Hilda bateu de leve no portal, chamando a atenção dos presentes. Harry e pelo menos mais dois ergueram a cabeça do enorme mapa aberto sobre a mesa. Ela entrou e estendeu o bilhete para o auror, que abriu e leu rapidamente.

— Precisa de resposta, senhor. – a secretária acrescentou, ao vê-lo simplesmente jogar o bilhete sobre alguns papéis no canto da mesa.

— Diga que estou ocupado, agradeço o convite, mas tenho que recusar. – o mago respondeu, já com a atenção voltada para o mapa.

Assim que ela saiu, ele se virou para Janus. – Dekell já foi encontrado?

— Ainda não. Temos duas equipes em campo refazendo os últimos passos dele, mas até agora nada.

Hilda abriu a porta de novo e Harry ergueu a cabeça, um pouco irritado, mas antes que falasse alguma coisa, um jovem entrou atrás dela com algumas caixas e copos.

— Jantar, chefe. Lembra do que é comida? – Arkyn perguntou, levantando-se.

Ele pagou e agradeceu ao jovem e Hilda lhe lançou um sorriso tímido.

— Já são quase oito horas... o senhor vai precisar de mim, ainda? – perguntou, dirigindo-se ao chefe, que deu um pulo.

— Hilda! Me desculpa! É claro que pode ir! – passou a mão pelo cabelo, sem jeito – Esqueci...

— Tudo bem. – ela sorriu mais abertamente e despediu-se com um aceno.

Tek e Andreas se levantaram e logo, os quatro estavam servidos, sentados na mesa de canto da sala de Harry. Agradecido, o mago notou que o máximo de álcool que havia sobre a mesa era as garrafas de cerveja amanteigada. Lançou um olhar para Arkyn, que sorriu de volta.

— Estive pensando sobre o ataque à vila, semana passada...- Tek começou, encarando seu copo – E concordo com Harry, não faz sentido.

— Diz o que está pensando. – incitou Arkyn.

Harry balançou a cabeça e tomou o resto do único copo que se permitiu.

— Bem, além da falta óbvia de um alvo naquela vila, não tivemos muitos feridos e ninguém está desaparecido. As perdas com o incêndio e o desabamento foram feias, mas nada irreversível.

— Tem a mensagem do Dekell pedindo ajuda. – Janus acrescentou, sério – E o posterior desaparecimento dele...

— Acho que não era para o Harry ter atendido aquele chamado. – Andreas falou, terminando o sanduíche. Diante dos olhares, encolheu os ombros – Quando Dekell fez contato, foi apenas para o Janus. Ele não usou o pedido usual de socorro e apoio dos aurores.

— Então o alvo era Janus. – Harry empalideceu um pouco.

— Ou algo que ia acontecer, mas que eu não poderia impedir. – o citado falou, pensativo – Se Harry não tivesse ido, nenhum de nós teria pensado num feitiço de contenção tão rápido e principalmente, naquela magnitude. No mínimo, seriam necessários uns dez ou mais de nós para conseguir.

Tek e Andreas se entreolharam quando Harry não deu seus conhecidos ataques de humildade. Ele simplesmente continuou a comer, com a testa franzida. Os outros fizeram o mesmo e depois de alguns minutos de silêncio, o líder balançou a cabeça e limpou a boca com um guardanapo.

— Por mais que eu tente, não consigo imaginar o motivo de uma armadilha para Janus. Não temos grandes inimigos há muito tempo e mesmo que ainda existam bruxos das trevas em atividade, pelo menos não temos conhecimento de algo em grande escala. – os olhos verdes passaram de um para outro – Concordam?

— Desde a queda de você-sabe... – Andreas se interrompeu e respirou fundo – de Voldemort, não temos mais tantos problemas com bruxos das trevas.

— E pelos relatórios das últimas investigações, não existe nada de indique uma ameaça em andamento. – Harry voltou a falar, balançando a cabeça – Estamos deixando escapar alguma coisa...

