Révélation

Capítulo I - Pequena Empresária


Seu cabelo acompanhava o movimento do seu corpo e ela precisou desviar de um ou dois grupos de pessoas amontoados na rua, quando finalmente encontrou uma rua estreita e deserta para se transformar. Dali em diante se locomoveria com o dobro da velocidade.

Girou o super ioiô, para que seu alcance fosse maior, antes de arremessa-lo em uma chaminé, segurou a corda firmemente, deu um leve puxão e sentiu a corda levá-la para cima. Faltavam apenas alguns quarteirões para chegar no que estava ameaçando a cidade quando Chat Noir se juntou a ela.

— Parece que estamos os dois atrasados, my lady – ele disse com uma piscada.

— Achei que gatos tivessem um reflexo mais rápido – Ela não olhou pra ele quando disse isso, mas sabia que o sorriso que ele tinha no rosto provavelmente desaparecera.

Cada vez mais que chegavam perto, os gritos dos cidadãos aumentavam. Mas eram cidadãos pequenos, quanto mais próximo, mais crianças apareciam. Isso era muito estranho, talvez estivesse havendo algum evento infantil.

— Sou eu quem dá as ordens agora! Todos vocês devem obediência a mim! – Uma entidade um tanto peculiar gritava para as outras crianças, seguido de uma risada que tentava ser maligna.

Era uma jovem pouco maior que as outras pessoas do local, usava um terno pro seu tamanho – que era bem pequeno. Tinha um relógio no antebraço esquerdo e com a mão direita atrasava o tempo no relógio, enquanto que com a mão esquerda, apontava para as pessoas com mais de oito anos e as transformavam em criaturinhas pequenas.

— Parece que vamos ter que lidar com uma pequena creche, bugaboo. Primeiro as damas – Ele fez uma reverência e esticou o braço na direção da criatura que atacava a cidade.

— Não se distancie muito, Chat. Vou precisar da sua cobertura – disse antes de correr em direção à pequena empresária.

O dia acabara de nascer, as pessoas em Paris aproveitavam o clima quente e ensolarado para se exercitar ou passear pelo parque. Talvez caminhar com o cachorro, parar para tomar sorvete, ou até levar seu filho para uma volta. A brisa suave deixava o clima mais agradável e com mais disposição. Dentre as pessoas que resolveram aproveitar o dia, estava Camille com o seu pai, no entanto, ele não parecia aproveitar muito o dia.

— Papa, papa! Vamos tomar sorvete!

— Agora não, Mille, está quase na hora do almoço, quem sabe outra hora – respondeu apenas para voltar a falar ao telefone.

Embora o objetivo dele fosse passar o dia com a sua filha, não largava o celular com seus telefonemas empresariais, o que deixava Camille muito frustrada.

A menina apenas se conformou com não poder tomar sorvete até o almoço, seu pai quase nunca mudava de opinião e não gostava de ser interrompido enquanto estava ao telefone.

Eles continuaram a caminhar pelas ruas próximas ao parque, onde várias outras pessoas também caminhavam, mas logo outra coisa chamou atenção da criança.

— Papa! Podemos ir no carrossel?

— Não, querida, agora não.

— Mas por que eu não posso ir? Você pode ficar só me olhando.

— Papa está ocupado agora, quem sabe depois?

— Então eu vou sozinha!

— Camille! Eu sou o adulto aqui, já disse que vamos depois! – O olhar dele para a menina era furioso, ela até se intimidaram, mas, mesmo ainda pequena, já estava acostumada com a severidade do pai. No entanto ela não entendia por quê ele sempre tinha que estar certo ou por quê as coisas tinham sempre que ser do jeito dele – Como eu ia dizendo, as ações desse último mês caíram dez por cento… – disse, voltando a falar ao telefone.

Camille soltou-se do braço do pai e correu em direção ao carrossel.

Seu pai, com a ação, ficou um tanto surpreso, mas mais que isso, ficou com raiva.

— Eu ligo depois, estou com um problema agora – o pai da menina disse antes de desligar o celular e ir atrás dela.

Ela estava quase na metade do caminho, em meio às muitas pessoas, quando seu pai a segurou com força pelo braço.

— O que você está fazendo? Não consegue entender uma ordem? Eu estou ocupado trabalhando e ainda assim saí com você e você me desobedece? Não viu como o que fez foi perigoso? – Apesar de não gritar, seu tom de voz era alto.

— Eu só ia no carrossel. Não é justo que a gente faça só as coisas do seu jeito quando você quer.

— Você está proibida de ir no carrossel hoje. Voltaremos para casa e você terminará suas lições da escola.

