Reino da Magia

Vai acontecer uma briga.


Depois de alguns segundos de indecisão, eles voltam a trocar olhares e em seguida todos acabam olhando para Nicolas. Estava escolhida a pessoa que irá conversar com aqueles estranhos.

—Eu?

—Você parece ser... O mais bem articulado de todos, Nick. Além do que... Você enfrentou John lá na carroça. Não é mesmo, pessoal?- diz Serena sendo apoiada pelos outros.

—Hunf! Tá bom...

Mesmo reclamando Nicolas deixa seu grupo e se aproxima devagar dos outros. Duas senhoras que conversavam reparam sua aproximação.

—Então, Sra. Liadan! Depois desses últimos acontecimentos eu e Herman pensamos duas vezes antes de trazer Ricardo pra cá. Dizem que ‘aquela gentinha’ anda rondando as entidades de ensino. Mas decidimos trazê-lo assim mesmo. Não temos que ter medo deles, não passam de arruaceiros sonhadores.

—Concordo plenamente, Sra. Berker! - o nome ‘Berker’ chama a atenção de Serena, que procura ouvir atentamente a conversa, mas a distância não ajuda. - Não temos que nos esconder, eles sim! Afinal, a vida continua e... Que cheiro é esse? Cheiro de queimado...

—Hum... Que odor horrível!

Nicolas para de caminhar. Não se sabe se foi pelo cheiro ou por causa do comentário das senhoras, mas pouco a pouco todos deixam suas conversas e passam a observar aquele estranho garoto, que nota que virou o centro das atenções e recua passo a passo até se juntar ao seu grupo novamente.

—É pessoal... Agora eles perceberam que estamos aqui.

—Por que você voltou? Vai lá falar com eles, vai!

—Tá bom! Tá bom... Tudo eu, que coisa!

Todos passam a reparar naquele curioso grupo sujo e mal cheiroso. Nicolas segue a ordem de Serena e volta a caminhar, dessa vez com passos firmes. Começam os comentários.

—Quem será essa gente? Calouros? - Renan.

—Vejam! Um deles está vindo nessa direção. - Sidney.

—Hunf! Essa escola está aceitando qualquer um agora? Não se misture com essa gente, Munique.

—Nem se eu quisesse, Mamãe!

—Não encarem, meninas! Senão ele pode acabar vindo aqui. - diz Ricardo. - A não ser que queiram a companhia dele ao invés da minha.

—Preferiria a companhia de um gambá! - comenta Margot, fazendo todos rir.

Nicolas passa pelos grupos de Ricardo, Sidney e por Munique, mas não vai falar com nenhum deles. “Vamos ver: Bando de bocós, metidos, esquisita...”. De repente ele olha uma garota com vestes de camponesa, sem brilho. A senhora que a acompanha também não está tão elegante quanto às outras. A garota é mais alta que ele, um pouco obesa, de olhos verdes e cabelos loiros trançados que tocavam seu busto. Ela reparou nele vindo em sua direção. Ele a encarava. Aqueles olhos a afrontava e por isso ela tentou desviar o olhar. Virava o rosto, mas aquele garoto maltrapilho não desistia. Nicolas está nervoso, mas tomou coragem e foi falar com ela. Ela não parecia ser esnobe como os outros e sendo simples, entenderia seu problema. Ele se aproxima, ela passa a encará-lo. Eles ficam frente a frente.

—Er... Oi!

—O que foi? Nunca viu uma garota? Se você continuar me encarando assim, vou virar sua cara pelo avesso!

Nicolas fica sem ação depois dessa recepção. Mas não tem dúvidas da ameaça da garota após ouvir o estalar dos dedos enquanto ela fechava o punho esquerdo.

—Que é isso, Bertha! Não precisa ser rude com o... garoto. - diz a senhora que a acompanha, cobrindo o nariz com uma das mãos.

—Não estou sendo rude! Estou até avisando antes pro bem dele, oras.

Nicolas olha para as duas, dá um leve sorriso para Bertha e sai de fininho voltando para seus colegas. Serena o interroga.

—E aí! O que ela disse?

—Nã... Nada de mais. - diz Nicolas, tentando disfarçar sua reação.

—Então pergunta pra outra pessoa!

—Vou, mas não vou sozinho! Todo mundo tem que ir comigo. - "Pelo menos não vou apanhar sozinho, eh!”, pensa Nicolas.

—Tudo bem, mas é você que fala! - diz Serena.

Nicolas vai à frente e os outros o seguem. Ele caminha na direção de Ricardo. “Bem, com a garota simples não deu certo, vamos tentar com os engomadinhos”. Ricardo alerta as garotas.

—Não olhem agora, meninas, mas a ‘turma do terror’ está vindo nessa direção. - as garotas se mostram apreensivas, mas ele as tranquiliza. - Não se preocupem, eu falarei com eles.

