Elizabeth

Tudo parecia estranhamente calmo do lado de fora do quarto, não que houvesse grande movimentação nesse lado do hotel de beira de estrada que me encontrava, pois James havia escolhido estrategicamente o último quarto do corredor de cima.

As vezes ouvia algumas risadas na noite, motores de moto e carros, e a única janela – além da que dava para o corredor – era a do banheiro, qual dava para uma interestadual rochosa e vazia. Mas simplesmente nenhum som era emitido nesse exato momento, se uma agulha caísse ao chão eu juro, poderia ouvir o tilintar.

Sentei-me na cama levantando, fui até a janela do corredor, afastei a cortina bege gasta. Lá vi o estacionamento um tanto escasso de carros, mas pude distinguir que o Sedan preto velho pertencia aos capangas de James.

Suspirei cansada e voltei para o meio do aposento. Comecei a zanzar desolada, uma inquietação anormal me tomava, sentia vontade de roer minhas longas unhas e há tempos essa vontade não me ocorria. Botei meus cabelos maltratados para atrás da orelha, mordi meus lábios, rodei em meu eixo. Sentei numa cadeira velha e passei minhas mãos úmidas pela mesa fria.

E se eu tentasse fugir agora? James partiu por aquela porta a exatamente vinte e cinco minutos, logo seus pau-mandados viriam checar-me. Talvez eu pudesse abrir a janela, pular por ela, sair engatinhando até aquele corredor que dava para a saída dos fundos, onde eu poderia correr para a interestadual e depois… Depois eu veria!

Poderia soar estúpido e fraco, deveria ter tentado isso antes, mas o desespero do juízo final me aterrorizava, ter de entregar-me a James me aterrorizava.

Vesti uma calça jeans, meu par de tênis brancos e terminava de pôr a camiseta verde quando lembrei-me de Floyd embaixo da cama. Olhei ao meu redor, havia uma mochila, poderia colocá-lo lá com algumas coisas.

Depois dali poderia ligar para Mary, alguém me emprestaria algumas moedas para isso, pegaria uma carona, daria um jeito, me arriscaria… Bom, isso se conseguisse sair daqui, se antes não fosse pega, se seus homens não me vissem e se… Chega de e se!

— Tenho de tentar, não me importo com o que aconteça. Não mais.

Corri até a janela, bisbilhotei o lado de fora, os carros estavam vazios, pude ver que o estacionamento também, deduzi ser umas onze da manhã. Uma coragem me tomou. Voltei para minha cama, de costas para a janela, coloquei lá um casaco, uma camiseta e nada mais. Bati gavetas e armários a procura de qualquer moeda, mas nada de útil foi encontrado.

Soltei o ar pesado de meus pulmões e agachei-me ao lado da cama, fitei Floyd dormindo sobre suas patinhas.

— Venha Floyd – chamei-o carinhosamente alongando o braço – Floyd.

Quando chegou perto o bastante de minha mão peguei-o no colo, o alisei.

— Vamos fazer uma viagem e pode ser desconfortável para você, ok? Tente não se mexer muito.

O tinha suspenso em frente ao meu rosto, segurava-o como um bebê pelas costelas, o alaranjadinho apenas me encarava quieto.

— Espero que o Direito dos Animais não me pegue.

No momento que abaixei-o em direção a mala, um som foi ouvido e pude distingui-lo imediatamente, um tiro. Floyd pulou do meu colo de modo torto, assim arranhando o meu peito, praguejei e me agachei no chão rente a cama.

Olhei para a janela e vi uma mistura de cores refletidas na cortinha velha, eram vermelhas e azuis. Não tive tempo de refletir pois mais tiros foram disparados. Com medo corri para o banheiro, fechei a porta e deitei amedrontada na banheira seca e fria.

Botei minha mão sobre meu coração, fechei meus olhos que deviam transparecer desespero. Faziam anos desde a última vez que ouvi tiros assim, de tão perto. A última vez foi em Miami, eu estava com James e seus parentes Cubanos festejando um feriado de seu país natal, apenas lembro-me de outros latinos chegando, talvez fossem Bolivianos. Os tiros foram disparados sem nenhuma questão antes, apenas queriam matar. James salvou-me, tirou-me de lá, porém o moreno não teve a mesma sorte, levou dois tiros aquela noite.

Abro meus olhos e vejo que a troca de tiros acabou. Seriam de James contra policiais? Com certeza estavam todos mortos e Jim arrombaria aquela porta e me levaria para longe.

Ouço batidas e vozes na porta de entrada do quarto, não movo-me, não consigo. Logo ouvi algo que pude distinguir ser a porta sendo arrombada e passos rápidos são ouvidos, então a fechadura do banheiro gira e a porta branca é aberta, avisto uma face antes nunca vista.

— Elizabeth Grant? – indaga-me o homem que identifico ser um oficial.

— S-sim.

Ele abaixa sua arma e mais dois homens aparecem atrás dele.

— Você está bem?

Assinto em silêncio, sento-me na banheira.

— A senhorita está salva.

