SPIN OFF - Carta Para Você

Uma Perna Quebrada, Uma Ruiva Entediada e Um Serial Killer


— Bem, Diretora Shepard, Agente Gibbs. sinto lhes informar, mas a perna da sua filha está quebrada. E, pelo que notei, ela é bailarina, espero que ela entenda que a recuperação será lenta, e balé, só daqui a um ano. – O médico, Doutor Gelfand, nos disse, assim que a cirurgia acabou.

E tudo o que eu conseguia pensar era no susto que eu tinha passado há cinco horas.

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Estava comandando uma operação no MTAC, tal operação estava sendo preparada há mais de seis meses, tudo para agarrar um traficante de armas que vendia as armas roubadas dos carregamentos emboscados na região de Kandahar no Afeganistão.

Tal operação começou há cerca de três anos, nossos agentes dos escritórios internacionais e da inteligência começaram a rastrear as armas, até que infiltramos vários agentes para que a operação pudesse ser encerrada hoje, com a apreensão das armas e a prisão de todos os responsáveis, inclusive o líder.

Tudo ia caminhando para um final tranquilo, algo que eu esperava, mas sabia ser quase impossível. Porém, a sorte e a competência estavam do nosso lado. Já no fim, depois que as prisões foram feitas, Cynthia entra no MTAC um tanto nervosa.

Indiquei para que ela se sentasse ao meu lado e, assim que o fez, tirei meu headphone.

— Pois não, Cynthia?

— Senhora, eu sinto muito, mas acabei por atender o seu telefone celular. Ele não parava de tocar e quando entrei na sua sala, o identificador de chamadas dizia ser da Escola de Balé de Sophie.

Meu corpo inteiro gelou.

Na tela, Armand Von Teshen era algemado pelos agentes do NCIS. A operação estava nos momentos finais.

— Assim que atendia, Mademoiselle Bordeaux me informou que Sophie estava sendo levada às pressas para o hospital depois de sofrer um acidente no ensaio para a apresentação de primavera.

Meu coração saltou duas batidas, até que me levantei e, dando a operação por encerrada, informei ao Agente Cooper que assim que os interrogatórios fossem feitos, ele me encaminhasse os relatórios.

— Bom trabalho conjunto de todos os escritórios. – Encerrei a operação e o vídeo. – Assim, pude me voltar para a ansiosa Cynthia ao meu lado. – Disseram para onde a levaram?

— Sabem que Kelly tem vínculos com o Bethesda, foram para lá.

— Alguma outra informação?

Minha assistente hesitou.

— Cynthia, por favor, estamos falando da minha filha.

— Ela estava desacordada, senhora.

Era tudo o que me faltava.

— Jethro já sabe?

— A MCRT foi chamada à Norfolk. Saíram há duas horas.

Trazer Jethro de volta seria um problema.

— Cancele a minha agenda da tarde.

— Só tinha uma reunião com SECNAV, senhora. Ele mesmo cancelou.

— Remarcou para? – Ia conversando com Cynthia e ao mesmo tempo andando até meu escritório.

— Sem data ainda.

— Chame Melvin, por favor.

— Ele já está pronto, na garagem de provas. A senhora quer que eu avise ao Agente Gibbs?

Pensei enquanto pegava a minha bolsa.

— Eu ligo para Jethro. Ele ficará uma fera se for você quem der a notícia ou pensará o pior, mas antes de informá-lo eu preciso saber como Sophie está.

— E senhora, me desculpe por ter atendido o seu telefone pessoal. – Cynthia estava realmente desconcertada.

— Você fez bem. Não foi invasão de privacidade. Muito obrigada, Cynthia. – E sim, realmente estava grata por minha assistente ter feito isso, ou eu não saberia da condição da minha filha nem tão cedo.

— Não há de que, senhora. Posso pedir um favor?

Achei estranho, Cynthia nunca foi de pedir nada, nem folgas.

— Diga...

— Me mantenha informada, eu estou preocupada com Sophie.

— Desde que você não espalhe para o prédio o que aconteceu ainda. Não quero Abby ou Ducky, ou Palmer correndo para o hospital e deixando as equipes na mão.

— Não irei, senhora. Mas lembre-se, Abby sempre descobre tudo.

E Cynthia estava mais do que certa.

Saí da minha sala a passos rápidos, entrei no elevador e logo estava na garagem de provas. Melvin, me esperava, a porta aberta, o carro ligado e pronto para sair.

— Melvin, por favor. – Pedi assim que afivelei o cinto.

— Chegaremos em tempo recorde ao Bethesda, senhora. – Ele falou, já arrancando o carro.

Washington passava voando por mim, Melvin definitivamente estava dirigindo no limite da velocidade permitida, e tudo o que eu conseguia pensar era em como eu daria a notícia para Jethro que estava longe e no meio de um caso.

— Pronto, senhora. – Melvin anunciou. Ele tinha conseguido fazer uma viagem de quase quarenta minutos em quinze.

— Melvin, muito obrigada. Fico te devendo mais essa.

— Precisa que eu fique?

— Não. Eu não sei quando Sophie será liberada, para te ser sincera, eu não sei nada o que está acontecendo. Pode ir para casa.

— Me mantenha informado, a senhora sabe que Meghan adora a Ruiva.

— Eu vou. – Afirmei e desci do carro.

Já na recepção, tinha duas opções. Ou eu esperava na fila como todo cidadão de bem, até que uma enfermeira que tinha uma enorme cara de tédio fizesse o favor de me dar a informação que eu queria, ou eu simplesmente...

Saí andando até os elevadores, parei na porta e li em qual andar minha filha poderia estar.

Só tinha uma opção se ela estivesse com a perna quebrada.

Ortopedia.

Entrei no elevador sem dar a minha identificação ao segurança e apertei, quase ao mesmo tempo o botão para se fechar as portas e o número 15, que era o andar onde Sophie deveria estar.

A subida até o 15º andar foi lenta, e a cada andar que o elevador parava e alguém entrava eu só sabia bater meu salto no chão.

15, indicou o painel. Pouco me importei se esbarrei em alguém. Saí do elevador como se a minha vida estivesse correndo risco e cruzei o longo corredor da ala ortopédica à passos rápidos, meus saltos ecoando por todo o andar. Na estação das enfermeiras, a Enfermeira Chefe me olhou atravessado devido ao barulho.

— Boa tarde! – Olhei bem nos olhos dela. – Preciso de todas as informações sobre Sophie Shepard-Gibbs, por favor.

A enfermeira Johnson não me deu confiança.

Respirei fundo, me lembrando da cena que fiz em Portsmouth quando Jethro foi literalmente mandado pelos ares.

Tirei minha identificação do NCIS da bolsa e tornei a chamar pela enfermeira, que agora estava ao telefone.

Esperei sem paciência nenhuma que ela terminasse sua conversa fiada e quando ela levantou uma sobrancelha na minha direção, quase me enxotando do lugar, coloquei minha credencial em cima do teclado de seu computador e disse o mais calma possível.

— Boa tarde. Minha filha, Sophie Shepard-Gibbs, deu entrada neste hospital, nesta tarde, com uma possível fratura na perna. Se não fosse incômodo, gostaria de saber a situação dela.

Johnson olhou da minha identificação para a minha cara, voltou à identificação e soltou:

— A senhora é a mãe da paciente?

Com o mesmo sobrenome e uma enorme diferença de idade, o que ela queria que eu dissesse, que era a avó?

— Sim. – Falei entredentes, estava por um triz de voar no pescoço dela.

Johnson começou a digitar na velocidade de uma tartaruga no teclado e eu quase que tomei o teclado e o computador e a cadeira dela e fiz o serviço por mim mesma, até que escutei uma voz bem familiar falar.

— Johnson, pode passar as informações. – Kelly surgiu de uma das salas.

— Você a conhece, Doutora Sanders? – Johnson ainda estava me encarando, como se fosse minha culpa eu ter interrompido a conversa dela no telefone.

— Ela é minha mãe, Johnson. E esse distintivo aí diz que ela tem contatos poderosos que podem te encrencar, caso você continue a fazer corpo mole. – Kelly parou atrás da enfermeira e a encarou.

— Sim, senhora. – Johnson me entregou a credencial e começou a digitar em uma velocidade mais rápida.

— Como ela está? – Perguntei para Kelly.

— Fui chamada para avaliá-la, pois a Moranguinho chegou aqui inconsciente. Não é nada grave, ela só tem uma concussão de nível médio, parece que bateu em uma quina do palco, pelo formato do corte e da batida. Antes que ela fosse operada, eu a revirei do avesso, tudo estava bem.

— Ela está em cirurgia?!

Kelly suspirou.

— Fratura no fêmur. Quebrou em duas partes. Tive que liberá-la para a cirurgia antes de você ou papai chegarem, para que não houvesse sequelas.