— Talvez exista algo agora. – Arkyn comentou, olhando os outros – Talvez tenha sido planejado com cuidado e em segredo, que agora começou a ser revelado. Mas houve uma falha: Janus até foi até o local, mas pediu apoio a Harry, que imediatamente contatou os aurores mais próximos. Isso fez com que Janus, ao chegar, fosse seguido por outros de nós. O que quer que queriam fazer ou saber... perdeu-se quando aconteceu.

— Será que queriam torturar para saber alguma coisa? – Tek perguntou, preocupado.

Harry fez uma bola do embrulho do seu sanduíche e se serviu de mais suco, pensativo.

— Desde que assumi o cargo, Tek e Janus estiveram comigo. Andreas chegou depois e por último, Arkyn. – comentou, baixo – Mantenho contato com todos os aurores, mas vocês estão sempre mais próximos a mim do que qualquer outro.

— Mas não existe segredo algum que possamos contar... – Andreas argumentou, confuso.

— Tem um sim.

A afirmação de Janus fez os outros o encararem. Harry ergueu uma sobrancelha.

— Desde que voltou da licença, Harry tem feito magia sem varinha e além disso, tem a coisa com as poções, feitiços estranhos e habilidades que não tinha antes, ou se tinha, nunca demonstrou. – respirou fundo e encarou o líder – Sua licença foi de seis meses, e você voltou totalmente outra pessoa. Sua magia flutua ao seu redor e penso seriamente que sequer percebe. Aplaudo a mudança porque te afastou da bebida e está muito mais centrado e dono de si, mas não posso deixar de me preocupar. De onde vieram suas novas habilidades?

O mago o encarou e sorriu de leve - Sempre estiveram aqui, mas precisei que um amigo me treinasse como um filhote de cachorro. Estava bem para baixo do fundo do poço e não teria conseguido sem ele.

— Onde e quando? – Janus insistiu, firme.

— O nome dele era Urick e infelizmente para mim, está morto. – Harry respondeu, calmo. Diante do olhar inquisidor, sorriu de leve – Isso é tudo o que precisa saber... na verdade, o que qualquer um vai saber sobre o meu período de licença. Minha vida é de domínio público, mas não quero nem vou deixar que esse período caia na boca do povo.

— Harry... – Arkyn começou, indeciso.

— Já fui esculachado, humilhado e criticado muito mais do que o aceitável, Arkyn. – seus olhos se tornaram frios – Urick foi o único que me estendeu a mão e me ofereceu amizade, sabendo perfeitamente que estava diante de um bêbado bissexual desonrado e inútil. Não me julgou, criticou ou riu de mim, mas ao contrário, me fez lembrar o que eu já sabia e me ensinou o que eu precisava desesperadamente saber. O que sou hoje é fruto do trabalho e da amizade dele. Não vou expô-lo, mesmo depois de morto.

— Eu não quis... desculpe... – Janus murmurou, envergonhado.

— Sei que não quis. – o mago se levantou e sem olhar para ninguém começou a juntar as embalagens vazias e guardanapos usados.

O silêncio podia ser cortado com uma faca, denso e tenso. Arkyn ajudou Harry com a limpeza, e os outros três juntaram os papéis e guardaram os arquivos. Assim que a sala ficou limpa, o auror se virou, mas não se dirigiu a ninguém em especial.

— Vamos trabalhar nos outros casos, mas deixando esse em perspectiva. Qualquer nova pista, onde quer que surja, seguiremos.

A voz soou gelada e distante. Tek e Janus se entreolharam, culpados. O primeiro até abriu a boca para dizer alguma coisa, mas Arkyn balançou a cabeça discretamente.

— Até amanhã, Harry. – Andreas pegou o casaco e saiu, a cabeça baixa.

Os outros se despediram e saíram em seguida. O auror esperou todos irem e fechou as portas depois que ele mesmo saiu. A noite estava fria e nevoenta.

— Acho que vai nevar... – murmurou, antes de aparatar.

****

Harry respirou fundo antes de entrar no salão de baile do Ministério. Luna, a seu lado, estranhamente esplêndida num vestido longo amarelo, sorriu ao ver os olhares se virarem para eles. Rolf, do outro lado da loira, se mexeu, inquieto.

— Viu só, Harry? Valeu a pena o sacrifício de usar uma gravata e um smoking elegante... – murmurou – Estou elevada!

