Remember

Decisão tomada


[Tom narrador Mode-On]

Cinco dias já haviam se passado. Já estamos na quinta-feira e percebi que Alicia estava melhorando cada dia mais. Porém ainda dormia o dia todo, por conta dos medicamentos, que já estavam quase no fim. Por causa disso, eu devo ir embora hoje ainda, infelizmente.

Por alguns momentos eu quase fui descoberto! Mas consegui me esconder e evitar isso. Muitas vezes ela, sem noção alguma de tempo, me perguntava as horas e eu mentia, por ser bem tarde e não haver desconfianças. Bill vinha aqui todos os dias e ficava algum tempo conversando com ela, até que era deixado no vácuo pela sonolência de Alicia.

Durante esses dias em que estou aqui, passeei com o Valentim, arrumei a casa, a cozinha e pude descobrir muito mais do que eu sabia sobre ela, apenas observando as coisas do apartamento. Olhei o que havia em cada canto e passei a vê-la de uma forma mais abrangente e sinto como se a conhecesse a vida inteira. Assisti todos os vídeos do pen drive da caixa vermelha e mesmo não entendendo nenhuma palavra dos diálogos, já foi o bastante para me sentir parte de sua vida.

Ficar um tempo aqui “sozinho” foi bom, pois pude refletir bastante. Percebi o quanto mudei ao longo dos anos, priorizando outras coisas na minha vida. Há alguns anos atrás, eu jamais faria tanto por uma mulher, nem se eu estivesse interessado. Eu queria sempre conhecer cada vez mais moças, para incluir na minha agenda telefônica e chama-las quando surgisse vontade. A sensação de tê-las aos meus pés me fazia bem. Hoje não sinto mais aquela necessidade devastadora de encontrar “carne nova” toda a semana. E eu até que tentei esses tempos, mas não deu muito certo... Esses casos que não passam de uma noite já não me preenchem mais. Acho que com o tempo, fui saindo dessa vida naturalmente. Não de uma vez, mas sim aos poucos. A gente vai ficando mais velho e com isso nossa mente vai mudando, pois adquirimos maturidade. Eu jamais pensei em ter um relacionamento sério com alguém, até que conheci a Alicia e tudo mudou.

Terminei de arrumar o quarto de hóspedes, percebi que ela ainda estava dormindo e decidi ir até uma padaria para comprar o que comeríamos no café da tarde. Aproveitei e comprei também a ração do Valentim, que tinha acabado. Não demorei nem meia hora e voltei ao apartamento. Olhei para o quarto mais uma vez e notei que ela tinha levantado e estava no banheiro. Coloco a sacola na cozinha e vou para a área de serviço encher a tigela do cachorro, que deveria estar faminto. Ouço a voz de Alicia ecoar de longe dizendo: “Tom, você está aí?”. Se eu respondesse da área ela não iria ouvir, por isso voltei para que ela visse que eu estava lá sim.

Quando alcancei a sala, vi através da porta entreaberta ela sentada na cama, de costas para mim, colocando o soutien e em seguida a blusa. Eu gelei ao presenciar essa cena. Fiquei paralisado e senti minhas bochechas corarem. Não sabia como reagir! E geralmente nos momentos em que tem uma mulher seminua na minha frente, eu sempre soube! Mas dessa vez, a situação era diferente... Ela era diferente!

Dei um passo largo e voltei até a cozinha. Respirei fundo. Acho que ela não percebeu minha presença.

— Vamos lá, Tom! Volte lá e finja que não viu nada! – disse a mim mesmo.

E foi isso que fiz. Me recompus e fui até o quarto, bati na porta, ainda entreaberta e entrei. Com uma expressão intacta, como se nada tivesse acontecido.

— Você me chamou? Estava na área de serviço enchendo a tigela do Valentim. – disse.

— Eu estava tomando banho e não vi você chegar!

— Comprei algumas coisas para tomarmos café da tarde, vamos?