— Sequelas?! – Eu podia sentir o chão sumindo abaixo de mim.

Johnson finalmente tinha uma atualização.

— Doutora Sanders. A paciente ainda está em cirurgia. Bloco 4, sala 2. Sem previsão de saída. Dois andares acima.

— Obrigada, Johnson. – Kelly falou e saiu andando do meu lado até o elevador. – Ela vai ficar bem, mãe.

— Essa cirurgia é segura, mesmo ela tendo...

— Sim, se não fosse, eu não a liberaria. Um paciente com mais de quarenta anos jamais poderia fazer essa cirurgia até estar completamente consciente. Mas Sophie é nova e como eu disse, a ressonância e a tomografia dela vieram lindas. Nada com o que se preocupar, além do mais, ela está em ótimas mãos.

— É mesmo?

— Sim. Doutor Todd Gelfand é o cirurgião.

— E depois seu pai diz que não existe isso de coincidências.

Kelly deu uma risada.

— Mundo pequeno. Ou só uma família que ama um hospital, mesmo. – Ela deu de ombros e descemos no andar indicado pela Enfermeira Johnson.

— Teoricamente você não pode ficar aqui. Mas.... – Ela me deu um sorriso. – Algumas pessoas têm certos privilégios de ficarem aqui, e você terá também.

Andamos até uma pequena sala de espera, mal cabiam cinco pessoas ali dentro e Kelly se sentou do meu lado.

— Pelo visto papai não sabe...

— Não. Está Norfolk. E eu só fiquei sabendo porquê Cynthia ouviu o meu celular tocar e o atendeu depois que já estavam tentando falar comigo há um tempo.

— Entendo. Quer que eu ligue para ele. Papai pode deixar DiNozzo no comando.

— Se Jethro vier agora, logo toda a equipe estará aqui, Kelly. Vamos saber como Sophie está primeiro.

— Sinto te informar, é uma cirurgia demorada. Melhor avisar logo, você bem sabe que ele pode te encontrar em qualquer lugar, e será muito pior se ele colocar Tim para rastrear o seu telefone e te achar aqui... papai tende a ser um pouco exagerado.

— Demorada quanto?

Kelly me deu sorriso meio amarelado.

— Umas cinco horas.

— Melhor eu ligar para Jethro.

— Não, mãe, eu ligo. Eu vou saber informar melhor do que você. E dizer que só ele está autorizado a entrar.

— O restante da família vai acampar lá fora.

— Não se eu mandar dizer que é você quem está aqui. Estafa pode levar qualquer um para o hospital.

— Boa sorte com isso. – Comentei.

Nos alto falantes chamaram Kelly de volta para a Neurologia.

— Você vai ficar bem aqui, sozinha?

— Vou, Kelly. Vá trabalhar.

— Assim que tiver um tempinho, eu volto. – Ela me informou e tirou o celular do bolso.

Me sentei sozinha na sala de espera e só pude pensar no que aconteceu com a minha filha mais nova. Como ela tinha quebrado o pé no ensaio?

Para acabar com a minha curiosidade, liguei para a Escola de Balé. Pedi para falar com Mademoiselle Bordeaux.

Depois de quase meia hora de pedidos de desculpa em francês na minha cabeça, obtive a informação que precisava.

Sophie não tinha caído do palco. Ela tinha sido empurrada. A ex bailaria número um da casa, uma garota loira, dois anos mais velha que minha filha, chamada Casimere Spencer, tinha, deliberadamente, errado o passo e, com isso, Sophie, que fazia uma pirueta na ponta do palco, foi atingida pela garota. Casimere conseguiu se reequilibrar antes da beirada, mas já era tarde, pois ela efetivamente empurrou Sophie, que, estando na ponta de um só pé e sem nada para se segurar, caiu e bateu a cabeça no pé de uma das cadeiras do fosso onde fica a orquestra.

Foi uma queda de quase três metros. Minha filha tinha sorte de estar viva.

— E quais as providências que a escola vai tomar? – Perguntei friamente para a Diretora.

Madame Gibbs, nós já chamamos os pais de Casimere aqui. Ela será expulsa. Qualquer outra medida legal que Madame estiver disposta a tomar será por sua conta.

— Minha filha poderia ter morrido. – Comentei.

Oui. Sei disso. Eu fui a primeira a chegar até Sophie. E pode ter certeza, Casimere não terá mais futuro em nenhuma Escola de Balé. O mundo da dança é competitivo, porém, não somos cegos. Se aos 16 ela fez isso, o que não fará, quando for mais velha, para conseguir um papel? A Mademoiselle Spencer está banida da dança. Quanto a Sophie. Espero que ela se recupere.

— Uma fratura dupla no fêmur. Não acredito que ela voltará a dançar.

— Sophie será sempre bem-vinda à Escola, mesmo que fora das apresentações. É uma pena que a carreira na dança dela tenha terminado dessa forma. Ela tinha muito futuro. E digo isso sabendo que já tinha algumas pessoas observando bem de perto o desenvolvimento dela.

Antes que eu soubesse de mais coisas como essa, encerrei a ligação. Estava além de furiosa, o ato invejoso e inconsequente de uma adolescente de 16 anos quase acabou com a vida da minha filha e enterrou as chances dela de ser uma bailarina profissional.

Recostei minha cabeça na parede e respirei fundo. Teria que ser bem cuidadosa no modo como iria dar as informações sobre o incidente, ou era bem capaz que Jethro fosse atrás dessa tal de Casimere e fizesse com ela o que ela havia feito com a Ruiva. Me foi impossível de não me lembrar de Ziva, se ela ainda estivesse no NCIS, se ela não tivesse nos abandonado, tenho certeza de que Casimere nunca mais calçaria uma sapatilha de balé na vida.

Passaram-se mais três horas, Sophie estava em cirurgia há quatro, Kelly apareceu mais duas vezes, me trazendo um copo de café, nesse meio tempo, e pedia desculpas por não ter notícias. E, era só minha filha se sentar, que a chamavam de volta ao trabalho.

— Antes de ir para casa, passo aqui. – Ela me informou. – Espero que até lá, a Moranguinho já tenha saído da cirurgia.

— Não se preocupe, Kells, terminando o seu turno, vá para casa, seu filho está te esperando.

— Não posso ir para casa sem saber como a minha irmã está, mãe.

E essa conversa tinha sido há quarenta minutos. Meu café tinha esfriado, intocado. Não consegui colocar nada para dentro, estava preocupada com a minha filha e em como ela sairia da sala cirúrgica.

Suspirei e fechei meus olhos. Não sabia quantas horas de espera ainda teria pela frente.

Foi quando eu ouvi o som das portas do elevador abrirem e fecharem e passos conhecidos cruzarem o corredor.

— Estou aqui. – Não precisei gritar, o andar estava tão silencioso que ele me escutaria.

E não deu outra, ouvi sua aproximação ao mesmo tempo em que senti o cheiro de café.

— Jen... Kelly me disse.

— Sente-se. Ainda vai demorar.

— Há quanto tempo está aqui?

— Quase cinco horas.

— Tem uma ideia do que aconteceu? – Ele me perguntou, ainda estava de pé e andava de um lado para outro.

— Ela foi empurrada do palco, pela bailarina que ela desbancou como número um.

O som de passos cessou. Ouvi o copo de isopor ser amassado e arremessado na lixeira.

— Tentaram matar a minha filha por conta de uma dança. – A voz dele era fria.

— Não faça nenhuma besteira. – Comentei e abri os olhos, para ver o ódio que emanava das orbes azuis dele.

— Você está muito calma para alguém que poderia....

— Jethro, ela está viva. Nem pense em completar essa frase! – Ameacei-o. – Kelly te explicou a situação. E eu já conversei com a professora de balé dela. Muito provavelmente o balé acabou para Sophie depois de hoje, uma lesão dessa não permite que ela volte a dançar como dançava. Mas a carreira da tal de Casimere também acabou. E eu não vou me preocupar com ela, vou me preocupar com a minha filha, com a recuperação dela, com a vida dela.

Foi quando Jethro se sentou do meu lado e pegou a minha mão.

— Nada mais de balé para ela.

— Quase certo de que não. Ela poderá dançar como aluna, mas apresentações, horas de treino, não mais.

— Ela ainda é nova.

— Um fêmur quebrado em duas partes, Jethro? Independentemente da idade, não se recupera para voltar ao nível semiprofissional de Sophie.

Ele ficou calado.

— Como ela vai reagir a isso?

— Não sei. Na vou falar nada até que os médicos e fisioterapeutas me deem certeza. Talvez eu esteja enganada, talvez sua filha tenha uma recuperação plena.

Jethro apertou ainda mais a minha mão. O pensamento de que a filha caçula poderia nunca mais dançar o afetava mais do que eu pensava.