—Pode deixar que eu cuido delas, Ricardo. - finalmente diz o garoto de cabelo preto e olhos escuros, com um leve sorriso nos lábios.

—Você, David? - pergunta Clara - Não, obrigada! Prefiro arriscar e esperar sozinha por Ricardo.

As outras garotas seguem o exemplo de Clara e se afastam dele, que fica sem graça e coloca as mãos nos bolsos do casado para disfarçar. Nicolas e seu grupo se aproximam de Ricardo e seu grupo. Ele se lembra das aulas de boas maneiras que Rose lhe deu. “Podia morar em uma taverna, mas nem por isso seria mal-educado,” dizia Rose. Ele olha para as garotas e vira-se para Ricardo, que já o esperava à frente do grupo.

—Bom dia! Senhoritas, Senhor... Desculpe o incômodo! Eu me chamo Nicolas West e, se possível, gostaria que me dessem algumas informações. Eu e meus amigos aqui... Bem, nós viemos de longe e estamos procurando um castelo... - ele para de falar ao perceber o som das risadas aumentando gradativamente.

—Ah! Ah! Senhor? Eu não sou tão velho para ser chamado de senhor. - lhe diz Ricardo. - Diga-me uma coisa, criatura! De qual latrina você saiu?

O som das risadas aumenta.

—Latrina? - pergunta Nicolas.

—É o único lugar que imagino de onde possa ter saído esse cheiro de suor, queimado... Nem precisava dizer que veio de longe. E pela aparência, parece que veio se rastejando. Não creio que esta instituição esteja aceitando mortos de fome, a não ser que seja um zumbi. Que tipo de criatura da noite é você? Pelos farrapos que veste creio que deve ser um licantrope indigente e sua matilha.

A conversa deles chama a atenção dos outros.

—Diz aí, Sidney! Você tem algum parente mendigo?

—Cala a boca, Alisson! - responde Sidney, que assim como os outros prestava mais atenção na conversa de Ricardo e Nicolas do que nas tolices do seu amigo.

—Licantrope indigente? Ouça aqui, cara! Eu só quero uma informação. - Nicolas estava perdendo a calma.

—É um pobre coitado! Aposto que nem sabe o que é licantrope. E indigente? Sabe? Significa pobre, mendigo... E como está atrás de informação devo presumir que também está perdido. Não passa de um miserável que está na pior. Há! Aqui não é o lugar de vocês, vão embora!

Nicolas se enfurece, cerra os punhos e fica bem perto de Ricardo. As meninas se afastam um pouco, os outros esperam pelo pior.

—Ih! Olha lá! Vai acontecer uma briga. - alerta Renan.

—Que legal! Nem começaram as aulas e já vai ter uma briga. - Alisson.

—Coitado daquele garoto, ele não sabe com quem está mexendo. - diz Paula. - Ricardo vai fazer picadinho dele.

—Tem razão! Acho que ele não sabe quem é o Ricardo. - comenta Sidney - E vai saber pela pior maneira.

Nicolas desabafa.

—Escuta aqui, garoto! Minha aparência não é das melhores, eu confesso, mas isso aqui é apenas o lado de fora. Diferente de você, que tá aí todo engomadinho, emperiquitado, cheirando a pó de arroz, parece mais uma donzela, mas é podre por dentro. É isso que você é: ‘Pó de arroz!’ E não me venha com palavras difíceis pra dizer o que sou ou não sou. VOCÊ NÃO ME CONHECE! Se voltar a me insultar de novo, vou virar sua cara pelo avesso.

—Ei! Essa frase é minha. - diz Bertha.

—Não se rebaixe ao nível dele, Ricardo! - alerta Alice.

—Nick! Não arrume confusão. - também alerta Serena, mas já era tarde.

—Vejam só, garotas! Até no meio do lixo podemos encontrar uma flor. - repara Ricardo

—Isso é uma garota? - diz David, que deveria ter continuado calado.

—O quê? - rebate Serena, surpresa.

—Deixa Serena em paz! Sua conversa é comigo, ‘Pó de arroz’! - insiste Nicolas.

—Argh... Agora eu sei! Esse cheiro horrível não vem só de fora, também vem de dentro de você. Cheiro de porco! - revida Ricardo.

—Pelo menos não sou como você que tem cara de porco. Meu problema eu resolvo com um banho. Já o seu...

Ricardo estende o braço esquerdo à frente, com os dedos abertos e a palma da mão voltada para cima. Ele lentamente ergue o braço, mostrando o gesto para Nicolas. Lucius se assusta pois nota que é o mesmo gesto que aquela senhora fez para os guardas na floresta. Pressentindo algo de ruim, ele dá um passo à frente, mas Serena o impede de continuar, procurando evitar mais confusão. Nicolas não percebe o perigo que está correndo. O olhar de Ricardo é ameaçador.