Reino da Magia

Eu sou Victoria Winston, radiesterista.


As crianças abrem espaço para a diretora, pois não parece prudente estar ao lado dela agora. A impressão que tinham é que Victoria iria ‘devorar’ Nicolas. Ela se aproxima dele, que a olha como um pássaro assustado diante da serpente. Mas quando ela ia começar a falar, alguém a interrompe...

—Victoria, minha cara! O que está esperando? - pergunta Mark, que vai ao seu encontro enquanto sinaliza para as crianças seguirem em frente. - Vamos, crianças! Podem seguir pelo corredor! Entrem na Sala de Exposição... Vamos Victoria, já estamos muito atrasados.

A diretora vira-se para o colega, mas não lhe diz nada. Ela passa por ele e segue junto com as crianças. Mark a acompanha com os olhos e assim que a perde de vista volta-se para Nicolas e Lucius.

—Ei! Eu pedi para atrasarem e não brigarem com ela.

—E tem como não brigar com ela? - diz Nicolas, sem receber resposta. - Bom... Já que o Senhor está aqui, quer dizer que está tudo certo.

—É! - confirma o professor. - Vamos logo antes que ela desconfie de alguma coisa.

Os três são quase os últimos a irem para a sala. Após passarem pelo corredor principal, eles viram à esquerda. Logo estão no corredor de acesso para a sala e notam muitas crianças paradas na entrada. Os três observam o grupo se dividir; umas vão para o lado direito e outras para o lado esquerdo do corredor da Sala de Exposição. Serena está do lado direito, perto da diretora, e olha preocupada para os garotos. O corredor é grande e as crianças se aproximam das paredes laterais sem dificuldade. Pode-se ver o tapete azul com bordas cinza que apesar de ser grande não cobria todo o piso. A iluminação fica a cargo das janelas laterais, mas também há lustres no teto e uma abertura à esquerda indica a passagem para os outros corredores da sala. O que Nicolas, Lucius e Mark não sabiam é que as crianças, por ordem de Victoria, estão abrindo caminho para a diretora ficar frente a frente com eles. Ela expõe seu objetivo, antes que qualquer um deles possa se manifestar.

—Aí estão eles, Senhoras e Senhores! Bem que eu desconfiei que alguma coisa estava errada assim que pisei neste corredor. - diz Victoria, caminhando na direção deles. E enquanto o faz, passa instruções aos outros - Esta é a Sala de Exposição. Ela tem esse nome porque aqui ficam expostos os quadros dos ex-alunos, professores, membros das entidades de ensino e figuras importantes da nossa sociedade. Nos quadros, as pinturas e as molduras são mágicas, portanto, vocês só conseguirão ver o que está neles usando magia por meio de um feitiço. Qual é mesmo o feitiço, Mark?

O professor, meio acanhado e desconfiado de que seu plano não deu certo, responde timidamente a pergunta feita de forma irônica por Victoria.

—Er... Revele-me seus segredos.

Revele-me seus segredos! - repete a diretora, abrindo os braços como se compartilhasse com todos a sua volta àquela descoberta. - Para aqueles que ainda não sabem, é um feitiço que faz com que qualquer criatura, até as inanimadas, contem o que o autor do feitiço deseja descobrir. É simples: imagine o que quer saber, toque de forma tenra naquilo de onde quer extrair a informação e faça o feitiço. A Sala de Exposição é um ótimo lugar para praticarem esse feitiço. Não é mesmo, Mark?

—S-sim! Vick, eu posso...

O professor se cala ao ver a diretora lhe apontar a palma da mão aberta, sinal de que é hora de ouvir e não falar. Ela se aproxima de uma reluzente armadura no canto. Com a mão direita, toca levemente no ombro da armadura e permanece nessa posição por alguns instantes.

Revele-me seus segredos! - diz a diretora, sendo observada atentamente por todos.

—Diretora Victoria... Que bom que a senhora está aqui. - responde uma voz masculina saindo de dentro da armadura. Muitas crianças se espantam, mas continuam observando a cena admiradas. E além de ‘falar’, a armadura podia se mexer. - A senhora tem que nos ajudar, está um caos total, fim do mundo, coisa de louco...

—Acalme-se querido! - pede a diretora, tirando a mão do ombro da armadura e cruzando os braços à frente do corpo. - Agora me diga: quem é você e o que houve aqui?

—Diretora, aconteceu uma verdadeira catástrofe aqui. Muita gritaria, quadros caindo, parte de nossos corpos voando pelos corredores... Foi horrível! Pra se sincero nem sei quem sou mais. Meu nome é Pedro, mas agora estou todo misturado, veja! - a armadura estende os braços à frente para que Victoria os visse. - Essa mão não é minha mão. É do Robert, a armadura que fica no corredor 6. E esse antebraço esquerdo é de Luí, do corredor 4, reconheceria esses pontos de ferrugem em qualquer lugar. Provavelmente deve estar com meu pé direito, já que o que está aqui não é meu...

