Rotlaust Tre Fell

Sjå meg djupt I augene blå


A cadeira onde se sentava o conde estava vazia, muito ao contrário do grande salão onde ela ficava. Estava lotado de gente, guerreiros do grupo de Ragnar e outros que só estavam curiosos para o julgamento. Hazel, que se posicionou numa posição estratégica entre Floki e Torstein, também viu quando Lagertha chegou com os dois filhos, Björn, de 12 anos, e Gyda, de 9, ao mesmo tempo em que o conde Haraldson entrou ao lado de sua esposa e escoltado por homens enormes armados com lanças.

- Tragam o prisioneiro. – ele disse enquanto se sentava em seu trono. Siggy sentou-se ao lado dele. A multidão que estava no meio do salão se abriu para que Ragnar entrasse pela porta. Ele veio acompanhado de outros dois homens tão grandes quanto ele.

- Assassino! – gritou uma mulher quando Ragnar passou por ela.

- Libertem Ragnar! – gritou outra quando a multidão voltou a se fechar e o prisioneiro foi colocado no centro do semicírculo. Ele parecia tão cabisbaixo quando indignado.

- Olhem para ele, está acorrentado. – disse Björn aflito olhando para o pai.

— Está tudo bem, garoto. – Ragnar disse para o filho e forçou um sorriso.

- Estamos todos cientes da natureza sagrada de nossos deveres. – começou o conde. Avaliou as pessoas do salão com o olhar. – Está diante de nós acusado do assassinato voluntário do Knut, meu irmão. – olhava para seu prisioneiro como um inquisidor prestes a dar a sentença. Ragnar respirou fundo, tenso. – Knut, como alguns devem saber, é o filho bastardo do meu pai. Mas eu o amava como um irmão. – fez uma pausa. Hazel notou homenzinho careca e barbudo do outro dia estava lá também. – Pedi a Knut para ir com Ragnar Lothbrok para a Inglaterra, onde invadiram uma cidade e nos trouxeram muitos agrados. E enquanto invadiam essa cidade, Ragnar Lothbrok resolveu matar meu irmão friamente. – houve um murmúrio atrás de Ragnar, mas ele se manteve impassível e com sua típica expressão calma e sorridente. Lagertha remexeu-se desconfortavelmente. – É fácil imaginar porque um homem como ele faria isso. Este é um homem ambicioso. – apontou para Ragnar. – Não gosta de dividir suas cargas. E não gosta de me dever lealdade e obediência como seu comandante. – o conde irritou-se e levantou a voz, sempre apontando para Ragnar. – Este é um homem que não acredita nas nossas tradições. Este é um homem que não acredita em nossas regras. – a multidão agitou-se vigorosamente.

- Silêncio! Silêncio! – clamou o homenzinho careca, o braço direito do conde. Hazel viu, através de Ragnar, que Rollo também parecia desconfortável.

- O que tem a dizer diante de nós, sabendo que deve dizer a verdade? – o conde disse para todos naquele salão e aguardou.

- É verdade que matei Knut. – Ragnar disse calmamente. – Infelizmente, seu irmão. Mas o matei quando o peguei tentando estuprar minha esposa. – novamente houve um murmúrio. Ele se virou para a multidão. – Pergunto a todos vocês, homens livres, o que teriam feito se estivessem no meu lugar? – caminhou pelo salão encarando cada pessoa. – Teriam recuado, apoiado o culpado? – riu cinicamente.

- Não. – alguns disseram.

- Acho que não. – voltou para o conde. – E mesmo que eu já soubesse que ele era seu irmão, teria executado a mesma sentença. – Haraldson nada disse.

- Você quer que acreditemos na sua história, seriamente? – indagou o homenzinho.

- Posso confirmar a história. – disse Lagertha com lágrimas nos olhos.

- É a esposa de Ragnar Lothbrok? – o conde perguntou.

- Sou, senhor. – ela respondeu nervosa. Haraldson remexeu-se na cadeira.

- Que extraordinário que estivesse lá na mesma hora. – algumas pessoas riram. – Seu marido está mentindo. E está tão sob controle que a convenceu a mentir por ele.