— Se ela não puder mais dançar... – Ele começou. – Eu vou sentir falta das apresentações, das noites de gala, dos ensaios de vocês...

— Eu também. – Comentei e escorei minha cabeça no ombro dele.

Kelly apareceu quase uma hora meia depois, tinha notícias.

— A cirurgia terminou. Sophie está bem. Voltando da anestesia. Já dei uma checada nela, ainda está grogue, muito, não está falando nada com coerência. Mas não tem nenhuma sequela da concussão, o que não quer dizer que ela não será monitorada e observada durante as próximas 24 horas.

— E quanto à operação?

— Bem, papai. Doutor Gelfand me disse que tudo foi muito bem. Ele está confiante em uma recuperação total. Porém, tudo ao seu tempo. Primeiro Sophie tem que voltar 100% da anestesia para depois passar pelo processo de cicatrização, para então a fisioterapia...

Eu assenti, seria um segundo semestre pesado com todas as futuras consultas e sessões de fisioterapia.

— Ela vai ficar bem. – Kelly garantiu. – Quer que eu fique aqui com vocês?

— Não. – Jethro disse. – Vá para casa, Kells. Seu filho te espera.

Kelly se despediu de nós e antes de sair da sala avisou:

— Qualquer coisa, me liguem. Eu reviro esse hospital atrás de qualquer médico para a minha irmã.

E ela se foi. Eu e Jethro ficamos esperando a vinda de Todd.

Quando ele apareceu, se assustou ao nos reconhecer.

— Agente Gibbs. Diretora Shepard. – Nos cumprimentou.

— Doutor Gelfand. – Dissemos juntos.

— Bem, vou direto ao ponto. A perna de Sophie foi quebrada em duas. O fêmur partido em dois. Ela é nova, vai se recuperar. Mas precisará de tempo e paciência. Pelo que fiquei sabendo, ela é bailarina. Balé, para ela, se tudo der certo, só dentro de ano.

— Ela vai poder voltar a dançar? – Perguntei com um fio de esperança.

— Como uma bailarina amadora, sim. Poderá ter aulas e dançar em casa, mas não acredito que poderá se tornar uma profissional. Nem seria recomendado.

Anuímos. Teríamos que contar isso para Sophie de algum modo.

— Quando ela irá para o quarto? – Jethro perguntou, me dando tempo para pensar em como seria a vida da minha filha sem o balé que ela tanto gostava.

— Ela já está acordada e bem coerente na sala de recuperação. Dentro de meia hora já vamos descer com ela, vocês podem ir na frente. O quarto será... – Todd parou e conferiu a prancheta. – 1517.

Agradecemos e ele saiu. Jethro me guiou até o elevador e depois até o quarto, onde uma enfermeira já aguardava a chegada de Sophie.

— Boa noite, sou a Enfermeira Stewart, responsável pelo turno da noite, qualquer coisa que precisaram para a Senhorita Shepard-Gibbs, é só me chamar. – E com um sorriso educado, nos deixou lá, sentados no sofá, esperando por nossa filha.

Sophie chegou cinquenta minutos depois. Ela tinha a testa enfaixada, muito provavelmente por conta do corte que teve ao bater a cabeça na cadeira e no chão. Estava mais pálida do que o normal e, tinha uma careta no rosto.

— Ahn... oi! – Ela falou quando nos viu.

— Filha! – Nos levantamos e tentamos chegar perto da cama, mas ela estava sendo transferida da maca para a cama, algo que deve tê-la incomodado muito, pois a careta aumentou.

Stewart apenas orientou os demais enfermeiros e quando eles acabaram de colocar a minha filha na cama, ligou a ela alguns fios e o soro. Sophie, ao ver a agulha mordeu o lábio e virou o rosto.

— Qualquer coisa que sentir, me chame. – Avisou para a minha filha antes de sair e fechar a porta.

Em uma batida de coração, eu estava ao lado dela, a auxiliando a se sentar na cama, e afofando os travesseiros para que ela ficasse mais confortável.

— Eu acho que vi a Kells.... – Ela comentou.

— Você a viu. – Jethro disse.

— Parecia um filme... ela falava comigo, mas eu não me sentia em meu corpo... coisa sinistra.

— Como você está?

— De verdade?

— Claro, filha.

— Toda dolorida. Minha cabeça está pesando uma tonelada, minha perna coça, dói, lateja. Até minhas costas estão doendo.

— Quer que eu peça para te darem um remédio para dor? – Jethro perguntou.

Sophie fez uma cara de incerteza.

— Não sei... parece que vou ter que me acostumar com isso... – Ela olhou para a perna imobilizada.

— Sim, vai.

— É horroroso. – Disse e se jogou no meio dos travesseiros. – Quantas horas eu fiquei fora desse mundo?

— Entre cirurgia e recuperação, seis horas. – Informei.

— Me desculpem...

— Você não tem o que se desculpar, Ruiva.

— Mas papai... olha onde vocês estão, em uma plena segunda-feira!

— Nada foi a sua culpa.

— Eu fui empurrada, não fui?

— Até onde apuraram na sua escola, sim.

— Aquela v... – Ela iria começar a xingar. – Casimere. Que vontade de socar a cara idiota dela!

— Ela foi expulsa da escola. – Completei a informação.

— Já não era sem tempo. Ela implica com todo mundo. – Sophie gesticulou com as mãos. – Uma mimada.

— Você não a verá tão cedo.

— Eu não a verei nunca mais, papai. Porque depois disso aqui, eu nunca mais vou dançar balé. Acabou pra mim. Já era. – Ela disse. Seu tom de voz era ao mesmo tempo raivoso e carregado de dor por não poder mais dançar. – Onze anos sofrendo em cima de uma sapatilha de ponta para acabar assim. – Os olhos dela se encheram de água.

Me sentei ao lado de sua perna boa e a abracei, as poucas lágrimas que caíram se transformaram em um choro de pura dor e decepção.

— Não que eu fosse seguir a carreira no balé, mas... é a minha grande paixão. Era o que eu amava fazer. – Ela me abraçou forte enterrou o rosto no meu ombro. Ficou assim por um bom tempo, até que a Enfermeira entrou.

— Me desculpem. – Disse sem graça.

Sophie limpou as lágrimas para olhar para a enfermeira, que lhe perguntava se ela estava com dor.

— Está suportável. – Minha filha disse, porém, a enfermeira aumentou a dose do remédio mesmo assim.

— Acredite em mim, eu sei que você está com dor e você precisa descansar.

Mais tarde, naquela noite, Stewart nos disse que quanto mais repouso Sophie tivesse, melhor seria para a sua recuperação e, que todo aquele ataque de raiva não era nada bom para alguém que tinha saído de uma cirurgia tão longa.

Com Sophie dormindo, Jethro tentou me mandar para casa. Eu recusei veementemente, não deixaria minha filha sozinha em um hospital de jeito nenhum.

Quem nos tirou do impasse foi Abbs.

— Oi! – Ela disse baixinho da porta. – Kelly me ligou, me explicou o que aconteceu. Eu trouxe uma bolsa para cada um de vocês, sabendo que vocês não vão deixar a Jibblet aqui. Noemi foi quem arrumou.

— Oi Abbs! – Cumprimentei. – Mais alguém sabe?

Ela só apontou para trás, onde Tim e Tony estavam.

— Ellie ficou com vergonha de aparecer. – Ela explicou, mas mandou isso. – Nos entregou um cartão de melhoras.

Tony logo entrou e foi direto ver Sophie, como desde o dia em que os dois se conheceram, quase dez anos atrás, DiNozzo era o fiel São Bernardo, o segurança particular de minha filha, aquele que sempre se preocupava com o bem-estar dela.

Tim entrou logo atrás e quis saber o que aconteceu. Jethro resumiu ainda mais a história, e eu vi no rosto de cada um ali, que tudo o que eles queriam era que a tal de Casimere passasse pela mesma coisa, até mesmo Abby.

DiNozzo deixou uma barra de chocolate na cabeceira de Sophie e logo os três saíram, pois só foram liberados para entrar àquela hora porque prometeram não demorar.

Nossa rotina de hospital durou uma semana. Com visitas diárias de todos, até mesmo Ellie que estava, aos poucos, se acostumando com a família.

— Trago boas notícias! – Kelly entrou no quarto com Will no colo.

— Espero que sejam boas mesmo. – Sophie disse emburrada da cama.

— Você receberá alta hoje! Na verdade, podem começar a arrumar tudo, dentro de uma hora Todd vai chegar só para assinar a sua alta.

E foi dito e feito, noventa minutos depois, deixávamos o hospital. Sophie se recusou a se sentar em uma cadeira de rodas, assim, saiu pulando com as muletas pelos corredores afora. No estacionamento, Abby, Tim, Tony, Ellie, Ducky, Jimmy e Breena, esperava por nós.