O policial estende-me a mão, qual aceito.

— Será que estou?

Aceito seu acalento e retiram-me do local. Percebo a locomoção do lado de fora, carros e mais carros policiais, alguns oficiais habitavam o local, então avistei os corpos caídos atrás dos carros perfurados no estacionamento; os capangas de James, mas nenhum sinal dele, mas ele poderia estar ali ainda… morto. Ao mesmo tempo que uma tristeza me abateu, um alívio veio junto.

Levaram-me inerte até uma viatura, sentei-me dentro dela com a porta aberta, logo um policial apareceu ao meu lado, seu cabelo e bigode grisalho chamaram-me a atenção.

— Elizabeth, sou Oficial Richard, mas pode me chamar me Tony. Sei que deve estar desnorteada nesse momento, porém preciso indagá-la: Sabe onde está James?

Olhei pra baixo fitando meu colo, segurei as lágrimas ao saber que o maldito ainda estava à solta.

— E-eu não sei… – passei minhas mãos pelo rosto – Ele nunca me dizia onde ia, apenas trancava-me lá e sumia por horas a fio.

— Não tem nenhuma ideia mesmo? – meneei a cabeça negativamente – Acha que ele pode ter fugido ou…

— Não, ele não partiria sem mim – fitei o policial – James virá atrás de mim.

O homem assentiu, suspirou e fechou a porta dizendo que me levaria para a delegacia e que lá me explicaria tudo, desde o começo.

Chegando ao local, por incrível que pareça, não sentia-me segura, o tormento ainda continuava dentro de mim, pois James estava por aí, à solta, livre para fazer o que quiser comigo e eu sei que vai. O moreno não descansará até ter-me novamente, não desistirá de mim enquanto for vivo, enquanto o ar passar por seus pulmões já cansados.

As palavras que saíam da boca do policial eram quase fictícias para mim.

— Estavam atrás de mim? – indaguei encabulada.

— Certamente, srta. Grant. Há pessoas de sua cidade natal que estão procurando por você, logo o departamento policial de sua cidade emitiu um chamado. Deduzimos que James ainda estivesse no estado e estava, então mais cedo recebemos uma ligação anônima nos informando de onde você jazia.

Minha boca se entrabriu e um sorriso se formou.

— Eu não esperava, eu…

— Mas como você bem sabe, James ainda está por aí e pode ser perigoso para você.

— Eu sei. Ele virá atrás de mim.

— A colocaremos sob proteção. Estará segura e nós o pegaremos.

Assenti sem muita convicção.

— Quando posso voltar pra casa? Para Lincoln. Quem estava me procurando? Eu posso fazer uma ligação?

O senhor a minha frente sorriu de canto.

— Em breve poderá voltar para casa, porém não sei quem estava à sua procura, mas numa hora dessas já devem saber que a achamos, ligamos para o departamento policial de Lincoln avisando. E sim, pode fazer sua ligação.

Assenti levantando-me, deixei a sala do Delegado e adentrei a área repleta de policiais zanzando de lá para cá em seus uniformes. Alguns no telefone, outros ouvindo testemunhas, apoiados em suas mesas, bebendo café, trabalhando para assim resumir.

Logo tinha o telefone preto em mãos, forcei minha mente ao máximo para lembrar os dígitos do número do celular de Mary, com toda a certeza do mundo seria ela a estar me procurando.

Quando o apito de espera começou a chamar meu coração acelerou, fechei os olhos em apreensão.

Alô? – ouvi a voz cansada de minha amiga.

— Mary? – indaguei sorrindo com lágrimas nos olhos.

Meu Deus! Elizabeth? É você?

Sorri não acreditando.

— Claro, sua boba.

É a Lizzy – pude ouvi-la dizer para alguém – Amiga, onde você está? Está tudo bem? Quando volta? Temos de buscá-la? Recebemos a notícia de que você havia sido encontrada, mas apenas isso.

— Mary, calma, assim você me apavora também – rimos juntas – Estou aparentemente bem, apenas preciso te ver pra saber que está tudo bem de verdade.

Você não tem ideia do quão bom é ouvir sua voz, amiga. Queremos que você chegue o mais rápido possível.

— Queremos?

Franzi meu cenho ao indagar.

Claro! Todos estão preocupados, todos querem seu bem – ela deu uma pausa pesarosa – Liz, uma hora dessa o país todo deve saber quem você é, você esteve nos jornais. Estávamos preocupadíssimos com você.

Um acalento tomou meu corpo e coração, sorri.

— Até ele?

Ouvi um riso bobo de Mary.

Claro, amiga. Ele está aqui, quer falar com ele?

Meu coração acelerou-se incrivelmente rápido.

— Ele já sabe de tudo? Você o contou?

Desde o comecinho.

Pigarreei limpando a garganta e tentei ignorar a apreensão e quentura repentina que meu corpo se encontrava. Ouvir a voz de Jake era tudo que eu queria nesse momento. Será que ele não me odiava mais?

— Passa pra ele.

Houve alguns segundos de silêncio, então pude finalmente ser agraciada com o som da voz de Jake.