— Elevada? – ele perguntou, com a testa franzida e inclinou a cabeça, questionando o outro homem com o olhar. Rolf encolheu os ombros e rolou os olhos, tão perdido quanto ele.

— Sim. Estou com o mago mais poderoso, gato e alfa da noite de um lado e meu lindo marido sexy e poderoso do outro. Mulheres, me invejem!

Os dois riram e balançaram a cabeça. A loira, de braço dado com os dois, desceu os degraus e sorriu, divertida e orgulhosa.

— Alfa? – Harry perguntou, enquanto aguardava Rolf puxar uma cadeira e Luna se acomodar.

— Ser um alfa não tem a ver com quem você leva para a cama ou se fica por baixo ou por cima. – ela baixou o tom de voz e agradeceu com um sorriso ao marido – Tem a ver com sua atitude, com quem é.

O mago se ajeitou de frente a eles e sorriu de leve, aliviado por Rolf ter encontrado uma mesa longe do grande movimento.

— Sempre me achei meio lerdo... – comentou, com um suspiro.

— Sempre pensei que podia ser um bom líder, se acreditasse suficiente em você mesmo. – ela decretou, sorrindo quando o garçom ofereceu uma taça.

Ela aceitou e Harry negou com a cabeça, varrendo o lugar com o olhar.

— Maldito ministro! Meia hora e damos o fora, ok?

— Concordo plenamente! – Rolf falou pela primeira vez – Talvez nem isso tudo.

Luna balançou a cabeça. – Vamos ver se a noite pode ser agradável, rapazes...

Os homens trocaram um olhar alarmado.

— Por Merlim! – o auror murmurou, desanimado.

— E Morgana! – o outro acrescentou, tão desanimado quanto.

O mago sorriu para alguns conhecidos, mas a expressão sumiu ao ver Rony e Hermione. Ela sorriu e os cumprimentou, apesar do claro desconforto. Ele apenas fez um aceno educado, imitado pelos outros dois.

— As pessoas tem um jeito de julgar outras impressionante, não acha? – a loira perguntou, com um suspiro – Porque pensam que são melhores só porque fazem as coisas exatamente do jeito que todo o mundo faz?

— Isso é ser normal no mundo deles, Luna. – Harry respondeu, desviando o olhar.

— Como eu em Hogwarts. – o tom dela baixou e ele estreitou os olhos – Lunática...

— E eu herdeiro de Sonserina, lembra? – ele segurou a mão dela – Tivemos nossa cota, Luna... não gosto de ficar me lembrando.

— Você era o único que não me tratava como louca... lembra dos Trestálios, que ninguém podia ver e por isso, não existiam?

Harry sorriu e Luna o acompanhou, a expressão triste afastada.

— Eu não entendo. – Rolf olhou de um para outro e a esposa deu a outra mão para ele – Vocês são duas ótimas pessoas... apenas um pouco fora do padrão... mas são perfeitas em tudo o que podem ser perfeitos. O que mais eles querem? – diante do olhar espantado da esposa e do auror, encolheu os ombros – O que mais existe para ser acrescentado a vocês?

— Talvez eu ser hétero... – Harry ofereceu, soltando a mão de Luna – Ter ficado casado... algo assim.

O outro o encarou – Aquele não era você. Era só o rascunho de alguém.

— Nunca soube que pensava assim. – Luna encarou o marido atentamente.

Rolf deu de ombros e olhou para as pessoas no salão alguns degraus abaixo.

— Nunca pensei em dizer nada... mas acho que não deviam ficar te dizendo o que fazer, Harry.

O mago sorriu e trocou um olhar com a amiga.

— Bom ter vocês como amigos. A vida fica bem mais leve.

Andreas e Arkyn chegaram e o grupo de amigos teve que migrar para uma mesa maior. Entretidos na conversa, nenhum deles notou os olhares e cochichos entre os convidados.

O mago sentiu um arrepio no pescoço e olhou para trás, na direção das janelas. Lá fora estava escuro e um pouco nevoento. Os olhos verdes se estreitaram quando a sensação de desconforto aumentou.

— Harry? – Luna perguntou, acompanhando o olhar do auror.