Como sempre nossa família estava unida em todos os momentos.

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Estou oficialmente de férias, minhas provas foram feitas fora da data por conta do meu pequeno acidente e minha estadia nada confortável no hospital e, agora, eu não tenho nada para fazer, pois eu não posso fazer nada com essa perna imobilizada!

Noemi está para sair de férias, disse que adiaria a viagem para ficar comigo, mas era injustiça com ela. Assim, logo que deu o dia, fiz questão de praticamente enxotar Noemi de nossa casa e do país.

Minha companhia agora é Jet. E até ele está deprimido porque não posso sair para correr com ele, o máximo que faço é dar uma volta no quarteirão, e ele é tão bonzinho que vai sem a guia, andando ao meu lado, sem se desviar para nada. Meu Marine super treinado.

Nessa manhã eu tinha ido tirar os pontos e ver a quantas andava a minha cicatrização, tudo parecia ir bem, Doutor Todd me avisou que talvez eu começasse a fisioterapia mais cedo, mas o alívio de me ver sem os pontos durou pouco e logo me colocaram um gesso, que ia da altura da minha virilha até o meu pé.

Minha perna era um calombo gigante. Que estava suada, coçando e me irritando a níveis nunca imaginados!

Eu precisava de uma distração ou ia arrancar esse gesso à marteladas da minha perna!

Corri os olhos pelos livros da casa, o Deep Six e suas continuações deixaram de ser proibidos há um tempo... e era até divertido ver o que Tim tinha escrito, de todas as pessoas envolvidas eu era a única que me diverti com as personalidades trocadas – ou nem tão trocadas assim! – que ele tinha colocado no livro. Mas eu já tinha lido esses livros duas vezes, queria algo diferente. Minha coleção de Sherlock Holmes também tinha lido há pouco tempo. Assim como todos os livros da Agatha Christie de mamãe. Me sobraram os livros de papai. Não queria ler nada sobre generais, guerras ou estratégia de batalha, então desisti e voltei para a sala de televisão. Jet me acompanhava a cada pulo que dava.

Pensei em rever os filmes do Marvel Cinematic Universe de novo, mas se meu pai chegasse em casa e me visse recitando cada uma das frases do Loki, junto com o personagem, aconteceria duas coisas: ele quebraria a televisão e o Blue Ray e, depois me mandaria para o primeiro hospício que visse.

Me peguei contando o pendulo do relógio do hall de entrada, deitada no chão com a minha perna estourada para cima, fazendo Jet de travesseiro, era uma visão muito estranha de se ter se alguém abrisse a porta, mas era o que tinha para hoje.

O relógio marcava duas e quinze da tarde. Cedo para qualquer um aparecer aqui em casa, o que significava que teria uma longa e tediosa tarde pela frente.

Ou não.

Para evitar fazer igual ao Sherlock e dar tiros nas paredes – e eu sabia muito bem onde estavam as armas e as munições nessa casa. – decidi dar uma de louca.

Levei quase dez minutos para me levantar do chão e chegar até o meu quarto, contudo, não me importei. Procurei em meu closet uma calça que passasse pela minha perna, coloquei uma blusinha e acabei por chamar um UBER.

Esperei na porta de casa o carro chegar, entrei e parti para o Estaleiro. Eu poderia muito bem ficar à toa por lá, pelo menos teria o Tony para fazer as minhas vontades e tentaria por um pouco de juízo na cabeça de Tim para que ele fizesse o volume 4 de Deep Six.

Foi demorado chegar lá, o transito estava estranhamente caótico para o meio de uma tarde, e quando eu estava quase cochilando no banco de trás, chegamos até a portaria principal. Paguei ao motorista, desejei a ele uma boa tarde e com muito custo, desci do carro.

Desnecessário dizer que os Fuzileiros que guardam a entrada já me conhecem e assim que pus o pé na base, o que estava encarregado de anotar o nome dos visitantes, já estava ligando para a Sala do Esquadrão.

— Sua estrada está autorizada, Srta. Shepard-Gibbs. – O mais novo me informou.

— Obrigada. – Agradeci e saí pulando pelo Estaleiro até a porta principal. Claro que chamei a atenção, quando eu não chamava, não é? Não liguei e entrei, apresentando minha identidade para tê-la escaneada e um crachá de visitante foi-me entregue.

— Quer saber o que eu acho, Sophie? – O Agente Balboa me falou.

— Não faço ideia.

— Você já deveria ter um crachá só seu... todos te conhecem por aqui!

— Dê essa ideia para a Diretora! Se ela aprovar, os méritos serão todos seus! – Respondi depois de passar pelo detector de metais. Claro que apitou, pois agora eu meio que tinha uma plaquinha de titânio na minha perna.

— Vamos ver o que ela vai falar. – Balboa me respondeu. – Está liberada.

— Muito obrigada! E tenha um ótimo trabalho. – Segui para o elevador e quando as portas se abriram eis que... – Oi papai! – Cumprimentei meu pai que me olhava com a sobrancelha levantada.

— Você não disse que estava vindo. – Ele murmurou assim que as portas se fecharam.

— Não planejei vir. Estava além de entediada dentro de casa, precisava sair de lá ou ia enlouquecer.

A encarada que ele me deu significava que ele tinha certeza de que eu estava exagerando.

— Algum caso? – Perguntei só para puxar conversa mesmo.

— Sim.

— Complicado a esse ponto?

— Desde quando você me lê tão bem, filha?

— Não sei... devo ter aprendido com a mamãe. – Respondi.

O elevador chegou no andar da Sala do Esquadrão e papai me seguiu até a mesa do pessoal. Vi Ellie sentada no chão, debaixo da TV que fica entre as mesas de Tim e Tony, Tony estava coçando a cabeça e olhando para a tela do computador com uma cara de dúvida, já Tim estava desaparecido.

Na tela da TV acima de Ellie, tinha a foto de quatro pessoas. Todas da Marinha. Todas mulheres, morenas e de mesma patente.

— Um serial killer? – Perguntei ao ver as vítimas.

— Até onde desconfiamos sim. – Papai me respondeu. – Vem, sente-se aqui. – Ele me indicou a mesa dele.

— Por que desconfiam? Olha a vitimologia! Essas mulheres são extremamente parecidas!

— Não temos uma assinatura. – Tony me respondeu.

— Não?

— Nadinha, Pimenta. – Ellie respondeu entre uma mordida e outra de um cheetos.

Olhei novamente para as fotos. Tinha que ter algo ali.

— Ducky e Jimbo não acharam nada?

— Sophie! – Papai chamou a minha atenção.

Fiquei quieta, mas algo me intrigava.

Parecia até errado, eu sei, mas tendo a família que tenho e um tia formado em Psicologia Forense, foi fácil para mim mergulhar de cabeça em casos assim. Comecei lendo sobre a Família Mason. Depois o BTK, e o Assassino do Zodíaco... e quando vi, estava discutindo com Ducky sobre cada um deles, e o que levava a um ser humano fazer isso com os demais. E era por isso que o caso que a MCRT estava investigando chamou a minha atenção.

Serial Killers têm um método, têm toda uma sequência de atos que eles seguem. E quando uma dessas sequências é interrompida eles tendem a enlouquecer mais ainda.

Vendo Ellie e Tony concentrados no caso e papai indo para o laboratório de Abbs, peguei o arquivo do caso que papai tinha deixado na mesa e comecei lê-lo.

— Não deveria estar fazendo isso, Peste Ruiva!

— Tony... – Murmurei.

— A cabeça é sua!

Me ajeitei o mais confortável que pude, colocando a minha perna engessada para cima e voltei à minha leitura, eram os resultados das autópsias. Confesso que meu estômago embrulhou ao ler o que as quatro mulheres haviam passado, eu quase coloquei meu almoço para fora, mas não desisti de ler.

Por mais que o método parecesse o mesmo, as vítimas se parecessem muito, não havia uma pista que ligava aqueles assassinatos à um suspeito. Não tinha nada. E era essa a razão da cara fechada de meu pai quando ele voltou dos subsolos.

— Não era para você estar lendo isso. – Me informou.

— Esqueci meu livro em casa. – Menti descaradamente.

Papai estendeu a mão para que eu entregasse o arquivo.

— Estou quase acabando. Por favor! – Pedi. Mas não precisei de uma resposta, o telefone da mesa dele tocou e depois de me olhar feio, papai subiu as escadas, indo em direção ao escritório de minha mãe.

— Esse foi por pouco, hein? – Ellie brincou comigo.

— Isso foi um golpe de sorte, quase nunca acontece. – Respondi e voltei para o relatório da autópsia.

— Como alguém pode matar uma pessoa e não deixar vestígios? – Ellie tornou a murmurar.

— Usando uma roupa de biossegurança? – Chutei.

