— Bem que você poderia fazer uma torta, não é? – senti os braços de Jake ao redor de minha cintura, seu corpo colado ao meu. Sorri enquanto terminava de lavar a louça.

— Você anda muito guloso ultimamente, sabia?

Ele riu e se distanciou, apoiando-se no balcão.

— Culpa sua.

Virei-me para encará-lo enquanto secava minhas mãos no pano.

— Culpa minha? Eu não forço nenhuma comida sua goela abaixo.

— É a tentação. Você vive fazendo coisas deliciosas e eu não me aguento.

— Seu bobo! – joguei o pano em sua direção, ele aparou – Vou pensar no seu caso.

Ele se reaproximou e beijou-me rapidamente. Logo ouvimos batidas na porta, lembrei-me de que Mary viria aqui hoje. Se passavam dois dias desde sua última visita, o que era um recorde. Pois a mesma não me descolava, vivia ao meu redor, me alertando, jogando-me olhares culposos.

Eu a entendo, eu também estou morrendo de medo. Mas tudo parece tão bem, nada pode estragar minha vida agora…

— Deve ser a Mary. Atende pra mim? Vou terminar de limpar aqui.

— Tudo bem – assentiu e se direcionou para a entrada, continuei com meus afazeres.

Logo pensei no que Mary entraria falando, sempre com seu incrível senso de humor sarcástico. Atentei-me aos sons da sala.

Pude decifrar Jake abrindo a porta, alguns segundos de silêncio.

Posso ajudá-lo?

Meu cenho se franziu. Não era Mary? Andei em direção à sala de entrada. A porta escondia minha visão, apenas via as costas de Jake.

— Vim para ver minha esposa.

Nem se eu quisesse eu poderia explicar o que senti ao ouvir essa voz… essa maldita voz. Vi meu mundo cair e eu ali, assistindo a tudo. Um silêncio monstruoso se formou, uma risada foi solta, era Jake.

— Desculpe, acho que foi algum engano.

— Não. Minha esposa. Elizabeth Grant, não?

Jake virou para me olhar e achou meu rosto assustado. Seu semblante continha dúvida, surpresa… raiva. Ele se afastou da porta e a abriu mais, fazendo com que eu avistasse o ser na entrada.

O que primeiro avistei foi o terno impecavelmente branco, os sapatos reluzentes, logo avistei o pescoço bronzeado e o rosto incrivelmente sem expressão, mas eu era a única pessoa que entendia esse semblante, ele iria me matar, se não antes a Jake.

— O que é isso, Liz? Quem é esse homem? – indagou meu amor, agora em dúvida e apreensão.

— Não o disse sobre mim, Liz? – escarniou James entrando em minha casa, a postura falsamente calma e pomposa – Pobre homem, minha querida. Oh, pobre de mim! – fingiu dor colocando a mão sobre o coração – Não sabe como me dói saber da traição de minha esposa. Isso me mata.

Jake lançou-me um olhar magoado, eu não entendia nada, não sabia como James ainda não o tinha atirado na cabeça ou algo parecido.

— Que história é essa, Elizabeth? Me diga. Esse homem é seu marido? – ele se aproximou de mim, eu ainda estava ali, transpirando, sem reação – Isso… isso é verdade?

Olhei para Jake a minha frente, depois James logo atrás. Seu olhar demoníaco exalava ódio e arrogância. Dizia: venci.

— Diga, amor, diga a verdade e o poupe. Diga que nos casamos no verão de 2009 na Califórnia em Los Angeles. Diga a ele que foi o dia mais feliz de sua vida.

Olhei com desespero para Jake, fitei um vitorioso James. Meu peito subia e descia.

— Sim, é verdade. Sou casada mas… – tentei tocar Jake, mas o mesmo esquivou de meu toque, reagiu como se eu fosse uma praga contagiosa.

Sua face tinha um semblante de ódio e amargura, raiva por descobrir de minha traição. Me encarava de um modo que nunca vi antes em seu olhar, fúria, indiferença… nojo.

— Eu… eu não posso acreditar. Isso não é real. Elizabeth, eu…

— Pois acredite, amigo – disse James tocando o ombro de Jake – Fiquei no mesmo estado quando soube. Essa mulher acabou conosco.

Tudo que eu queria era cair morta no chão e sentia que estava próximo, o fim.

— Isso… isso é demais pra mim – falou meu amor, parecia não acreditar ainda. Deu-me um último olhar, cheio de indiferença e ódio.

Saiu em direção a porta, rapidamente, cheio de fúria.

— Jake… – sussurrei ao ver o último resquício de luz em minha vida, a porta fechou-se num estrondo.

No momento que Jake cruzou aquela porta à fora, eu vi minha vida desaparecer, sumir, morrer, se desmanchar no chão em litros de sangue, uma poça sangrenta.

Minha condenação estava próxima, a metros, se não centímetros de mim. Respirando raivosamente, me encarando com ódio, pois agora não havia mais atuação, ele podia ser ele mesmo e me maltratar até eu cair desfalecida no chão, sem vida, sem ânimo, sem ar.

Tudo parecia rodar em câmera lenta, meus olhos não acreditavam, meu corpo não me obedecia, nada parecia me obedecer, o medo me tomava conta.

James chegou ainda mais perto, passos calmos e decididos, não me atrevia a encará-lo, seria o mesmo que enfrentar a morte cara a cara.

Deu uma volta ao meu redor, parecia me analisar, ver se seu objeto ainda estava intacto, não impregnado.

