Passo a passo, procurando conter sua ansiedade, Mileena se aproximava da biblioteca. Por fora, a biblioteca se parecia um casarão simples, feito de pedras polidas e argamassa, com uma grande porta de madeira e janelas; em ambos os lados da entrada estavam alguns guardas, que conversavam despreocupadamente, mas logo dirigiram sua atenção para a moça. Naquela hora, Mileena temeu que vissem sua manopla e começassem a interrogá-la e ela logo tentou dar uma desculpa, exibindo o livro que carregava.

Mileena: Eu só vim devolver esse livro aqui; eu achei no caminho.

Felizmente, os guardas só deram atenção para a beleza de Mileena e a deixaram entrar, sem importuná-la demais. Ela entrou na biblioteca, respirando aliviada, mas quando inalou o ar de lá, sentiu um incômodo odor de mofo, como se o local estivesse trancafiado há muito tempo, o que, pelo o que ela estava vendo, não era o caso. Havia várias estantes grandes contendo uma boa diversidade de livros, embora algumas divisões estivessem vazias. A frente dessas estantes, estavam algumas mesas espalhadas. Havia ainda algumas poucas pessoas sentadas às mesas, cada uma lendo um livro. Ao lado direito da entrada ficava um pequeno balcão, onde uma garota de baixa estatura tentava organizar os livros que tirava de uma grande pilha. Ela tinha cabelos negros e curtos com uma presilha em forma de lua crescente, óculos grandes de lentes redondas e uma cara de pouquíssimos amigos. Mileena se dirigiu a ela.

?????: Aff... Como eu odeio meu trabalho...

Mileena: Com licença. Você é a bibliotecária?

?????: Não, sou a pedreira.

Diante do extremo sarcasmo da garota, Mileena ficou calada por um momento. Reparando em sua altura pouco avantajada, a moça de manopla resolveu reagir à altura.

Mileena: É, tô vendo. Deve dar muito trabalho construir casa de boneca, não?

?????: ESCUTA AQUI, SUA P...

"SHHHHH!"

As pessoas da biblioteca reagiram ao grito num imediatismo tão assombroso que até Mileena se surpreendeu. A garota de óculos acabou por se aquietar.

Mileena: Olha, eu sei que você tá frustrada por causa do roubo, mas não desconte dos outros, tá? Assim, você só vai espantar seus clientes.

?????: Aff... Sim, sou a bibliotecária. Carly Patch. E você, quer o quê?

Mileena pôs o diário em cima do balcão. Carly reconheceu o livro de pronto.

Carly: Onde achou isso?

Mileena: Na rua. O ladrão que veio aqui deve ter deixado cair na fuga.

Carly: Na verdade, foi uma ladra. De qualquer forma, obrigada por...

Carly ia pegar o diário, mas, antes que pudesse, Mileena o puxou de volta para si. Embora esse ato tenha piorado o humor da pequena bibliotecária, ela ficou calada, esperando Mileena se explicar.

Mileena: Antes, quero saber de algumas informações.

Carly: Sobre o quê?

Mileena: Você tem outros livros similares a esse aqui?

Carly: Tinha. Uma coleção deles. Ficavam na estante no final da biblioteca, quina esquerda, prateleira mais alta. Todos foram levados essa manhã. Uma pena.

Mileena: Entendo... Nesse caso, estou disposta a oferecer meus serviços à você.

Carly: Como assim?

Mileena: Sou uma caçadora de recompensas. Estou disposta a pegar essa ladra pra você.

Carly: Era só o que me faltava... Onde tem cadáver, tem que ter urubu, né? Olha aqui, queridinha, tira o seu cavalinho da chuva que hoje eu tô sem dinheiro!

Mileena: Não tem problema. Eu não quero dinheiro.

Carly: Quer o quê então?

Mileena: Tenho uma proposta pra você. Eu pego a ladra, trago todos os livros que ela roubou e, como pagamento, você me dá todos os livros dessa coleção aí.

Carly: Er... Isso é sério?

Mileena: Muito.

Carly estava tentada com a oferta, mas ela não podia deixar de desconfiar. Aquela coleção inteira não valia nem cem moedas de ouro, longe de ser uma recompensa até mesmo para bandidos de baixa periculosidade. Era de se estranhar que alguém vindo do nada fosse se interessar por uma coleção de livros que não tinha nada de grandioso ou, pelo menos, aparentava não ter. Porém, enquanto ela ponderava nisso, uma figura peculiar se adentrou na biblioteca.

!!!!!: Posso saber sobre o que a grande musa e a pequena donzela conversam?

As duas moças olharam para o sujeito que lhes dirigiu a palavra. Era um homem de armadura negra com grandes protetores de ombro e projeções que pareciam escamas de peixe; ele tinha esplêndida aparência e cabelos curtos e loiros dispostos para cima. Enquanto Mileena torcia os lábios em descontentamento, Carly teve um princípio de êxtase, pois ver um Combatente Real em pessoa estava muito longe de ser uma coisa corriqueira em Sortiny.

Carly: U-Um Combatente Real? Aqui, na minha biblioteca? E esse lindo tá me chamando de donzela? Ai, Adriel, me belisque... Eu tô sonhando, só pode...

Mileena: Ora, se não o cara com a língua mais escorregadia do reino, Fileo.

Fileo: Que é isso, minha musa? Sou tão desagradável assim para você?

Mileena: Nem queira saber a minha resposta...

Carly: Você é louca, por acaso?! Como é que você fala assim com um Combatente Real?!

Mileena: Sossega, "pouca sombra". E você, que veio fazer aqui?

Fileo: Pra falar a verdade, eu estava na vila apenas a passeio. Eu iria te visitar na taverna, mas eu soube do roubo e decidi vir aqui ver como os guardas estavam cuidando do assunto. Francamente, não esperava ver minha musa aqui. Aliás, o que a minha musa veio fazer até aqui?

Mileena: Não é da sua conta.

Carly: Ela quer pegar a ladra que veio aqui em troca de alguns dos meus livros.

Mileena: ...

Fileo: Livros? Isso é sério?

Mileena: Sim e, como eu disse antes, não é da sua conta.

Fileo: Isso é maldade, minha musa... Eu entendo que você tenha o direito de cobrar pelos seus serviços, mas não precisa chegar a esse ponto, precisa? Afinal, você ficou muito bem de vida recentemente, não é?

O comentário de Fileo fez Mileena sentir um frio na espinha, pois ele deu a entender que já sabia do que houve em Rabiphit e sabia que ela estava envolvida, mesmo estando tão longe de lá. A moça procurou reagir de forma natural para não levantar mais suspeitas.

Mileena: E você continua muito bisbilhoteiro, não é?

Fileo: É um dos meus poucos pecados. De qualquer forma, pequena donzela, não se preocupe. Eu, Fileo, Combatente Real, protegerei esta biblioteca enquanto estiver aqui. Comigo aqui, o meliante pensará duas vezes antes de invadir este local novamente.

Carly: Eu... Eu não acredito! Você vai me ajudar?! Er... Você não vai me cobrar nada, vai? É que eu não tenho dinheiro agora...

Fileo: Ora, seria muita maldade minha te cobrar algo na situação em que está. Além do mais, é dever de um Combatente Real dar assistência aos necessitados e, obviamente, a uma pequena e linda donzela como você.

Carly nem precisou pensar duas vezes. Ela se virou para Mileena e, plenamente expressando em seu rosto todo o seu deboche, deu a sua palavra final.

Carly: Então... Foi mal, queridinha, mas a "pouca sombra" aqui vai recusar sua oferta. Sinto muito.