Arkyn também olhou, mas sua atenção foi desviada para o primeiro piso perto da porta. Os Malfoy estavam chegando, os cinco. O feiticeiro balançou a cabeça e deu com os olhos azuis de Luna sobre si. Ela viu o grupo e respirou fundo, voltando o olhar para o amigo e o marido.

— Harry...

— Tem alguma coisa errada... – ele murmurou, levantando-se.

Andreas imitou o auror e de repente, as janelas explodiram. Harry protegeu Luna com o corpo, abraçando a moça. Andreas e Arkyn se jogaram no chão longe dos estilhaços, mas logo, brilhos azuis de feitiços encheram o lugar. Rolf conseguiu puxar a varinha e desviar alguns.

— Você está bem? – o mago varreu a amiga com o olhar.

Apesar de pálida e descabelada, Luna fez que sim com a cabeça e passou de boa vontade para os braços do marido, que se abaixou a seu lado.

— Fiquem aqui até terem uma saída segura. – Arkyn orientou, antes de se levantar.

Os três aurores desceram o piso saltando magos e mesas viradas. Harry desarmou dois atacantes e teve que se encostar à parede para escapar de dois ataques simultâneos. Do outro lado do salão, viu Hermione com a varinha na mão, em pé atrás de Rony, no chão por algum motivo.

Arkyn atingiu dois e levou um feitiço congelante no braço, fazendo-o gritar de dor. Andreas imediatamente o protegeu com um escudo de energia. Harry teve um momento para vislumbrar três atacantes indo para perto de alguns magos congelados no canto. Enquanto avançava, finalmente puxando a varinha, seus olhos pousaram sobre outros cinza azulados.

Draco Malfoy.

O mago sentiu o estômago afundar mas, juntando toda a sua força de vontade, virou-se a tempo de ver um dos atacantes erguer a varinha.

— Lucius Malfoy, você é culpado de inúmeros crimes e deve morrer por eles. – a voz rouca e anasalada soou gelada e firme – Morra pelo que fez!

Sem pensar, Harry deu dois passos enormes e entrou na frente do feitiço. Quando a imperdoável mortal atravessou seu corpo, abriu a boca e congelou, os olhos verdes fixos no mago que o atacou. Os olhos do homem se arregalaram e ele hesitou claramente, mas antes que fizesse mais alguma coisa, Arkyn e Andreas estavam inutilizando os dois ao lado dele.

— Não era para você... nunca para você... - Harry viu pena e arrependimento nos olhos escuros antes que o outro bruxo aparatasse.

O mago sentiu braços e agarrou-se sem um pingo de vergonha, trêmulo e suado. Virou a cabeça e viu Lucius Malfoy atrás dele, os olhos arregalados e o cabelo revoltoso. Os dois se encararam e a última conversa que tiveram passou como um flash na cabeça do auror, que sentiu um vácuo imenso e desmaiou.

******

Lucius Malfoy ajeitou a capa sobre si, no canto junto à família. Alertados pelo próprio ministro, outros aurores vieram e prenderam alguns magos e ajudaram os convidados a partirem. O patriarca comprimiu os lábios e virou a cabeça a tempo de surpreender o olhar do filho para o auror desmaiado, seguro nos braços do amigo.

— Draco, sua esposa está bem? – perguntou, seco.

O loiro olhou para a mulher grudada em seu braço e respirou fundo. Ela estava praticamente congelada.

— Astoria está bem. – o tom frio soou e fez Lucius elevar uma sobrancelha.

O patriarca observou Draco falar com o filho e com a mãe. Sentou as mulheres juntas e parou ao lado do filho, que olhava o movimento com curiosidade.

— Temos que ir embora. – afirmou, quando ele voltou para seu lado.

Draco encarou o pai. – Você era o alvo dele... de onde o conhece?

— Nunca vi aquele mago antes. – o tom aristocrático não deu chance para outra pergunta.

O ministro se aproximou, preocupado e Draco se afastou, parando ao lado de Scorpius.

— Ele não morreu de novo. – o jovem franziu a testa – Será que e imortal?

O loiro virou um pouco a cabeça e observou Harry meio desnorteado, mas bem aparentemente, se apoiar totalmente no auror a seu lado. O modo que o homem o estava segurando fez Draco franzir a testa.

