DATABASE

As folhas caíam devagar, numa dança suave e sem pressa. Se não fosse pelo fato de sua atenção agora estar direcionada ao fim daquele tapete vermelho, provavelmente teria se distraído com a algazarra que acontecia no ninho de rouxinóis da árvore próxima.

Curioso como nunca se imaginara num lugar como aquele e pressentisse que aquele era o único lugar em que deveria estar naquele momento.

Convenhamos, a situação toda era estranha.

Alguns meses atrás nunca havia imaginado a possibilidade de se casar com quem quer que fosse. Naquela tarde, porém, estava ali, com seus olhos fixados na mulher que vinha até ele, ritmada pela valsa apropriada ao momento.

Sinceramente, não sabia nem mesmo o que estava sentindo ou se passando pela sua cabeça. A mistura da própria incredulidade do momento com a ideia de que dali a menos de uma hora se tornaria um homem casado, unidos ao fato dele não saber nem mesmo o que sentir em relação à sua própria noiva era confuso demais.

Pouco mais de cinco meses antes recebera a notícia de que iria se casar, e pelo que conheceu dela dias depois, viu que sua futura esposa tinha sérios problemas com personalidade dupla; dois meses depois percebeu que havia aprendido a lidar com tal fator e que até mesmo passara a enxergar a possibilidade de viverem sob o mesmo teto e não se matarem; naquele presente segundo então, com ela se aproximando de si a cada passo dado, carregando um olhar determinado e confiante, compreendeu finalmente o que Tomoko havia lhe dito minutos depois de conhecer a mulher com quem manteria um matrimônio.

De acordo com sua avó, sentimentos tão complexos quanto verdadeiros eram construídos e não adquiridos. Vinham como brotos de Sakura: devagar, desinteressantes e não parecendo dignos de atenção. Quando florescessem, entretanto, tomariam a atenção de tudo que estivesse à sua volta e mesmo quando suas pétalas caíssem, formariam a mais bela e poética paisagem, encantando a todos ao seu redor.

Talvez, só talvez, depois daquele dia, ele passaria a enxergar brotos de Sakura com outros olhos.

*♥*♥*♥*

A chuva fina caía lentamente e entre as nuvens densas, um sol fraco transpassava, fazendo com que alguns raios adentrassem a janela do quarto hospitalar. E ainda assim, embora o cenário que o astro tímido propiciava fosse fantasticamente belo, sua atenção estava totalmente voltada ali para dentro, onde observava, com os olhos fixos, os dois pequenos embrulhos adormecidos junto da mãe na cama.

Não fazia ideia se algum dia conseguiria descrever tudo o que estava sentindo naquele momento. Uma perfeita confusão, considerando que ainda estava se acostumando à ideia de que aqueles dois mini-futuras-pestinhas fossem seus descendentes.

Xingou mentalmente.

Ele era pai.

Meu Deus, ele realmente era pai.

Como a natureza poderia ter permitido que genes como os dele fossem passados adiante? Talvez a própria natureza estivesse realmente um completo caos, e não somente seu cérebro.

Sim, com certeza, a natureza perdera completamente a noção do que permitia ser criado. No entanto, ao observar inconscientemente os detalhes das pequenas faces coradas e rechonchudas, algo completamente diferente começara a murmurar em seu interior.

Mansamente, sem pressa e com cautela.

Ele era pai. Pai de duas coisinhas minúsculas por quem ele acabara de perceber que faria tudo, que daria tudo: seu tempo, sua devoção, seu amor... sua vida.

Não conseguiu evitar que um singelo sorriso surgisse em seus próprios lábios, ao ver algumas mexas dos cabelos longos de sua esposa caindo sobre o rostinho da pequena, que estava aconchegada mais próxima da mãe. Com cuidado para não acordar nenhum dos três, retirou os cachos macios dali, ajeitando-os atrás da orelha esquerda de Mayah.

Observou-os por mais alguns minutos, sem pensar em qualquer coisa. Apenas apreciando a cena, desejando mais que tudo gravá-la em sua retina, para que nunca mais saísse dali.

Mais uma vez, compreendera um pouco mais do que sua avó havia lhe dito mais de um ano e meio antes. Ali estava agora não somente as flores de seu pequeno broto de sakura desinteressante, como também seus frutos. Descobrira então que, sem dúvidas, aquele mínimo broto se tornara numa árvore muito maior do que poderia mensurar.

Observou os raios desaparecendo, mostrando que o Sol agora estava completamente obtuso, e então percebeu mais uma coisa: não precisava daqueles raios. Sua luz estava bem ali, adormecida à sua frente, mas tão quente e aconchegante quanto o próprio sol.