Lizzy?

Por um segundo senti que todos meus problemas tivessem sumido e fosse apenas eu e ele novamente. Segurei o telefone com as duas mãos como se daquilo dependesse minha vida e também a frágil ligação.

— Jake… Jake eu sinto muito, eu sinto tanto. Me perdoe, não queria que fosse desse jeito, não tive culpa, eu…

Tudo bem, meu amor, está tudo bem agora. Você não tem noção do quão reconfortante é ouvir sua voz. Tudo que eu mais quero agora é te ter aqui.

Sorri lacrimejando os olhos.

— Eu também quero estar aí, quero desesperadamente estar ao seu lado. Em breve, talvez amanhã mesmo. Só quero que tudo volte ao normal, quero você novamente.

Pude ouvir meu amado sorrir.

— Logo estaremos juntos.

Mais palavras acalentadoras foram proferidas antes de minha ligação terminar numa declaração que há muito sentia falta.

Eu te amo, Elizabeth. Espero que não tenha esquecido disso.

— Nunca! – sorrimos – Amo você, Jake, amo muito.

Senti-me finalmente em paz, consegui ao menos alguns minutos de paz, de consciência. Tudo parecia estar entrando no eixo, se ajeitando, não via a hora de reencontrar a todos, de poder abraçar Jake.

Todos sentiam minha falta e eu aqui, pensando no quão sozinha e deixada para atrás estava, mas na verdade tinha amigos verdadeiros, que sentiram minha falta e procuraram por mim. Finalmente em anos, não senti-me mais sozinha.

Acomodei-me melhor na cadeira da delegacia e avistei o entra e sai incessante de pessoas. Fitei a porta de vidro que abria-se de segundo em segundo, logo adentrou um policial jovem, bem aparentado, incrivelmente parecido com James, meu olhar o seguiu até ele sumir por um corredor. Deus do Céu! Era parecidíssimo, apenas mais jovem e menos moreno, mas muito igual.

Lembrei-me das semanas de verão que compartilhamos, onde ele ficava cada vez mais bronzeado pelo Sol, porém eu não conseguia bronzear-me, apenas ficava que nem um pimentão, depois minha brancura voltava. Eu adorava a pele firme e bela de James, na verdade, beleza era o que não faltava no moço, porém era pouco.

James deve estar por aí e furiosíssimo. Espumando pela boca, atrás de mim, seguindo-me, se duvidar, deve estar do lado de fora dessa delegacia, me vigiando, esperando para dar o bote e ter-me novamente a sua mercê.

Não terei paz, não enquanto James respirar e viver.

— Srta. Grant está tudo certo, estaremos a deslocando para Lincoln agora. Por aqui, por favor.

Levantei-me calma e tentei não pensar em James.

James

De longe consigo ainda avistar as poucas viaturas e o carro do IML, retiram os corpos falecidos que deduzo serem meus homens. Bastardos incompetentes! Bato com força no volante numa tentativa falha de amenizar minha fúria.

Vejo que a movimentação é pouca, poucos carros, não consigo avistar Elizabeth, devem tê-la levado, tirado-a de mim. Malditos! Por que tudo corre contra nós? Por que insistem em nos separar? Será que não entendem de amor verdadeiro? Será que Deus esqueceu de nossa união?

Ajeito meu boné e óculos dando partida no carro. Preciso encontrá-la, preciso de Elizabeth ao meu lado, não consigo prosseguir sem essa maldita mulher. Vou até o inferno se possível para tê-la novamente.

Elizabeth é minha, ninguém pode tirá-la de mim, preciso de seu amor, mesmo que forçado. Eu não entendo o que ela fez comigo, mas tem o pior de mim ao mesmo tempo que tento dá-la o melhor. Parece que aquela mulher apenas consegue tirar maldade de mim, ela me leva a loucura fazendo-me cometer coisas impensadas.

Deus sabe que tentei negar-me, mas isso rasga-me o peito pois sinto que posso morrer sem ela. Se eu morrer, ela morre junto. Ninguém vai tê-la além de mim, nunca mais.

Aposto que a mesma deve estar voltando para sua cidade natal onde pretende encontrar aquele filho duma puta desgraçado, porém dessa vez será diferente, não irei sucumbir aos encantos de minha mulher tentando ser bom para a mesma, matarei aquele homem maldito, o matarei na frente dela como prova de meu amor.

— Você é minha, Elizabeth, apenas minha.

Preciso dela, necessito dela perto, nem que seja como antes, toda amedrontada. Temendo cada passo meu e vacilando nas palavras para não me ter estressado. Gosto dela assim, sendo hesitante, tenho mais poder sobre ela desse modo.

Como a encontraram? Sinto o caminho se fechar, mas nem que seja a última coisa que eu faça vou acabar com a vida daquele miserável que roubou o amor de minha esposa, roubou-me ela de todos modos possíveis.

Pegarei de volta o que me pertence, nem que seja um corpo inerte morto, pelo menos assim saberei que morreu pra sempre minha.

— Estou chegando, meu amor.