava dentro de meu coração, tremeluzindo, iluminando-me como centenas de centelhas luminosas coloridas e avivadoras.

O cheiro dele ao meu redor, trazia-me estranhas sensações. Sensações que há muito eu não sentia, ou julgava incapaz de sentir novamente, algum dia...

- Christian... – sussurrei, minha voz sendo abafada por seu ombro.

Ele parecia recusar-se a me soltar, mas eu precisava olhar em sua face, eu precisava ver seus olhos naquele momento. Porém, antes mesmo que eu pudesse tentar me desvencilhar de seus braços outra vez, suas mãos deixaram minha cintura, eu senti o gelo da corrente dourada que ele segurava, deslizar por meu pescoço, e seus dedos encontraram o fecho da corrente, prendendo-a em meu pescoço.

Seus lábios aproximaram-se de minha orelha, e eu senti seu hálito quente, enquanto ele sussurrava.

- Era de Caroline, é a única lembrança que possuo dela, é tudo o que me restou dela, mas, quero que fique com ele.

Desesperei-me diante dessa idéia. Lutei novamente contra seu abraço, e ele soltou-me, fitando-me nos olhos.

- Não, eu não posso aceitar. É importante para você.

Suas mãos envolveram minha face, acalentando-me.

- É exatamente por isso que quero que fique com ele. – explicou-se ele – Agatha, eu preciso reordenar meus pensamentos, preciso pensar um pouco, de um tempo a sós. Preciso ter certeza do que sinto por você.

Esperei pacientemente que ele prosseguisse.

- Eu vou embora de South Hooksett, mas só por alguns dias. Estarei em Hooksett, em uma pousada na periferia da cidade, não é tão longe e se você precisar de algo, eu estarei por perto, mas, eu não voltarei, pelo menos, não ainda.

- Mas, Christian, eu... Eu... – tentei falar algo convincente, que pudesse dissuadi-lo de sua decisão, mas apenas falhei miseravelmente. Ele silenciou meus lábios com seu indicador.

- Shhhh... Não será algo permanente, eu prometo, mas eu preciso de um tempo sozinho. Eu voltarei, por você, Agatha.

Ele curvou sua face até a minha, estremeci internamente, principalmente quando seus lábios roçaram em minha testa, despertando aquelas sensações novamente em mim.

Ele tocou o pingente na corrente em meu pescoço e sorriu.

- Caroline sempre dizia que esse colar lhe dava sorte, acho que com você não será diferente, cuide-se. – pediu-me ele.

E afastou-se de mim novamente, os olhos azuis cintilando no escuro, pisquei apenas uma vez, e ele já havia desaparecido, deixando-me sozinha em meu quarto novamente.

Olhei para os lados, mas não havia sinal dele. Meus dedos envolveram o pingente em meu pescoço e eu fitei as sombras onde ele estivera pela última vez.

Fixei meus olhos nelas, e em mais nada...

- Volte logo, Christian... – sussurrei, desejando fervorosamente que ele retornasse o mais breve possível e pudesse esclarecer-se de uma vez por todas.

E pudesse também, esclarecer seus sentimentos por mim, sejam eles quais forem.

E sejam também quais forem, os meus reais sentimentos por ele.