Reunião

Parte II


Uma sala de concreto, escura, com o constante som de ar proveniente do sistema de ventilação. Havia uma grande tela na parede que mostrava as janelas de um apartamento onde garotas estavam sentadas a uma mesa.

A luz da tela iluminava uma mulher de pé próximo a ela, evidenciando o suor de sua pele morena. Ela estava com os braços cruzados e vestia uma camisa branca, calças com camuflagem militar bege e botas pretas. A manga da camisa era curta e os braços expostos tinham uma musculatura bem definida, um anel prateado com pequena gema rosa estava em sua mão esquerda. Tanto o seu cabelo curto quando seus olhos eram de um rosa escuro e ela respondeu a questão que veio das caixas de som, “Sim, Sortuda, eu estou vendo claramente agora que as luzes do apartamento foram acesas.”

Ela era chamada de Generalíssima, em parte devido a sua fisionomia latina, e ela não estava sozinha.

Encostada em outra parede da sala, estava uma mulher que não demonstrava estar interessada com que estava acontecendo. Ela era muito alta e forte, seu corpo tinha proporções femininas perfeitas, como se ele tivesse sido esculpido por um mestre artesão. Isso ficava fácil de observar, pois suas ‘roupas’ eram um mero par de faixas largas de seda, uma branca e outra azul, que estavam conectadas por uma presilha dourada na nuca e elas desciam, cada faixa cobrindo um dos seios e então se cruzavam na cintura, um pouco acima do umbigo, passando pelas costas e cruzando para cobrir a virilha e mais uma vez para cobrir as nádegas, cada faixa então espiralando por uma perna até terminar em um conjunto de argolas douradas, um pouco antes dos pés descalços. Havia outros adornos luxuosos como um piercing no umbigo, pulseiras em seus antebraços e bíceps, brincos e anéis. Assim como Generalíssima, ela tinha pele morena e olhos rosa, mas ambos de tom mais claro e com aspecto do oriente médio. Seu cabelo branco era muito longo e liso, e ela usava uma tiara dourada com uma grande gema hexagonal em seu centro, completamente negra, com um brilho fraco e dançante de sua corrupção.

Também de pé, mais próximo da Generalíssima, havia um robô humanóide. Seu corpo metálico tinha a estatura de uma criança, seus olhos eram esferas com uma cruz branca luminosa e sua boca era apenas um alto-falante. Contudo, ele tinha pômulos redondos, um nariz falso e o topo da cabeça esculpido na forma de um cabelo de uma garotinha.

Ao lado do robô estava uma garota asiática, pele pálida, olhos gelados. Seu cabelo preto era liso e tinha um rabo de cavalo muito longo e fino, preso por um clipe de cabelo vermelho com uma gema azulada clara na forma de uma asa de pássaro. Seu vestido também era azul claro, com uma saia curta e rígida como um tutu de uma bailarina. As mangas do vestido eram mais compridas que os braços, o que destoava do seu visual clássico. Para completar, usava meia calça branca e botas vermelhas.

Outras três pessoas estavam sentadas em uma mesa oval. Uma delas usava as mesmas roupas de Generalíssima, com o seu anel contendo uma gema prateada. Sua pele era como ébano e reluzia com a luz da tela, exacerbando a forte musculatura de seus braços. Seu cabelo marrom escuro era muito crespo, com um lado do escalpo raspado enquanto o resto do cabelo estava penteado para o outro lado. Seus lábios eram grossos e seu nariz era largo e achatado, enquanto seus olhos cor de mel tinham um olhar feroz.

A outra era uma garota com pele clara, sua face era simetricamente perfeita como uma boneca com bochechas coradas. Seu cabelo longo era laranja e os olhos eram vermelhos. Ela vestia uma roupa provocativa. Um baby doll tomara que caia com top laranja, pequeno ao ponto de mostrar a parte debaixo dos seios firmes, com o resto do tecido sendo transparente de cor marrom, mostrando seu ventre esbelto, com quadris largos. Seu short com amarras laranjas era tão pequeno que poderia ser confundido com uma tanga. Sua gema da alma laranja com forma de uma cabeça com par de chifres ficava no top, entre os seios. Ela usava salto alto fino bege com detalhes dourados e brilhantes.

E, no extremo mais distante da mesa em relação a tela, estava um homem com traços caucasianos. Seu cabelo castanho era curto, com grandes costeletas, e seu olhar era quase tão negro quanto o carvão. Usava uma bata branca com um colarinho eclesiástico preto e uma manta vermelha curta sobre os ombros, sendo que na frente as duas pontas dela estavam conectadas por uma corrente dourada. No fecho direito de onde saía a corrente havia uma gema vermelha em forma de cruz. A bata tinha trinta e três botões, mas abaixo do cinto marrom em sua cintura, eles não estavam fechados. Outro cinto marrom cruzava o seu torso até desaparecer sob a manta no ombro direito. Usava luvas e botas de cano longo, ambos preto. Mesmo ele estando sentado, era possível ver que ele tinha o porte de alguém alto e forte. Na frente dele, sobre a mesa, havia uma cruz prateada de trinta centímetros de comprimento que, com suas pontas afiadas, mostrava que tinha funções menos religiosas.

Foi este homem que questionou com alguma impaciência, “É isso que quer mostrar? Podemos começar essa reunião?”

“Madre e Matryoshka ainda não vieram,” a mulher de ébano disse.

O robô respondeu com uma voz sintetizada de garota, “Madre está instruindo as noviças, inclusive as duas novas refugiadas. Eu não acredito que ela venha logo.”

A garota asiática também falou, com uma voz quieta, “Eu posso confirmar que Matryoshka está trabalhando no gerador.”

