1

A noite caiu. Daniel entrou no quarto de Emily, e olhou para o porta retratos com a foto do casal na mesinha da cabeceira. Seus e olhos começam a lacrimejar, ele pegou a foto e se sentou na beirada da cama

— Não vou conseguir viver sem você — disse ele abraçado ao porta retratos.

Daniel mergulhou em lembranças dos momentos felizes que passou ao lado de Emily. Ele se lembrou da primeira vez em que se viram, e de como ela derramou bebida nele. Ele não fazia idéia de que aquele momento mudaria a sua vida para sempre. Seus pensamentos foram interrompidos por um barulho de passos. Daniel correu para sala na esperança de encontrar Emily entrando pela porta com seu doce sorriso no rosto.

Não era Emily quem acabara de chegar

— Oi, desculpe entrar sem bater — disse Charlotte claramente abalada

— Alguma noticia delas? — perguntou Daniel esperançoso.

— Não — disse Charlotte. — As buscas continuam, mas ainda não tivemos nenhuma noticia.

Um sentimento estranho tomou conta de Daniel. Ele não via a hora de receber alguma noticia, mas ao mesmo tempo tinha medo de descobrir que o pior havia acontecido. Saber que ainda não tinham descoberto nada o angustiava, mas por outro lado mantinha a esperança acesa.

— Papai pediu que eu viesse — disse Charlotte abraçando o irmão — e te levasse para dormir lá em casa.

— Obrigado, mas prefiro ficar aqui — disse Daniel. Por algum motivo ele sabia que se Emily tivesse acesso a algum telefone, ela ligaria para casa.

— Daniel, não é bom para você ficar sozinho aqui. — disse Charlotte decidida a levar o irmão para a mansão Grayson. — Se a equipe descobrir alguma coisa vai ligar para o papai, você não quer estar lá nesse momento?

Daniel olhou fixamente para Charlotte. No fundo ele sabia que era praticamente impossível Emily ter acesso a um telefone, caso contrario ela já teria feito contato. Era bem provável que qualquer noticia chegasse primeiro na mansão Grayson.

— Esta bem, vou com você — disse Daniel conformado

Charlotte o abraçou novamente e eles ficaram ali confortando um ao outro por alguns minutos. Desde criança Charlotte sempre se sentia segura quando estava perto do irmão, ele sempre a defendia de tudo, mas agora ela estava vendo a fragilidade dele, e por isso sentia que tinha que ser forte para ampará-lo.

2

— Victoria acorde

Victoria acordou com Emily a sacudindo. A noite não tinha sido agradável. Era impossível ter uma noite agradável num lugar como aquele, mas de alguma forma foi um pouco melhor do que a noite anterior. Victoria se levantou com as costas ainda doloridas, ela não via a hora de poder se deitar num colchão macio de novo.

— O que foi? — perguntou Victoria, enquanto se espreguiçava o máximo que conseguia sem causar muita dor

— Temos que ir — disse Emily

Victoria não gostou de ouvir aquilo, mas colou-se de pé.

Emily imediatamente começou a desamarrar as cordas que prendiam o tecido do paraquedas. Victoria sentiu que devia ajudar, mas suas costas ainda estavam doendo e como Emily não pediu nada, ela preferiu não interferir.

Emily queria entrar logo na mata. Ela não sabia ao certo que horas eram e nem quanto tempo teriam que andar. Ela não podia correr o risco de escurecer antes de encontrar um local seguro para passar a noite.

Enquanto Emily cuidava do paraquedas, Victoria caminhou ate a beira na praia. Ela notou que Emily já tinha apagado o fogo e feito um rastro com as cinzas e madeira queimada até a entrada da mata

— Engenhoso — disse ela para si mesma — assim eles vão saber para onde nós fomos.

Mais uma vez Victoria estava admirada com as noções de sobrevivência de Emily.