—Já entendi! Você foi remontado de maneira incorreta. E provavelmente outras coisas devem estar fora da ordem também. Mas diga-me, quem foi o responsável por toda essa algazarra?

Um movimento da cabeça da armadura já mostra a todos quem são os acusados, mesmo assim a armadura decide falar.

—Foram aqueles dois garotos, Diretora. Apesar de um está com outra aparência, reconheceria os rostos desses intrusos em qualquer lugar. O Professor Mark estava atrás deles, provavelmente tentando afugentar essas criaturas desprezíveis do recinto, esses invasores, penetras...

—Er... Eles são os novos alunos dessa escola. - diz Victoria um pouco acanhada, o que faz a armadura se calar.

Victoria direciona a mão esquerda próxima da armadura e num estalar de dedos à sua frente faz o objeto cessar seus movimentos e voltar para a posição inicial. O feitiço foi desfeito, mas a bronca ainda continua.

—Eu sabia que vocês dois tinham aprontado alguma quando entraram aos berros na Sala de Aptidão Mágica. Mas você, Mark! Achou que o Viramundo seria capaz de consertar o que eles e VOCÊ fizeram? E ainda tentaram me iludir? Hunf! - a diretora faz uma pausa e expressando um pouco mais de calma volta a falar. – Quanto aos dois... Bem! Agora que são alunos, e isso vale para todos, fiquem atentos para não receberem o ADEUS.

—Adeus? - pergunta Lucius, de maneira ingênua.

Victoria o encara, mas era claro que suas palavras se dirigiam para todos.

—É como são conhecidas as penalidades para os desobedientes: advertência, detenção e expulsão! São as punições impostas pelo Conselho Místico para os indisciplinados e aplicadas em todas as entidades de ensino. Três advertências geram uma detenção; duas detenções geram uma expulsão. E acho que não preciso dizer o que acontece com aquele que é expulso de uma entidade de ensino... - Victoria se aproxima dos garotos. - Gostariam de saber?

Lucius e Nicolas ficam calados e apenas fazem um sinal negativo com a cabeça. Serena também presta muita atenção nas explicações da diretora e Ricardo esboça um leve sorriso. Agora chegou a vez do professor.

—E você, Mark, bem... Neil me informou que as fossas do castelo já estão limpas e eu preciso que você vá confirmar essa informação.

—Eu? - pergunta o professor, decepcionado.

—Sim! - reafirma Victoria. - Olhe só quantas crianças! Se alguma coisa tem que entrar, outra tem que sair. E o lugar para onde essa coisa vai precisa estar em ordem. Verifique as grades das masmorras, inspecione os dutos de lava, examine os canos de dejetos, confira o sistema de exaustão do mau-cheiro e o estado das portas, os portões de acesso...

As crianças trocam olhares enquanto a diretora instrui o professor, e Bertha sente um estranho aperto no coração vendo o professor naquela situação. Depois da bronca, Mark faz uma expressão de descontentamento e dá uma breve olhada ao redor antes de encarar Victoria. ela lhe devolve o olhar sem dizer uma palavra. Em seguida, ele abaixa a cabeça e faz menção de sair do recinto, mas a diretora o impede.

—Aonde pensa que vai? - interpela a diretora. Mark vira-se para ela com um olhar entristecido, e antes que possa dizer alguma coisa Victoria continua. - Depois que tudo estiver mais calmo, vá e faças suas tarefas. Agora, fique com as crianças do lado esquerdo e leve-as para o outro corredor. Eu me encarregarei do restante. Mas antes...

Victoria fica de frente para o corredor. As crianças a observam atentamente. Ela fecha os olhos e leva os braços à frente. Com as palmas das mãos abertas, coloca o pulso esquerdo em cima do direito.

—O que ela tá fazendo? - diz Nicolas, curioso.

—Ela vai girar a ampulheta do tempo. - responde Mark.

E é o que aparenta ser o gesto da diretora. Ainda com as mãos abertas, ela realiza um movimento circular para o lado esquerdo sem descolar os pulsos, fazendo um semicírculo, trocando a posição das mãos, ao mesmo tempo em que pronuncia o feitiço.

Tempus Fugit!

De repente todos são atingidos por um forte vento que inicialmente alguns pensaram vir do teto, outros das paredes, mas o vento ia e vinha de várias direções. Flashes luminosos aparecem e desaparecem pelo corredor. Parecia que iria chover naquele lugar, mas o mais estranho está por vir. Pequenos raios azulados brotam do corpo de Victoria. Surgem e desaparecem num piscar de olhos. Nicolas se espanta ao ver aqueles pequeninos raios saírem do corpo da diretora. E com certeza ele não era o único.