- Que Thor o atinja e o mate! – ela disse mortalmente para o conde. Novamente a multidão agitou-se. Haraldson ficou indignado. O olhar de Ragnar encontrou o chão. Não, Lagertha, não, sua expressão dizia.

- O que você disse? – Haraldson perguntou com a testa franzida.

- Meu marido não matou Knut Tjodolf. – ela gritou.

- Então quem matou? – o homenzinho perguntou. Mas que inconveniente, Hazel pensou, mesmo não entendendo a história.

- Eu! Eu matei! – Lagertha disse e houve uma comoção geral. Não, Lagertha, não. – Eu o esfaqueei no coração quando tentou de toda forma de estuprar. – Siggy tinha uma expressão de desgosto.

— Um assassinato foi cometido e as únicas testemunhas são o marido e a esposa. – o homenzinho disse ironicamente e todos riram, inclusive o conde e a esposa.

- Infelizmente, não podemos saber quem cometeu o crime, porque ambos declaram tê-lo cometido. – falou Haraldson e se virou para Lagertha em seguida. – Você não matou meu irmão. Olhe para você, como poderia? Ele matou meu irmão. – apontou. – Ragnar Lothbrok matou meu irmão! – Ragnar apenas sorria.

- Temos provas. – o homenzinho disse. - Temos uma testemunha do assassinato. – Lagertha e os outros pareceram confusos. Menos Rollo, que apenas encarava o chão. Ele se apresentou ao lado do irmão alguns segundos depois. Ragnar o encarou sem expressão. - Diz que é testemunha do assassinato de Knut Tjodolf?

- Sim. – Rollo disse friamente.

- Jura em nome de sua pulseira e seu escudo? – continuou a pequena e chata criatura. O conde passou a mão pelo bigode.

- Sim, estava lá. Eu vi tudo. – Ragnar permaneceu imutável.

- Então, quem matou meu irmão? – perguntou Haraldson. Rollo virou-se para Ragnar e viu que ele o encarava sério com olhos frios, esperando sua resposta.

- Ragnar Lothbrok o matou. – respondeu. Ragnar, com ódio, virou novamente para olhar o conde.

- Friamente? – perguntou o velho.

- Não, senhor. – Rollo respondeu com a voz grave. – Por uma boa razão. O que Ragnar Lothbrok jurou é verdade. – elevou a voz para que todos pudessem ouvi-lo. Ragnar sorriu aliviado. – Seu meio-irmão foi pego estuprando uma mulher saxã. E depois tentou estuprar a esposa do Ragnar, Lagertha, a escudeira. Então, infelizmente, não pode castiga-lo. – o conde ficou atordoado, mas não demonstrou. Sorridente, Ragnar ergueu os pulsos de onde pendiam as correntes para que o libertassem.

- Então, quem tem a chave? – perguntou sarcástico. O conde nada dizia, mas por dentro fervilhava em raiva. Rollo não havia cumprido seu trato.

***

Mais tarde, Helga trouxera Hazel de volta para a casa na floresta. Floki permaneceu em Kattegat. A menina tinha uma aparência infinitamente melhor do que na noite em que chegara. Ainda não podiam se comunicar com palavras, mas Hazel deu um jeito de descobrir algumas delas em sua curta estadia.

A noite começava a cair na floresta e o lugar ia tomando vida, as cigarras cantavam alto, vagalumes dançavam pelo ar como pequenas fadas iluminando os troncos e cogumelos que cresciam, as copas das árvores formavam uma malha verde no céu que só era trespassada pelos feixes de brilho da Lua que tocavam o chão. A magia daquele lugar era algo que nunca antes Hazel havia visto, nem perto.

Ela estava do lado de fora da tenda, sentada próximo à fogueira, observando.

- Hazel! – Helga chamou do lado de dentro. A menina entrou rapidamente e a mulher indicou que se sentasse de costas no chão, na frente dela. – Então Ragnar foi solto. – ela começou a falar mais para si mesma enquanto desembaraçava os cabelos de Hazel. – Hoje vamos ao salão do Haraldson para comemorar. Acho que o padre de Ragnar vai estar lá também, você pode falar com ele. – a mulher trançava os cabelos da garota de forma ágil, duas pequenas tranças em cada lateral da cabeça e uma grande e elaborada no centro. Hazel gostaria muito de responder. Se pelo menos soubesse o que ela falava... – Vamos? – Helga se levantou e a tomou pela mão.