“Aposto que ela tá encontrando alguma forma de nos explodir,” afirmou a garota de cabelo laranja, sorrindo enquanto estendia a mão sobre mesa. Da palma da mão brotaram coloridos confetes de chocolate.

O barulho que eles fizeram incomodou a outra mulher na mesa. “Ninguém pediu pelas suas piadinhas.”

“A boca é minha.” A garota pegou um punhado de confetes e os comeu com a boca aberta, fazendo mais barulho e mostrando seus dentes manchados pelo chocolate.

“E a mão que fará fechá-la é a minha,” a mulher afirmou.

“Revenante, pare.”

Ouvindo Generalíssima, a mulher negra obedeceu.

Para a felicidade da garota que estava comendo. [Isso, faça a sua dona ficar orgulhosa, cadelinha.]

[Eu faço isso pela Irmandade.] Revenante respondeu.

Preocupada com aquela cena ocorrendo na presença daquele homem, especialmente por ele não estar esboçando nenhuma reação, Generalíssima continuou com a voz firme, “Você também, Açougueira.”

“Desculpe.” A garota pegou mais um punhado de confetes e comeu em silêncio, mas ainda sorrindo.

Então o homem novamente perguntou, “Podemos começar agora?”

“Sim, Inquisidor.” Generalíssima saiu da frente da tela para que ele pudesse ver melhor. “Sortuda foi enviada para cidade de Mitakihara, no Japão. Essas garotas que você está vendo no apartamento são na verdade bruxas.”

“Aquele bolo parece gostoso,” Açougueira comentou, seguido de um silêncio embaraçoso na sala. Revenante revirou os olhos e suspirou.

“Isso é para ser uma novidade? Todos sabem há meses que o Japão está completamente infestado por essa nova classe de bruxas.” Inquisidor apoiou os cotovelos sobre a mesa, entrelaçando os dedos. “Mas eu devo inquirir, com você sendo o líder dessa célula, do porquê você está arriscando a vida de uma irmã em território hostil para isso e não fazer o mesmo para tentar restabelecer contato com Washington.”

Ganeralíssima respondeu, “Você sabe que já temos alguém para isso.”

“Apenas uma noviça que teve sorte de estar longe quando a célula de São Francisco caiu.”

“Tenha mais fé nela, ela provou sua competência ao seguir o protocolo e conseguir captar o nosso sinal de baixa freqüência com um celular imbuído com magia.” A mulher sorriu com certo orgulho. “Eu preciso explicar que essa missão em Mitakihara é muito importante. É sobre a origem dessa crise que nos atingiu de forma tão devastadora. Nosso foco até agora sempre foi o Incubator.”

“Com certeza ele está envolvido nisso. Ele mudou seu comportamento de repente, reduzindo suas atividades e contratos, coincidindo com o começo da crise.” Inquisidor balançou a cabeça, com pesar. “Infelizmente os espécimes que tínhamos aprisionado na célula Europa não nos deram muita informação. O último sinal de emergência que Europa transmitiu falava sobre um fenômeno conhecido como a ‘Lei’.”

Generalíssima assentiu. “Eu me lembro disso, mas a informação pode ter sido enviada pelas bruxas, não é confiável. Então eu decidi investigar isso por outra perspectiva, ao invés de quem ou o quê, eu procurei identificar onde isso começou. Você sabe que os primeiros relatos sobre essas bruxas vieram da Indonésia.”

“A primeira a cair,” Inquisidor disse, “algumas irmãs dessa célula nos forneceram relatos positivos, que elas eram amigáveis e indistinguíveis em relação a qualquer humano, mas elas também estavam receosas quanto a esse fato. Dias depois, elas começaram a transmitir sinal para as outras células dizendo para cessarmos nossas atividades e entregarmos todas as sementes das aflições, pois nós podíamos nos tornar bruxas e continuar sendo nós mesmos. Washington mandou cortar qualquer contato com elas, enquanto eles formariam uma força tarefa para uma investigação mais confiável, mas isso nos tomou tempo demais...”

Revenante comentou para a garota asiática, “Você teve sorte de ter sido transferida pra cá antes disso acontecer, Invasora.”

Ela, Invasora, respondeu, fechando os olhos, “É uma grande vergonha que nossas irmãs não ofereceram nenhuma resistência ao inimigo.”

Inquisidor se reclinou na cadeira. “Mas estamos falando sobre a Indonésia, por que Japão?”

Generalíssima explicou, “Nós não nunca conseguimos implantar uma célula lá, então é possível que isso começou lá sem nós notarmos.”

“Graças a essas xenófobas idiotas.” Açougueira sorriu com malícia para Invasora. “Não estou certa?”

“Sua retardada.” Revenante rangeu os dentes. “Ela nasceu aqui!”

Açougueira puxou os olhos. “Todo mundo que tem essa cara, pra mim, é tudo igual.”

“Minha mãe é japonesa,” Invasora começou a falar antes que Revenante tivesse uma chance de retrucar, “e vocês são minhas irmãs nesses tempos difíceis.”

“Pessoal.” Fazendo sons com as juntas mecânicas, o robô assentiu. “Nós precisamos ser civilizados durante essa crise.”

“Falta isso na Açougueira.” Revenante cruzou os braços. “Ela não devia estar nessa reunião.”

“Eu sou uma irmã e tenho os mesmos direitos que você de estar aqui.” A garota soltou mais confetes sobre a mesa.

Aquilo não parecia chamar a atenção de Inquisidor, que continuava com o seu olhar na Generalíssima.

Sentindo a pressão, a mulher ergueu a voz, “DE QUALQUER FORMA...”

Isso havia dado certo, Açougueira e Revenante voltaram a olhar para ela.

“O que me fez escolher o Japão foi essa cidade,” Generalíssima continuou, “você se lembra de Mitakihara, Inquisidor?”

