Meu reflexo no espelho era de alguém abatido, sem forças, apático. Suspirei pela milionésima vez e continuei a fitar minha figura pálida. Só de pensar que minutos atrás estava feliz esmaga meu peito.

Meneio a cabeça negativamente e ando pesarosa até a varanda de meu quarto, apoio-me na grade e contemplo o vazio da rua, o som dos grilos ou seriam cigarras? Dane-se, não faz diferença mesmo!

Minhas pernas fraquejam e sento-me no chão, apoio a cabeça na grade branca enferrujada e fico a brincar com as folhas de uma planta – quase morta – num vaso que ali tinha. Acaricio as folhas sem vida e apáticas, quase todas num tom marrom. Senti-me como essa planta, seca, quase sem vida, mas ainda resistindo a tudo em sua volta.

Solto o ar de meus pulmões de maneira tremulenta ao lembrar-me de James, ao lembrar-me dos olhos castanhos, a pele bronzeada, o cigarro sempre entre os lábios, sua típica jaqueta de couro. Inferno! E aquele sorriso cínico sempre em formação… Como esquecê-lo?

Dediquei anos de minha vida a James, o dei meu coração e ele quis minha alma, qual dei de bom grado. O amor te cega e você aceita cair no escuro. Tudo corria perfeito.

Depois que deixei o estado de Nesbraska, fui para Nova York e de lá, aos dezenove anos fui para Nova Jersey. Estava louca, cheia de ódio e o corpo elétrico por ter o que nunce teve. Os dias eram lentos e as noites rápidas.

Vivia sozinha em meu trailer, trabalhava numa cafeteria a tarde e à noite ia para qualquer lugar que me desse na telha, os amigos mal-intencionados sempre ao meu redor. E numa saída dessas encontrei James. Ele me notou quase que de imediato e o resto você pode decifrar, nos amamos torridamente.

Deduzi que James era o meu amor, o meu verdadeiro e único amor. Não tínhamos dinheiro, mas tínhamos amor.

Eu sabia que ele não era coisa boa, estava envolvido com coisas ilícitas, mas ele era um bom rapaz e fazer dinheiro numa boa era difícil, eu o compreendi naquele momento.

Logo nos mandamos de Nova Jersey e fomos para Las Vegas, onde as coisas pareceram melhorar temporariamente. Eu não ligava dele sair todas as noites, eu estava bem com toda a situação, eu estava feliz, pois era livre.

Repentinamente James chega afobado em nosso apartamento, manda-me arrumar as malas às pressas, estávamos nos mudando, metendo o pé de Las Vegas. Na época eu não entendi muito bem a situação, porém num futuro eu entenderia tudo.

Fomos para Califórnia, lá foi onde meu maior desejo e sonho se tornou realidade; James pediu-me em casamento e aos vinte e um anos casei-me com o rapaz de pele bronzeada. Eu não estava ligando para o drama de minha mãe, ela dizia-me para largar “o depravado”, mas eu não o fiz, pois o amor que sentia era maior.

Dali as coisas pareceram melhorar. Não parávamos quietos em cidade alguma de Cali, São Francisco, Santa Mônica, Los Angeles, Sacramento… e quando dei-me conta dois anos haviam passado e nosso estilo de vida evoluído.

Malibu era nosso lar, não éramos mais dois inconsequentes morando em trailers e passeando em Harley Davidson's. Tudo virou um belo passado, um mero sonho.

Eu tinha tudo e ao mesmo tempo nada. Poderia ter qualquer coisa, mas a que custo? Era comprada e calada por James todos os dias. Depois de um tempo minha venda caiu e descobri de seus atos ilícitos, descobri de seus atos macabros, as vidas que ele tirou… Nada fiz, apenas fiquei a observar o mundo dele desmoronar.

James era um saco com seu grupo, sempre na rua, sempre na estrada. Vivendo na ilicitude, eu sabia por outros o que ele fazia. Mas por que eu não partia? Eu amava esse homem! A vida pra mim era um pé-de-cabra de veludo, sempre batendo com força, eu sangrava, porém continuava ali, esperando por mais.

Antes íamos para as festas nos porões de nossos amigos drogados, depois começamos a dar festas em nossa casa situada em Malibu, tudo parecia um sonho. Um sonho construído sobre desonestidade e morte.

Haviam armas pela casa, drogas, capangas armados, James até colocou um dente de ouro, eu não reconhecia mais o homem por quem me apaixonei. Seu doce e belo amor havia sumido, apenas o sentia nas poucas noites que se lembrava de minha existência. A bela solitária que zanzava pela enorme casa vazia.

Então as traições começaram a ser aparentes e as discussões sem fim também. Nunca fui do tipo submissa, sempre quis me impôr, sempre tive voz ativa. Porém depois de um tempo comecei a temer James, eu nunca esqueceria aquela noite.

Ele chegou fedendo a vadias e charuto caro, o hálito de liquor Malt. Senti nojo dele, a camisa branca suja de batom, os cabelos desgrenhados.