— Acho que está tonto porque acabou de acordar. – o jovem continuou, sem notar as reações do pai – Essa é o que? A segunda vez que leva uma imperdoável mortal?

— A terceira.

Scorpius finalmente olhou para o pai, mas Draco estava com os olhos fixos em Harry. O jovem arregalou os olhos diante do calor e do brilho nos olhos sempre tão frios, mas foi impedido de dizer alguma coisa por Lucius, que simplesmente puxou o filho pelo braço.

— Temos que ir antes que comecem com as perguntas. Já tem imprensa lá embaixo e não quero outro escândalo com o nome da família.

O jovem acompanhou-os e notou que o pai praticamente carregou a mãe pela escadaria até o carro. Ele foi atencioso e gentil, como sempre, mas distante, como sempre também. Não havia mais qualquer traço daquele sentimento todo de antes, quando ele olhou para o auror.

No carro, Draco respirou fundo para não perder a paciência com a esposa, que estava trêmula e chorosa.

“Não me lembro dela ser tão frágil assim...” pensou, desanimado.

— Por Merlim! O que aqueles homens queriam? – a mulher perguntou com a voz estridente, pela enésima vez.

Lucius apenas olhou a nora e não respondeu, concentrando-se num ponto do vidro escuro do carro.

— Isso é algo que o ministério tem que resolver. – Narcisa soou impaciente – Deve se controlar, querida.

O tom imperioso fez a mais jovem se ajeitar no banco e finalmente se desgrudar do marido, que não conseguiu disfarçar o alívio.

— Bem, pelo menos para alguma coisa aquela aberração serviu!

A frase foi desabafada baixo, mas no silêncio do carro soou quase gritada. Draco encarou a esposa e elevou uma sobrancelha. Assim que percebeu que tinham ouvido, ela avermelhou o rosto.

— Bem... eu não quis... – começou e parou, totalmente constrangida.

— Sim, querida. Parece que o senhor Potter tem como sina salvar a vida dos Malfoy.

Astoria ergueu a cabeça e encarou o marido com os olhos arregalados. Nunca antes ouviu o marido ser tão amargo.

— Ele estava fazendo o trabalho dele. – Lucius respondeu, seco – Ele é um auror e é para isso que servem.

Draco encarou o pai e conseguiu notar o pequeno tremor no queixo. Sorriu, irônico, e desviou os olhos para fora.

*****

— É pequena...

Harry encarou a filha com cansaço e Lupin se mexeu, constrangido. A moça não percebeu e continuou a dar voltas, olhando a casa.

— Não tem andares... onde vamos dormir? Eu trouxe todas as minhas coisas – afirmou, balançando a bolsinha pendurada – E tem minhas roupas e...

— Você não mora aqui. – Tiago interrompeu a irmã, que o olhou com olhos arregalados.

— Mas a mamãe disse que...

Ela parou, fulminada pelo olhar cortante do irmão mais velho. Harry notou, mas não disse nada. Tiago se sentou perto dele no sofá.

— Tem certeza de que está bem para receber visitas? – o jovem perguntou, preocupado.

— Não, ele não está. Mas sua mãe tem a qualidade rara de ignorar tudo o que não é o que ela quer, então... – a voz de Luna veio cortante da cozinha.

— Está tudo bem. – Harry disse, a voz baixa.

— Talvez devêssemos ir embora e voltar outro dia. – Lupin se levantou da cadeira.

— Mamãe nos fez vir e disse que ficaríamos. Eu perdi um treino por causa disso. – Alvo se manifestou pela primeira vez, zangado – E eu nunca pensei que ia deixar uma qualquer mandar na sua casa, Potter. Ela está dando ordens agora? Voltou a ser homem?

Harry olhou o filho, espantado e se levantou. Ao ver a reação que provocou, Alvo recuou e parou perto de Tiago. O irmão o olhou, abismado.

— Acho melhor irem embora agora. – o auror soou gelado – Fico agradecido por terem perdido coisas importantes para virem, mas sinceramente, não precisava.