Tony vendo que nós duas estávamos discutindo o caso, se levantou e colocou todos os achados na tela. Dando uma atualização tanto a ele quanto a nós.

— Abby não achou nada?

— Não, os corpos estavam limpos, como se estivessem mergulhados em água.

— Ou como se nosso suspeito tivesse dando um banho nelas.

Fiz uma careta. Realmente tinha louco para tudo.

— Bem... será que toda essa limpeza não pode significar nada? – Perguntei.

— Isso, minha criança, pode ser sinal de muitas coisas, desde que nosso suspeito é altamente meticuloso com o que faz e não quer ser pego ou pode ser algum sinal de Transtorno Obsessivo Compulsivo.

— Então ele tem TOC por limpeza? Depois do que fez com elas? – Tony murmurou e passou para a foto do cadáver que eles encontraram mais cedo. Mais uma vez tive que conter a ânsia de vômito.

Ellie cutucou Tony, apontando para a minha cara que deveria estar um tanto esverdeada, e ele tirou a foto.

— Não dá para entender, Ducky... mania de limpeza mas deixá-las daquele jeito no meio da mata? – Tony ainda não se conformava.

E eu precisei voltar às fotos. Tinha algo estranho. Todas quatro estavam imundas quando foram fotografadas, como se tivessem sigo jogadas na lama de propósito, mas...

— Tio Ducky, se essas mulheres foram encontradas na mata, a pele delas não deveria apresentar arranhões?

— Sim. – Meu tio me respondeu.

— Então cadê? – Perguntei e pedi para Tony voltar para a foto do último corpo.

Todos três olharam para as fotos. Tanto da cena do crime em si como depois das autópsias e os corpos não apresentavam nenhum sinal de arranhões.

— Elas não foram mortas lá, e muito menos em algum lugar onde pudessem se machucar. – Ellie constatou.

Nisso Tim e Abbs subiram correndo, gritando por meu pai.

— Jibblet! Cadê o Gibbs?

Nós só apontamos para o andar de cima.

— O que vocês acharam?

— Uma toxina muito, mas muito rara.

— Nas quatro?

— Não, nela. – Abby apontou para a foto daquela que estava sendo considerada a quarta vítima.

— Mas Abigail, o toxicológico delas veio negativo.

— Eu sei disso, Ducky. Mas eu segui a regra do Gibbs e chequei duas vezes! Na segunda, fiz o meu querido Major Espectrômetro buscar por qualquer coisa estranha. E ele achou essa toxina. Ela é altamente paralisante e de rápida absorção no organismo e super difícil de ser identificada.

— Então elas foram sedadas antes de serem mortas. – Tony falou.

Eu fui anotando todas as descobertas e tentando montar uma linha do tempo para entender como elas foram mortas.

— Abigail, você refez os exames do conteúdo estomacal?

— Sim. E lá não tinha nada dessa toxina.

— Então foi injetada. – Ellie concluiu.

— Elas não têm marcas de agulhadas, nem vestígios de que alguma espécie de adesivo foi colado no corpo delas.

Eu voltei às fotos. Tinha que ter uma explicação para isso. Foi então que eu vi algo estranho.

Nas fotos de todas as quatro, o coturno do pé esquerdo estava desamarrado.

— Uhn... gente. – Falei. – Foram vocês quem desamarraram os coturnos das quatro?

Todos me deram uma negativa.

— Então por que o coturno das quatro está desse jeito? – Pedi o controle para Tony e dei zoom das fotos que mostravam os pés das tenentes.

— Estranho. – Jimbo começou. – Quando eu removi os coturnos, reparei que elas calçaram as meias erradas.

Nos olhamos.

— Será que... – Abbs foi a primeira a dizer e logo todos estavam correndo para a autópsia.

— Ei!! Esperem!! – Gritei. – Eu não posso correr!

Tim segurou o elevador para mim e antes que as portas fechassem, papai também entrou.

— O que foi agora? E por que você saiu gritando dentro do prédio?

— Chefe, acho que temos uma pista.

— Que pista? – Ele quis saber.

— Abby descobriu uma toxina no organismo de uma das mulheres. – Ellie começou. – Como nada disso apareceu no conteúdo estomacal, partimos para a hipótese de que foi injetado.

— Só que não há marcas de agulhas nos corpos. – Jimbo completou.

— Ou ainda não vimos alguma. – Ducky falou. – Sophie notou que as quatro jovens tinham uma certa particularidade.

Papai levantou a sobrancelha para mim.

— Todas elas tinham o coturno do pé esquerdo desamarrado.

— E?

— Creio que isso pode ser uma pista, Jethro. Senão de como elas foram envenenadas, ou pode ser a pista que precisamos.

O elevador parou no andar da autópsia e todos nós descemos. Papai fez uma cara feia na minha direção, como se ele não quisesse que eu visse algo. Mal sabia ele que eu já tinha as fotos e muito mais.

Jimmy e Ducky foram tirando cada uma das Tenentes das suas respectivas geladeiras. Não era uma cena agradável, mas eu não arredei o pé da sala. Quando as quatro estavam nas mesas, Ducky pegou uma lente de aumento e passou a analisar os pés esquerdos delas.

— Tenta no meio entre o dedão e o... – Parei de falar porque papai me encarou.

— Querendo ensinar Ducky a fazer o trabalho dele?

Balancei negativamente a cabeça, mas vi que o Tio Ducky olhava justamente ali.

— Parabéns, minha criança. Você matou a charada. Aqui está a marca da agulha. Senhor Palmer, pegue a câmera, sim?

Ellie, Tim, Tony e Abby olharam para mim.

— Não me deem o crédito. Vi em Criminal Minds... mataram um cara assim lá. – Me expliquei. – Muito tempo livre, lembra? – Apontei para a minha perna.

— Mesmo assim, Peste Ruiva. Uma sacada e tanto.

Palmer tirava as fotos dos pés das quatro. E o Tio Ducky começou a discorrer como o assassino era inteligente.

Foi trotando até as mesas e tentei ver a marca da agulha, era uma agulha e tanto para deixar aquele buraco. E em todas elas parecia que o furo fora milimetricamente calculado.

Quando eu estava na terceira, outra coisa me chamou a atenção e eu voltei na segunda mulher. E depois na primeira e passei para a quarta. Meu pai quase estava dando um ataque de me ver pulando para lá e para cá.

— O que foi agora, Ruiva?

— Qual é a probabilidade que quatro mulheres terem uma pinta na sola do pé, exatamente no mesmo lugar? – Perguntei.

— Pintas são muito comuns. – Jimbo me disse. E como ele estava mais perto de mim, mostrei o que tinha chamado a minha atenção. – Doutor Mallard, o senhor vai querer ver isso aqui.

Ducky caminhou até onde estávamos, mais uma vez com a lente de aumento na mão.

Analisou os pés de cada uma sem falar nenhuma palavra, depois voltou a olhar e, finalmente, falou.

— Abigail, qual foi a menor tatuagem que você já viu?

— Elas tiveram os pés tatuados? – Abby correu para ver. – Meu Deus, é mínima, mas parece que tem algo escrito aqui.

— Qual é o zoom máximo que essas câmeras chegam? – Ellie perguntou olhando por sobre o ombro de Abby.

— Não importa o zoom. Temos que ter qualidade. E se eu consigo fazer milagre com uma placa de carro borrada, eu vou conseguir descobrir o que está escrito aqui. – Abbs respondeu. – Jibblet, quero você do meu lado. Você tem uma visão e tanto!

Abby correu até o lab dela e voltou com a melhor câmera que ela encontrou.

Tirou fotos com o foco só nas tatuagens e depois saiu correndo.

— Jibblet você vem ou não?

— Daqui a pouco ela vai, Abbs. – Papai respondeu por mim.

Eu acho que estou encrencada, de novo.

— Vocês três. – Ele apontou para Tim, Tony e Ellie. – Para a Sala do Esquadrão. Revisem cada uma das pistas, cada foto. – Ordenou. – Quanto a você, Ruiva. Comigo.

A equipe saiu correndo pelas escadas. E papai me esperava na porta do elevador. Antes que ele entrasse, Tio Ducky o chamou.

Não sei qual foi o teor da conversa, mas papai tinha um sorriso de lado quando as portas se fecharam e ele apertou o botão para o andar do lab da Abby.

— Eu estou muito encrencada.

— Não. Só te digo que essa é a primeira e última vez que você vai fazer isso, então aproveite.

Respirei aliviada.

— Não quero você vendo o que não é para a sua idade. Independentemente de você clamar que quer ser agente federal.

— Tudo bem.

As portas se abriram e fomos recebidos pela música extremamente alta que Abby ouvia.

— GIBBS!! Eu ainda não tenho nada!! Jibblet, você me ajuda aqui?

Ela me apontou para um microscópio.

— Aqui? – Apontei para a cadeira.

