Rotlaust Tre Fell

Hugs, ta ikkje meir enn du orkar å bere


Thor poderia estar confuso. Não havia tempestade, mas o mar estava revolto e inquieto, como se o deus ainda decidisse estar ou não a favor de Ragnar e seus guerreiros.

Era o que Floki pensava enquanto observava o céu estrelado. Sentado na cabeça da grande serpente de carvalho que ele mesmo havia entalhado, perguntava-se o que os deuses haviam reservado como consequência daquela incursão e da anterior. A princípio, eles os favoreciam, o saque havia sido proveitoso e haviam trazido ainda mais escravos que da última vez, pois quase todos os padres morreram de fome, sede, doenças ou mesmo desgosto e tristeza. Que Deus fraco eles têm!, pensou.

Quase chegando a Kattegat, observava a paisagem à sua volta, mesmo na escuridão, a luz prateada e oblíqua da lua nova proporcionava uma visão acalentadora de que tudo havia dado certo e agora ele estava em casa. Havia um rastro de ondas prateadas no mar negro e aveludado. Fechou os olhos e ainda assim podia ver as montanhas nevadas, o vale, a baía, a floresta e Odin sorridente com seu chapéu largo e o cajado.

E podia ver Helga. Doce, doce Helga. Linda como só ela era. Contaria todas as suas façanhas quando chegasse.

Então se lembrou da garota que havia tomado na Inglaterra. Olhou para trás e ela estava dormindo encostada no casco do navio, com as mãos atadas, já que Rollo havia insistido, mesmo não vendo nenhuma necessidade. Conseguia ver a dor em de seu rosto, mesmo adormecida.

Com um salto, desceu da cabeça da serpente e, cambaleando com o balanço do navio, foi caminhando de uma maneira torta até ela para ter certeza de que estava bem, apesar da péssima aparência. Fora os remadores, quase todos dormiam no barco, menos ele e Ragnar, que observava o horizonte apoiado ao mastro.

— Ainda acordado? – perguntou Floki ao passar por ele.

— Pergunto o mesmo. – o amigo respondeu em tom de brincadeira. – Não posso dormir.

— E por que não? Já estamos em casa. – disse enquanto balançava os braços no ar exageradamente.

— Quem sabe o que os deuses ainda reservam para nós, meu amigo? – Ragnar sorriu.

— Mas este foi muito fácil! – disse Floki referindo-se ao saque.

— Foi fácil, mas os soldados do rei Aelle não darão trégua quando pisarmos na Inglaterra novamente.

Quando os vikings voltaram para os barcos, foram surpreendidos por uma centena de soldados ingleses prontos para aniquilá-los. Com um saldo de apenas uma baixa, os nórdicos obviamente prevaleceram sobre os ingleses, só não tendo matado o comandante da tropa e confidente do rei Aelle, que fugiu a cavalo.

— Você se cobra demais. – concluiu Floki. Ragnar deu um pequeno sorriso. Floki abriu a boca para falar mais alguma coisa, mas pensou e se calou. Momento depois se virou para Ragnar que o observava curioso.

— Acha que fiz certo, Ragnar? – perguntou intrigado.

— Do que está falando?

— Veja. – olhou para Hazel e depois para Ragnar novamente, que sempre mantinha a mesma expressão calma e risonha, como se nem mesmo a ira de Fenrir pudesse atormentá-lo – Não acha que eu deveria tê-la deixado lá? Matado-a? Não matei a mãe, mas talvez tivesse sido melhor. – deu um sorriso torto, porém triste.

— Entendo porque não quis matá-las e concordo com você, não havia necessidade. Não somos monstros. – apontou para Rollo – Pelo menos não alguns de nós. – Riram. Com um salto, ficou mais perto de Floki. O barco balançou e alguns dos que dormiam se remexeram incomodados. – Veja. – Ragnar apanhou uma moeda cunhada com o rosto de Aelle do bolso e brincou com ela nos dedos – Temos duas possibilidades: a primeira, ela fica na cidade com a mãe e cresce com medo, talvez ambas morram após do ataque. A segunda, ela fica conosco, aprende nossos meios e, mesmo escrava, leva uma vida boa. – fez uma pausa – Nenhuma criança terá mãe para sempre. Além do mais, ela está viva, não há porque se culpar, Floki. – Ragnar colocou uma mão no ombro do amigo e sacudiu-o, sorrindo. Floki deu uma risada aguda.

— Helga ficará feliz. – sua expressão mudou repentinamente e um sorriso virou um olhar sério e desconfiado – E o padre?

— O que tem?

— Por que o trouxe? – perguntou. Ragnar sorriu e ajeitou o cinto.

— Não sei. Gostei dele. – apontou para Hazel que dormia – Quem sabe eles não falam a mesma língua? Seria bom. – Floki assentiu. Não gostava daquele padre de jeito nenhum.

***

Os raios pálidos do Sol começavam a riscar o céu rosado e alaranjado da alvorada em Kattegat quando a frota de Ragnar estava a poucos metros do porto. Todos já estavam acordados e ansiosos pela volta.

— Arne, soe a corneta! – Ragnar gritou. O homem baixinho com o tapa-olho levantou-se e soprou o enorme chifre, anunciando a todos a chegada deles. O povo de Kattegat começou a aglomerar-se no porto e aos poucos iam aparecendo maridos e esposas, filhos e filhas, pais e mães, irmãos e irmãs, todos que tinham um guerreiro ao lado de Ragnar Lothbrok. As pessoas acenavam e gritavam.

