Resposta

Capítulo Único


Sábado, 1h47min.

Se eu fosse alguns anos mais novo, talvez estivesse fazendo algo realmente interessante agora. Quem sabe fazendo headbang em algum show... Ou melhor, tocando guitarra em cima de um palco, com uma platéia de centenas de pessoas fazendo headbang. Ah, até consigo visualizar isso em minha mente. Todos gritando “Yuu” enquanto eu fazia um solo...

Infelizmente, isso é apenas um sonho.

Voltei a me concentrar no que fazia antes de me imaginar sendo um ícone do visual kei. Dei mais uma tragada em meu Marlboro, voltando a digitar aquele monte de palavras que eu denominava como história.

Não é que eu não goste de ser escritor. Eu gosto muito das palavras e de criar textos que qualquer pessoa possa ler. Mas ultimamente eu ando odiando tudo que escrevo. Meu editor, o imbecil do Akira, sempre me diz que os manuscritos estavam até melhores do que antes e de que eu não devia me preocupar. O negócio é que meus romances estão dramáticos e clichês. Não sei o porquê de eu estar exagerando tanto.

— Yuu...

Aquela voz! Virei-me devagar, me deparando com o rosto sonolento do meu melhor amigo.

— Vem dormir, está tarde. – sussurrou ele, a voz saindo ainda mais rouca.

Como amo aquela voz.

— Ainda não, Kou. Se eu não terminar “Sob o Luar” hoje, o Suzuki-san não vai parar de gritar no meu ouvido. – disse, sorrindo minimamente.

Até o nome do meu livro é clichê.

Kou sorriu também, sem mostrar os dentes. Aquele simples ato me proporcionava uma estranha alegria.

Vivo com o Kouyou desde quando meu primeiro livro foi publicado. Somos muito amigos, quase como irmãos e foi quase inevitável que morássemos juntos. Ele é uma pessoa incrível, daquelas que são boas em tudo que fazem, sabe? Ele poderia ter escolhido a carreira mais difícil de todas e ainda assim teria tido sucesso. Hoje em dia ele é fotógrafo e, segundo ele mesmo, eu sou o motivo dele amar fotografias.

“Você é bonito.”

Acredite ou não, aquelas foram as primeiras palavras que eu ouvi sair de sua boca. E até hoje eu as escuto. Kouyou é um homem muito bonito, mas prefere fotografar tudo que não fosse ele mesmo. E esse tudo, geralmente sou eu.

Voltei minha atenção para o computador, relendo as últimas palavras que escrevi, suspirando. Por que meu coração está tão acelerado?

“Ela tinha os lábios mais belos, pareciam ter sido desenhados por deuses. Seus cabelos negros e longos balançando junto ao vento, seus olhos misteriosos fitando-me. Yuuka, a mais bela das criaturas...”

Pergunto-me porque a mocinha de meu romance se parece comigo. Esse era outro fato que eu conseguia odiar com todas as minhas forças, um dos personagens principais sempre eram inspirados em mim mesmo. Eu não conseguia evitar, é como se eu quisesse viver em uma de minhas histórias. Um romance intenso e cheio de clichês.

— Yuu...

Sorri. Quando o Kou dizia meu nome daquela forma doce e manhosa, só poderia significar uma coisa. Ele estava carente.

E ele sempre estava carente.

Desliguei meu notebook, não me importando com o fato de eu não ter salvado tudo que escrevia. Fiquei de pé, apagando meu cigarro e andando a passos rápidos ao loiro parado e com o rosto inchado de sono. Segurei sua mão e guiei-o até seu quarto, apagando as luzes que ainda estavam acesas naquela casa.

Deitei na cama espaçosa e fofinha de Kouyou, sendo imitado por ele, que puxou um cobertor sobre nossos corpos. Não foi preciso esperar muito, logo os braços do meu amigo puxavam-me para perto, envolvendo meu corpo em um abraço possessivo.

— Por que você é assim, tão carente? – perguntei com um sorriso, retribuindo o aperto.

E ao invés de responder, o loiro apenas voltou a murmurar meu nome. Meu coração estava tão acelerado, sentir o calor do corpo de Kou era reconfortante. O aconcheguei mais em meus braços, fazendo com que sua cabeça repousasse sobre meu peito, enquanto meu queixo fazia um carinho involuntário em sua testa.

Eu havia concluído que estar daquele jeito com ele era tão bom quanto um show de heavy metal. Mas também era muito perigoso. Já faz meses, ou melhor, anos em que eu me sinto estranho com o Kouyou. Quer dizer, eu o amo. Mas é normal amar tanto assim um amigo? Eu já cheguei a pensar que estava apaixonado, mas isso é impossível. Ok, não é impossível, só que isso estragaria essa amizade longa que cultivamos até então.

— Estou tão confuso. — sussurrei para mim mesmo, crente de que o loiro já dormia.

Senti sua respiração morna bater calmamente contra minha pele. Levei meus dedos até seu rosto, contornando-o e imaginando-o. Mesmo no escuro eu podia ver aquele rosto delicado demais para alguém com seus quase trinta anos. Contornei seus lábios com as pontas dos dígitos, sentindo sua maciez, sua temperatura.

Ah, aqueles sintomas malditos que escrevia em meus textos horrorosos; mãos trêmulas, batimentos cardíacos acelerados, borboletas no estômago...

E nesses clichês eu encontrei a resposta. Não era preciso tanta confusão, tudo o que eu queria sempre esteve ao meu lado.

Toquei suas bochechas de leve, antes de levar minha boca até elas. Beijei cada uma com brandura, arrastando meus lábios até os semelhantes de Kou. Foi um beijo calmo, sem nenhuma intenção de ser correspondido ou intensificado. Mas cheio de um sentimento forte e verdadeiro, que só agora me dei conta de que ele existia dentro de mim.

Para minha surpresa, os lábios de Kou se entreabriram e sua língua acariciou-me. Beijamo-nos calmamente, enquanto minha mão esquerda ia de encontro à mesma de Kouyou. Os dedos se entrelaçaram de imediato, as palmas sendo pressionadas. Eu não podia ver seu rosto, mas eu tinha a certeza de que suas bochechas estavam avermelhadas.

O beijo foi terminado, mas eu continuei a selar todo rosto daquele que descobri que amava. Ele ria baixinho, intensificando o aperto das mãos entrelaçadas. Quando acabei meu “festival de ósculos”, voltei a abraçá-lo como antes. Fechei meus olhos, enquanto sorria como um retardado apaixonado.

Naquele momento, palavras não eram necessárias. Já compreendíamos o sentimento um do outro apenas com aquele ato lindo e intenso. Porém, ouvi a rouca e gostosa voz de Kou sussurrar as palavras mais belas e verdadeiras e que eu guardaria eternamente em meu coração.

— Eu te amo, Yuu. Boa noite.

Alarguei ainda mais o sorriso, pensando em como aquele momento parecia um sonho. Não era como estar em um show de heavy metal, ou tocar guitarra para o Tokyo Dome lotado de gente. Estar com Takashima Kouyou era um sonho maior e mais intenso do que qualquer outro.

— Eu também te amo, Kou.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.