Reprise Sa Chanson...

Cap. 33: Eis seu nome


–Elas são lindas. – eu disse, sorrindo.

–Fico feliz que as acha assim, Srta.

Eu me encontrava sentada no jardim da casa de Jon. A grama macia acariciava minhas pernas nuas, e inocentes copos de leite estavam em minha volta, balançando com o vento. Além disso, eu não me encontrava sozinha ali. O jardineiro, que havia se apresentado como Leo, trabalhava sorridente e alegre nas rosas mais ao fundo. Vez ou outra, ele voltava-se para mim, e eu percebia que o sorriso ainda encontrava-se em sua face meio enrugada pelo tempo.

Era bom ver que alguém sorria.

–Prefere rosas... ou tulipas? – ele me perguntou, tirando-me de meus devaneios.

–Particularmente... – “girassóis.” – tulipas.

–Então, - ele disse, aproximando-se. – uma flor para uma flor.

Eu sorri, enquanto ele me entregava uma tulipa amarela. Eu acariciei suas pétalas, enquanto ele sentava-se ao meu lado, retirando as luvas.

–Obrigada. – eu agradeci, ainda fitando a flor.

–Parece-me murcha...

Voltei-me para ele, entortando a cabeça.

–Não acho. Pra mim, ela está perfeita.

–Eu não estava falando exatamente da flor... Acho que usei o termo errado. Triste, seria melhor.

Eu não voltei a olha-lo. Eu encarava as pétalas amareladas, passando os dedos sobre elas.

–Aconteceram muitas coisas. – eu disse, simplesmente.

–Eu soube. E sinto muito também.

–É...

–Dentre essas coisas... Desculpe-me intrometer... Mas tem algo relacionado ao rapaz Blacked?

Eu fitei-o, curiosa.

–Ao Jon? Bom... também... A gente brigou um pouco, na verdade.

–Entendo. Aliás, eu acho que não. Namoro jovem nunca foi meu forte. – ele riu, e o acompanhei. – Entretanto, eu posso dar minha opinião?

–Claro.

–Bom, fazia um tempo que não via o rapaz Blacked daquele jeito, Srta. Mesmo que estejam brigados, ele ainda... fica mais feliz quando está com você. – ele fez uma pausa. – Eu não sei o que levou a briga, mas, se for pelos motivos que eu penso... acho que seria meio compreensível e perdoável.

–O que quer dizer? – eu perguntei, surpresa. Será que ele... sabia de tudo?

O velho riu, e arrumou o chapéu na cabeça.

–Eu trabalho nessa família a muito tempo, Srta. Blacked. E eu sei de muitas coisas que já aconteceram nessa casa. – ele voltou-se para mim, sorrindo. – Pare e pense no motivo que levou a briga de vocês. Talvez, perdoa-lo seja mais fácil.

Eu fitei-o por um bom tempo. A flor ainda estava em minha mão, sendo chacoalhada pelo vento. Ele não parava de sorrir, seus olhos miúdos desaparecendo na expressão alegre em sua face.

Alegre, não. Eu acabei utilizando o termo errado também. Estava mais para... triste.

–Bom dia, Leo. Bom dia, Melanie.

Virei-me bruscamente e me deparei com Jon parado no alto da escada que dava para o jardim. Estava com um olhar meio sonolento, mas pelo menos já havia trocado de roupa.

–Ah, bom dia, rapaz. Está um belo dia. – Leo disse, levantando-se e passando a mão na calça. Eu me ergui também, batendo na grama que havia grudado no meu short. – Estava conversando com essa bela e interessante moça. Tem sorte de tê-la conquistado, Sr.

Jon virou-se para mim e sua face permaneceu sem expressão.

–Sim, eu tenho. – ele disse, simplesmente. – Vamos tomar café? A mesa já está posta.

–Claro. – eu disse, começando a andar. Quando notei que Jon já havia entrado em casa, voltei-me para o jardineiro, que já havia voltado ao trabalho.

–Vou pensar no que disse. – falei. Ele voltou-se para mim e assentiu, sorrindo novamente. – Obrigada pela flor.

Voltei-me para a entrada da casa e adentrei-a, subindo até o quarto e deixando a tulipa lá, antes de descer para o café.

~*~

A tarde chegou rapidamente naquele dia. O Sr. Blacked saiu pela manhã para visitar a família Young, e voltou com a notícia que a mãe do garoto já havia parado de chorar. Aquilo aliviou-me um pouco.

