Acordei bem melhor no dia seguinte. Bê pelo contrário parecia que estava a dois dias sem dormir. Nem mesmo teve pique para fazer o café, estava sentado na cadeira encarando fixamente a parede parecendo que a qualquer momento o sono poderia se apoderar da sua consciência.
—pesadelos?
—sim, mas nada para se preocupar
—Como não?- disse lhe dando um abraço por trás, beijei sua cabeça e me sentei na cadeira ao lado servindo-lhe café.- Não é saudável você ficar acordando toda noite, quer ficar aqui e dormir um pouco?
—Não, eu vou com você, tudo que preciso é uma xícara de café, ou duas...
Fiz um cafuné em sua cabeça e não discuti. Claro que eu preferia que ele ficasse em casa, contudo ele era teimoso, e não queria discutir com ele naquele estado
—tudo bem, mas eu dirijo, nem pensar em você pegar no volante assim, sabe que se quiser ficar tudo bem
Deixei-o tomando café e fui terminar de me arrumar. Não conseguia parar de pensar no porquê de ele andar tendo esses pesadelos, afinal, não é muito normal ter isso sempre. Será que eu deveria comentar com Cristina, a mãe dele?
Peguei as chaves e o esperei na sala, ele parecia melhor após lavar o rosto, ele me deu um beijo na bochecha e fomos para o elevador de mãos dadas.
Entramos no carro e me deu um frio na barriga
—olha, eu sei que eu falei com muita convicção que eu iria dirigir, mas agora acho que estou um pouco nervosa, nunca peguei seu carro antes
—o pior é sair do estacionamento, se conseguir isso já pode ficar tranqüila
Não respirei até o carro passar pelo portão de saída, vi de canto de olho que Bê se divertia com meu desespero
—Sem nenhum arranhão, ainda bem
—tirando as marcas de unhas cravadas no volante
—haha, engraçadinho!
Depois disso dirigi tranquilamente até o cursinho, no final das contas eu era uma boa motorista, mas acho que qualquer risco no carro de Bê custaria o preço de uma casa para arrumar.
Bê dormiu duas aulas seguidas sem acordar, não conseguia entender como isso era possível principalmente com o barulho da troca de aula,acordou faltando cinco minutos para o intervalo
—e ai?- ele disse meio sonolento quando acordou
—ressuscitou? Por que já estava pronta para fazer uma reanimação em você, dormiu feito pedra!
Ele se espreguiçou, parecia um gato acabando de acordar, era tão fofo que quis apertar sua bochecha, mas me contive
—e então? O que quer fazer agora?
—vamos procurar o pessoal da outra sala
Saímos em busca de Bruna, Thiago e Vanessa. Foi Thiago quem encontramos primeiro voltando da cantina, ele nos cumprimentou:
—bom dia, como vão??
—tudo em ordem e você??
—que animação é essa?
—quero saber, você, Vanessa, algum avanço??
Ele ficou vermelho e desviou o olhar imediatamente, ele não era o garoto mais bonito da escola, era de uma beleza simples, daquelas que você tem que parar e olhar para notá-la, mas depois que se nota é impossível ignorá-la. Quando agia assim timidamente deixava-a nítida.
—ah...sei la, ontem não consegui falar com ela direito, adivinha quem começou a notá-la? Rebecca, ela chamou Vanessa para conversar e parece que Vanessa gostou da promoção social proporcionada
E os problemas não acabavam, será possível que Rebecca não se cansa? Todos já se acostumaram a ver eu e Bê como um casal, só ela quem recusa a aceitar
—sinto muito... quem sabe não deve ser só uma fase?
—é, quem sabe...
Dei um olhar para Bê esperando que ele tivesse algum sábio conselho para dar a Thiago, entretanto ele nem estava prestando atenção no que conversávamos, se concentrando em mexer no celular
—Bê??
—Vou ter que ligar para meu pai, você fica aqui com Thiago um pouco?
—Fico, pode ir
Algo estava acontecendo, e pela expressão de Bê era sério, talvez essas preocupações é a causa de ele dormir tão mal.
—E como estão as coisas no paraíso?
—paraíso? Quem sabe depois que eu passar e me livrar do cursinho realmente eu viva nele!
—Ah, mas pelo menos você já esta no caminho
—sim, pelo menos isso, e a Bruna? Onde está?
—talvez na sala, não tenho certeza
—sabe, estou preocupada com o Bê, ele anda tendo uns pesadelos. Hoje de manhã parecia que ele havia passado a noite em claro, acha que eu devia comentar algo com a mãe dele?
—a mãe dele?
—sim, eu a conheci, ela é um amor
—bom, as vezes ter pesadelos é normal, agora se vêm acontecendo com muita freqüência...sei lá, não entendo muito dessas coisas
Refleti um pouco do assunto até que Bê voltou
—tudo bem?
—sim, nada demais, você não vai comer nada?
—deixei meu lanche na sala a hora que voltarmos eu como.
