Sacrifício

O último Choro


Pouco tempo depois, a enfermeira apareceu sorridente e Kimberly entregou-lhe a filha. Sabia, que a criança não voltaria aos seus braços. Deitou-se quieta na cama e passou a noite toda em claro. A mãe voltou antes do amanhecer e silenciosamente deitou-se no sofá do quarto.

A Sra. Mason chegou cedo com o médico, avisando que tanto ela quanto a menina estavam de alta. Com uma elegância nata, a velha senhora garantiu que a menina estava com boa saúde e refez todas as perguntas padrões. Dessa vez Carol, não interferiu quando a filha confirmou que entregaria a filha para a adoção.

Mãe e filha voltaram para casa silenciosa e vazia. Kimberly foi para o quarto e deitou-se. Aconchegada em sua cama olhou para o teto e sentiu um vazio gigantesco em sua mente e coração. O canto da garça cessará, assim como os movimentos da criança em seu ventre. Tudo era silêncio, nem chorar ela conseguia. Ficou a observar o teto atentamente por horas até que o cansaço a dominou e conseguiu dormir.

Já com Carol, a situação era exatamente contrária. A angústia que a sentia não a deixava descansar. Em sua cama, chorou pelo casamento desfeito, culpou-se por ter deixado a filha sozinha em Alameda dos Anjos e depois por ter permitido que ela fosse para a Flórida, pelo novo marido que estava enganando e pela neta que nunca mais veria. Não podia impedir Kimberly de tomar suas próprias decisões, quando ela mesma decidira o que era melhor para si e abandonara a filha com estranhos em Alameda dos Anjos.

Se o sono não serviu para aliviar o sofrimento de Kimberly, as lágrimas renovaram Carol e a noite ela acordou a filha com um prato de sopa quente.

— Trouxe o seu jantar.

Surpresa com a amabilidade da mãe Kimberly aceitou a bandeja com o prato de comida e perguntou:

— Mamãe?

— Está tudo bem, não vamos brigar mais – acariciando a mão da filha ela disse. – Eu sou sua mãe Kimberly e te amo mais que tudo. Não tenho o direito de te julgar, eu cometi muitos erros.

— Você não fez nada de errado mamãe? Eu queria ficar na Alameda dos Anjos.

— Eu deveria ter ficado com você, se eu tivesse pedido Pierre também ficaria. O sonho de morar em Paris falou mais alto e você estava tão feliz com seus amigos. Achei que não precisava de mim e eu estava errada.

Kimberly tentou protestar, mas a mãe a calou com o olhar:

— Você sempre vai precisar de mim, assim como eu preciso de você. Eu espero que algum dia possa me contar seus motivos, mas eu vou apoiá-la em tudo o que precisar.

— Eu te amo mamãe – as lágrimas rolaram dos olhos de Kimberly.

— E eu amo você princesinha, agora coma a sua sopa. Você precisará de todas as suas forças para os próximos dias. Quanto tempo ainda pretende ficar aqui?

— Só até assinar os papéis. Depois eu gostaria de ir com você para Nova York até perder o peso que ganhei e depois voltar ao ginásio.

— Acha mesmo que o treinador vai aceita-la de volta?

— Eu tenho certeza.

— Espero que esteja certa. Agora durma bem que precisa se recuperar e me ajudar a fazer as malas.

Kimberly suspirou quando a mãe saiu do quarto. Tudo ficaria mais difícil se as duas continuassem brigando. Esperou até que a casa ficasse silenciosa e quando teve certeza que a mãe estava dormindo levantou-se.

No fundo, ela sabia que deveria se teletransportar para o Centro de Comando e conversar com Zordon. Porém, não conseguiria olhar para o antigo mentor agora e muito menos conversar, sabia que ele e Dulcea estavam monitorando a Garça e a criança. Se fosse necessário eles entrariam em contato com ela.

Incapaz de dormir, ela dedicou-se a segunda tarefa. Sentou-se na mesa e escreveu a carta para a filha. Algum dia a menina leria e talvez a odiasse menos. Levantou-se frustrada e revistou o quarto procurando pela pelúcia de Garça que ganhara de Tommy. Não encontrou em lugar nenhum... tinha desaparecido. Queria deixar uma lembrança para a filha que pertencesse aos dois, andou de um lado para ao outro pensando ansiosa. Subitamente parou e murmurou:

— O medalhão – abriu o guarda roupa e pegou a caixa onde mantinha guardada as cartas de Tommy. Junto a elas estava uma caixinha com o medalhão que ele prometera.