A menina sentiu-se mais injustiçada do que nunca. Seu pai sempre queria mandar em tudo porque era o adulto e nada nunca podia ser do jeito que ela queria. “Porque você é jovem demais para entender”, ele costumava dizer.

Uma borboleta escura voou até a menina e se fundiu com o relógio que a garota usava, presente de aniversário que o pai a dera na semana anterior. Ela nem sabia ler relógios ainda, mas, por algum motivo, para seu pai, usar o acessório era extremamente necessário.

Foi aí que uma voz masculina surgiu em sua cabeça e a propôs fazer o que bem entendesse quando quisesse, sem injustiças, poderia ser a pessoa mais velha, então mandaria em tudo e todos. Em troca, claro, teria que achar Ladybug e Chat Noir e pegar os seus miraculous. Mas isso seria fácil já que passaria a controlar todos que fossem mais novos que ela.

Ela largou novamente do braço do pai, e quando ele virou para pegá-la novamente tomou um susto com a nova aparência da sua filha.

— Eu já disse. Vou no carrossel. Eu posso, já que sou mais velha, você não entende isso ainda – Ela disse a última frase com uma maior ênfase.

Ela apontou a mão esquerda para ele e girou os ponteiros em sentido anti-horário com a direita, o que o fez rejuvenescer até que aparentasse ter entre seis e oito anos de idade. Ela riu e seguiu para o carrossel.

O funcionário que controlava a entrada é saída não a deixou entrar.

— Onde estão seus pais? Você só pode entrar com a autorização deles.

Camille enfureceu-se e fez com ele o mesmo que havia feito com seu pai. Então entrou no carrossel.

Quando Ladybug e Chat Noir chegaram, ela já havia transformado em criança todos que a proibiram de fazer ela ou qualquer outra criança de fazer alguma coisa. O que havia sido muita gente, aterrorizando as pessoas.

— Ei, mocinha! – Ladybug gritou, fazendo com que a pequena empresária em seu terno parasse de apontar a mão esquerda para uma pessoa, dando a oportunidade para que ela fugisse, e virasse para onde vinha a voz da Ladybug – Não acha que já está na hora de ficar de castigo por estar se comportando muito mal?

Ela lançou seu ioiô na mão direita da empresária, para que ela não tivesse oportunidade de mexer no relógio. Mas Camille apenas bateu no ioiô, desviando-o, enquanto caminhava na direção de Ladybug.

Chat Noir correu por trás e tentou segurá-la, mas momentos antes de atingir seu alvo, Mille deu um passo para o lado, fazendo com que Chat caísse em Ladybug.

— Muito bem, minha pequena. Se quer continuar com seus poderes, pegue os Miraculous e ninguém nunca mais te dará ordens – A voz de Hawk Moth ressurgiu na cabeça da menina.

— Pode deixar – Ela disse em um tom fatal.

Ela apontou a mão para os dois e atrasou seu relógio mais uma vez. Chat foi rápido o suficiente apenas para sair do alvo, mas não para tirar Ladybug, que ainda estava se levantando da queda.

— Ladybug, cuidado!

Ela olhou para a pequena empresária na mesma hora que o raio a atingiu.

— Mille, querida, por que está fazendo isso? – A voz de seu pai a distraiu por alguns instantes, tempo suficiente para que Chat Noir pegasse Ladybug e os tirassem dali, para que pudessem pensar em algo antes de atacar novamente.

Eles entraram em um beco perto de onde estavam e ele a colocou no chão. Ela em pé, agora, mal passava de sua cintura.

— Ownt, bugaboo, você é a criança mais adorável da França – Ele deu alguns tapinhas na cabeça dela.

— Não temos tempo para isso, Chat – A voz dela, apesar de agressiva, estava fina e infantil. Os olhos de Chat brilharam e ele se segurou para não apertar as bochechas rosadas e fofas da Ladybug criança, o que a deixaria mais irritada – Temos que bolar um plano para acabar com ela antes que isso chegue mais longe do que já está – Ela deixou uma mão aberta virada para cima e bateu nela com a outra mão fechada.

Ele assentiu, ainda sorrindo e sem conseguir levá-la muito a sério.

— Talvez se você a distraísse o suficiente para que não me percebesse chegando por trás, eu poderia prender a mão dela e pegar o relógio, onde provavelmente está o akuma.

— Muito esperta mesmo quando criança. Você vai querer uma ajuda para se locomover, my lady? Ou consegue me acompanhar tendo metade do meu tamanho?

— É claro que eu consigo, e não estou com metade do seu tamanho!

Chat Noir aproveitou um enorme número de crianças amontoadas e subiu em um carro para que chamasse mais atenção.