—Você viu isso! - exclama Serena para quem estava mais perto, Sidney.

—É por isso que ela é conhecida como a ‘Apaziguadora de tempestades’.

Eles mal têm tempo de trocar mais palavras e, assim como os outros, são surpreendidos por uma calmaria repentina. Não havia mais vento, luzes, agitação... Nada. Tudo parecia estar como antes deles entrarem naquele lugar, antes mesmo de Nicolas e Lucius passarem por ali... E estava.

—Bem, já que corrigi a ordem natural das coisas, prossigamos! - diz Victoria. - Passaremos rapidamente pelos corredores. Depois, com mais tempo, vocês poderão apreciar melhor os quadros. Crianças que estão do meu lado esquerdo sigam o Professor Mark. O restante vem comigo.

Antes que a Diretora pudesse dar continuidade, ela ouve uma voz que lhe chama a atenção.

—O que foi isso? - pergunta Nicolas.

—O que foi o quê? Ah, se refere à mudança no espaço-tempo que eu fiz para consertar o que vocês fizeram aqui? - ela aponta para os três ao mesmo tempo. - Hunf! Tudo está no seu devido lugar, como antes de vocês colocarem os pés nessa sala.

—E-Eu vi uns pequenos trovões saírem dos seus braços... Eram trovões mesmo? - continua o curioso garoto.

—Ah, é isso! Lembra quando conversamos sobre dom natural? Pois é, essa é a minha natureza. No futuro, os seres humanos irão estudar, guardar e até mesmo manusear esses ‘pequenos trovões’ que você mencionou. E vão chamar esse fenômeno natural de 'eletricidade'. Raios, trovões, relâmpagos... Minha magia consegue manipular as cargas elétricas estacionárias ou em movimento. Eu sou Victoria Winston, radiesterista. E para seu bem, não se esqueça disso!

Após um breve instante de silêncio, Victoria e Nicolas deixam de trocar olhares. As crianças saem de suas posições e seguem o professor Mark ou a diretora Victoria, conforme as ordens dadas. Serena, que está no grupo da diretora, resolve sair e vai até Nicolas e Lucius. Sidney a acompanha com os olhos, mas é interrompido pelos seus amigos Allison e Renan que o empurram para seguirem a diretora. Nicolas e Lucius percebem a aproximação de Serena.

—Então... - diz a garota, timidamente. - Agora somos ‘Aprendizes de Feiticeiros’, né?

—É! - diz Lucius.

-Pois é... Serena! - responde Nicolas, que evita olhar para ela.

“Me chamou de Serena, ainda está bravo comigo”, pensa a garota. Ambos disfarçam o olhar. Parecia que estavam procurando as palavras certas para não se machucarem mais. A recente briga na Sala de Aptidão causou mais estragos do que deveria. Serena se aproxima mais deles e quebra o silêncio.

—Er... Vocês têm alguém que queiram ver nessa sala?

—Pra mim tanto faz... - diz Nicolas, coçando a cabeça.

—Tem uma Medieval que eu quero ver. - responde Lucius, com tanta firmeza que até Nicolas se surpreende.

—Também tem uma Medieval que eu quero ver. A diretora disse que vai passar pelo corredor deles, mas... - Serena esboça um leve sorriso. - Eu gostaria de saber se vocês querem conhecer a minha mãe?

Os garotos trocam olhares antes de voltar a encará-la. Lucius faz um sinal positivo com a cabeça. Agora a atenção de Serena está em Nicolas e sua resposta. Ele faz uma careta série, mas depois esboça um sorriso.

—É claro que sim, Cabelo de Fogo!

—Há! Me chamou de ‘Cabelo de Fogo’, não está mais bravo comigo? - pergunta Serena, com um largo sorriso.

—É claro que não, Cabelo de Fogo!

Serena está tão feliz que inesperadamente abraça Nicolas, que retribui o gesto. Então os dois, sorrindo, chamam Lucius para participar do abraço coletivo. A velha amizade de quando se conheceram está de volta, renovada. Nicolas notou que, por ter mencionado sua mãe, Serena estava abrindo seu coração. E que é hora dele deixar de fazer pirraça. Afinal amigo não é só aquele que passa a mão na cabeça, mas também dá uns puxões de orelha de vez em quando. também deve aceitar o que o destino colocou em seu caminho: uma vida como feiticeiro, os desafios que virão e os amigos que o acompanharão nessa jornada. Agora só falta encontrar o quadro de Silvia Fitcher.