— Sim! – se levanta da cama e vem em minha direção. Quando passa por mim, eu gelo e fico vermelho mais uma vez, mas continuo andando atrás dela.

Vou em direção à cozinha pegar as coisas e ela me acompanha, para ajudar.

— Como você se sente? – pergunto, para disfarçar e também desviar aquela cena da minha mente.

— Bem melhor, nossa! – ela suspira. - Mas ainda com um pouco de sono.

— Os remédios já estão no fim... Você deve acabar de tomá-los amanhã de manhã.

— Eu não sei nem como te agradecer por tudo que você fez por mim essa semana, Tom! De verdade! Você me ajudou demais!

— Não fiz nada que você não faria por mim. – sorrio.

— Me diga o que posso fazer para retribuir, por favor! – ela me olha.

Penso por alguns segundos até que a ideia vem clara na minha cabeça.

— Que tal um jantar, no sábado? – digo sem pestanejar.

— Topo! Mas não chega nem aos pés do quanto você se ocupou comigo!

— Não tem importância! Para mim é suficiente! – eu insisto.

Após o café, fomos assistir na TV um filme que iria começar. Só que na metade dele, Alicia já estava no 15º sono. Eu me levantei, para deixa-la descansar tranquilamente e fui arrumar minha mala, pois amanhã de manhã eu partiria. Quando estava quase acabando, recebo uma ligação do Georg.

— Fala, Georch! – atendo, com um tom de voz baixo para não acordá-la.

Como estão indo as coisas aí na casa da sua mulher?— ele pergunta, curioso.

— Minha mulher? – ergo a sobrancelha e sorrio maliciosamente. – Ela está bem melhor! Cuidei dela direitinho, se é que você me entende...

Ahhh seu safado! Então você já deu o bote?— ele ri do outro lado da linha.

— Infelizmente ainda não, mas não passa de sábado! Convidei ela para jantar e dessa vez tomei coragem: vou mostrar meu interesse. – conto, orgulhoso de mim mesmo.

É isso aí meu amigo, agora botei fé! Vou torcer por vocês dois daqui da Alemanha!— ele fica orgulhoso. –Bill já tá sabendo disso?

— Não, ele ainda não veio aqui hoje e prefiro contar pessoalmente. – faço uma pausa. – E como estão as coisas aí? Você viu minha mãe e o Gordon?

Está tudo ótimo! Eu vi eles ontem e estão bem. Você acredita que o Gustav arrumou uma namorada?

— Sério? Por essa eu não esperava!

Nem eu! Mas é o que parece! Ela é recente... Acho que se chama Linda.

— Vou ligar pra ele depois e obriga-lo a me contar tudo!

Faça isso mesmo e me conte, porque ele anda bastante sumido! Tom, vou ter que desligar... Depois nos falamos mais! Manda um beijo pra Alicia e um abraço pro Bill!

— Mando sim, pode deixar! Até mais. – desligo a chamada.

Nem quinze minutos depois disso se passam e Bill chega ao apartamento. Como Alicia ainda dormia, eu aproveito e conto tudo para ele, que ficou animadíssimo.

— Meu Deus, vai choveeeeer! – ele vibra. – Não acredito que esse dia chegou! Vou até tatuar a data nas minhas costas!

— Larga de ser brega! E não crie expectativas antes da hora! – advirto.

— Alicia vai ser minha cunhada, Alicia vai ser minha cunhada! – ele pula de alegria e eu fico olhando a cena com cara fechada, pra ver se ele desconfia que não tá bonito não!

— Anda, me ajuda a colocar a mala no seu carro antes que ela acorde.

— Você vai embora hoje?

— Sim, as doses dos remédios acabam agora a noite e ela já está praticamente recuperada.

Foi a conta da gente voltar, ela acordou. Bill tinha trago comida para o jantarmos e esses foram os últimos momentos meus como “morador” desse apartamento.

Vou sentir saudades de passar os dias aqui.

[Tom narrador Mode-Off]