— A melhor resolução que tenho. Eu acho que vi alguns números, mas não tenho certeza do que pode ser. Ainda. – Ela completou antes que papai falasse algo.

Eu olhei pelo microscópio e não vi nada a não ser borrões.

— Se você colocar uma câmera não fica mais fácil?

Era nisso que ela já estava trabalhando e, assim que a resolução ficou clara na TV, papai chegou mais perto.

— Isso são realmente números.

E quase nos matando de susto, ouvimos a voz de mamãe.

— São coordenas.

— Abby, de qual das mulheres é.

Abby colocou o nome das vítimas e as fotos embaixo.

— Eu vou fazer melhor. – Ela disse e colocou o local exato onde os corpos foram encontrados. Não bateu.

— E local onde elas foram vistas por último? – Mamãe tentou.

— Isso deu certo.

Assim, tínhamos a linha do tempo, quem foi morta primeiro e quem era a última vítima.

Acontece que as quatro tinham tatuagens, o que significava que tinha outra mulher por aí, ou correndo perigo ou já sequestrada ou até mesmo morta.

— Então ele tatua o local onde vai pegar a próxima vítima no pé da última. Quanta certeza de que não será achado. – Mamãe comentou.

— E o próximo local é... – Abby jogou as coordenadas no sistema e...

— Quântico? – Perguntei.

— Sim. Quântico.

Papai já estava ligando para Tony e subiu dando ordens para os três agentes.

— Mais alguma ideia, Jibblet?

— Tem como pegar todas as fotos de mulheres que trabalham em Quântico e rodar no sistema, procurando pelas mesmas características delas? – Apontei para as quatro.

— Estou com medo de perder o meu emprego para você, Jibblet. – Abby me respondeu e colocou os detalhes no programa, que começou a buscar por correspondentes.

— Você se esqueceu de colocar o posto. Todas quatro são Tenente. – Mamãe falou.

Abby refinou a busca.

— Isso pode demorar. – Ela buscou pelo CAF-POW! na geladeira e se sentou. – Mas pode dar certo. Claro que não temos a certeza, mas já é uma ajuda. Podem ir, quando eu tiver alguma resposta, eu ligo para o Gibbs e para você, Jibblet.

Mamãe me esperou para sair e logo estávamos no elevador.

— Fiquei sabendo o que você descobriu na autópsia. Impressionante.

— Impressionante é a rapidez com a qual a fofocas voam dentro desse prédio. - Comentei.

Minha mãe soltou uma gargalhada.

— Mas não deixa de ser impressionante, filha. Você matou a charada.

— Ainda não sabemos quem é o suspeito, ou onde elas foram mortas! Não temos nenhuma pista nesse sentido. – Retruquei.

— Sabemos? Temos?

— Agora eu quero saber quem ele é. E quero que ele pague pelos crimes.

- Também quero, filha. E fique sabendo que Ducky vai revisar as autópsias atrás de mais alguma pista, e você sabe...

— Ele sempre encontra algo. – Completei.

— Sim, ele vai encontrar.

Chegamos no andar da Squad Room e mamãe me acompanhou até perto das mesas.

Tim tinha a pesquisa de Abby duplicada no computador dele. Ellie estava procurando por qualquer pessoa que possa ter estado nas bases e portos da Marinha na data em que as quatro desapareceram e Tony tentava descobrir se elas frequentavam algum lugar em comum.

E eu senti a necessidade de ajudar. Eu queria fazer alguma coisa.

Papai notou isso.

— Ajude o DiNozzo com a pesquisa dele. Você fica com os extratos dos cartões de crédito de duas e ele com as outras duas, vamos agilizar isso. Elas conheceram o assassino em algum lugar. – Ele terminou de falar e me indicou a mesa dele.

Era até contraditório, mas eu me senti feliz em poder ajudar.

Tony muito alegremente me deu acesso à pesquisa dele, comecei a procurar por qualquer lugar que as duas pudessem ter frequentado, achei dois.

— Dois aqui, Tony! – Falei.

— Essas aqui nenhum. – Ele me respondeu.

— Nadinha?!

— Não, Peste Ruiva, nada.

Era um beco sem saída.

Ellie perguntou se eu queria ajudá-la, fiz de bom grado, tivemos que olhar pessoa por pessoa da base e tentar cruzá-la com os demais locais dos assassinatos, que tínhamos estampados nos pés de cada uma.

Era um trabalho que levaria a noite inteira e logo Tony se colocou para ajudar.

Quase quatro horas depois, a pesquisa que Abbs estava fazendo terminou.

Tínhamos cinco moças muito parecidas e na mesma faixa etária. Uma delas poderia ou não ser o próximo alvo.

— DiNozzo, Bishop, vão atrás delas. – Papai ordenou. – McGee e Ruiva, continuem com o trabalho. Ellie saiu esfregando os olhos até o elevador, se eles teriam sorte, só Deus sabia.

Com a dupla fora da base, a sala ficou em silêncio e papai se trancou no MTAC para conversar com os Comandantes de Operações das vítimas. Era uma conversa que ninguém queria fazer.

Duas horas se passaram e Tio Ducky e Jimbo apareceram. Pelo visto as olheiras e caras de cansaço eram a pedida da vez.

— Onde está Jethro? – Meu tio entrou perguntando.

— MTAC. – Eu e Tim respondemos sem tirar os olhos das telas dos computadores.

— Eu tenho novidades que pode ajudar vocês.

Parecia que meu pai e minha mãe sabiam disso, pois foi Ducky fechar a boca e a porta do MTAC se abriu e os dois saíram.

— Ah, Jethro! Jennifer! - Ele os saudou.

Eu tinha ficado tanto tempo na frente do PC que estava meio estrábica... tentando focar em alguma coisa que não fossem as letrinhas que estavam voando pela sala.

— O que descobriu, Ducky?

— Bem, Jethro. Nossas visitantes foram mortas muito antes de serem encontradas. Conseguimos descobrir que elas foram congeladas após a morte e que a tatuagem nos pés também foram post mortem.

— Então ele primeiro escolhe a próxima vítima para então tatuar o pé? – Perguntei.

Ganhei quatro encaradas de volta. Me senti o Tony depois de falar besteira.

— Já calei. – Murmurei e voltei para a pesquisa.

— Na verdade, Sophie pode estar certa.

Tirei minha cabeça de trás do computador e encarei meu Tio.

— Isso quer dizer que ele está em Quântico agora?

— É bem provável, Jennifer.

McGee olhou para mim por cima da tela do computador.

— Hei, Pequena, refine a pesquisa para pessoas que estão em Quântico agora.

— Mas só para isso? Não vai ajudar muito. A base de Quântico é imensa e ainda tem os agentes do FBI por lá...

— Tenho novidades!!! – Abby entrou correndo e quase passou por nós porque saiu escorrendo pelo corredor. – Voltando! – Ela exclamou quando parou de pé ao lado de papai. – Não consegui um DNA, mas pelo menos sabemos que é um homem.

Outra refinada na busca.

— Está dando mais de mil pessoas. Precisamos de outro ponto em comum. – Tim falou e eu estava para arremessar o computador pela janela.

Minha mãe começou a andar de um lado para outro, papai encarava o que já tínhamos na tela, Abby tinha aquela cara de quem estava pensando com afinco, eu não sabia mais o que pensar, tinha que ter outra saída.

— Um lugar onde as quatro estiveram, talvez não ao mesmo tempo... – Mamãe começou a murmurar.

— Sim... mas onde? – Abbs falou.

Eu tinha visto o histórico de duas delas, e elas não estiveram em lugar nenhum.

Mamãe se escorou na mesa e soltou:

— Academia Naval.

— Jenny você é gênia! – Abby gritou.

— Estão esperando o que? – Papai soltou para mim e para Tim.

Tim começou a digitar na velocidade da luz, eu não fui tão rápida assim, não era acostumada com esse sistema.

— Pequena eu fico com as duas primeiras vítimas, vocês com as duas últimas!

— Pode deixar, Tim!

Foram aqueles momentos de silencia estranho onde o único som era o das teclas que apertávamos.

— Charlie Cooper!! – Gritamos.

— O único que teve contato com as quatro, ainda na Academia Naval. – Tim completou o raciocínio e eu busquei a foto dele na Base de Quântico.

— Ele deu entrada em Quântico há uma semana. Trabalhando na área de... – Tive que ler duas vezes. – Abastecimento das tropas. Morando no apartamento da base.

— Achem DiNozzo.

Abby tinha a resposta na ponta da língua, ou melhor, dos dedos:

— Eles ainda estão em Quântico.

Papai faltou pouco arrancar Tim de cima do computador e sair arrastando o pobre de lá.

— Liguem para Tony, deem a ele o endereço, precisamos de provas antes de trazê-lo até aqui! – Deu as ordens com o elevador fechando as portas.