Depois do almoço, eu segui para o sofá e fiquei folheando algumas revistas ali. Nada demais, meu inglês ainda estava meio fraco então eu não entendia muita coisa. Limitei-me a ver as fotos que preenchiam algumas páginas.

–Quer visitar a cidade?

Virei-me para a entrada da sala, e me deparei com o moreno, encostado no hall. Pelo visto, ele realmente queria sair, pois usava uma roupa para a ocasião (calças jeans, blusa de mangas compridas e um casaco sobretudo).

–Lembrei... – ele continuou. – que você disse que sempre quis conhecer Londres. Posso ser seu guia.

Não pude deixar de sorrir. Ergui-me do sofá e larguei a revista sobre a mesa.

–Só vou me trocar e já volto.

Subi para o nosso quarto e vesti-me rapidamente. Optei por um vestido esverdeado (um milagre eu optar por uma peça assim) e calcei minhas botas de cano curto, para incrementar o vestuário. Peguei um casaco qualquer e uma bolsa, deixando o quarto com a varando aberta.

–Vamos? – eu disse, quando voltei ao andar de baixo. Jon me olhou de cima abaixo, antes de passar o braço sobre meus ombros.

Seguimos primeiramente para a cozinha, onde Sophie tagarelava sobre alguma coisa com Joana. Assim que nos viram, calaram-se.

–A gente vai sair um pouco. A pequena aqui precisa arejar a cabeça.

–Se pudesse, ia com vocês. – Sophie disse, fazendo bico. – Mas, não quero atrapalhar o passeio em casal e tenho que resolver algumas coisas. Então, bom passeio e juízo!

Ri com o comentário da garota, antes de sairmos da cozinha e seguirmos para o carro (o carro do Lucio, no caso).

Jon deslizava com o veículo, como quem realmente conhece o local. Admirando as paisagens britânicas, eu me perguntei quanto tempo ele havia passado ali. E, mais, se em todo esse tempo, ele tivera uma parcela de felicidade.

–Em que hospital Helena está? – ele me perguntou, mas sem olhar-me nos olhos.

–Hospital Esperança.

–Quer visita-la?

–Acharia muito bom...

Andando por estreitas ruas, que serviam de atalho, não demoramos a chegar lá. Identifiquei-me, tendo, mais uma vez, de assinar papéis e realizar toda a burocracia. Com Jon em meu encalce, fomos apresentados ao novo médico de minha mãe.

Thiago estava certo. Seu nome era Luciano

–Olá. Deve ser filha da Sra. Helena? – o homem disse, abrindo um branquíssimo sorriso. – Acompanharei ela a partir de agora. Você... era amiga do Thiago, certo?

–Sim, ele cuidou da minha mãe por um bom tempo...

–Dez anos, estou certo?

–Exatamente.

–Certo, certo... E você – ele voltou para Jon, ainda sorrindo. – quem é?

–Jon, meu namorado. – “Deuses, isso soa estranho!”

–Ah, sim, sim. Casal jovem, tão lindo. Bom, querem vê-la? Já está perfeitamente instalada.

Seguimos o moreno e chegamos ao quarto. Novamente, vi a mesma figura, deitada sobre a mesa cama, ligada aos mesmos aparelhos. Aquela velha ponta de tristeza voltou a cutucar meu interior.

–Gostariam de ficar a sós? – ele perguntou.

–Claro.

O homem assentiu, e deixou a sala, ainda sorrindo. Eu e Jon nos aproximamos da cama, e pude enfim segurar a mão dela.

–Oi, mamãe.

–Olá, Dona Helena.

Acariciei seus dedos pálidos, e notei uma pasta que jazia sobre os lençóis. Inclinei-me e peguei-a, analisando a papelada.

Nada havia mudado. A ideia de desligar os aparelhos ainda estava ali, e, bem embaixo dela, uma grande assinatura do Dr. Pedro, deixando claro sua opinião.

Fechei a pasta com força, e larguei sobre a bancada. Jon nada disse, apenas observou o movimento. Provavelmente, lera o conteúdo por cima do meu ombro. Voltei a fitar a face pálida de minha mãe. “Eu ainda quero ver seus olhos...”, pesava eu.

Assim que deixamos o hospital (Luciano ainda sorria quando despediu-se de nós), seguimos por uma movimentada rua, sem destino ao certo.

–Achei ele suspeito... – ouvi Jon comentar.