“Eu nunca estive no Japão,” ele respondeu, “eu nem sabia que essa cidade existia.”

Ela sorriu levemente, “Talvez Nano possa lhe informar.”

“Com prazer,” disse o robô, “ano passado essa cidade foi arrasada por uma tempestade, com ventos tão fortes que eram capazes arrancar andares inteiros de arranha-céus e lançá-los a milhas de distância. Na época, os meteorologistas consideraram que havia sido uma combinação de múltiplas microexplosões atmosféricas e tornados. O que ficou sem explicação é que a tempestade parou de repente, com testemunhas afirmando que as nuvens se abriram ‘como um portal’.”

Inquisidor ergueu as sobrancelhas. “Ah sim, quando eu deixei Europa para vir para cá, as irmãs estavam discutindo esse evento, se havia magia envolvida.”

“Eu estou convencida disso,” Generalíssima afirmou, “pois acredito que essa tempestade seja resultado da aparição de Walpurgisnatch, as características batem.”

“Eu estava esperando que você fosse mencionar classe ômicron, mas Walpurgisnatch?” Ele balançou a cabeça. “Se fosse ela, a cidade inteira teria virado um cemitério.”

“Esse é o ponto!” Generalíssima socou a palma da mão. “Isso não aconteceu porque ela foi derrotada.”

Enquanto Inquisidor bateu contra mesa, fazendo os confetes e a cruz trepidarem. “Isso não é o Bastião de New Orleans, irmã. Você mencionou a classe sigma, Walpurgisnatch.”

Açougueira fez um cara de confusão. “Me falaram que a classe ômicron é mais forte que a sigma, e não é?”

“Você não aprendeu sobre isso? Walpurgisnatch é uma entidade tão única que recebeu uma classificação própria.” Inquisidor fechou os olhos em frustração. “A bruxa das lendas é uma mancha na história da Irmandade, depois de décadas de esforço global, nós não chegamos nem perto de conseguir rastrear ela e encontrar onde e quando ela irá atacar, enquanto Incubator de alguma forma consegue. Sem preparação, a única coisa que se pode fazer quando ela aparece é fugir para salvar sua própria vida. Quantas garotas mágicas haviam em Mitakihara?”

Generalíssima respondeu, “Não sabemos, mas a nossa recente investigação contou nove, seis sendo residentes da cidade.”

O homem arregalou os olhos, enquanto sua voz crescia, “Setenta e oito irmãs morreram no Bastião de New Orleans! Setenta e oito almas experientes, preparadas e unidas para salvar o mundo se perderam diante da pura força de Katrina!”

Generalíssima avançou até a mesa, apoiando as mãos nela e se inclinando em direção a ele. Seu olhar era imponente. “Não precisa dizer isso. Eu estava lá, eu derrotei essa bruxa.”

“Foi uma carnificina.” Ele rangeu os dentes. “Agora você vem com essa teoria sem cabimento onde nove, seis garotas mágicas teriam alguma chance contra Walpurgisnatch.”

“Sim, é impossível.” Ela assentiu. “É por isso que eu acredito em um milagre, um desejo.”

Inquisidor ficou atônito e baixou cabeça, coçando lentamente a testa enquanto considerava. No entanto, apenas uma coisa ele conseguiu proferir, “Isso é ridículo...”

“Por favor, considere.” Generalíssima insistiu. “A derrota de Walpurgisnatch seria um evento tão único quanto a esse fenômeno por qual nós estamos passando e ambos coincidem no tempo. Há um sentido nisso que eu digo.”

“Sua implicação tem dois problemas. Primeiro, como um desejo para salvar uma cidade, destruindo ou enviando Walpurgisnatch para longe, poderia causar essa crise que ameaça o mundo? E segundo, a garota que teria feito esse desejo precisaria ter um enorme potencial latente. Vocês investigaram mais a fundo sobre essas garotas?”

“Sim, Invasora ficou encarregada disso.” Generalíssima olhou para ela. “E ela não me desapontou.”

“Apenas fiz conforme meus talentos.” A garota asiática estendeu a mão para tela e a filmagem foi substituída por um documento com a foto e perfil de uma loira. “Essa é a Mami Tomoe, moradora do apartamento que estamos vigiando no momento. Ela é uma das poucas garotas mágicas que o centro de dados da Irmandade tem registro, com alguns anos de experiência.”

Açougueira apontou para a foto. “Gostei do cabelo.”

O comentário de Inquisidor foi mais produtivo. “Isso significa que, segundo a teoria de Generalíssima, ela não é a garota que fez o desejo. Próxima.”

“Então irei descartar Kyouko Sakura, nós temos registro dela também.” Invasora fez um gesto com os dedos e surgiu o perfil de uma menina de cabelos brancos. “Essa é Nagisa Momoe.”

“Qual o problema com os olhos dela?” Açougueira franziu a testa.

“Combina contigo,” Revenante respondeu.

“Ela está morando com a Mami e é um caso bastante peculiar,” Invasora disse, “eu procurei dados dos parentes dela e descobri que a mãe dela estava internada no hospital e faleceu. No mesmo dia, a garota foi registrada como desaparecida, sendo que isso tudo aconteceu semanas antes da tempestade.”

“Hmmm...” Inquisidor puxou alguns fios de sua costeleta. “Prossiga.”

“Eu consegui o histórico com o nome dela na escola de Mitakihara, apesar de eu não ter encontrado nenhum documento de sua matrícula.” Invasora fez com que a tela mostrasse a gravação de uma câmera de segurança. “Aqui vocês podem ver ela de uniforme caminhando pelos corredores da escola, aparentemente ela tem uma rotina normal de uma estudante.”

Revenante reagiu ao que vira. “O meu Deus, essas pobres crianças não têm idéia do perigo que estão correndo.”