Lupin olhou do auror para o jovem, pálido. – Não devia ter se expressado assim, Alvo. Luna é uma boa amiga do seu pai e não merece...

— Não. – Harry atravessou a sala e parou na frente da loira – Esqueça desculpas ou algo do tipo, Remus. Ele não está arrependido do que disse e sim, com medo do que eu posso fazer. – o olhar verde glacial pousou sobre o jovem, que se encolheu perto do irmão – Mas não vou fazer nada. Se sua mãe acha que homens devem se comportar assim, quem sou eu para dizer que não? Sou apenas um bêbado bissexual inútil, então ela deve saber melhor o tipo de pessoas que oferece ao mundo.

Tiago se levantou e não conseguiu encarar o pai. Lílian, o rosto vermelho de vontade de chorar, olhava de um para outro.

— Vamos embora. – Lupin guiou Lílian e Alvo para fora – Até mais, Harry. Espero que se recupere bem.

— Desculpe por isso... pai. – a hesitação de Tiago foi tão clara que o auror teve pena do filho – Ele não devia ter falado assim com você, Luna. Minha mãe não o ensinou assim. – olhou para a mulher parada ao lado do pai – Ele ainda está bravo e...

— Já terminou?

Luna ergueu os olhos e encarou o amigo. Harry estava furioso, os olhos verdes brilhando ameaçadoramente. O jovem baixou a cabeça e saiu, sem dizer mais nada.

— O garoto... – ela começou e parou quando o auror se virou.

— O garoto já tem idade para saber tratar as pessoas, Luna. Devia ter noção de educação e oportunidade, e não sabe o que isso significa. – ele voltou para o sofá e se sentou, a expressão entregando sua exaustão – Não sei se foram incentivados por Gina, mas são pessoas péssimas agora.

Ela observou o mago fechar os olhos e recostar a cabeça. O feitiço o deixou fraco e as poções restauradoras ainda não tinham começado a fazer efeito.

— Sinto muito, Harry. Eu também não tinha nada que ter provocado.

— Concordo em parte, mas essa é você e de verdade, eu preferia que não tivessem vindo. – ele respondeu, de olhos fechados.

— Alvo mudou um pouco... – ela se sentou na cadeira onde antes estava Lupin – Ele está mais agressivo... e Lílian... nunca notei que era tão superficial...

O auror abriu os olhos e encarou o teto.

— Ela sempre foi assim. Nunca fez questão de viver no mundo real. É a filha do salvador do mundo e da estrela de quadribol, então, porque se preocupar com qualquer coisa? Tem dinheiro, saúde e beleza... – os olhos verdes escurecidos pousaram na amiga – Por que ela não pode ser uma princesa mágica?

— Isso é horrível! – a loira exclamou, espantada – Porque?

— Porque ninguém nunca disse a ela que não era verdade. – ele respondeu, voltando a fechar os olhos – Eu tentei algumas vezes, mas era apenas um contra o resto todo do mundo mágico. Ela preferiu acreditar no mundo e eu deixei de ser uma pessoa real.

— Gina podia ter... – Luna parou e balançou a cabeça – Eu e minha língua!

— Gina podia ter explicado e mostrado que eu sou uma pessoa real, com sentimentos e desejos reais, mas ela também me via mais como um herói e companheiro de aventuras do que qualquer outra coisa. – Harry deitou e puxou uma almofada para a cabeça – Sou o bruxo que matou Voldemort e libertou o mundo mágico, além de salvar o mundo trouxa. Sou o chefe dos aurores do ministério da magia e uma lenda desde bebê, lembrado como o apanhador mais jovem do mundo bruxo e o leão mais corajoso da Grifinória. – ele abriu os olhos e encarou a amiga – Esqueci alguma coisa?

— Isso não é normal. – ela disse, franzindo a testa no esforço de não chorar – E o amor entre vocês?

— Eu a amei, Luna. Amei Gina, mas não sei se a amava o suficiente para me casar. – ele balançou a cabeça – Talvez tenha sido como todo o resto, simplesmente o caminho certo a seguir.

— E agora...

— Agora salvei uma vila fazendo uma mágica incrível sem varinha, salvei o filho do meu amante, o pai dele de uma imperdoável. – ele sorriu, amargo – Isso é importante. A terceira imperdoável mortal e eu estou aqui, vivo e respirando. Acho que fui alçado a ser herói de novo e digno da visita deles.