–Quem? O Luciano? Porque?

–Sei que não deveria me intrometer nesse assunto, mas... ele sorri demais.

–E o que isso tem haver?

–Não era um sorriso normal, Melanie. Era... de quem esconde algo. Eu entendo disso por causa do local onde trabalhei...

Pare e pense no motivo que levou a briga de vocês.

Eu voltei a pensar naquele instante.

Talvez, perdoa-lo seja mais fácil.

Mordi o lábio inferior, antes de perguntar:

–Não quer parar em algum lugar e beber algo quente? Estou com um pouco de frio...

–Por mim, tudo bem. – ele não sorriu.

Paramos em uma cafeteria, e eu pedi dois chocolates quentes. A cremosa e magnífica bebida não demorou a chegar.

–Isso é... fantástico... – falei, maravilhada.

–Estamos num lugar onde o frio é rigoroso. Bebidas quentes são sempre mais pedidas.

Voltei-me para ele, que brincava com a colher da sua xícara. Acariciei meus braços. “Vamos lá.”

–Jon, posso te perguntar uma coisa?

–Não me responsabilizo pela resposta. – ele respondeu, frio. Mas eu não dei maior relevância ao tratamento.

–O setor em que você trabalhava... na empresa do seu pai... ainda existe?

Finalmente, ele fitou-me. Seus olhos castanhos revelavam mistério, e a falta de expressão em seu rosto de deixava mais curiosa ainda.

–Porque isso agora? Porque está perguntando sobre esse assunto?

“Direto.”, pensei. Depois de mais um gole da minha bebida, continuei:

–Porque... eu quero saber. Preciso de mais peças para terminar o jogo.

–Isso não é um jogo.

–Então porque ficamos jogando? Que eu saiba, eu não sou totalmente sua namorada, Jon.

Ele desviou o olhar e suspirou. Havia ficado um pouco irritada, de fato, mas não me importei com aquilo. Desabafar as vezes é bom.

–Eu não sei se ele ainda existe. Eu não vou a empresa a um bom tempo. – ele disse, voltando a não olhar para mim.

–Na época que você trabalhava lá, - continuei. – quantas pessoas tinham no setor?

–Eu não sei, Melanie. Eu não lembro. Acho que mais de cinquenta...

–Quer que eu pare?

Ele fitou-me e logo riu abafado.

–Seria injusto com você... Continue.

Sorri, vitoriosa, antes de voltar ao meu raciocínio.

–Então,... como funcionava o serviço? Seu pai mandava e vocês o faziam?

–Exatamente assim.

–Deuses... Ahn, mas porque ele criou esse setor? Sabe, eu não vejo essa como a única maneira de resolver o problema. Existem várias empresas que disputam entre si, mas não chegam... a esse ponto...

–Elas não chegam ao esse ponto, ou você ainda não descobriu que elas também não fazem isso?

Fitei-o, assustada. Aquilo estava indo longe demais...

–Não importa. – ele continuou. – De qualquer forma, você precisa entender uma coisa: aquele Lucio, aquele homem que se apresentou para você, que sorriu e te deu Bom Dia hoje,... aquele homem não é o mesmo homem da empresa onde eu trabalhava. Se tem uma pessoa que sabe trabalhar muito bem com máscaras, é ele...

Minha perna balançava freneticamente debaixo da mesa. Eu estava ansiosa. Ansiosa para dar um fim em tudo aquilo, em descobrir tudo. Ansiosa para perdoa-lo, ansiosa para... compreende-lo.

–Mais alguma pergunta? – ele perguntou, encontrando-se na cadeira.

–Sim, eu...

–Espera. Não pode ser. – um sorriso brotou em seus lábios, e ele ergueu-se da mesa.

Virei-me para ver aonde ele ia, e o vi abraçar um garoto.

“Espera.”, pensei.

–Caio? A quanto tempo! – ele dizia, cumprimentando o moreno.

“Um minuto. ”

–Jon, você cresceu pirralho. – ele disse, sorrindo também.

“Aquela voz. Aquele... sorriso. ”

–Vem, eu quero que conheça alguém.

“Pare. ”

–Caio, - ele disse, ambos a minha frente. – quero que conheça Melanie, minha namorada.

Quando ele me viu, seus olhos também se arregalaram.

Um encontro às cegas.

Sem troca de nomes.

Uma válvula de escape para minha droga de vida.

Bom, agora minha válvula tinha nome. Caio Blacked.

Continua...