Abby assumiu o computador de Tim e começou a investigar a vida de Cooper. Vasculhou a vida online dele todinha, até onde foi possível sem um mandado é claro.

E foi ela começar a vasculhar alguns dos e-mails em um servidor público dele tinha.

— Oh oh....

— Abbs isso não é bom. – Minha mãe falou.

— Gibbs vai gostar de saber o que tenho aqui. Mas não vou mostrar para a Jibblet.

Mamãe só balançou a cabeça e eu entendi que era para sair dali.

Não sei o que era, só fiquei sabendo que eram vídeos da hora das mortes. Com essa prova, eles tinham passe livre para um mandado.

Minha mãe ligou logo para o Gabinete da JAG e o mandando foi enviado para o celular da Ellie. Uma hora depois, os quatro traziam Cooper para a sala de interrogatório.

Eu bem que queria perguntar para o Cooper o motivo dele ter feito isso com as quatro.

Minha mãe não queria isso, mas eu segui todo mundo para a sala de interrogatório. E foi Cooper se sentar na cadeira dos suspeitos, com papai e Tony na sua frente, que eu percebi que a coisa ainda iria ficar feia.

— Então... – Cooper começou. – De qual delas estamos falando?

— Das quatro. – Tony respondeu.

O sorriso de Cooper me deu arrepios.

— Só quatro.

Todos que estavam na sala de observação deram um passo para trás, Tony se ajeitou na cadeira e papai só o encarou.

— Não acharam as outras, acharam?

Papai olhou para o vidro. Tim, Ellie e Abby saíram correndo para pesquisar quem elas poderiam ser.

— Você quer se enforcar ainda mais? – Papai perguntou.

— Vocês nunca vão achá-las. – Ele deu certeza. Mas estávamos falando da melhor equipe do NCIS. Eles sempre acham.

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O interrogatório continuava, papai ia mostrando as evidências que tínhamos, tudo o que descobrimos até agora. E a cada prova que era mostrada, o sorriso de Cooper aumentava.

— Sophie, vá para o meu escritório. – Mamãe me disse. – E sem discussões. – Ela cortou o microfone da sala e me apontou a porta, antes de sair lancei uma olhada para a sala de interrogatório, papai não parecia nada feliz com quão confortável Cooper estava.

Fiz o que ela me mandou, nada feliz é claro. Mas, sinceramente, Cooper estava me dando medo e calafrios.

Fui devagar pulando pelo corredor, escutei Ellie e Tim discutindo sobre como acessar o servidor pessoal de Cooper, infelizmente Tim conseguiu quebrar a criptografia da senha na hora que eu passava e...

Eu só soube me sentar no chão e chorar. Não eram quatro mulheres. Eram quase trinta.

— Temos as provas. Podemos deixar Cooper apodrecendo na prisão por mais quinze vidas? – Ellie comentou.

Tim saiu correndo com as provas. Regra 22 indo para o espaço, quando eu o ouvi entrando de uma vez na sala de interrogatório. E pude ouvir outra coisa, a risada louca do Culpado. Sim, agora ele era culpado, depois disso.

Ellie desligou a TV e abaixou a cabeça.

— Isso foi pesado.

Sequei meus olhos.

— Muito. – Comentei.

— Pimenta! Você não viu... você viu, né?

— Sim... – Murmurei.

— Esse foi complicado. – Ela falou ainda com a cabeça baixa.

Não demorou muito e logo papai e Tony escoltavam Cooper para fora do prédio. Esse, como Ellie disse, apodreceria umas cem vidas na prisão.

— Creio que te mandei para a minha sala. – Mamãe parou do meu lado e me olhou.

— Não deu tempo de chegar até lá.

Ela suspirou.

— Viu o motivo de eu não querer você bisbilhotando nos casos.

— Sim, senhora.

— E, correndo o risco de parecer contraditória, você trabalhou bem, filha. Parabéns, se Cooper está preso, pode ter certeza de que tem trabalho seu no meio.

— Mas foi tarde.

— Não, não foi. Ele confessou todos os assassinatos e seu pai deu o jeito dele para que Cooper falasse onde está a última. Ela ainda está viva, o resgate foi atrás dela.

— Trinta mamãe.

— Não descobrimos a tempo para salvá-las, Sophie. Mas salvamos a última. Uma está viva, e é por sua causa.

Uma em trinta... achei pouco.

— Considere um bom dia no trabalho, filha. Ele só tinha uma em suas mãos e ela está viva. Cooper vai para prisão. Como o seu pai sempre diz:

— Regra #11.

— Quando o trabalho está feito, caia fora. – Ellie falou antes de mim.

— Sim, Bishop. Bom trabalho de vocês também. Podem ir descansar.

Tim, Abbs, Ellie, Jimbo e Ducky se foram. Fiquei esperando papai junto com a minha mãe, ela trabalhando e eu tentando entender como salvar só uma pessoa é um bom dia no trabalho...

Escutei Tony reclamando mesmo estando fora da Sala do Esquadrão, ele dizia qualquer coisa sobre já estar quase amanhecendo e ter que escolher entre um banho ou umas horas de sono.

— Quando que ele vai aprender que dá para fazer os dois? – Mamãe questionou, também tendo ouvido o que Tony dizia.

— Para Tony tudo é motivo para não se tomar banho... – Comentei.

Minha mãe ia guardando seus pertences, já se preparando para sair, uma vez que nossa carona finalmente tinha aparecido.

— Você ainda não se conformou que salvar uma pessoa é um bom dia de trabalho...

— Não, mamãe, ainda mais depois de tantas vítimas. Eu não consigo entender como vocês podem ter esse sentimento de dever cumprido.

Minha mãe me deu um sorriso de lado.

— Eu não sei se você pensa mais igual a mim ou igual ao seu pai nesse ponto. Contudo, tenho que te dizer que eu pensava igualzinha à você quando entrei aqui. Eu queria salvar a todos, não importa o quão impossível isso poderia ser.

— E por que a senhora mudou de opinião?

— Eu não mudei Sophie. Eu ainda penso do mesmo jeito, eu só aprendi a ver a situação como um todo.

— Continuo não entendendo. – Murmurei.

— Então vamos por partes e tirar o exemplo do caso de hoje. Quantas vítimas nós tínhamos quando você chegou aqui no prédio?

— Quatro. – Respondi sem pestanejar.

— Certo. E quais eram as datas dos óbitos, mais ou menos estimados por Ducky, depois que ele viu que elas foram congeladas?

— A última morreu há mais de um mês...

Mamãe me olhou, a essa altura, papai tinha se juntado a nós no corrimão do quarto andar e escutava a nossa conversa.

— Um mês atrás, Sophie, nós estávamos investigando esse caso?

Eu ia responder que não sabia, porém me lembrei da data em que o despacho chamou, que estava no relatório que li.

— Não, o despacho avisou sobre o primeiro corpo há três dias.

— Guarde essa informação, por favor. – Mamãe me disse e partiu para a pergunta seguinte. – Depois que você descobriu a pista, o que foi que estava escrito no pé esquerdo da quarta Tenente?

— Latitude e longitude da base de Quântico.

— Ducky conseguiu tirar mais ou menos o tempo em que aquela tatuagem estava na vítima, não conseguiu?

— Sim. No máximo uns dez dias.

Papai se escorou no corrimão e cruzou os braços, não sei o motivo mas ele parecia saber tudo sobre essa conversa.

— Dez dias, Sophie. Tirando os três em que o despacho chamou, tinha sete dias que o nosso suspeito tinha colocado os olhos em sua próxima vítima. Ele iria sequestrar a próxima vítima mais cedo do que imaginamos, e ela se tornou a nossa prioridade, afinal, a única coisa que poderíamos dar para as demais vítimas era um fechamento, era fazer justiça por suas mortes, pegando o culpado, mas para a vítima que ele já tinha pegado e estava viva, nós tínhamos a obrigação de salvá-la. E nós cumprimos com as duas obrigações. Pegamos o culpado, que vai pagar não só pelos assassinatos das quatro Tenentes que você ficou conhecendo, mas por todos os vinte e seis que ele cometeu, além da tentativa com a Tenente Sullivan, que, se nós não tivéssemos chegado na hora, teria o mesmo destino das demais. Ela está viva, ele está preso. Sullivan terá um longo caminho pela frente para se recuperar, mas está viva e pode recomeçar. Por isso chamamos de um bom dia no escritório, filha.

Fiquei pensando no que mamãe havia me dito.

Ela tinha razão, o NCIS não podia fazer mais nada para as quatro a não ser pegar o culpado, porque só ficou sabendo de tudo quando elas não estavam mais aqui. Já com Sullivan... ela ainda estava viva, e era a nossa obrigação fazer com que ela permanecesse viva.

— Chegou no ponto não chegou? – Papai perguntou.