Ambos se encararam e a bruxa balançou a cabeça, inconformada.

— Simplesmente desista, Luna. Como eu desisti. – ele voltou a se deitar, ajeitando-se – Notou que agora sou o queridinho dos jornais de novo? Poderes incompreensíveis e imortalidade – ele soou dramático e riu, fazendo-a rir – Não leve as coisas tão a sério. Eu fiz isso e me dei mal, agora não ligo mais.

****

Harry ignorou os olhares quando entrou no ministério exatamente três dias depois de levar a imperdoável mortal. Cumprimentou alguns funcionários por pura educação e rumou para sua sala, mas assim que chegou ao corredor dos elevadores, parou ao ver uma senhora apoiada à parede.

Aproximou-se, preocupado – A senhora está bem?

Ela o encarou e sorriu de leve – Apenas com falta de ar... meu peito dói.

Cuidadoso, Harry fez um feitiço identificador e ficou um pouco mais calmo.

— É apenas cansaço. A senhora está à beira da exaustão. – ele tirou um pequeno frasco do estojo e, sem varinha, o fez ficar do tamanho normal enquanto o estendeu a ela – Essa poção revigorante vai ajudar.

A mulher sorriu mais abertamente e pegou a poção, mas assim que abriu para beber, uma voz a interrompeu.

— Isso é trabalho dos mendibruxos, Harry. Devia saber disso.

O auror olhou para além da mulher, mas sua expressão se manteve inalterada.

— Hermione...

— Não devia medicar ninguém. Você não é um mendibruxo. – ela se aproximou e olhou para a senhora, que devolveu o olhar – Posso acompanhar a senhora até o hospital.

Sem responder, a mulher bebeu a poção e tapou o vidro, devolvendo-o a Harry.

— Obrigada, senhor Potter. – respirou fundo e sorriu.

A bruxa arregalou os olhos e abriu a boca para responder, mas a senhora se virou para ela, o sorriso sumido.

— Agradeço sua preocupação, mocinha, mas acho que não devia se meter onde não foi chamada. – a reprimenda soou seca e autoritária – Harry Potter estava sendo gentil com uma velha passando mal e em vez de me oferecer ajuda para ir a um lugar que está do outro lado da cidade, me ajudou aqui mesmo, agora.

Algumas pessoas pararam para ver o que estava acontecendo e Hermione corou um pouco, envergonhada.

— Senhora, nenhum de nós pode simplesmente... – começou, um pouco arrogante.

— Harry Potter nunca me daria nada se não pudesse, moça. – a mulher fechou totalmente a expressão – Senti o feitiço identificador, mesmo suave, que ele usou. Em vez de criticar os outros por ajudar, devia ficar grata por ele estar aqui para fazê-lo. – sem esperar resposta, deu um sorriso aliviado ao auror, que estava observando as duas – Sua poção é realmente ótima, senhor Potter. Me sinto bem melhor agora. Muito obrigado por sua atenção.

Sem lançar outro olhar a Harry, a mulher saiu de perto dos dois e se dirigiu a uma das lareiras.

— Eu só estava lembrando as regras. – ela disse, irritada – Não mereci ouvir isso.

Harry a encarou sem muita simpatia.

— Mereceu sim, Hermione e por mais que odeie admitir, sabe disso. Acho que devia, de vez em quando, guardar o que acha e pensa para si mesma.

— Você não é um mendibruxo e pode matar alguém se usar uma poção errada – ela rebateu, encarando-o um pouco vermelha – Você nunca foi bom em poções, então deve estar usando as de alguém, mas mesmo assim...

— Você e sua pretensa sabedoria, não é? – o mago balançou levemente a cabeça – Não devia ser eu a te dizer mas, na falta de outro, aceito a tarefa: Você não sabe tudo, Hermione.

Harry a encarou pesadamente e então, virou-se e terminou de chegar ao elevador. A bruxa ainda ficou parada no corredor por alguns minutos e então, notando as pessoas e os cochichos, saiu quase correndo de volta para a sua sala.