Ele chega e, sem falar nada, senta-se no chão, encostado à minha cela. Sei que é ele antes mesmo de vê-lo, pelo andar confiante e indiferente, como se nada o pudesse barrar - e acho até que não pode mesmo. Não me levanto da minha cama, ou devo dizer, do meu colchão. Continuo encarando o concreto da cama acima da minha, vendo as tentativas de escritas feitas com algo que não sei identificar ainda. Não há anda aqui para ser usado para escrever em um concreto.

— Eu vou voltar todos os dias, Molly. E vou ficar aqui por horas a fio, até que você converse comigo.

Não é a primeira vez que ele faz isso. Eu já perdi as contas de quantos dias estou aqui. Mal me alimento e só tenho roupas limpas porque Sherlock tem trazido pra mim, com a ajuda de Mary.

— Molly, você precisa me deixar te ajudar. Não vou permitir que você seja culpada pela morte de Moriarty.

É isso. Alguns dias atrás eu matei Moriarty. Ainda sinto a faca entrando em seu corpo sem resistência e o sangue morno escorrendo pela minha mão.

Eu quis matá-lo.

Depois de fingir a própria morte no telhado, em um acordo com Sherlock, Moriarty o traiu mais uma vez. Prometeu entregar Sherlock para um peixe ainda maior e ao não conseguir localiza-lo, veio atrás de mim. Quando cheguei em meu apartamento, ele estava lá. Tentei fugir, mas ele me agarrou. Me bateu. A raiva tomou conta de mim, em partes pelo o que estava acontecendo e em partes por ele ter me enganado quando namoramos. Em um segundo que ele se distraiu eu corri para a cozinha e a última memória que tenho é de sentir a textura de madeira do cabo da faca quando minha mão se fechou nele. Então, um golpe. Dois. Três. Quatro. Não sei quantos foram. Era como estar em um sonho ruim. O cheiro de sangue me despertou. Eu mesma liguei para a polícia.

— Matei meu ex. - Foi o que eu disse, ainda em estado de choque, sem raciocinar direito.

Eu sei, devia ter dito "matei um grande criminoso internacional, um psicopata, um monstro", mas não adiantaria. Por que? Você não acha estranho que mesmo tendo o olho inchado e o lábio partido pelo murro que ele tinha me dado, ainda não houve alegação de legítima defesa? Como eu disse, o peixe que queria Sherlock era um tubarão. Moriarty foi apenas uma peça facilmente descartada, pois quando eu fui presa alguém muito influente viu a chance de atrair Sherlock de volta para Londres.

Funcionou. No dia seguinte ele entrava indignado na delegacia.

Quando ouvi a voz alterada de Lestrade dizendo que nada podia fazer, que não era sua culpa, eu já sabia o que estava acontecendo.

— Você não devia estar aqui. Vá embora. Fuja enquanto você pode fazer isso. - Foi tudo o que eu disse. Nós dois estávamos condenados e eu só conseguia ver tudo desmoronando em minha volta.

Sherlock tentava dia após dia me convencer de que poderia me tirar dali. Lestrade havia desistido de tentar barrar sua entrada, e eu só queria que ele fosse embora, que se escondesse, que nunca mais voltasse. Não poderia aguentar perde-lo. Achei que se ficasse em silêncio, se aceitasse meu destino, ele desistiria de mim, iria embora e me esqueceria ali. Mas ele sempre voltava, como agora.

— Minha opinião é a mesma de uma semana atrás. Posso até ir embora, mas só depois de tirar você daqui.

Uma semana. Era o tempo que eu estava aqui. Quantos planos para matar Sherlock já tinham sido tramados nesse tempo? Qual o tamanho do risco que ele estava correndo?

Vá embora, Sherlock, por favor.

Lágrimas começaram a escorrer dos meus olhos. Se eu começasse a falar com ele, ele não desistiria de forma alguma, mas ficar em silêncio também não estava funcionando.

— Eu fiquei três anos escondido, Molly. - Ele nunca conversava, a maior parte do tempo ficava em silêncio e às vezes falava algo sobre me tirar dali, então isso atraiu minha atenção. - Foram três anos sem poder me comunicar, correndo riscos e tendo que mudar de lugar a cada pouco tempo. Às vezes eu sentia o cheiro do St. Barts - ele ri de uma forma irônica -, eu nem sabia que conhecia tão bem o cheiro de lá, então tudo que eu queria era voltar pra época em que a gente analisava um corpo.