Que merda é essa, James? – exclamei raivosa.

Cale a porra da boca, Elizabeth! Sua voz… ela me irrita. Fique quieta!

Isso foi o bastante pra mim, estourei como nunca fiz e discutimos forte no quarto, porém eu não esperaria algo dele… ou esperaria?

O tapa que levei não foi o bastante pra ele, queria ver-me rastejar. Puxou-me pelo cabelo e me jogou contra a parede, prensou-me nela com seu corpo fedido de putas baratas.

Nunca mais levante a voz para seu marido! Me deve respeito! Se não fosse por mim ainda seria aquela garota com os dois pés na terra rochosa, sua ingrata!

Escorei no chão quando o contemplei deixar o quarto. Eu nunca esqueceria esse dia, nunca! E todas as humilhações que segurei até agora. Só porque ele é o maior traficante fora dessa casa, não significava nada para mim.

Silenciei por dias, não o dirigi a palavra. Ele vinha com gracejo, pediu-me perdão de joelhos, comprou-me um carro, mas nada disso me traria o amor de volta.

Mais anos se foram e agora James me cobrava um herdeiro, porém mal sabia ele que eu já havia tomado providências para que isso não acontecesse, comecei a tomar injeções. Como colocaria um filho nesse mundo? Um filho de James! Meu filho não poderia tomar esse rumo e tornar-se que nem o pai.

Minha voz havia sumido dentro daquela casa, eu já não fazia mais questão de falar, apenas deixava ser. Era apenas um enfeite que James mostrava aos outros, uma boneca de porcelana, ele adorava me ver cair.

Porém minha sorte mudou a partir dali. Recebi a notícia da prisão de James, havia sido pego em sua empresa fachada, o cerco fechou para o bronzeado.

Ali vi minha liberdade, um resquício de esperança que foi por chão no momento que o pedi divórcio na cadeia. Ele recusou e ainda me ameaçou. Me obrigava a ir visitá-lo, a ir vê-lo e tratá-lo com carinho, eu sentia repulsa daquela situação.

Sem mais nem menos fui embora daquela casa, aluguei uma residência e deixei James. Mero engano! Sem saber como, ele conseguiu meu novo número na época e ligou-me. Me ameaçou, disse que nunca daria o divórcio, pois eu era dele, eu devia respeito a ele, porque ele me “salvou”. Disse tantas asneiras que quase vomitei, mas o medo foi maior.

Eu te mato, Elizabeth! Se você me deixar eu te mato!

E essa não foi a última vez, pois eu parei de visitá-lo na cadeia, onde ele já estava há nove meses. Ligou-me em todos os meus números novos, sempre descobria onde eu estava, porque não fugia para longe, deixava rastros em tudo que fazia.

Eu te amo, não me deixe – suplicava ele.

As ameaças começaram a ser constantes e amedrontadoras. Temia pela minha vida, não havia outra opção se não fugir dali, fugir para longe. Não contatei ninguém e vim para Linlcon. Fiz tudo de maneira perfeita, tentei não deixar nenhum rastro sequer.

Lágrimas escorrem ao lembrá-lo, Deus, como é difícil.

Não nego, eu amei esse homem, eu amei ele. Tive tantas felicidades ao seu lado, para no fim ele me jogar pro canto como uma bonequinha velha e sem uso, que apenas brincava quando lembrava da existência.

Quando dou-me conta estou aos prantos, encolhida naquela sacada, o rosto encharcado. Sinto-me amedrontada, morrendo de medo, estou sozinha, não tenho ninguém em quem confiar além de Mary, que está longe.

Lembro-me de Jake e sinto algo ao pensar nele, no quanto sinto-me segura perto dele, no quão diferente poderia ter sido se eu tivesse ficado por aqui. O que poderia ter acontecido? Nunca saberei.

Limpo meu rosto e levanto-me precariamente dali. Pensar em James me cansa o corpo. Tiro a roupa e parto para o banho, logo tenho de ir trabalhar e fingir que tudo está bem, quando na verdade não está.

Seguro as lágrimas enquanto passo uma maquiagem leve para disfarçar o choro. O que acharia Jake se percebesse que estive a chorar? Que o passeio foi tão péssimo que chorei de tristeza. Meneei a cabeça sorrindo.

Ótimo, estou pronta. Desço as escadas e despeço-me de Floyd com um carinho.

Chego cedo no bar, mas já vejo que pessoas estão lá dentro, ouço uma falaria. Ao abrir a porta deparo-me com uma rodinha no centro do recinto.

— Lizzy! – exclama Wendy saindo da roda – Olhe, olhe!

Ela levanta a mão rente a meu rosto, pego a mão da mesma e afasto de meu rosto, avisto o belo anel no anelar.

— Não é lindo? – indaga-me.

— Oh, sim! É lindo.

Ela sorria tão euforicamente que até eu sorri.

— Vou me casar! Tarik pediu-me ontem! Meu Deus, você nem sabe. Ele já tinha tudo planejado, foi incrível. Vamos nos casar em breve. Ele já viu tudo, mas claro, ainda temos muito o que decidir! Caramba, tô falando demais!