— Pronto, podemos ir — disse Emily que já tinha dobrado o paraquedas, e o prendido nas costas com as cordas, formando umas espécie de mochila desengonçada.

— Cadê minha sandália? — perguntou Victoria

Felizmente Victoria estava usando sandálias com tiras na hora do acidente por isso ela não se soltou de seus pés ao pular na água. Desde que chegara a areia, Victoria tinha tirado as sandálias, pois era complicado demais andar de salto fino na areia fofa. Como ela não tinha ido longe, nem reparou que ficou os últimos dois dias descalça.

— Estão ali — disse Emily indicando um local perto das pedras

Victoria caminhou até o local indicado e mal acreditou no que viu. Suas preciosas sandálias totalmente danificadas

— O que você fez com minhas sandálias? — questionou Victoria num tom de ira

— Tive que tirar os saltos dela — respondeu Emily

— Você o que? — gritou Victoria — você sabe quanto custa uma sandálias dessas?

— Eu te fiz um favor— disse Emily já perdendo a paciência — mas já me arrependi. Eu devia ter deixado você andar horas na mata usando um salto fino de 15 centímetros.

— Você não tinha o direito de fazer isso — reclamou Victoria enquanto pegava as sandálias, que agora não passavam de rasteirinhas.

Enquanto calçava as sandálias Victoria percebeu que talvez Emily tivesse feito a coisa certa. Ela sabia como podia ser desconfortável ficar horas em cima de um salto daqueles em um evento num carpete macio, imagine ter que usar aquilo num terreno irregular com terra, pedras e mato.

Victoria olhou para Emily, que parecia estar muito mais confortável, pois estava de tênis. Na verdade a roupa inteira de Emily era bem mais confortável do que a dela. Emily estava indo visitar uma babá num hospital por tanto não fazia sentido se arrumar demais. Emily usava calças jeans, camiseta e um casaco por cima, que já estava com as mangas todas rasgadas.

Após terminar de colocar a sandália, Victoria se levantou e deu uma voltinha como se estivesse experimentando um calçado numa loja.

— Vamos — disse Emily já caminhando rumo a mata

Victoria a seguiu ainda se sentindo estranha sem seus saltos

— Você já esta me devendo um cinto e uma sandália — comentou ela

3

As duas entraram na mata. Emily carregava o paraquedas nas costas com o casco de jabuti embrulhado nele. Victoria não carregava nada, mas era a que mais reclamava o tempo todo.

Andar na mata não era fácil. Em algumas partes as árvores eram juntas demais e sem um facão ou qualquer coisa cortante era difícil conseguir abrir caminho. Tudo o que Emily tinha era sua pequena lança de madeira improvisada, que não estava em boas condições.

Após um tempo de caminhada, Emily percebeu que a mata estava ficando fechada demais e decidiu ir até o lago onde ela tinha conseguido água no dia anterior. A vegetação lá parecia ser mais espaçada.

— Estou cansada — disse Victoria se encostando numa pedra e decidida a ficar ali por um tempo.

— Tudo bem. Vamos descansar um pouco — disse Emily

Enquanto Victoria descansava, Emily tentava reparar sua lança. Devido a ela ficar batendo nos arbustos e galhos para abrir caminho, sua rústica ferramenta estava literalmente se desintegrando. Enquanto manuseava a lança, esta acabou se partindo.

— Que droga — exclamou Emily.

Emily teve que descartar a parte menor da lança, que era justamente a que tinha a ponta, ficando apenas com a parte maior, que não teria muita utilidade, mas era melhor de nada.

Emily olhou para o céu, mas não conseguiu estimar que horas devia ser. As arvores não a permitiam ver a posição do sol. De qualquer forma, era melhor elas encontrarem um local adequado logo.