“Olha, ela tá falando com aquele garoto,” Açougueira fez uma cara de safada, “será que ela tem uma quedinha por ele?”

Com um leve aceno, Invasora fez aparecer o perfil daquele garoto. “O nome dele é Aki Hidaka e, pelo o que pude observar, os dois estão namorando.”

“Que porra é essa?!” Revenante ficou boquiaberta.

“HahahahahaHAAIHAAAIIIEE!” Açougueira gargalhou e jogou a cabeça para trás. “Eu tava certa!”

“Não se iluda,” a mulher negra avisou, “pra ela, ele é o lanchinho pra depois.”

Tenso, Inquisidor sugeriu, “Podemos focar no assunto? Se ele não fez contrato com o Incubator, eu não tenho interesse.”

Generalíssima olhou para Invasora. “Certo, mas eu gostaria de apresentar outra coisa que pode nos elucidar mais sobre a natureza dessas bruxas.”

“Essa é uma gravação de meses atrás...” A garota asiática mostrou a cena de um terminal de metrô a noite, onde Nagisa e Aki haviam acabado de entrar.

Algo chamou atenção de Revenante. “Ele tá com um andar engraçado.”

“Será que ele é baitola?” Açougueira lambeu seus dedos manchados com o colorante dos doces.

O garoto sentou em um banco enquanto a garota permaneceu de pé. Ele puxou a manga da camisa, mostrando o antebraço.

Inquisidor franziu as sobrancelhas.

Observando a postura da garota, Açougueira concluiu, “Parece que eles tão tendo uma briga de casal.”

O garoto tocou o antebraço e então desfaleceu.

Deixando Açougueira abismada. “Hein? Eu perdi algo?”

O garoto acordou e logo começou a gargalhar, enquanto a garota socava o ar em fúria.

Revenante não gostou nem um pouco daquilo. “Isso tá começando a me assustar, que loucura é essa? Dá pra botar som nisso aí?”

Invasora foi sucinta. “Não.”

O garoto então levantou a camisa.

“Congele aqui.” Após Invasora obedecer, Generalíssima dirigiu sua palavra para os ocupantes da mesa. “O que vocês acham que está acontecendo? O que ele está mostrando para ela?”

Açougueira deu de ombros. “Eles estão longe e a qualidade da imagem não é tão boa.”

Inquisidor tinha outra resposta, “A mesma coisa que estava em seu braço, algo que as câmeras não podem captar, um beijo de bruxa.”

“Droga, é isso!” Revenante ficou com raiva. “Ela o transformou em uma marionete!”

“Eu não acho que seja só ele,” Generalíssima afirmou.

“Acredita que seja a cidade inteira? Essas bruxas teriam tempo para isso.” Inquisidor assentiu. “É algo que eu tinha meditado, já que o mundo não entrou no caos com a ascensão dessas bruxas, enquanto a população de garotas mágicas reduziu drasticamente. Geralmente, bruxas não mantém suas presas marcadas vivas por muito tempo, elas se alimentam da maior quantidade de desespero que puderem provocar no menor espaço de tempo possível, pois sabiam que estavam sendo caçadas por nós. Como um predador perante outro maior. Agora, essas bruxas demonstram inteligência, ou ao menos conseguem imitar, e não vêem nenhum empecilho de apenas buscar a maior quantidade de desespero possível. São como parasitas, se alimentando do desespero de seus hospedeiros enquanto eles morrem lentamente.”

“Malditas...” Revenante cerrou os punhos, a tensão evidenciando ainda mais os músculos de seus braços

Apesar de sua face não poder fazer expressões, Nano mostrou desalento em sua voz, “Essa é uma idéia muito cruel, talvez exagerada. Elas podem estar apenas se alimentando das preocupações, dos pequenos desesperos que pessoas têm no seu dia-a-dia.”

Generalíssima falou para Invasora, “Você pode mostrar os outros perfis.”

Mas ela ergueu sobrancelhas, perguntando, “Não quer que eu mostre a gravação até o final?”

“Eles já entenderam, não é necessário.”

Invasora assentiu e mostrou o próximo perfil. “Vamos continuar, essa está no apartamento da Mami neste momento, seu nome é Oriko Mikuni. Ela pertence a uma família com grande influência política, mas encontrei documentos que comprovam que ela é adotada. Sua mãe é falecida e seu pai, Hisaomi Mikuni, se suicidou no começo do ano passado devido ao seu envolvimento em um escândalo de lavagem de dinheiro.”

“Então ela é uma criminosa,” Revenante concluiu.

“Parece que ela não sabia, mas os outros membros da família Mikuni mantêm distância dela. Segundo as notícias, ela continua vivendo na mansão de seus pais, apesar de parecer abandonada, e sozinha. Contudo, eu descobri que isso não é verdade.” Invasora mostrou outro perfil. “Kirika Kure, eu não obtive muitas informações sobre ela, mas eu sei que ela visitava com freqüência a mansão de Oriko e passa noites lá.”

“Wowowowowowoowwww...” Açougueira sorriu maliciosamente. “Elas são lésbicas?”

Revenante deu um tapa contra a sua própria testa. “Bruxas não podem amar bruxas, cabeçuda.”

Os ‘olhos’ de Nano ficaram agitados. “Um caso de lesbianismo não seria um escândalo no Japão?”