Ela ria e contemplava o anel em sua mão.

— Isso é incrível, amiga.

— Sim! Vamos passar a lua de mel no Havaí, ele já pediu licença da corporação, você sabe, ele é um policial.

Eu assentia juntamente feliz pela felicidade da baixinha.

— Estou muito feliz por você – a dei um abraço – Felicidades.

— Obrigada! Mas ei…

— Se você deixar ela vai falar até amanhã, Liz – falou Jake a interrompendo.

A baixinha o encarou com raiva fingida.

— Não, tudo bem. Gostaria de ouvir – falei sorrindo sem mostrar os dentes.

Quando Wendy ia abrir a boca pra falar, a porta do bar é aberta e Selina entra, a baixinha corre até ela para contar a novidade.

Sorrio e movo meu olhar para o de Jake, ao encarar os olhos azuis sinto que meus problemas parecem sumir, evaporar. Sinto vontade de beijá-lo e muito, tipo, agora.

— Tudo bem? – perguntou-me ele se aproximando um passo, os olhos perscrutando minha face.

Dei o sorriso mais convincente que pude.

— Ué, claro. Por que não estaria?

Ele franziu o cenho e depois suavizou a face.

— Não sei… – meneou a cabeça – Deixa pra lá.

Assenti e apontei pra cozinha.

— Tenho de me preparar, logo as pessoas chegam.

— Ah, sim, claro…

Sorri sem jeito ao lembrar do beijo que trocamos horas antes na frente de minha casa. Andei em passos rápidos pra cozinha e esbarrei em Harold que tinha sacolas de frios nas mãos.

— Calma, Lizzy – disse o moço de cabelos cacheados sorrindo – Ainda não tem pedidos – brincou.

Ri e meti uma mecha de cabelo atrás de orelha.

— Sim, mas daqui a pouco estarão aí. Mão na massa.

E mais uma noite de trabalho chegava e até que as coisas iam calmas, haviam mais pessoas no bar do que nas mesas. Alguns animadinhos já pareciam escorregar dos assentos altos, porém Archy continuava os mandando bebidas.

— Liz – senti um toque em meu braço, virei-me para encarar Jake.

— O que foi?

— Venha.

Ele me guiou para o escritório, estava apreensiva. O que será que sucedeu? Jake deu-me espaço e adentrei o escritório, o escutei trancar a porta, virei-me para encará-lo.

— Aconteceu algo?

Ele se aproximou e sorriu de canto.

— Aconteceu.

Quando dei-me conta estava a beijá-lo, seu corpo contra o meu, sua mãos em mim, sua língua enrolada a minha deixando-me excitada, por Deus, o que é isso?

Jake afasta sua boca da minha e toma uma respiração, faço o mesmo. Sinto minha respiração um tanto descompassada, porém quero mais. O puxo pra mim pela nuca e recebo outro beijo avassalador.

O sinto me prensar no armário enquanto cola seu quadril ao meu, solto um arfar. Desço minhas mãos de sua nuca para seu peito, o toco por sobre a camisa e as deslizo para as costas larga. Jake me aperta na coxa, segura-me pela cintura.

Numa tentativa falha, tento o puxar mais pra mim, mas é impossível, pois já estamos extremamente colados, Jake interrompe o beijo.

— Não resisti – falou rente a minha boca – Não aguento mais te ver e não te tocar.

Sorrio tremulamente e subo minhas mãos para seu rosto, toco sua barba.

— Nós podemos ir adiante nisso, você sabe.

Agora já estava dito, o passo foi dado. O quero, ele me quer. Meu corpo suplica pelo dele, sinto uma vontade dele.

— Sim, eu sei. Eu quero… nós podemos ver no que dá.

Assinto e o dou um selinho.

— Vamos ver no que dá.

Essa frase pode nos conter tantas coisas… Muitas impossíveis, mas por momento não centro-me nisso. Com Jake meus problemas parecem sumir.

Ele sorri e toca meu rosto.

— Você é tão linda que dói, Lizzy.

Rio e mordo o lábio.

— Me beija.

Ele acata a meu pedido, me beija com fervor. Sinto meu corpo esquentar ainda mais e não podemos cometer nenhuma loucura, não que a vontade não seja grande.

Jake separa os lábios do meu e já sinto saudade, começo a enchê-lo de selinhos seguidos, sorrio e o abraço. Apoio minha cabeça em seu peito, inspiro seu cheiro e sinto um conforto. Fecho os olhos e deixo o medo ir embora.

Eu sei que Jake pode me dar o melhor e vai dar-me se eu deixar, porém tenho medo de metê-lo em toda essa sujeira. Agora já é tarde demais, querida.

Levanto o olhar e encontro o azul dos olhos dele, parecem brilhar ao encontro dos meus. Sinto um arrepio em meu corpo, uma vertigem. Ele me aperta mais forte e fecho os olhos antes de beijá-lo novamente, enroscada em seus braços.