Não conseguindo conter meus olhos traidores, lágrimas pingaram para o chão.

— Chorando pelo seu amante? Ou tudo isso é emoção por me ver?

Não atrevi-me a levantar o rosto.

— Me responda, traidora.

— Jim…

— Não me chame de Jim. Não agora!

Sua mão foi ao meu queixo, forçou-me a fitá-lo.

— Será que me amar não foi o bastante? Acho que não! Não depois de tudo que te dei, tudo que lhe ofereci… Eu te salvei, Elizabeth!

Eu não tive tempo nem de decifrar, nem de esquivar, sua mão esquentou meu rosto fazendo-me cambalear para o lado fazendo com que meu quadril encontrasse o chão antes de todo meu corpo. Minha face rente ao chão, mais lágrimas, a ardência como prova de sua violência.

Mas era pouco para Jim, era pouco para saciar seu ser maligno.

Jim me levantou com raiva pelos braços, ele me machucava com cada ato, cada olhar.

— Isso é o que você quer, não é? Você me pede isso, Elizabeth.

Pegou-me raivoso pelo couro cabeludo, jogou rente ao sofá, sua mãos logo voltaram, agora para me matarem, pensei enquanto seus dedos rodeavam meu pescoço. Me asfixiava, me matava, me punia.

Coloquei minhas mãos com desespero sobre as suas, pois sentia a vida desvair de mim, me deixar aos poucos, me acenava um adeus.

— Jim… – foi um sôfrego sussurro.

Suas mãos fortes me soltaram para o chão, meu melhor amigo no momento, me recebendo de braços depois de cada ato violento de James, quem me acalentava era o chão frio.

— Eu devia te matar! Matar você e aquele bastardo! Acabar com a vida dele!

— Não faça isso… por favor, Jim, eu…

— Não me chame de Jim! Não mais!

Suas mãos me acharam de novo e me colocaram no sofá, encolhida. Seus dedos se embrenharam em meus cabelos, os puxando com força, fazendo-me quase tocá-lo.

— Me dê um bom motivo, meu amor, para que eu não o mate agora mesmo. Dê-me o motivo.

Seus olhos castanhos fervendo de ódio, contra minhas orbes verdes amedrontadas. Minha boca não se moveu, pois eu não tinha nada a oferecer para Jim, não mais.

— Diga algo! Me dê um motivo para que eu poupe o homem que tocou minha mulher por todo esse tempo.

— Não o mate… – chorei entre as palavras.

Pela primeira vez James bateu-me com a mão em forma de punho, logo acima de meu olho esquerdo, assim caí do sofá para o chão, novamente.

Ele se reaproximou, tirou os fios de cabelo de meu rosto e me fitou o rosto, que tinha sangue no lado esquerdo, podia sentir o quente chegar em meu pescoço.

— Eu te amo, meu amor, minha vida, eu te amo, Elizabeth, com toda minha alma – ele forçava-me a encará-lo enquanto proferia tais palavras – Odeio ter de fazer isso, mas você pediu. Pediu no momento que fugiu de mim, me deixou e se envolveu com esse caipira. Oh, Elizabeth, coitada de você… Achou mesmo que eu não a encontraria? – ele riu – Eu nunca vou deixar você. Entendeu? Nunca!

As lágrimas não paravam, mas não eram pela dor que sentia, mas sim pelo desespero de saber que eu estava nas mãos dele novamente e ninguém poderia me salvar. Eu havia voltado para o inferno.

— Agora diga que me ama e tudo ficará bem – sua mão, qual ainda continha a aliança, me acariciou o rosto – Apenas diga.

Eu nada disse.

— Diga! Agora! – gritou e meu corpo pulou.

— E-eu te amo.

— Não, assim não. Seja conveniente que nem antes, meu amor.

Pela primeira vez o fitei com ódio, diretamente nos olhos. E as mentiras foram proferidas.

— Te amo, te amo pra sempre. Desde a primeira vez até agora, pra sempre. Te amo, Jim.

Ele sorriu e um arrepio tomou meu ser. Seus braços rodearam meu corpo inerte, ali de joelhos ao meu lado, em seu terno caro, colocou minha cabeça em seu peito e me afagou, não se importando que meu sangue manchasse sua roupa fina.

— Você é minha garota, Liz, minha eterna garota. Tudo que faço é por você, é por te amar – suas mãos acariciaram meu rosto – Deixe com que eu me redima. Me perdoe.

Apenas chorei nos braços do homem que acabaria com o resto de minha vida, chorei por perder Jake, chorei por estar completamente sozinha novamente.

Jake deve odiar-me, achar que sou uma completa vadia, o que na verdade fui, ao mentir assim pra ele. Mas o que eu poderia fazer? Eu estava só, perdida, com medo. Não poderia perdê-lo, porém olhe agora. Se para protegê-lo teria de passar por isso, que assim seja.

— Perdoe-me, leve esses machucados como beijos fortes, minha amada esposa. Pois é isso que significam pra mim, meros beijos. Lembre-se – fez-me encará-lo – toda vez que eu for obrigado a te machucar, será assim pra mim, como meros beijos. E você sabe, eu amo te beijar. Sabe o quanto adoro beijá-la.

Seus polegares acariciavam minhas bochechas, forçava a fitá-lo. Ele sorriu-me e o dente de ouro apareceu, senti-me cara a cara com o demônio, sem saída.

Seus lábios chegaram aos meus e eu nem pensei em desviar, seria como assinar minha sentença de morte. Deixei-o que me beijasse, o puro e legítimo beijo da morte.