“De fato, só posso presumir que a influência dos Mikuni alcança a mídia,” Invasora respondeu, já mostrando mais um perfil, de uma garota com cabelos e olhos rosa. “Apesar do baixo índice de presença, Kirika está matriculada na mesma escola de Nagisa. Na verdade, a maioria das bruxas são da escola de Mitakihara.” Ela então apontou para a foto. “Essa é Madoka Kaname. Eu fiz uma pesquisa profunda, mas não encontrei nada mais do que uma garota com uma confortável vida de classe média, com seus pais e seu irmão mais novo. No entanto...” Ela colocou o perfil de uma garota com tranças e óculos. “Essa estuda na mesma sala dela. Seu nome é Homura Akemi e pertence a uma família abastada em Tóquio, com grandes contratos de construção civil com o governo. Eu pude constatar que a família busca manter discrição quanto ao paradeiro dela. Ela fez uma cirurgia no coração e passou um longo tempo internada no hospital de Mitakihara.” Ela mostrou outra foto da mesma garota, com cabelo solto e sem óculos. “Hoje ela vive sozinha em uma casa e, segundo sua performance nas aulas de educação física da escola, ela se recuperou bem até demais.”

Revenante ironizou, “Impressionante...”

Invasora atualizou a tela, agora mostrando uma garota de cabelos azuis. “Outro caso curioso é da Sayaka Miki. Através de gravações de câmeras em postos de combustíveis e lojas de conveniência, eu sei que ela está acompanhando Kyouko Sakura pelo Japão. Ela também estudava na mesma sala de Madoka e Homura, além de estar relacionada com um paciente de hospital que teve uma milagrosa cura de sua mão, mas o que realmente descobri foi isso.” Na tela surgiu a foto de um documento de papel.

Açougueira forçou a vista. “Isso tá em japonisso, né?”

“Japonês,” Invasora respondeu, “e essa é a certidão de óbito dela.”

Isso chamou mais a atenção de Inquisidor. “Isso não é forjado?”

“Não. O corpo dela foi encontrado sobre a cama em um quarto de hotel, já com sinais de rigor mortis. O laudo da necropsia foi inconclusivo, não encontrando nenhuma lesão ou outra causa para a morte. Ninguém sabe como ela entrou na sala sem a chave e há outra pessoa envolvida devido a grande quantidade de embalagens vazias de comida no local, que ela não consumiu. O foco da investigação no momento é que fora um pacto de morte. Eu devo dizer que o funeral dela ocorreu um dia antes da tempestade.”

Inquisidor coçou a ponta do nariz, considerando antes de dizer, “Acreditava-se que essas novas bruxas usassem o corpo original de suas garotas mágicas para montar o disfarce, mas vejo que estávamos errados.”

Revenante bufou. “Isso é doentio...”

“A última que eu tenho para mostrar é Sasa Yuuki,” Invasora continuou, com o perfil de uma garota sorridente aparecendo na tela.

Açougueira ergueu a sobrancelha. “Essa parece que é safada.”

“Ela de Kazamino, cidade vizinha a Mitakihara, mas ela tem feito visitas regulares ao apartamento da Mami. Não é por acaso que escolhemos esse local para vigilância, tudo indica que esse é o cerne das bruxas na região.”

“Algo mais para acrescentar?” Inquisidor perguntou.

Invasora abriu a boca para falar, mas então se calou.

Ao contrário de Nano. “Podemos falar sobre o armamento militar pesado, incluindo uma plataforma de mísseis, e explosivos que foram encontrados na cidade após a tempestade.”

“Eu já me lembro melhor dos detalhes desse evento. É uma evidência de que há uma bruxa por trás do desastre em Mitakihara, mas não que seja Walpurgisnatch.” O homem pegou a cruz sobre mesa e deslizou o dedo pelo corpo do objeto. “Ademais, eu não vejo potencial suficiente em nenhuma dessas garotas, mas aquela garota com cabelo rosa, Madoka Kaname...”

Generalíssima não escondeu sua inquietude. “Sim?”

Os gestos dele seguiram as palavras. “Segundo o que Invasora apresentou, ela não teria nada para desejar e tudo para perder. Ela seria a candidata perfeita para o hipotético desejo que salvou a cidade e nos colocou nessa situação difícil. Fora isso, eu só posso dizer que os fundamentos da sua teoria ainda são fracos. O que pretende fazer com isso?”

Generalíssima assentiu. “Assim que contatarmos Washington, eu vou informá-los sobre nossas descobertas. Eles também devem estar investigando uma solução para podermos retaliar.”

Açougueira colocou mais doces sobre a mesa. “Isso se eles estiverem vivos.”

Revenante vociferou, “Suas asneiras têm limites, sua vadia!”

A outra respondeu mostrando a língua.

As palavras de Generalíssima foram severas, “Se Washington tivesse caído, nós já estaríamos mortas. Nós temos que manter a esperança. Assim que eu obtiver uma autorização deles, nós podemos executar uma operação de grande escala em Mitakihara.”

A mulher negra estava contente. “Se for pra se livrar dessas bruxas, eu tô dentro.”

Enquanto a garota mágica laranja duvidou. “Vocês realmente acham que matando elas vai resolver alguma coisa?”

“Não podemos ainda entrar em detalhes do que será feito, mas a neutralização das bruxas na área tornaria qualquer ação mais segura.” Generalíssima assentiu para Invasora.

Isso bastou para que a garota entendesse que era para colocar filmagem do apartamento de volta na tela, mas quando o fez, havia uma boca escancarada acompanhada de um grito estridente.

EEEEEEEIIIII! ALGUÉM AÍÍÍ? EEEEEIIIII!

Açougueira pôs as mãos nos ouvidos. “Ahhh! Vai toma no cu!”

Generalíssima levantou a voz, “O QUE É SORTUDA?”

Um olho azul desfocado olhou pela lente da câmera. “Vocês viram isso?”

Revenante ralhou, “Só tamo vendo a tua cara, criatura!”

Ela saiu da frente e todos viram que o apartamento estava mais vazio, com a garota loira, Mami, retirando a louça da mesa.

“Três pessoas acabaram de sair, duas garotas e uma criança,” Sortuda informou.