Primeiro, as serpentes de carvalho afundaram na areia branca da baía de Kattegat. Então, dezenas de guerreiros pulavam dos barcos e aterrissavam pesadamente na água clara do mar, molhando o couro de suas roupas e tingindo a órbita ao redor de suas pernas de vermelho suave, proveniente do sangue derramado na Inglaterra, seco em seus corpos e agora dissolvido no mar nórdico.

Hazel, como os outros escravos, estava acorrentada pela garganta e ia sendo levada por um dos homens, ruivo e provavelmente duas vezes mais largo que aquele que a capturara em casa. Pensou em sua mãe e teve vontade de chorar, mas confortou-se um pouco ao saber que ela estava viva. Provavelmente.

A fome e a sede lhe corroíam e ela ansiava por uma refeição decente e alguns copos d’água, provavelmente morreria caso não os tivesse mesmo. Suas roupas, assim como seu cabelo e pele, estavam imundas e um banho seria perfeito naquelas condições. Mal conseguia andar e notou vários machucados pelo corpo, a pele estava pálida e seca, assim como a boca que sangrava. Podia sentir o gosto salgado do mar em seus lábios.

— Vamos! – disse o nórdico ruivo e deu um puxão na corrente que quase fez Hazel cair.

À medida que caminhavam por Kattegat e carregavam o saque em direção ao grande salão do conde Haraldson, uma multidão se formava ao redor do grupo de Ragnar, felicitando-os. Alguns que encontravam entes queridos iam ficando pelo caminho enquanto o resto seguia. À frente, ia Ragnar, sorridente e calmo, carregando uma bolsa cheia de peças valiosas e sua esposa Lagertha, exímia escudeira e tão mortal e feroz quanto qualquer um daqueles homens. O ruivo que levava os escravos ia bem atrás de Lagertha e, mesmo com todo aquele tamanho, Hazel pode vê-la através dele, via seus longos cabelos platinados trançados, suas botas negras e o colete de couro fervido por cima da cota de malha. Seu escudo e espadas, manchado de sangue saxão, ela ostentava. A garota ficara encantada, não havia mulheres assim em Hexham.

O grupo parou em frente a uma grande construção de madeira que se elevava por meio de uma escada que ia até duas grandes portas que estavam abertas. De lá, saíram mais guerreiros, estes protegiam um homem velho que vestia uma capa negra adornada com pelos do que um dia fora uma raposa e uma grande presilha, suas roupas de couro estavam impecáveis. Um homem muito feio, pensou Hazel, esgueirando-se para ver o que acontecia. Era o conde Haraldson. Ele com certeza era importante, pensou a menina, mas parecia constantemente insatisfeito com algo pela sua expressão, a pele flácida e as bochechas caídas eram contornadas por cabelos longos e meio grisalhos. Caminhou até Ragnar, examinando com o olhar cada um dos ali presentes.

— Ragnar Lothbrok, meu amigo. – disse ele, soando nem um pouco convincente. – Como foi sua viagem? Um sucesso, espero, pelo bem de todos. – Ragnar depositou no chão o enorme saco que carregava nas costas. O homem velho e outro baixinho e careca que estava ao seu lado examinaram-no com disfarçado desprezo.

— Os saxões nos atacaram quando voltávamos para o barco, com grande força. – disse Ragnar e fez uma pausa, observando seus guerreiros atrás de si – Mas nós os derrotamos! – exclamou e todos comemoraram. Menos o conde, que forçou empatia.

— É o homem que o povo diz que é. – Ragnar o observava com atenção – Um grande aventureiro, e fico feliz em congratular seus feitos e compartilhar os lucros da sua invasão. – Ragnar hesitou. O conde inclinou-se para observar o grupo. – Mas não vejo meu amigo, Knut. Onde ele está?

— Knut está morto. – disse Ragnar seriamente.

— Morto? – repetiu o conde. – Morreu em batalha?

— Não. – o viking respondeu.

— Então como ele morreu? – o conde estava inquieto.

— Eu o matei. – Ragnar disse e houve uma surpresa geral da multidão em volta. Hazel, mesmo sem entender o contexto, percebeu Lagertha nervosa.

— Você o matou. – disse o conde enquanto fitava-o – Por qual motivo? – exigiu. Floki, Rollo e todos os outros observavam Ragnar vendo até onde queria chegar, sabiam que não dizia a verdade.

— Porque tentou estuprar minha esposa, Lagertha. – disse com firmeza.

— Acho muito conveniente que arrume uma desculpa para matar meu amigo e meu representante na sua viagem. – a tensão era tanta que poderia quase ser tangível. Hazel sentia. – O que achou que conseguiria ao se livrar dele?

— Não esperava conseguir nada.

— Não acredito em você. – o conde fez sinal para o homem baixinho ao seu lado, depois se virou para trás e foi embora. - Prendam-no. – disse ele. Imediatamente, guerreiros do conde avançaram para cima de Ragnar e agarraram-no enquanto seu próprio grupo, em vão, tentava livrá-lo.

— Meu senhor! – gritou Ragnar, preso pelos braços. O conde se virou para olhá-lo – Não faria o mesmo se fosse por sua esposa, Siggy? – Haraldson ignorou-o e caminhou de volta para o salão. Floki partiu para cima de um dos homens que prendiam Ragnar e colocou uma faca em sua garganta.

- Aconselho a todos que não cometam essas ações. – disse o homem baixinho. O sangue de Floki fervia em raiva e ele respirava ofegante – Não há como prevalecerem.

— Floki. – Ragnar disse sem olhá-lo. Lentamente, ele afastou-se do homem do conde.

— Tragam-no. – disse o homenzinho.

— Ragnar! Ragnar! – Lagertha gritava e tentava alcançá-lo, em vão, pois foi impedida por mais homens de Haraldson. Ragnar Lothbrok foi preso.