— Vocês não deveriam estar com os seus pais? O que vocês pensam que estão fazendo aqui sozinhas? Vão para casa, é uma ordem!

— Só EU posso dar ordens aqui, gatinho. – A voz enfurecida surgiu logo atrás dele, que não precisou se virar para saber que um raio logo viria em sua direção, então pulou do carro para um poste, e do poste para o telhado de uma casa.

Cada movimento dele era seguido de um raio rejuvenescedor.

— Não pode desviar dos meus raios pra sempre, gatinho! Entregue-me o seu miraculous e talvez eu seja um pouco mais piedosa nas ordens que irei te dar!

— Pra isso, vai ter que me pegar primeiro, coisa que eu duvido muito que uma criança desobediente fará!

Ele sorriu e antes de ser atingido por um novo raio pulou para outro lugar. No entanto, acabou sendo encurralado pelas crianças e sem nenhum lugar para ir.

— Prepare-se para voltar à ser um filhote, gatinho!

Enquanto girava os ponteiros, uma barra de manteiga atingiu o pulso, fazendo com que o relógio, que não estava tão apertado assim, ficasse escorregadio em seu pulso fino. Estavam no lugar combinado entre Ladybug e Chat Noir, onde ele a deixou escondida atrás de uma chaminé e atraiu a pequena empresária para lá. A manteiga provavelmente viera do seu Talismã, então logo Ladybug voltaria a ser Marinette pelo alto gasto de energia da Tikki. Como reflexo, Camille abaixou a mão, fazendo com que o relógio escorregamento para o chão e Chat Noir o pegasse. Ele jogou para Marinette, que o quebrou e desakumatizou a borboleta.

— Camille! O que você fez? – O pai dela chegou, e a menina se preparou para outra bronca. Mas ao invés disso, o pai apenas a abraçou.

— Eu só queria ir no carrossel…

Ele fez uma expressão como se fosse brigar de novo com ela, mas vendo o claro arrependimento da filha, sua expressão suavizou.

— Não quer tomar sorvete, antes?

A menina sorriu e assentiu com a cabeça.

— Quero, de chocolate!

— Desculpe ter saído com você só para trabalhar, a situação está preocupante e eu estou muito estressando esses dias. Talvez ir no carrossel realmente me faça bem. Obrigado, Ladybug, Chat Noir!

Eles seguiram caminho e Chat subiu no telhado onde Ladybug estava.

— Devo admitir, my lady, você não precisa ser uma criança para continuar adorável.

Ele aproximou um pouco o rosto do dela, mas ela se afastou.

— Você foi muito bom distraindo ela, Chat. Formamos uma boa dupla.

— E um bom casal…

Ela revirou os olhos, mas não conteve um leve sorriso, ele não perdia uma.

Subitamente, ela lembrou que precisava ir pra casa de Alya e que já deveria estar um pouco atrasada. Mas teria a desculpa da situação caótica da cidade.

— Você não quer ir tomar um café? – Chat perguntou.

— Quem sabe outra hora, eu realmente preciso encontrar uma pessoa agora – Ela disse e saiu, sem esperar sequer por um tchau.

Essa última frase realmente partiu um pouco o coração dele, mas ele não deveria se prender muito nisso, talvez ela se referisse apenas a um amigo. Ele deixou pra lá e preferiu se convencer de que era apenas um amigo.

— Você trouxe os biscoitos?

Marinette havia acabado de bater à porta, que foi aberta alguns segundos depois. Não houve um “oi, como vai você?” nem nada, a primeira preocupação de Alya foi com os biscoitos. Marinette levantou a caixa que tinha levado e sorriu.

— Oi pra você também.

— Entra, as minhas irmãs foram dormir na casa dos meus avós.

— Eu percebi que a casa está bem silenciosa.

Alya sorriu.

— Você ainda não me disse sobre o que era esse filme…

— E você não me contou por que chegou meia hora atrasada…

— Eu estava ajudando meu pai na padaria... – Alya estreitou os olhos para ela e Marinette sorriu como quem mente muito mal, mas ela não perguntou mais nada, deixando Marinette aliviada.

Enquanto Alya ia até a cozinha, Marinette se aconchegou em seu local usual no sofá e procurou por alguma pista do que iriam assistir, mas não havia sequer uma capa de DVD. Entretanto já estava acostumada a todo esse mistério que Alya gostava de fazer. Quem sabe isso fosse por causa do blog, fazer um suspense para ganhar um público maior.

— Se você tivesse chegado cinco minutos depois, a pipoca já teria ficado fria.