As duas percorreram o mesmo caminho que fizera com Floki algumas vezes, mas à noite tudo era diferente. A primeira coisa que Hazel sentira foi que parecia que seu Deus não estava ali, ela não sabia explicar, mas desde que chegou não mais se sentiu segura e protegida como uma das ovelhas do rebanho de Deus. Sentiu-se exposta a algo diferente, outras forças sobrenaturais que definitivamente não eram as que o padre dizia quando ia à missa em Hexham. Procuraria saber mais sobre isso depois.

Chegando na cidade, já podia ouvir a agitação no grande salão. Lá, viu algo que não esperava: homens, mulheres e crianças dividiam espaço e festejavam ao som de cornos, tambores e rabecas, a maioria tinha um copo de cerveja na mão, eles dançavam, jogavam e apostavam. Hazel encantou-se com a festividade e a alegria daquele povo, em nada pareciam os demônios que fizeram chacina em sua terra. Não conseguia mais sentir raiva e nem tristeza. As duas adentraram o salão e Helga cumprimentou algumas pessoas no caminho, mas se dirigia a alguém em específico. Hazel viu que esse alguém era Ragnar e sua família, a escudeira e as duas crianças que vira mais cedo no julgamento. Mas junto deles havia alguém diferente, não se parecia com os nórdicos e também não festejava, não bebia e estava sério. Era um jovem rapaz de olhos azuis brilhantes e cabelo cacheado, mas careca no topo da cabeça, como um... Cristão?! Hazel quase caiu para trás, já havia visto monges iguais a ele.

- Ragnar, Lagertha. – Helga disse sorrindo ainda tendo Hazel pela mão. Os dois sorriram de volta – Björn, Gyda. – os filhos de Ragnar acenaram para ela.

- Quem é essa? – Lagertha perguntou com semblante simpático e olhou Hazel. A menina não pôde não sorrir.

— Floki a trouxe da Inglaterra como escrava para Helga. – Ragnar comentou.

- Sim. O Nome dela é Hazel. – o cristão que estava com eles a encarou subitamente, provavelmente teve a mesma sensação de surpresa que ela momentos atrás. – Floki me disse para trazê-la até o padre.

- Deixe que conversem. – Lagertha concluiu. Helga levou a garota até ele que parecia encantado. Os dois ficaram ainda alguns segundos sem saber realmente o que fazer, então ele quebrou o silêncio.

- Criança. – ele disse e Hazel nunca pensou que sua própria língua poderia soar como mel para os ouvidos. Sentiu-se aliviada – Meu nome é Athelstan, sou um monge. – ele a tomou pelas mãos gentilmente e sorriu. Hazel quis chorar.

- Athelstan. – ela repetiu. – Graças a Deus você está aqui. – a primeira vez em tempos que falou na própria língua.

- Só pode ser a vontade divina. – ele concluiu. – Eu posso falar a língua dos nórdicos assim como a nossa, então quando lhe fizerem perguntas não se preocupe, vou ajudar. – ela sorriu.

— Não me fizeram perguntas ainda, mas tem algo que quero saber. – Athelstan aproximou-se mais dela. Ele parecia um verdadeiro santo, talvez Deus tivesse atendido suas preces.

- Me diga. – ele pediu.

- Você, como homem santo, sentiu a mesma coisa que eu? Digo, a falta de Deus nesse lugar? Não entendo... Ele deveria estar em todos os lugares e no coração de cada homem. – entristeceu-se e voltou o olhar para o chão.

- Hazel – ele levantou seu rosto com um dedo e ela voltou a olhá-lo. – Deus está em todos os lugares, mas aqui eles não o aceitam, adoram falsos deuses, por isso você se sente desprotegida. Mas não está, nunca esteve. – concluiu. Hazel assentiu contente.

Deus atendeu as suas preces e Athelstan era a prova disso.