Deitada sozinha em minha cama, contemplo as cortinas esvoaçarem pela sacada sombria do antigo quarto de meus pais. A noite que era quente se tornou fria em questão de segundos. Virei-me na cama de lençóis limpos e senti o tecido fino da camisola roçar em meu corpo, um arrepio me tomou conta.

Nossa, que coisa louca.

Ouvi um barulho vindo do corredor, sentei-me e percebi a porta entreaberta. Um pequenino medo achou meu corpo, pensei em cobrir-me, mas do que me adiantaria? Fiquei a encarar a porta na penumbra de meu quarto, apenas a luz do luar iluminava o local.

Para meu total desespero a porta é aberta lentamente, a madeira antiga range e um corpo sai da penumbra. Arregalo meus olhos ao constatar quem é, mas segundos depois sorrio.

— Jake… o que…

Meus lábios se abrem quando o vejo sem camisa adentrando o quarto. Meu Deus do céu, que delicioso. E ele nada diz, se aproxima rápido. Não me aguentando saio da cama e encontro seu corpo, minhas mãos acham seu peitoral.

— O que faz aqui?

— Vim terminar o que começamos naquela noite a anos atrás.

Nesse momento minha excitação alcançou picos inimagináveis, sua voz era tão sensual. Sorri e o puxei pelas mãos para a cama, deitei-me com ele ao meu lado. Procurei por sua boca, mas ele negou sorrindo.

Seus lábios foram para outros lugares, beijaram meu pescoço e todo o resto abaixo, minhas coxas e panturrilhas. Deus santíssimo, eu me derreteria em um orgasmo sem ao menos tê-lo em mim. Porém algo estranho ocorreu, apoiei-me nos cotovelos e encontrei uma cena simplesmente surreal, Jake lambendo meus pés. Mas que porra é essa?

Acordo num impulso e deparo-me com Floyd lambendo meu pé, solto um suspiro e jogo meu tronco de volta na cama, passo as mãos pelo rosto. Um maldito sonho!

— Que droga, Floyd!

O gato se aproximou de meu rosto e miou. Por incrível que pareça o gato não foi embora, ficou comigo, o comprei medicamentos e comida, ele melhorou bastante na última semana e meia.

— Seu morto de fome – digo me levantando – Só pra isso que me quer, né? Pra te alimentar.

Eu não sei porque ainda insisto em falar com esse gato, acho que pessoas sozinhas tem costumes realmente muito estranhos.

Vou pro banheiro e Floyd vem atrás de mim, solto um suspiro pesado e me encaro no espelho. Merda mesmo! Até em meus sonhos esse homem está, que situação piegas estou no momento, sonhando com meu chefe extremamente lindo e comprometido.

Admito, é difícil vê-lo todo santo dia e não lembrar da noite a anos atrás, é extremamente difícil não querer me trancar com ele naquele escritório e agarrá-lo, mas a verdade que isso é totalmente errado, muito errado.

Eu seria uma tremenda estúpida se fizesse isso e ele seria o enganado da história, pois voltei pra essa cidade montada em um turbilhão de mentiras e mentiras comprometedoras. Devo pôr em minha cabeça que nunca acontecerá eu e Jake, nunquinha.

E o pior é que Wendy pegou as coisas no ar e agora quer dar uma de cúpido, apenas posso rir da situação. Se isso fosse a alguns anos atrás, nesse exato momento estaria enroscada nos braços de Jake, mas a vida fez seu “belo” trabalho e me jogou nos braços de um homem mau, muito mau.

Balanço a cabeça exasperada. Nada de pensar em James, agora. Nada dele, chega dele!

Saio de meu transe com Floyd enroscado em minhas pernas, em seu típico ronronado pidão.

— Seu danadinho! – abaixei-me e o peguei no colo – Olhe só o que fez, estragou meu belo sonho.

Chego no bar em meu horário rotineiro, logo terei de começar o trabalho. Eu havia entrado na rotina nessa última semana, o clima do lugar era bom. Ainda mais com Jake perambulando por aí, era tão bom quando nos esbarrávamos, por um segundinho assim, eu podia sentir seu perfume.

Meneei a cabeça com força e amarrei meus cabelos num rabo-de-cavalo. Estou ficando louca com esse homem ao meu redor, com esse ar autoritário e rústico. Fazia-me quase subir pelas paredes. Olhe, estou completamente louca por almejá-lo… É tão errado de minha parte sentir isso, ainda mais tendo uma pessoa alheia a isso…

Logo o bar está cheio, tudo anda ótimo, até um ser entrar por aquela porta… Rachel. Seguro-me para não virar os olhos, apenas sigo com o que faço. Atendo aos clientes, faço meu trabalho, ignoro a loira bronzeada, porém ela parece não me ignorar.

