Semanas após a mudança, nossa casa já estava arrumada. Aquela sala que o meu pai me deu foi transformado em um quarto de lazer. O organizei com um piano, um sofá, uma poltrona, um grande tapete vermelho escuro e uma cadeira solitária que é usada para eu alcançar o sótão, onde guardo as minhas coisas velhas, como roupas, brinquedos e lembranças da minha infância. Normal...

Acordei com o barulho do órgão musical do meu pai. Ele costuma tocar de manhã... E de noite. E o barulho sempre me acorda. Agora que a sala de trabalho dele fica ao lado do meu quarto, está garantido que irei acordar cedo mais vezes. Mas isso não é importante.

O que importa é que hoje é o meu primeiro dia de aula. Não estou muito ansiosa. Tudo bem, talvez um pouco, mas é bom deixar esse tipo de sentimento de lado quando você se recusa a parecer um gatinho assustado no seu primeiro dia. Resolvi me apressar para me vestir. Coloquei uma camisa branca de abotoaduras e um colete preto por cima, uma calça escura e botas da mesma cor. Fui pentear o meu cabelo, que é curto e escuro, um pouco acima dos ombros. Uma franja caía sobre o meu olho, o qual eu escondo com a minha máscara branca. Após me arrumar, eu dei uma olhada no espelho da minha penteadeira. Devo dizer que eu lembro muito o meu pai, só que mais baixa, sem músculos e na versão feminina. Peguei a minha mochila e andei até chegar à sua sala.

Lá estava ele, tocando órgão.

— Pai! – Uma única palavra o fez largar as teclas do instrumento, olhar pra mim e sorrir. – Eu vou tomar o café da manhã e depois vou sair.

— Claro, meu anjo. Tem certeza de que não quer que eu vá com você?

— Tenho sim. Você precisa trabalhar e, além disso, eu sei me virar.

— Eu entendo. Boa sorte no primeiro dia.

— Obrigada, pai. Bom trabalho. – Sorri pra ele e depois desci.

Após tomar uma boa xícara de café e comer um sanduíche, eu saí de casa. Com passos apressados, caminhei pela calçada, observando muitos jovens andando pelo mesmo caminho. De acordo com o senhor Fiction, só havia uma escola na cidade, então não fica difícil adivinhar que todos estavam indo para o mesmo lugar.

Finalmente cheguei ao local. Era grande, com muitos alunos. Parecia até uma faculdade de tão enorme que era. Não sei como descrever. Deixe-me ver... Era praticamente uma mansão com paredes brancas, telhado vermelho claro, muitas janelas, mostrando ter três andares, e dá para ver uma árvore ou outra perto da escola. Acho que dá para descrever mais quando eu estiver dentro dela.

— Rosete! – Ouvi uma voz masculina me chamar.

Olhei para o lado e vi um loiro conhecido se aproximar de mim, ofegante. Ele usava um casaco azul com detalhes brancos, calça esbranquiçada e sapatos marrons.

— Bertoli?

— Oi. Eu não a vi... Depois daquele dia. – Ele disse, enquanto tentava recuperar o ar.

— Bom... É que eu não saio muito de casa.

— Eu entendo.

— Por que veio às pressas? Nem estamos atrasados...

— Quando se mora naquela casa, o seu principal objetivo é sair antes que seus avôs acordem.

— Eu entendo. – Sorri. - Foi uma briga tão feia assim?

— Nem me fale. O vovô Capuleto ia jogar o vaso de flores favorito da minha mãe na cabeça do vovô Montecchio.

— E por que eles brigaram?

— Porque o vovô Capuleto disse que é culpa do meu pai o fato da minha mãe estar doente.

— E ela está?

— Não, mas... Ela anda vomitando demais, sente tonturas e já desmaiou uma vez.

— Já pensou em levá-la ao médico?

— Meus pais já descobriram o que ela tem.

— E o que é?

— Ela está grávida.

Sorri com a notícia.

— Bertoli, parabéns!

— Obrigado.

— Seus avôs devem estar... Felizes.

— Se ‘’felizes’’ significa ‘’ele vai ser meu neto’’, ‘’não, Montecchio! Será meu neto’’, então tem razão. – Brincou, tentando fazer o tom de voz dos avôs.

— Sinceramente, achei que essa briga entre famílias tivesse chegado ao fim há anos.

— Velhos hábitos não mudam. E você? Como é a sua família? Aposto que é melhor do que a minha.

— É uma família de duas pessoas: Eu e meu pai.

— E a sua mãe?