— É tudo uma questão de perspectiva e tempo...

— Sim, filha. Fizemos o melhor com o que tínhamos. É claro que quando se coloca em números todas as vítimas, parece que o trabalho não foi bem feito, contudo, pare para pensar na linha do tempo e você verá que sim, fizemos um bom trabalho. – Papai concluiu.

Ainda era difícil aceitar as trinta mortes, porém, vendo pelo ponto que meus pais me explicavam. Suas mortes não ficariam impunes. Alguém fez a justiça por elas.

— Pronta para ir para casa?

— Sullivan está no hospital? – Perguntei quando me apoiei nas muletas.

— Sim, a família dela foi avisada. – Papai falou.

— E ela vai ficar bem?

— Até na hora que saímos, ela ainda não fora examinada, mas posso procurar saber se isso vai te fazer aceitar o resultado do caso, só se lembre de uma coisa, filha...

— Que é? – Olhei para papai enquanto esperávamos o elevador.

— A regra #10 existe exatamente para isso. Se importar é importante, mas não deixe que um caso te consuma a ponto de você sofrer. Se você não se afastar um pouco, nunca vai conseguir superar um caso e passar para outro.

— Quanto tempo demorou para o senhor aceitar isso?

Papai olhou para minha mãe e foi mamãe quem me respondeu:

— Vamos dizer que, para alguns, a gente segue em frente, mas jamais esquece filha. Os que tem finais felizes são mais fáceis de serem “esquecidos”, mas a busca por justiça não pode parar.

Assenti. E eu percebi que, se eu quiser seguir essa carreira eu terei de me preparar muito mais do que com conhecimento técnico. Eu vou precisar de uma força mental absurda para não me perder no meio de tanta dor, injustiça e, principalmente, indignação, porque às vezes, não importa o quão bem se trabalhe, alguém saíra impune.

Nossa viagem de volta para casa foi silenciosa, acho que cada um pensava no que tinha acontecido hoje.

Já em casa, resolvi fazer uma xícara de chá para acalmar todos os pensamentos que rodavam a minha cabeça. Era tarde, quase quatro e meia da manhã e só Jet me fazia companhia, ou assim eu pensava.

— Você vai conseguir dormir hoje? – Papai me perguntou.

Mostrei o chá para ele.

— Filha, não fique remoendo o que você viu...

— Não estou remoendo... apesar de ser difícil de esquecer todos aqueles rostos... mas eu espero que agora elas possam encontrar paz, já que a justiça está para ser feita.

— Então em que tanto pensa?

— Na que sobreviveu. Sabe, reparei que jamais contam como essas pessoas ficam. O Transtorno de Stress Pós Traumático desse afetá-las de alguma forma.

Papai se sentou na mesa do meu lado, creio que nem ele havia pensado sobre isso.

— Sim, afeta, filha. E é por isso que a presença da família é tão importante. Serão dias, meses, anos complicados para a Tenente Sullivan, mas ela vai dar a volta por cima, eu vi a ficha de serviço dela, vamos dizer que ela é tão guerreira quanto a Ziva.

Para papai trazer a Tia Ziva em uma conversa, essa Sullivan deveria ser realmente especial.

— Eu espero que sim. Torço por isso. Ninguém merece ser assombrado por um fato do passado, ainda mais um que ela não teve culpa nenhuma.

— É assim que se pensa, filha.

— Uhm... papai. – Comecei.

— O senhor acha que um dia eu realmente conseguirei seguir o rastro de uma pista e fazer o que o senhor faz?

Papai se levantou da cadeira, passou atrás de mim e me deu um beijo na cabeça.

— Ah, Ruiva. Eu não acho. Tenho certeza. Você vai ser ainda melhor do que eu. Vai superar a sua mãe também. Só que para isso acontecer, você tem que se preparar, e ainda não é a hora.

— Eu só queria ir treinando.

— Quando for a hora, o FLET-C te aguarda. Por enquanto, se preocupe com a sua perna e em voltar a dançar, se for possível. Um problema e uma decisão de cada vez. – Ele me respondeu e, ao invés de ir para o quarto, ele foi para o porão.

— Trabalhar no barco agora?

— Você me perguntou como eu superava alguns casos, não perguntou?

— Sim.

— Para esquecer alguns, preciso ocupar minhas mãos, me concentrar em outras coisas. – Ele me respondeu e sumiu escada abaixo. Fiquei morta de vontade de acompanhá-lo, por duas razões não o fiz, primeiro porque estava com a perna imobilizada e aqueles degraus eram assassinos, segundo, era o momento de papai refletir o que foi o caso, exatamente o que eu estava fazendo.

Me levantei da cadeira e fui para a sala, sem sono como eu estava, liguei a televisão, bem baixinho para não acordar a minha mãe, porém, escutei o som de algo sendo socado.

Papai não soca nada, pelo menos eu nunca vi. Assim, me levantei devagar e segui o som. Dentro do estúdio de balé/academia que temos, vi minha mãe, roupa de ginástica, luvas de boxe, um pé na frente do outro, socando cada hora com uma mão, o saco de areia.

“Para esquecer alguns, preciso ocupar minhas mãos, me concentrar em outras coisas”. – Foi o que papai havia em dito, e pelo visto, não ele não era a única pessoa que pensava desse modo.

Era a primeira vez que via minha mãe fazer isso. Ia perguntar se era a primeira vez, mas me lembrei de um detalhe de muitos anos atrás. Ela havia me pedido para lembra-la, toda vez que eu a visse consumida pelo trabalho de que ela era a “mãe da Sophie”. Eu fiz isso algumas vezes, e sempre achei que era o bastante para que ela superasse um dia difícil. Eu nunca soube de nada, na verdade. Minha mãe colocava o caso no fundo da mente, assumia a persona da mamãe e, assim que me colocava na cama, deveria fazer exatamente o que ela estava fazendo agora.

Caindo fora do caso, pois o trabalho que ela tinha que fazer, fora feito.

Voltei para a sala, coloquei minha perna para cima e comecei a pensar em como Tony, Tim, Ellie, Tio Ducky, Jimbo e Abbs faziam. Não precisei pensar muito, a resposta sempre esteve na minha cara. Filmes, jogos, livros, histórias, a família, ajudando o próximo. As qualidades que eu mais admirava ou gostava neles, eram as suas respectivas válvulas de escape.

Foi preciso um caso como esse para que eu começasse a entender a minha família de verdade.

— Quais segredos será que eles ainda escondem de mim? – Perguntei para mim mesma.

Eu poderia perguntar, mas decidi por esperar, um dia, se fosse para que eu ficasse sabendo, eu ficaria, ou bastaria que eu prestasse mais atenção ao meu redor, as vezes a resposta está bem na sua cara.

Me ajeitei no sofá, puxei a manta que fica no encosto para cima de mim e tentei pensar em outras coisas, qualquer coisa, decidi me concentrar nos movimentos de minha mãe no salão ao lado.

Um, dois, três... soco.

Um, dois, três... soco.

Um, dois, três... soco.

Um, dois, três... soco.

Um, dois, três........

Acordei tentando escutar os socos que minha mãe dava no saco de areia, não ouvi nada. Levantei a cabeça e não vi ninguém. Me sentei para dar de cara com Jet, que me olhava como se estivesse tomando conta de algo muito precioso.

— Hei, quem é o bom garoto? – Fiz um carinho nas orelhas dele.

Jet deu uma latida, correu para a cozinha e voltou com um pedaço de papel na boca, chegando perto de mim, ele jogou o papel no meu colo.

Era um bilhete, dos meus pais, a julgar pelo uso da conjugação verbal.

Bom dia, Miniatura!

Resolvemos não te acordar, mesmo que você estivesse dormindo no sofá, a Agente Baby do NCIS merece descanso. Vamos almoçar juntos, se tudo der certo, te ligo quando estiver saindo do Estaleiro. E para você passar o tempo, tem uma caixa de livros no meu escritório, se distraia até o almoço.

Te amamos.

Pelo visto, sem casos malucos hoje. Só o tédio de ficar em casa, que era mais do que bem-vindo depois de ontem.

Creio que vou seguir os conselhos de papai e deixar para ajudar em algum caso quando eu, efetivamente, uma agente. Agora... bem agora, não tinha ninguém dentro de casa, eu bem que poderia ser a adolescente entediada por algumas horas. Assim, decidi por tomar um banho, pular o café da manhã, pegar um livro para ler e me joguei na cama-elástica. Ainda era muito cedo para pensar como uma agente, eu teria muito tempo para fazer isso.

Depois de me ajeitar na cama-elástica, peguei o livro e foi só aí que eu vi a capa.

Lady Killers.

Às vezes você quer tentar frear o destino, mas ele fica te puxando... fazer o que, né? Era essa a leitura do dia.

E eu não estava me importando nem um pouco!