“Criança?” Generalíssima franziu o cenho. “A de cabelo branco?”

“Nem! Ela tá ocupada na cozinha.”

Os olhos rosa escuro de Generalíssima se abriram um pouco mais, enquanto os outros da sala trocaram olhares.

Foi Nano que decidiu manifestar o que se havia entendido. “Então é alguém que nós não sabíamos? Consegue descrevê-la?”

Sortuda respondeu, “Sei lá, eu acho que é uma criança pelo tamanho, nem tenho certeza se é menina porque tava usando capuz.”

“Sortuda, desabilite o zoom da câmera,” Generalíssima ordenou e olhou para Invasora.

A garota respondeu quase em um sussurro, “Entendido.” Ela esperou que a câmera mostrasse o topo da construção onde estava e sua gema no topo cabeça começou a brilhar intensamente, iluminando as paredes cinza da sala. Ela pulou para tela e então de prédio em prédio, em direção ao apartamento da Mami.

“Ela vai entrar?” Sortuda perguntou.

“Ela já entrou,” Revenante respondeu.

A mulher sardenta pulou na frente da câmera, bastante frustrada. “Ah! Por que não me avisaram? Eu queria ver se eu podia sentir se ela esbarrasse em mim.”

Generalíssima falou com frieza, “Proteja a câmera, ok?”

“É claro que eu vou, minha general fofa!” Sortuda deu um pulinho, dando um giro de 180 graus no ar na frente da câmera, e aterrissou rebolando a bunda com o seu rabo felpudo.

Generalíssima prendeu a respiração, apertando os lábios e olhou para trás.

Inquisidor estava esfregando o rosto e balançando a cabeça lentamente.

Nano anunciou. “Sinal detectado.”

Generalíssima estremeceu e olhou para o robô. “Agora?!”

“Sim, é de baixa freqüência.”

“Não pode ser...” A mulher abaixou cabeça. “Sem a Invasora aqui é impossível.”

“Não há problema!” o robô disse em uma voz alegre, “eu tenho instalado um software preparado por ela,” então ela falou em um tom protocolar, “preparando transmissão...”

A sala ficou em um silêncio que parecia ser longo demais.

Revenante sussurrava para si mesma, “Vamos lá, vamos lá, seja Washington, seja Washington...”

“Inicializando backdoor da NSA, redirecionando para proxy...” Nano ficou quieto novamente por um momento. “Algoritmo de cifração de dados completa. Linha está segura,” de repente, o robô mudou para outra voz feminina, com alguma interferência, “...guém, por favor, por favor...”

A mulher reconheceu de quem era. “Willa? É a Generalíssima.”

“O meu Deus, meu Deus... vocês estão vivos...”

Generalíssima sorriu, sentindo o mesmo alívio que estava vindo daquela voz. “Qual a situação? Você está perto de Washington?”

“Não, eu estou em Nevada.”

Aquilo foi como um soco no estômago para ela. “O que aconteceu?”

“Desculpe, desculpe...” A voz de Willa ficou mais chorosa. “Eu tentei a rodoviária. Minha amiga noviça de São Francisco... Ela estava lá com outras garotas que eu não conheço. Eu sei que elas são bruxas e estão atrás de mim, ela sabe que eu escapei. Desculpe... eu não pude... uu...”

“Está tudo bem,” Generalíssima disse de forma suave, “elas não viram você. Você fez bem. Quantas sementes você ainda tem?”

“Eu tenho uma, mas estou sem dinheiro e um dia sem comida. Hoje eu dormi em um ferro velho, vai amanhecer logo...”

“A fome vai exaurir sua gema da alma. Procure por comida no lixo de restaurantes e lanchonetes na área, lembre-se do treinamento.” Generalíssima suspirou. “Nós contamos contigo.”

“E se Washington não existir mais?”

“Isso não aconteceu, confie em mim.”

“Mas como posso confiar em uma garota mágica se ela disser que é de Washington?”

“Lembre-se que Matriarca reside lá, assim como outras competentes irmãs,” Generalíssima olhou de relance para Inquisidor enquanto respondia, “elas devem estar mantendo um vasto perímetro defensivo para manter a posição da atual base de operações oculta. Mantenha-se discreta enquanto se aproxima da região e espere testemunhar uma luta entre garotas mágicas. Essas bruxas disfarçadas, como qualquer outra de sua laia, deixam sementes das aflições quando morrem, assim você vai saber qual lado venceu.”

“Entendi...”

Ouvindo arfar vindo da caixa de som do robô, Generalíssima se deu conta que ela nem sabia a idade da garota. “Willa, quando isso acabar eu irei recomendar você para se tornar uma irmã, mas você terá sido mais do que isso.”

“Serei como você?”

Generalíssima sorriu em modéstia. “Eu posso ter salvado o mundo naquele dia, mas eu não estava sozinha. Você pode ser a pessoa que salvou a Irmandade em sua hora mais crítica. Que Deus e a alma de nossas irmãs lhe protejam.”

“Eles estão comigo.” Willa estava mais calma. “Eu preciso desligar ou estarei gastando muita magia.”

“Tenha certeza que nós estaremos aqui para receber sua próxima chamada,” Generalíssima afirmou.

“Transmissão encerrada,” o robô disse com a sua antiga voz.

Açougueira estava decepcionada. “Então a noviça só ligou por desespero, não dava pra esperar muito dessa aí...”

“Você tá torcendo contra a nossa melhor chance?” Revenante perguntou com tom ameaçador.

“Ela vai conseguir,” Generalíssima nem olhou para elas, dizendo com firmeza, “quando há outras vidas em jogo, você não desiste até completar a missão.”

Inquisidor anunciou, “Ela retornou.”