— Ela morreu quando eu nasci.

— Ah! Eu sinto muito. – Disse o loiro, arrependido por ter tocado no assunto.

— Tudo bem, Bertoli. Você não sabia. Além disso, eu não a conheço. Prefiro não comentar sobre isso. É melhor pra mim e para o meu pai.

— Entendo. – Ficamos calados por uns dois minutos. Eu olhava os alunos entrarem na escola e Bertoli, tímido, encarava os próprios pés. Até perceber que ainda estávamos fora. - Vamos entrar?

— Por que não?

Nós entramos e nos deparamos com longos corredores de paredes brancas, mais janelas e portas, provavelmente das salas de aula. Havia vários alunos por todos os lugares. Isso me deixava com um aperto no peito.

— Eu detesto isso. – Comentei.

— O que?

— Lugares cheios. Incomoda-me.

— Podemos ir para um lugar mais reservado. Vem comigo. – Ele me segurou pelo pulso, mas eu me soltei na hora, fazendo-o se assustar com o meu ato. – Oh! Des... Desculpe...

— Não, eu que devo desculpar, Bertoli. Eu tenho problemas com esse tipo de coisa. Você não sabia e eu fui rude. Perdão. - Ele me encarou com pena e com preocupação. Ficou calado, pois não sabia o que dizer. – O lugar aonde você ia nos levar. Onde fica?

— Ah é! Siga-me. – O loiro começou a andar e eu fui atrás.

Após sobreviver na multidão de alunos, nós entramos em uma sala. Era normal, muitas mesas de alunos, uma para o professor na frente e um quadro negro.

— É difícil quando se chega nesse horário.

— Eu percebi. – Andei até uma das mesas e me sentei.

— Sabe, a escola não é tão ruim. Os professores são simpáticos e os alunos... Bem...

— Eu entendo que cada um tem a sua personalidade marcante.

— Você nem imagina.

— Onde estão os seus amigos?

— Bom... É difícil de explicar... – Ele parecia meio envergonhado.

— Você não tem amigos?

— Não.

— Não tem problema. Eu também não tenho.

— Sério?

— É.

— Mas você parece ser tão confiante...

— Mas eu sou reservada. Eu devia estar surpresa por você não ter nenhum amigo, Bertoli. Além de ser filho de duas pessoas muito famosas, você é educado e gentil.

— Você acha? – Perguntou lisonjeado, com as bochechas coradas.

Que fofo.

— Então... Como é ser filho do casal mais romântico da história? – Perguntei.

— É agitada. Principalmente quando os dois lados da família resolvem morar na mesma casa.

— Por que não tem uma casa só pra você, seu pai e sua mãe?

— Era assim em Verona. Tínhamos uma casa que foi presente dos meus avôs, como um pedido de perdão por tudo o que os meus pais passaram. Mas a nossa casa era perto de ambas as famílias. Como os meus pais eram adolescentes na época, eles deram um jeito para terem momentos a sós e também para estarem próximos da família. Quando resolvemos nos mudar, descobrimos que não haveria uma casa para os meus pais, outra para os Montecchios e outra para os Capuletos, então aceitamos a morar todos juntos, apesar das brigas infantis dos meus avôs.

— Por que não construíram uma casa pra eles? A cidade parece ter espaço o bastante.

— O tal Dante Fiction disse que, na situação da minha família, só poderá fazer uma casa pra mim no futuro. Como se nós, descendentes, tivéssemos esse direito e os nosso parentes não. Quando você crescer e quiser ter a sua própria casa, creio que farão uma pra você nessa cidade.

— Isso é um tipo de regra desse Dante Fiction?

— Acho que sim.

— O que sabe sobre ele?

— Nada. Ele diz que ‘’manda aqui’’. – Bertoli fez aspas com as mãos.

— Deve ser um tipo de dono da cidade ou sei lá.

— Talvez. Mas, voltando ao assunto, como é ser filha do Fantasma da Ópera?

— É calmo. A sua vida é um mistério. Eu respeito os segredos do meu pai e ele respeita os meus. Apesar de que costumamos contar tudo um para o outro, pois sabemos que há segredos que machucam.

— E a sua máscara? É tipo uma tradição de família?

— Não. – Toquei na minha máscara. – É complicado.

— Desculpe. Você tem tipo... A mesma coisa que o Fantasma tem?

— Deformação?

— Desculpe se estou perguntando demais!

— Não está. E respondendo a sua pergunta, eu não sou deformada. Apesar de que isso... – Apontei para a minha própria máscara. -... Praticamente me detonou.