Vou até o balcão e lá pego um copo de cerveja; pedido de um cliente. Viro-me e ando calmamente em direção a mesa.

— Cuidado com essa cerveja, desajeitada – debochou ao passar por mim, mas isso não era o bastante pra ela. Dei-a as costas, porém a loira seguiu-me – Tem sorte de Jake ter um bom coração e fazer o favor de lhe conceder esse emprego.

Sorri para o cliente a ignorando.

— Obrigado – diz o senhor da mesa.

— De nada.

Dou-a as costas e continuo o serviço. Ando em direção a cozinha para saber como andam os pedidos, ciente de que Rachel está na minha cola. Deus, essa mulher está testando-me, só pode!

— Não me ignore. Olhe aqui, – ela me vira e encontra meu olhar raivoso – sei muito bem o que se passa, entendeu? Fique longe de Jake.

Franzi meu cenho com raiva. Minha feição deveria transparecer puro nojo e desgosto.

— Está louca? Desde quando dei motivos para desconfiar de tal coisa?

Ela empinou o nariz.

— Conheço bem o seu tipo.

Se minha boca não estivesse presa a meu queixo, com certeza teria ido ao chão. O que fiz foi apenas rir dela. Estúpida! Por trás de toda essa arrogância deve esconder uma insegurança grotesca. Coitadinha.

— Desculpe, Rachel. Tenho mais o que fazer, preciso seguir com meu trabalho.

E sem mais nada a dizer a deixo ali. Que mulher imbecil! Preciso de paciência, pois sinto que posso furar os olhos dela com os garfos que recolho da mesa nesse instante.

Solto o ar com força de meus pulmões.

— Tudo bem? – aparece Wendy ao meu lado – Pensei que rolaria outra cena.

— Não de minha parte. Quero distância dessa doida.

Agora me pergunto: Que porra Jake viu nela além da beleza? Sim, não nego. Ela é gostosa pra caramba, porém não a aguentaria nem por um segundo a mais, independente de sua beleza. Bom, talvez eu esteja contaminada pelo ciúme ou talvez pela inveja, sim, isso, pois ela o tem. Droga!

Viro-me com os pratos em mão e encontro o olhar de Jake em mim, lá estava ele no outro lado do salão, com sua loira enroscada em seus braços, quase implorando por atenção. Olho aquela cena como se fosse um grande e vazio nada.

Abaixo meu olhar e ando para a cozinha, lá deposito os objetos. E antes de voltar pro bar tomo uma longa respiração, coloco uma feição melhor em meu rosto e saio para atender os clientes, não posso atendê-los com a feição rabugenta.

Mas parecia que tudo hoje estava cooperando contra, ao passar perto de Jake e Rachel, que agora estavam no balcão, avisto Michael ao lado deles. O loiro ao me ver, anda em minha direção e me abraça com grande intimidade, e não é só isso, ele me dá um beijo muito, mas muito próximo dos lábios. Ciente de que isso acontece na frente dos demais presentes.

— Saudades, Lizzy! Estive fora, aposto que sentiu minha falta.

Virei os olhos e sorri encabulada, fui pega de surpresa pela abordagem direta do rapaz. Não, não o seria ingrata, pois o mesmo foi generoso comigo e me ajudou com o emprego. Mas algo teria de estar claro aqui, não o abriria as pernas só por causa disso e nem por mais nada.

— Convencido você, não acha?

— Apenas confiante.

Sorrio amarelo, pois sua mão ainda está em minha cintura e logo ali atrás, os olhares fervorosos de Rachel e Jake.

Dou um passo pra trás me afastando da extrema proximidade do loiro.

— Bom, preciso continuar com meu trabalho. Depois conversamos, pode ser?

— Tudo bem, vá.

Acenei com a cabeça e sumi por entre o movimento.

Que Michael está interessado em mim, isso é fato, mas não, não vai rolar. Sim, o rapaz é atraente, muito belo, porém há algo nele, talvez sua índole. Convencido, cheio de si, presunçoso, não que ele não tenha boas qualidades, longe disso, logo vi que o coração do rapaz é enorme, foi o primeiro a me ajudar e o agradeço do fundo de meu coração.

Logo as horas passam e as pessoas se vão, o bar esvazia. Wendy se despede enquanto termino de limpar a última mesa. Olho pra trás e vejo Archy no balcão. Havia virado rotina por último ficar apenas nós dois e claro, Jake.

Eu gostava de ficar aqui até o último instante, pois ao voltar para aquela casa eu estaria novamente sozinha e aqui eu teria uma temporária e feliz companhia. Não pensava nos problemas, apenas pensava em fazer tudo certo.

— E lá se vai mais uma noite – digo enquanto me aproximo em passos lentos.