Olhou para a caixa rosa com lágrimas nos olhos, não se permitira abrir aquele último presente. Cuidadosamente abriu a caixinha e encontrou um delicado medalhão prateado, ele tinha uma rosa desenhada em alto relevo na frente e duas pérolas nas extremidades.

— Oh Tommy! É tão lindo!

Cuidadosamente tocou a jóia, passando os dedos pelo contorno da rosa. Não era um presente caro, mas com certeza era o mais delicado que jamais recebera. Lembrou-se que Tommy dissera que o medalhão abria, mas ele era tão pequeno. Tentou abri-lo, apertou as jóias, virou-as e por fim desistiu.

— Se eu não consigo, ela também não deve conseguir – colocou o medalhão de volta na caixinha e o selou no envelope com sua carta. Seriam as lembranças que deixaria com a filha.

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Nos dias seguintes, mãe e filha limparam a casa e fizeram as malas. Doaram os itens que sobraram e compraram a passagem para Nova York. Com o carro cheio e prontas para partiram fizeram a última visita a Casa Verde.

Pela primeira vez, Kimberly entrou apreensiva no orfanato. A filha estava ali e isso a magoava, doía saber que a filha passara os primeiros dias de vida nas mãos de estranhos em um orfanato. Queria que os pais adotivos a tivessem pego no hospital e ela não precisasse passar uma única noite ali.

A Sra. Mason as recebeu rapidamente. Depois os cumprimentos formais ela abriu uma pasta e passando os olhos comentou:

— Segundo os relatórios, nenhuma das duas veio visitar a criança nos últimos dias correto?

— Correto – murmurou Kimberly.

— Você ainda é a responsável legal de sua filha Kimberly, por isso eu devo informá-la que o casal que irá adotá-la esteve aqui duas vezes.

— Ok...

— E como foram os exames Sra. Mason? – indagou Carol vendo a filha tão calada.

— Os resultados já estão comigo e a menina é perfeitamente normal e saudável.

— Que bom! – murmurou Carol.

— Agora, Kimberly é o último momento para definir o processo. Os papéis para a adoção fechada estão prontos, depois de assiná-los você não terá mais direito à criança e ela ficará sob a custódia do Estado representado pela Casa Verde.

— E os pais adotivos? Eles são bons? – murmurou Kimberly.

— Não posso lhe passar nenhuma informação dos dois. Eles também preferem adoção fechada e não ter nenhum contato com a mãe biológica. Porém, eu posso lhe afirmar que são boas pessoas e que tem condições psicológicas, morais e financeiras de cuidar de sua filha.

— Quando virão buscá-la?

— Hoje à tarde, se você assinar os papéis.

— Ok - abrindo a bolsa ela pegou um envelope e entregou a Sra. Mason. – Eu gostaria de deixar isso para ela.

— Sem problemas, mas eu preciso abrir antes tudo bem?

Kimberly assentiu e a Sra. Mason abriu o envelope passou os olhos pela carta e o embrulho:

— Não é exatamente uma jóia valiosa, mas irei guardar no cofre. Se algum dia a criança vier com os pais adotivos solicitando alguma informação sobre você eu entregarei. Se ela nunca perguntar ficará aqui guardado.

— Obrigada – concordou Kimberly.

— Eu preciso ler os termos da adoção em voz alta para vocês. Faz parte do protocolo.

Carol e Kimberly assentiram e cuidadosamente a Sra. Mason começou a ler os papéis que estavam em sua frente. Carol prestou atenção em cada palavra e Kimberly permaneceu muda, irrequieta ela se mexeu na cadeira.

— Tudo bem Kimberly? – perguntou a Sra. Mason interrompendo a leitura.

— Ela esta chorando – murmurou a garota.

— Como?

Kimberly levantou-se e murmurou:

— Acho que ela esta com fome.

— O berçário fica um pouco longe Kimberly. Não é possível escutar o choro das crianças daqui.

— Mas...

A Sra. Mason sorriu. Era o último momento para a garota desistir do processo, ela já vira isso acontecendo antes. Levantou-se e chamando as duas disse:

— Vamos dar uma olhada.

Carol e Kimberly seguiram a Sra. Mason pelos corredores da Casa Verde.

— O berçário fica na casa principal, nos fundos temos uma construção nova onde as crianças mais velhas ficam.

Chegando à porta do berçário, ela abriu e entrou. A sala era branca e arejada, seis berços estavam lado a lado e um balcão com um trocador e uma cadeira. Uma moça usando o uniforme verde do orfanato estava dando mamadeira para um dos bebês. Dois berços estavam ocupados e de um deles era possível ouvir um ligeiro resmungo.