— Eu entendo.

Ouvimos o sinal tocar.

— A aula vai começar. Temos que ver onde fica as nossas salas! – Ele se desesperou.

— Acalme-se, Montecchio. Faremos isso rápido e entraremos na sala antes do professor.

— Certo.

Saímos da sala e andamos pelos corredores com dificuldade, pois é muito aluno no caminho. Eu e Bertoli descobrimos que estamos no mesmo ano e na mesma sala, para a felicidade do loiro. É um coitado solitário, mas fofo. Apressamos-nos e encontramos a sala, que era a terceira porta do segundo andar. Por incrível que pareça, havia apenas três alunos lá.

— Chegamos cedo. – Disse o loiro, aliviado.

— Eu disse que chegaríamos. – Eu me sentei na primeira mesa encostada na parede em frente à porta. Bertoli sentou-se atrás de mim. - Que aula é a primeira?

— Não faço a mínima ideia.

Toda vez que a porta se abria, um aluno ou um grupo de amigos inteiro entrava. Eu e Bertoli sempre acreditávamos que poderia ser o professor, mas errávamos.

Até que dois rapazes entraram. Um tinha pele pálida, seu cabelo era negro e bagunçado e seus olhos eram azuis escuros. O que mais me chamou atenção foram as suas roupas. Pareciam antigas, mas muito bonitas. Usava um casaco azul, como os seus olhos, com alguns detalhes brancos nas mangas compridas e na gola. Sua calça era escura e usava botas marrons. O outro era da mesma altura que o primeiro, só que a sua pele era mais rosada, seu corpo era muito magro, tem olhos escuros, o cabelo era curto e castanho claro e tinha um nariz um pouco arrebitado. Usava um casaco e calça verde escuros com uma gravata vermelha e sapatos marrons.

— Aquele de cabelo escuro é Phelipe Knight, o filho do Cavaleiro-Sem-Cabeça. – Disse Bertoli, sussurrando.

— Sério?

— Sério. Olha a linha em volta do pescoço dele. A cabeça cai ás vezes.

— Deve ser engraçado... E sobrenatural.

— Pois é.

— E o outro?

— Owen Crane, filho do Professor Ichabod Crane.

— Ichabod Crane trabalha aqui?

— Sim. Ele saiu de Sleepy Hollow após ser perseguido pelo Cavaleiro. Creio que, até hoje, os habitantes de lá acreditam que ele deve ter morrido.

— Interessante.

— E não é?! – Uma voz falou atrás de mim, nos assustando.

Era o filho do Cavaleiro.

— Knight! Não tem nada melhor pra fazer do que assustar os outros? – Perguntou Bertoli, se recuperando do susto.

— Foi essa a intenção. Vocês falavam de mim, não é?!

— Bertoli está me apresentando a alguns colegas.

— Ah! Você é novata!

— Sou. Meu nome é Rosete Le Roux.

— Eu sou Phelipe Knight! Prazer em conhecê-la! Adorei a máscara! Faz você parecer misteriosa!

— Phelipe! – O outro de cabelo castanho chamou.

— Olá. – Cumprimentei. – Você é o Crane, não é?

— Owen Crane. – O rapaz me encarava seriamente enquanto pegava a mão do Knight. Um ato de ciúme, eu presumo.

— Ah sim! Estávamos falando de você também. – Comentei sem mudar de expressão.

— Vocês estão juntos? – Perguntou Bertoli.

— Não é demais?! – Phelipe abriu um grande sorriso alegre.

— Parece um casal fofo. – Falei.

— Eu concordo.

— Vamos nos sentar, Phelipe? – Perguntou o Crane, ciumento, enquanto puxava o filho do Cavaleiro-Sem-Cabeça para as cadeiras lá atrás.

— Nunca pensei que veria o Phelipe com o Owen. O Crane sempre o desprezou por causa do que aconteceu com o seu pai por culpa do Cavaleiro.

— Eu entendo. Creio que é normal encontrar problemas assim nessa cidade.

— Pior que é. Eu sofro isso lá em casa.

— Entendo.

Então, após conversar muito enquanto esperávamos pelo professor, entrou um rapaz que me chamou atenção. Ele tem cabelo castanho e um pouco longo, a ponto de ser amarrado por uma fita, seus olhos eram cor-de-mel. Vestia-se elegantemente: Uma camisa branca com uma jaqueta preta por cima. Sua calça e sapatos também são pretos.

— Chegou o jovem visconde.