O ruivo sorri no outro lado do balcão, dá uma última passada de pano no móvel amadeirado.

— Sim e sem uma ceninha da Rachel, até estranhei isso – falou num tom cômico.

Ri da afirmação do garoto.

— Ela me odeia.

— Não se sinta especial, ela nutre esse sentimento por todos os amigos do Jake num modo geral.

Franzi o cenho intrigada.

— E ele não liga? Tipo, que ela seja assim? Bom, ele a atura, isso percebi.

O ruivo sorriu de canto.

— Acho que foi o tempo de convivência, sabe? Que o fez parar de ligar, começou a ignorar as chatices dela.

Ou talvez ela seja gostosa ou boa demais na cama para se desfazer. Bom, talvez ele realmente goste dela.

— O admiro por isso – falei rindo da situação.

Mas seguramos o riso quando Jake apareceu. Será que ele escutou? Ah, dane-se! Todos nesse bar parecem nutrir uma antipatia por Rachel. Eu e Archy nos entreolhamos.

— Que tal irmos? – indagou-nos Jake.

Assentimos e nos dirigimos para fora do local. Despedi-me de Archy com um rápido abraço, logo o garoto sumia em sua moto Honda Cb, uma sobrevivente dos anos 70. Claramente o ruivo tinha um gosto peculiar para as coisas.

— Vejo que se deu bem com Archy, ele deve ter gostado de você, ele é do tipo que demora a formar amizades.

Virei-me para encarar Jake, que estava fechando o local. Era a primeira vez que ficávamos sozinhos depois da noite que fui contratada.

— Sim, acho que ele gostou de mim. Ele é muito querido.

— Não deve ter gostado mais que Mike, não é? – indagou rindo.

Arqueei as sobrancelhas.

— O que quer dizer com isso?

— Ué, o cara está bem a fim de você.

Meneei a cabeça.

— Não é recíproco. Não mesmo.

— Tem de falar isso pra ele.

— E você tem que cuidar de sua namorada – falei o dando as costas e andando com pressa pro meu carro.

Ouvi passos rápidos no cascalho do estacionamento, ele me seguia.

— Como assim, minha namorada? Rachel?

Virei os olhos e rodei em meu eixo para encará-lo.

— Quem mais seria? Digamos que hoje ela veio “marcar seu território” – ele franziu o cenho não entendendo. Bufei – Ela veio me intimar, sei lá, como se eu estivesse tentando algo com… você.

Ele riu da situação um tanto debochado.

— Ela não é minha namorada.

— Já disse isso pra ela? – ele ficou em silêncio – Olhe, desculpe, Jake. Você é meu patrão e eu não deveria estar falando essas coisas. Mas que me irritou, irritou! Ela insinuou que estou interessada em você e… Ah, deixa pra lá.

Virei-me para abrir a porta de meu carro.

— E você está?

Por um segundo arregalei meus olhos, ainda bem que estava de costas pra ele. Desfiz o espanto de minha feição e virei-me para olhá-lo. Sorri amarelo.

— C-claro que não… Imagina! Você é meu chefe.

Ele assentiu com a cabeça levemente, seus olhos firmes em meu rosto. Tomara que ele não saiba ler linguagem corporal, pois tudo me entrega nesse momento.

— Relaxe, Lizzy, não farei nada que você não quiser.

Dito isso o desgraçado deu-me uma piscadela e saiu em direção a sua caminhonete 4x4. Ok, não leve isso como uma cantada, não mesmo! Por um segundo deixo-me cair num imenso desespero pra depois sorrir.

Primeiramente: ele disse-me que Rachel não é sua namorada. Segundo: que merda aconteceu aqui?

Entro em meu carro sorrindo e penso em quão estúpida sou por me iludir tão rápido assim, com uma mera frase, talvez sem intenção de segundas intenções.

Porém recordo-me da loira bronzeada, bela e de quadris largos. Realmente uma pena que ela esteja por aí, jogando seu veneno ao redor de Jake. Bom, mas o mesmo me disse que ambos não namoram.

Não se iluda, homens mentem! E como mentem! Mas não quero pensar que Jake é um desses. Ele parece ter uma boa reputação, pelo que soube, há dois anos assumiu o Old Paul's que pertencia a seu tio e logo após que assumiu os negócios, eles melhoraram. Entre outras coisas que fiquei sabendo, todas através de Wendy.

Ligo meu carro meneando a cabeça, eu sabia que perderia o senso das coisas por causa dessa situação, claramente Jake me atrai e ele percebeu isso. Deus, eu quero tanto isso, mas soa tão errado na situação que estou.

Mas de uma coisa eu lamento mais: Rachel, ela não é eu. O que é realmente uma pena.