Levanto-me sem perceber e quando vejo estou sentada ao seu lado, também encostada nas grades da cela, de costas para ele. Sherlock vira a cabeça para me olhar e pela primeira vez durante esses dias, nós nos encaramos. Seus olhos brilham, mas há um tom de dor ali quando ele percebe que eu estou chorando.

— Moriarty demorou para perceber que você importava pra mim. Você, Molly, sempre foi a que mais importa. Eu nunca poderia fugir e deixar você aqui. Sabe por quê? Porque quando eu estava fugindo, sozinho, era pra você que eu queria voltar. E como eu ficaria em paz sabendo que deixei você nesse lugar, quando na verdade queria você comigo?

Fico choque com essas informações e passo a chorar ainda mais. Tudo que eu mais queria está acontecendo e eu estou presa. Matei uma pessoa e estou presa.

— Se você não tivesse matado Moriarty, eu mesmo teria feito depois de ver seu rosto. - Ele leva a mão até a minha, onde seguro com força a grade. - Me deixe tirar você daqui.

Assinto e ele sorri pela primeira vez, então escuto o que ele havia planejado. Parecia impossível dar certo, mas eu já tinha desistido de contraria-lo.

—--***---

Dois dias se passaram e eu mal tinha dormido. Como não poderia me tirar dali por meios legais em um tempo hábil, Sherlock havia planejado uma fuga. Durante a noite, quando ouvi uma explosão e gritos, soube que ela estava em ação.

Um homem encapuzado apareceu em frente à minha cela e demorou apenas alguns segundos para que eu o reconhecesse como Sherlock. Lestrade o acompanhava e suas mãos tremiam. Ele nada falou quando abriu a fechadura que me prendia, mas seus olhos diziam que aquilo era um erro.

Assim que a porta foi aberta, Sherlock segurou meu braço e nossos olhos se cruzaram. Mesmo com seu rosto coberto, dava para ver que ele sorria.

— Me siga, Molly.

Então, nós corremos. Havia fumaça, pessoas caídas e outras pessoas mascaradas dando cobertura para a nossa fuga. Entramos em um prédio próximo, onde Sherlock tirou finalmente seu capuz e me guiou para o elevador, onde fomos até o terraço. Um helicóptero nos esperava ali.

Antes que pudéssemos alcançar o helicóptero ouvi a porta do terraço se abrir novamente, e passos apressados que vinham até nós. Olhei em desespero para Sherlock, mas ele me olhava com tranquilidade.

— Suba no helicóptero, Molly. Vá.

As armas já estavam apontadas para ele e gritavam pedindo por sua rendição. Como eu poderia deixa-lo? Estava acontecendo tudo que eu tentei evitar. Balancei a cabeça em negativa, sentindo as lágrimas escaparem mais uma vez.

Sorrindo e ignorando os seguranças que o ameaçava, ele me puxou para seus braços e me abraçou.

Pude sentir seu perfume e o calor do seu corpo junto ao meu. O mundo poderia parar aquele instante. Desejei com todas as minhas forças que esse momento congelasse para que eu pudesse viver em seu abraço.

— Vá, Molly. Mycroft vai cuidar de você. - Me agarro ainda mais em seu sobretudo, quero absorver cada milésimo de segundo que estou com ele. Quase reclamo quando ele se afasta um pouco de mim para me olhar. Seus olhos são firmes no meu e sua voz não passa de um sussurro quando diz:

— Eu vou encontrar você.

Então ele se vira, com as mãos pra cima em sinal de rendição e se ajoelha. Sinto um par de mãos me puxar e me guiar até o helicóptero.

Nós decolamos ao mesmo tempo em que ele é obrigado a deitar, sendo algemado. Sinto meu coração despedaçado, é como se tudo que eu conhecia deixasse de existir da forma como era. Em duas semanas toda a minha vida mudou e eu tinha perdido a pessoa mais importante para mim. No fim, tinham conseguido exatamente o que queriam. Me usaram como isca para capturar Sherlock.

Demoro a ouvir alguém falando comigo pelo fone que nem sei quem colocou em mim. Quando meus olhos voltam a focar, vejo que é Mycroft à minha frente, chamando meu nome.

— Molly? Ele vai voltar. - Diz quando percebe que finalmente o estou ouvindo. - Quando você menos esperar, ele vai estar de volta. Sherlock sempre volta.

Eu em agarro àquelas palavras. Quero acreditar nelas.

Quero acreditar que um dia Sherlock virá me resgatar novamente.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.