Generalíssima olhou para a tela e viu Invasora no topo da construção, franzindo a testa para uma absorta Sortuda que estava girando seus revólveres felpudos e apontando para direções aleatórias. A garota asiática então saltou, como se fosse aterrissar mais próxima da câmera, mas ela saiu da tela e tocou o chão da sala.

Generalíssima notou que a gema da Invasora estava bastante poluída. “Você obteve sucesso?”

“Felizmente elas não estavam muito longe.” Invasora mostrou na tela as duas garotas e a criança encapuzada sentadas em um ponto de ônibus. “Essas é uma das imagens que eu capturei.”

Inquisidor se inclinou para frente, interessado na criança, mas como ela estava de cabeça baixa, usando máscara, era difícil concluir qualquer coisa. “Tem um ângulo melhor da pessoa desconhecida?”

“Sim, mas é melhor vocês se prepararem.” Invasora mostrou um close-up da face.

Generalíssima arregalou os olhos.

Revenante pressionou as costas contra o assento da cadeira.

Açougueira verbalizou, “Mas que merda é essa, Invasora?! Ninguém pediu por um show de horrores!”

Já Nano foi mais descritiva. “Isso são pedras sobre a face dela?”

“Isso deve ser uma bruxa recém convertida que ainda está em processo de completar o seu disfarce humano,” Inquisidor ponderou, “ou talvez seja incapaz disso.”

“Seja o que for,” Açougueira falou, com nojo, “é beeeem assustador.”

Invasora fez aquela face desaparecer da tela, mas outra face apareceu, uma cheia de sardas.

“Gente? Eu ouvi uma comoção, vocês tão bem?” Sortuda indagou.

Generalíssima respondeu, “Não é nada, Invasora retornou, fique alerta.”

“Então Açougueira...” Revenante olhou para ela com desprezo. “Entendeu a gravidade situação? Ou ainda vai ficar fazendo piadinhas?”

“Que porra que tu tá falando?” Açougueira disse, irritada, “eu não preciso ser rabugenta que nem tu pra tá levando isso a sério.”

“Levando a sério?!” Revenante debochou. “Ontem mesmo você me disse que tava duvidando de tudo isso.”

Generalíssima ficou surpresa. “Isso é verdade?”

Açougueira se levantou da cadeira, abrindo os braços. “Eu falei por falar! A gente só ouviu falar dessas bruxas, ninguém aqui enfrentou uma delas.” Ela fez uma menção com a cabeça para Revenante. “Mas você não consegue manter essa tua boca de gorila fechada.”

A mulher negra se ergueu tão rápido que derrubou a sua cadeira.

Com um semblante cansado, Inquisidor levantou as sobrancelhas e cruzou os braços.

“Parem!” Generalíssima ordenou.

Mas Revenante tinha algo a dizer, “Eu tenho orgulho do que sou, ao contrário de você, que usou seu desejo para ter essa aparência.”

“E eu estou muito feliz com o que eu tenho.” Açougueira chegou a sorrir, mas então balançou a cabeça e ergueu as mãos. “Ok... eu tô cansado dessa merda, não vou mais ficar aqui.”

Generalíssima franziu a testa. “O que quer dizer?”

“Que deu pra mim, a Irmandade já era.” Açougueira apontou para si mesma. “Eu que não vou ficar nesse buraco aturando todos vocês, esperando que uma noviça chorona complete uma missão impossível. Eu vou sobreviver do meu jeito!”

“Você não dura uma semana lá fora,” Revenante afirmou.

“É aí que você se engana! Eu não sou chamada de Açougueira à toa.” A garota mágica laranja rangeu os dentes. “Mas só soltando um cutelo de dez toneladas sobre a sua cabeça pra você sacar isso.” Os olhos dela marejaram. “Eu sou uma irmã, né? Vocês não me tratam como uma igual, vocês acham que preparar comida é coisa sem importância.” Ela apontou para a porta de metal na sala. “Lá tem dezenas de noviças, que abandonaram os seus lares e algumas estão meses sem ver as suas famílias. Sem a minha boa comida, como pretendem manter a moral delas? Vocês é que não durarão uma semana.”

“Awww...” Sortuda ficou triste. “Não vai ter mais petit gâteau?”

Açougueira confirmou,“Não vai ter mais petit gâteau, nem tiramisu, nem profiteroles, nem churros, nem sequer pavlova.”

“Ahh! Pavlova não!”

Revenante revirou os olhos e dirigiu a sua palavra para Generalíssima. “Ela não pode sair daqui. Se as bruxas pegarem ela, a nossa localização estará comprometida.”

“Relaxa,” Açougueira falou, “eu nem sei direito em que fim de mundo estamos. Eu posso vendar os olhos se você quiser.”

Generalíssima respondeu, “É mais perigoso que ela fique e quebre a harmonia da Irmandade.”

“Viu?” Açougueira desdenhou, apontando para Revenante. “Sua puta preta.” Depois para Invasora. “Você também, puta chingling.” Para o robô. “Nanoputa.” E Generalíssima. “Puta sem sal.” Então ela olhou para a tela. “E você é uma puta de uma coelha, eu te ammooOÔÔÔ!”

“Você tá sendo rude, mas ó.” Sortuda fez um coração com os dedos e o colocou sobre o lado esquerdo do peito. “Vou ficar com saudades se você for embora, sua puta bandida!”

Açougueira se virou para Inquisidor.

O homem era o único que ainda estava sentado, sua cabeça inclinada, descansando sobre a mão. Sua expressão era calma, com um olhar que carregava curiosidade e certo desafio.

“Você... Sei lá... Putolô?”

Revenante respirou fundo, erguendo a mão esquerda. “Então posso matá-la?”