Ela sentou no sofá ao lado de Marinette e colocou o filme. Pra variar, era de super-heróis.

Ela comentou cada cena do filme e até falou algumas frases com os personagens, já devia ter assistido aquilo centenas de vezes. Era um dos momentos que não estava ocupada falando sobre Ladybug ou ouvindo Marinette falar sobre Adrien.

Estava tarde, Adrien havia jantado sozinho, de novo. Ele passou um bom tempo na cama tentando dormir antes de finalmente desistir e resolver fazer uma ronda noturna. Costumava fazer isso para cansar um pouco e ficar com sono, mas geralmente não tinha muita coisa a noite. Na verdade, não tinha nada a noite. Quase nunca ele se lembrava de ter tido algum trabalho que não for a durante o dia. Mas perambular por Paris a noite era realmente uma coisa agradável de se fazer.

Passou por várias janelas, onde famílias se reuniam para comer, assistir algo ou até jogar alguma coisa, sentia-se mais solitário a cada rua que passava. Passou por uma janela e notou duas garotas dormindo debaixo de um cobertor em um sofá. Elas pareciam familiar. Chegou um pouco mais perto e percebeu que era Marinette e Alya, ele sequer podia ir dormir na casa de algum amigo. Ir à escola já era uma grande coisa para seu pai. Dormir for a seria algo impossível. Que sorte que elas duas tinham. Será que se davam conta disso?

Suspirou e prosseguiu com seu passeio sem rumo. Ele gostava delas, das duas. Claro que tinha um pouco mais de afeto por Marinette, eram bons amigos, ela o impressionava de várias formas e ele gostava disso. Pensou no biscoito que ela havia guardado para ele no mesmo dia, foi muito gentil da parte dela, ela era muito gentil com todos os seus amigos. Sentiu-se menos solitário por perceber que fazia parte de um grupo que realmente se importava com ele.

Desceu dos telhados e começou a perambular por um conjunto de ruas que, naquele horário da noite, estavam desertas. Parou de caminhar quando viu um gatinho, ainda filhote, encolhido em um canto, muito provavelmente com frio. Se aproximou devagar, não queria ser arranhado e ter que explicar pro seu pai caso o visse. O gatinho não se importou, acariciou o pêlo dele e o ouviu ronronar baixinho.

— Você está sozinho? Assim como eu?

O gato, obviamente, não respondeu.

— Eu te entendo.

Saiu andando e o gato o acompanhou, querendo mais carinho.

— Não posso ficar com você, amigo, eu sinto muito… Mas talvez eu possa achar alguém que possa…

Caminhou mais alguns quarteirões pensando no que poderia fazer, o gato ainda em seu encalço.

Andou até achar outra janela com a luz de dentro acesa. Conhecia a pessoa que estava ali dentro também. Talvez essa pessoa quisesse um gato ou soubesse alguém que quisesse.

O colocou na porta e o deixou ali, subindo para o telhado da casa, onde o gato não alcançava. Pôs-se a miar querendo que Chat Noir voltasse, o que acabou chamando atenção das pessoas que moravam na casa.

Juleka abriu a porta e olhou ao redor, não havia nada. Olhou para baixo e se deparou com um gatinho preto. Abaixou-se e acariciou sua cabeça.

— Você está perdido, gatinho?

Por que todos insistiam em falar com o gato era um mistério. Ele ronronou ao toque dela, mas ainda queria subir para o telhado, que ficava a uma distância maior do que ele podia alcançar com um pulo.

Juleka levantou, pegando o gato no colo e o levou para dentro. Ele provavelmente seria bom cuidado ali.

Satisfeito, Chat voltou ao seu passeio, ainda não sentindo o cansaço tomar conta de seu corpo. Parou em frente ao rio e sentou observando o reflexo da lua na água. Estava melhor ali do que em casa, mas a solidão não o abandonava. Quem sabe Ladybug resolvesse fazer também uma ronda noturna e eles se encontrassem? Não. Seria fantasia demais, não deveria se prender, sequer considerar esse pensamento. Deveria se contentar com o que já tinha é com o que conquistou. De fato, fizera um grande progresso do ano anterior para esse, começou a frequentar a escola e conheceu várias pessoas. Contudo, ainda estava só.

Era o oposto do que sentia quando estava com Ladybug, sentia que fazia parte de um time, que era necessário. Não abandonado. Mas ela tinha uma vida, ela tinha com quem estar essa noite, e ele não tinha ninguém.

Desejou, mais do que tudo, que isso fosse embora, esse vazio dentro de si.

Mas continuava aquele gato solitário a beira de um rio a noite em Paris. Vazio.