O resto do dia foi tranqüilo, não vi Vanessa nem Rebecca, só Matheus passou por nós uma hora nos cumprimentando, Bê não deixou de ser cordial, mas foi apenas isso quando respondeu o cumprimento.
—você esta melhor Bê?
—o suficiente, olha, eu vou ter que resolver uns assuntos, se importa de ficar aqui no apartamento sozinha?
—não, tudo bem, pode ir
Assim que ele saiu o apartamento mudou totalmente, estava solitário. Fui para meu quarto, abri o caderno e tentei estudar, comecei por exatas, onde minha concentração sempre era melhor, quando terminei de por em dia matemática já eram 19h e Bê não tinha chegado. Resolvi tentar fazer o jantar para me distrair, liguei a TV para não me sentir muito sozinha, já ajudava um pouco. Como eu não era uma cozinheira muito boa resolvi fazer algo que tenho prática, um macarrão ao molho branco.
O macarrão já estava cozido quando Bê chegou, mas eu ainda estava terminando o molho. Qual não foi minha surpresa quando vi uma caixa de pizza nas mãos dele.
—oh oh!-exclamou ele ao me ver em ação na cozinha enquanto ele segurava a pizza
—só para esclarecer, você me mandou alguma mensagem avisando que havia pegado uma pizza?
—na verdade não, eu não imaginei que você ia fazer algo
—ok, nosso primeiro mal entendido... Vamos aprender com isso e pensar em uma solução para toda essa comida
Ele ficou um pouco átono perante a situação, com certeza ele pensou que eu levaria aquilo para o pessoal ou sei lá, comecei a rir da situação
—certo, não sei se te acho estranha ou mais perfeita ainda- disse ele me abraçando por trás enquanto eu misturava o molho ao macarrão recém escorrido
—ok, pare ou vou acabar me queimando derrubando molho em mim
Ele me deu um beijo e encarou a pizza e o macarrão
—ficamos com a pizza, não sou uma boa cozinheira, é melhor não arriscarmos
—se não comermos o macarrão agora o molho não vai ficar a mesma coisa depois
—e a pizza vai esfriar também, pega a pizza, sério, não vou me importar- disse já entregando um prato para ele
Ele pegou um pedaço da pizza, depois se dirigiu até o macarrão e colocou uma montanha dele encima da pizza
—não!! Você não vai comer isso!!! Larga esse prato!
—como vou saber se é bom se eu nunca experimentei?
Duvidei que ele levaria a pizza de calabresa com macarrão ao molho branco à boca, entretanto ele levou, incrédula observei-o enquanto mastigava e engolia.
—interessante, disse ele por fim e deu outra bocada na sua invenção
Odiei-me, mas fiz a mesma coisa, se ele encarava, eu também tentaria pelo menos, sentei com meu prato ao lado dele enquanto ele quase se afogava gargalhando. Era difícil não deixar o macarrão cair pelas laterais enquanto eu levantava o pedaço da pizza,olhei para ele e mordi um pedaço logo sem pensar, saboreei a gororoba por um momento. Não era uma grande descoberta, mas também não vomitaria por comer aquilo. Ele pegou o copo de suco de tangerina dele em sinal de brinde, brindei com ele a refeição mais estranha que já tivemos.
Depois do jantar e de ambos nos prepararmos para dormir, assistimos um episódio de uma série e quando acabou já estava na hora de eu ir me deitar.
Ele como sempre me acompanhou até meu quarto, me ajeitei na cama enquanto Bê olhava as fotos que coloquei no mural que havia ali, me deu um beijo de boa noite e estava já indo apagar a luz quando percebi que ele estava frustrado, acho que sabia que não seria fácil dormir, e que mesmo se conseguisse não dormiria bem.
—Bê- disse assim que ele apagou a luz, fazendo ele acende-la de novo- você pode ficar essa noite comigo? Sei lá, hoje fiquei sozinha minha mente ficou tomada de pensamentos assustadores, apesar de bobos- disse o que não era totalmente mentira, pois sempre que ficava sozinha morria de medo de espíritos.
Ele deu um riso malicioso
—amanhã você tem aula, tem certeza que quer isso?
—não pense besteira!! Sério!!- disse ruborizada-saiba que eu tinha uma amiga que via espíritos? isso me assusta! Fica aqui- fiz uma carinha de cachorro pidão e o convenci a dormir comigo
—eu acho que esse medo é um desejo do seu inconsciente pelo meu corpo nu ao lado do seu, minha mão deslizando pelas suas costas te puxando contra mim, nossas bocas em um ritmo frenético, suas mãos em meus cabelos...
—certo, estou achando que vou dormir melhor com os espíritos! Pode ir se quiser!!
Ele sorriu consigo mesmo e me encarou
Minha espinha congelou o meu pijama de tão gelada que ficou, naquele momento quis voar em direção à sua boca. Se não tivesse hora para acordar estaria aos beijos com ele faz tempo.
Cursinho, passar no vestibular, foco, dizia tentando me acalmar. Respirei fundo e percebi que enquanto estava em crise com meus hormônios Bê já havia caído no sono, nem parecia o pervertido de sempre.