Emily se levantou

— Victoria é hora de ... — Emily não conseguiu terminar a frase

— O que foi ? — perguntou Victoria ao perceber que Emily a olhava assustada

— Não se mexa — pediu Emily

Victoria não gostou de ouvir aquilo. Ela não sabia o que Emily tinha visto, mas com certeza não era algo bom

— O que é? — perguntou Victoria um tom sussurrante

— Fique quieta — disse Emily segurando a parte maior do galho — Tem uma cobra atrás de você

Victoria gelou.

Ela queria se levantar e sair correndo, mas não conseguiu. Ela não sabia se era por pânico ou por instinto, mas ficou imóvel exatamente como Emily tinha pedido.

Emily segurava o galho com firmeza e encarava a cobra. Ela não era muito grande, mas podia ser venenosa e com certeza metia medo.

— O que vai fazer? — perguntou Victoria

— Tentar afastá-la

Emily se aproximou sorrateiramente da cobra. Embora pequena, ela parecia bem arisca e não manifestava nenhum sinal de que iria recuar.

— Faça alguma coisa depressa — disse Victoria suando frio

— Quando eu mandar — instruiu Emily — você se levanta o mais rápido que conseguir e se afasta.

Victoria não estava certa de que conseguiria fazer isso.

Emily continuou se aproximando da cobra com o galho a frente do corpo. A cobra ergueu a parte dianteira e colocou a língua para fora, anunciando que daria o bote a qualquer momento.

Emily continuava a olhar fixamente para os olhos da cobra, enquanto apertava o galho em suas mãos desejando que ele ainda estivesse com a parte afiada.

— Agora — gritou Emily num tom firme

Em questão de segundos, Victoria se levantou e correu para o lado oposto. Ao mesmo tempo Emily lançou o galho sobre a cobra apertando-o com força.

A cobra começou a se contorcer e Emily sentiu o quão forte ela era. Emily conseguiu arrastar a cobra até a base da pedra onde Victoria estava e continuou pressionando-a com galho. A cobra se contorcia tentando se desprender, e Emily sabia que se o bicho conseguisse se soltar iria ataca-la imediatamente.

— Victoria — gritou Emily — Você precisa matar a cobra

— O que? — disse Victoria que estava do outro lado

— Pegue uma pedra, um galho, qualquer coisa e mate a cobra — disse Emily enquanto tentava manter o bicho preso na pedra.

Victoria olhou em volta e desejou ter sua arma ali, mas tudo o que ela tinha eram pedras e mato. Victoria pegou algumas pedras e começou a jogar na cobra

— Na cauda não — gritou Emily — acerte na cabeça

A cobra continuava a se contorcer e Emily não sabia por quanto tempo iria conseguir mantê-la presa.

Victoria continuou procurando por mais pedras, e acabou encontrando a parte menor que tinha se partido da lança improvisada de Emily. Embora estivesse com uma ponta relativamente fina, o tamanho do galho era pequeno demais, cerca de 60 cm.

Victoria o pegou mesmo assim e se aproximou de Emily.

— Tente manter ela parada — disse Victoria não tendo certeza se conseguiria fazer aquilo.

— Não dá — respondeu Emily — ela esta quase escapando

Victoria segurou o galho com firmeza. Como era muito curto, para atingir a cobra ela teria que ficar mais próxima do bicho do que Emily estava.

Ela não tinha escolha. Respirou fundo, se aproximou do animal, levantou o galho e enterrou a parte pontuda na cabeça na cobra. O sangue imediatamente espirrou e Victoria deu um pulo para trás tentando se esquivar dele. Emily foi aos poucos soltando o galho.

— Ela ainda esta viva — disse Victoria ao notar que a cauda do bicho ainda se contorcia

— Não. Ela esta morta — disse Emily — cobras são assim mesmo

Victoria não estava muito certa se a cobra estava morta ou não, mas ela queria acreditar que estava. Enquanto olhava o bicho sangrando ela teve a clara noção do que tinha acabado de fazer e chegou a conclusão de que era mais difícil matar um animal do que um ser humano.