— Bom Dia Lisa. Como estão os bebês hoje?

— Bom Dia Sra. Mason. Estão quietinhos, daqui a pouco eu vou dar a mamadeira da menina.

Sem se preocupar com a conversa das duas, Kimberly foi diretamente até o berço onde estava à filha e a pegou. Nos braços da mãe os resmungos da criança se intensificaram.

— Ela estava chorando Lisa?

— Ela é um anjinho, nunca chora só resmunga um pouquinho quando esta com fome.

Carol se aproximou da filha e perguntou:

— Tudo bem?

— Ela esta com fome – respondeu Kimberly.

— A mamadeira dela esta pronta – respondeu a enfermeira prontamente. – Mas o menino ainda esta mamando e...

— Não se preocupe Lisa, esta tudo bem – respondeu a Sra. Mason aproximando-se de Kimberly.

— Ela esta bem querida, quer dar a mamadeira para ela?

Carol virou-se para pegar a mamadeira e a menina emitiu um choro mais agudo. Imediatamente, Kimberly abriu os botões da blusa e começou a amamentá-la. Carol e a Sra. Mason ficaram atônitas com a cena.

— Ah, você é a mãe. Sente-se aqui vai ficar mais confortável.

Sem tirar os olhos da menina, Kimberly sentou-se na cadeira oferecida pela jovem. A menina estava concentrada sugando o seio da mãe com os olhos abertos e a mãozinha fechada. Carol ficou quieta olhando a filha, a Sra. Mason aproximou-se e perguntou baixinho:

— Ela amamentou no hospital?

— A enfermeira levou a menina para o quarto algumas vezes. Mas eu não vi – respondeu em um murmúrio.

Embora, o berçário estivesse quieto Kimberly conseguiu ouvir alto e claramente o canto da Garça. Subitamente ouviu o silvo do pterodáctilo e sorriu, a menina abriu os olhos atenta ao ruído. A antiga ranger rosa sorriu, a filha poderia não entender mas também ouvia os animais do poder. Depois de alimentá-la ela a embalou e colocou no berço. Lá, ela viu a Garça de pelúcia que Tommy lhe dera e perguntou:

— Como?

— Eu levei para você nos hospital, mas acabei deixando no berço com ela. Tudo bem? – Carol respondeu a dúvida da filha.

Kim tocou na pelúcia macia e a sentiu quente, o espírito da Garça estava presente no brinquedo e a protegeria.

— Ok.

A Sra. Mason aproximou-se sorrindo:

— Ela é muito linda.

— É sim – respondeu Kimberly.

— Kimberly! – o tom de voz da velha senhora era imperioso e fez Kimberly a fitar seriamente. – Vai levá-la para casa?

A jovem olhou a filha pela última vez e respondeu:

— Não... ela estará mais segura com os pais adotivos?

— Tem alguma coisa que eu possa fazer para garantir que ela fique segura com você?

— Infelizmente não – murmurou. – Mas... Por favor, me prometa que não vai deixá-la aqui. Que ela terá pais que a amem e que cuidem dela.

— Não precisa se preocupar com isso, o casal já a ama muito.

— Por favor!

— Eu prometo. Eu garanto que encontrei os pais perfeitos para ela e se alguma coisa algum dia acontecer, eu não deixarei que ela fique no orfanato nem um dia a mais do que o necessário. Isso é tudo que eu posso fazer.

— Muito obrigada!

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As três mulheres voltaram ao escritório, onde Kimberly assinou os papéis de adoção deixando a Sra. Mason sozinha. Ela pegou o telefone e ligou para o casal que adotaria a menina avisando que poderiam vir buscá-la imediatamente.

Poucas horas depois, o casal chegou exultante e a menina foi trazida para eles. Parte da angustia do coração da Sra. Mason diminuiu ao ver a mulher pegar a menina, o amor transbordava em seu olhar. A mãe adotiva era italiana e vivia nos Estados Unidos com o marido desde a faculdade. O casal tentara por anos ter filhos e não conseguira e a fila de adoção fora longa. Agora, finalmente, estavam com a filha nos braços.

— Podemos leva-la para casa mesmo?

Sorrindo a Sra. Mason respondeu:

— Sim, já está tudo pronto e só precisamos de um nome para a certidão de nascimento. Já escolheram o nome?

— Sim – os olhos azuis da mulher brilharam e ela respondeu. – ela vai se chamar Melissa.