“Não!” Generalíssima foi firme em dizer, “a Irmandade não impede seus membros de a deixarem e eu irei honrar isso. Contudo, Açougueira, lembre-se que é uma decisão definitiva, você nunca mais poderá ser aceita como uma irmã caso volte.”

“Eu sou filha única.” Açougueira sorriu.

Generalíssima assentiu. “Não há mais ânimo para continuar essa reunião, darei ela como encerrada.”

Sem dar qualquer satisfação, Revenante colocou a cadeira no lugar e foi até a saída. Ela digitou um código no painel eletrônico e a porta se abriu, deslizando para dentro da parede. Ela saiu e, segundos depois, porta se fechou automaticamente.

Para a diversão da Açougueira. “Isso não tem preço...”

Generalíssima deu um suspirou e se virou para tela. “Sortuda, desmonte o equipamento e vá para o ponto de extração em quinze minutos.”

“Posso ficar mais um pouquinho? Eu queria ver algumas lojas. No Japão tem coisa super legal.”

“Não.”

Sortuda aproximou o rosto, com um olhar de pidão. “Ah vai néé! Tá, escuro, ninguém vai me notar, vão pensar que tô de cosplay.”

Generalíssima ficou ainda mais séria. “Ponto de extração em cinco minutos.”

Sortuda fez um grande beiço, inflando as bochechas, mas logo sorriu e beijou a lente, encerrando a transmissão.

Invasora desligou a tela. “Eu estou saindo da sala de segurança agora para purificar a minha gema, com licença.” Ela começou a tremeluzir como uma imagem que de fato ela era e então sumiu.

“Açougueira,” Nano disse, “entendo que implique com Revenante por ela ser dura contigo, mas não desconte em nós. Eu sempre considerei você como uma irmã.”

A garota semicerrou o olhar. “Não aja como se eu fosse estúpida. Vocês são tudo farinha do mesmo saco com essa atitude passiva-agressiva em relação a mim.

O robô não falou mais. As luzes de seus olhos apagaram e o corpo evaporou em minúsculas partículas cinza, formando uma densa nuvem que voou e entrou no duto de ventilação.

Açougueira sorriu, assentindo para si mesma. “É, vai embora criança mimada.”

Generalíssima passou por ela, indo em direção a saída. “Eu ainda quero conversar contigo, me encontre na minha sala.”

“Claro! Eu ainda tenho que juntar os meus pertences.” Açougueira a seguiu.

Inquisidor deixou a cadeira e ficou no caminho dela, com um olhar intenso.

“Que foi? Vai querer me dar sermão agora?” Um brilho prateado no canto do olho chamou a atenção de Açougueira para a cruz que ele estava segurando. Sua expressão debochada deu lugar para a tensão, enquanto cerrava os punhos.

“Tem algo que Generalíssima esqueceu.” Ele colocou cruz sob o cinto da cintura. “Uma irmã deve limpar toda a bagunça que fez antes de sair.”

Seguindo os olhos dele, Açougueira olhou para trás, vendo os doces espalhados na mesa e no chão. Quando retornou a atenção para o Inquisidor, o homem já estava saindo.

Contudo, somente quando a porta finalmente se fechou que ela relaxou os punhos. “Mas que cuzão...”

A mulher de cabelos brancos deixou a parede onde estava descansando.

Com pressa, Açougueira juntou os doces da mesa em um punhado e os comeu. “Hmmm... É... Acabaram os bons tempos da Irmandade das Almas.”

Sem esboçar expressão alguma, a mulher observou a garota se abaixar para catar os doces no chão.

Entre um doce e outro que ela comia, Açougueira resmungava, “E é tudo culpa dessa Generalíssima que tá achando que é general mesmo, e desse Inquisidor policiando tudo... Quem teve essa maldita idéia? Antes só as noviças que tinham uma vida ferrada, pras irmãs tudo era descontraído e livre.” Quando ela ficou de pé, ela sentiu um doloroso aperto no pescoço e subiu muito mais. “HNNNG?!”

A mulher ergueu a garota com uma mão.

“Agggnnh... ah?” Açougueira levou alguns instantes para registrar o que estava acontecendo. Ela segurou o braço forte da desconhecida e notou principalmente a grande gema negra na testa dela. [SOCORRO! SOOOCOOOORROOOO!!!]

Em um único movimento com a outra mão, a mulher arrancou a gema do peito da garota.

Pressentindo a morte eminente, Açougueira ergueu o braço em desespero e evocou um grande cutelo.

A mulher aproximou a gema da alma à da sua testa e a jóia se liquefez em uma essência laranja, que espiralou para a gema negra, pintando-a com o mesmo tom, mas esmaecendo para o rosa e então coberto novamente pela cortina de corrupção.

Um último arquejo e o corpo da Açougueira amoleceu, deixando o cutelo cair no chão. Ela e arma lentamente foram ficando transparentes.

A porta de metal se abriu e Revenante entrou na sala carregando uma semente da aflição. “Ei Açougueira, aposto que você iria esquec-”

A mulher moveu o olhar em direção a ela.

Revenante parou e piscou os olhos. Confusa, ela olhou envolta e para a semente em sua mão. “Por que estou aqui... com isso...” Ela balançou cabeça e saiu.

A mulher relaxou o braço, já que não estava segurando nada. Ela jogou o cabelo para trás e se espreguiçou, soltando um longo suspiro. Ela se aproximou da tela e a ligou. Na palma de uma de suas mãos materializou-se uma vasilha e colher, com bolas de sorvete de sabor abacaxi. Ela usou a outra mão para dar um toque especial, salpicando com confetes coloridos de chocolate.

Ela olhou para tela e saboreou uma colherada, sentindo o suave sabor doce e ácido derreter em sua boca e a crocância do chocolate ao começar a mastigar, enquanto os perfis das garotas de Mitakihara dançavam em seus olhos serenos.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.