*♥*♥*♥*

Havia acabado de acordar e não sabia onde sua mãe estava. Por isso mesmo saiu pela casa à procura dela.

Procurou pelas salas, no escritório do pai, nas varandas, nos quartos de visita, tudo quanto é lugar da mansão — o que demorou no mínimo uns bons minutos, já que não era em nada pequena — e não a encontrou em lugar algum. Na verdade, não havia sequer visto Sayuri, sua gêmea.

Depois de voltar dos jardins, completamente frustrado, jogou-se desanimado numa cadeira da cozinha, na qual Rose conversava com Kaya e Kinana, que terminavam de preparar o jantar.

— O que houve Satoshi-kun? — perguntou a governanta, interrompendo sua conversa com as outras duas empregadas da casa.

— Aonde a mamãe foi? — respondeu com outra pergunta, fazendo um pequeno bico de manha.

— Ah, então era por isso que estava correndo pela casa como louco? — Riu-se Kinana, enquanto secava o último prato que lavara momentos antes.

— Eu procurei ela em tudo! Mas ela sumiu! — exclamou gesticulando com os bracinhos, num mal-humor fofo, já que não gostava da ideia de estar em casa sem sua mãe.

— Mayah-sama foi com Sayuri na casa de seu avô — Rose finalmente explicara, aproximando-se do pequeno. — E não faça todo esse drama. Ela não irá se demorar. Já, já volta. — Bagunçou os cabelos despenteados do garoto.

— Hai¹... — conformou-se, ainda que não estivesse muito satisfeito com aquilo. Logo largou mão da cara insatisfeita, no entanto, e pulou da cadeira, saindo da cozinha as pressas.

— Satoshi-kun! Aonde você vai? — A governanta seguiu-o até o batente da porta da sala de jantar, observando-o correr em direção às escadas.

— Vou esperar a mamãe chegar no quarto! — avisou já na metade dos degraus.

Dessa forma, assim que chegou ao andar superior, seguiu para o quarto que dividia com sua irmã gêmea. Quando se aproximou da porta do cômodo, contudo, mudou de ideia, indo em direção à suíte de seus pais, que ficava ao fim do corredor comprido, muito próxima ao dele, achando que era melhor esperá-la lá.

Entrando no cômodo, logo correu e pulou na cama, se largando no colchão grande e fofo. Adorava dormir ali, porque além de ser extremamente confortável, também tinha o cheiro de seus pais. Agarrou o travesseiro que sabia pertencer à sua mãe, puxando o ar para sentir o cheiro que ele exalava: uma mistura de alguma coisa doce com alguma coisa cítrica, embora isso não importasse muito para uma criança de três anos.

Enquanto se agarrava ao objeto fofo, virou-se de lado, encontrando algo que ele não se lembrava de ter visto antes no quarto — e ele visitava aquela parte da casa muitas vezes no dia e na noite, ainda que suas visitas noturnas sempre acabassem com ele sendo arrastado de volta para seu próprio quarto pelo Comandante da Shinikayou. No canto próximo à porta do closet que seus pais dividiam, havia um baú marrom, de tamanho médio. Como sua curiosidade extrapolava os limites de uma criança enxerida — era o que dizia seu pai —, não demorou a largar o travesseiro e ir até o objeto amadeirado.

Abaixando-se até se ajoelhar diante do baú, abriu-o sem hesitar, encontrando um bocado de coisas lá dentro. Havia alguns papéis que pareciam ter sido escritos por Gintoki, assim como alguns outros objetos os quais não o interessaram nenhum pouco. O que chamava a atenção do pequeno Sakata, na verdade, eram os tecidos desconhecidos, dobrados e arrumados no canto, onde repousava uma bokutou².

Sorriu animado pela descoberta e sem pensar muito se deveria ou não mexer naquilo — o que ele costumava fazer antes de aprontar qualquer coisa, já que não era muito divertido levar bronca dos pais e ainda ficar de castigo —, encaminhou suas pequenas mãos até a fonte de sua atenção, onde pegou a espada de madeira e logo em seguida as peças de roupa. Nunca as tinha visto, mas já sabia a quem pertenciam. O cheiro que se impregnava ali era, com certeza, de seu pai.

(...)

Jogou o molho de chaves sobre o armário de canto no hall de entrada e logo já passou a tirar suas luvas.

Estava exausto. Completamente esgotado.

Definitivamente aquele havia sido o pior dia do último mês. Só de lembrar-se de toda a papelada que precisou adiantar naquele dia para que não acumulasse ainda mais, já começava a se conformar que provavelmente teria pesadelos com papéis voando em volta de sua cabeça e o sufocando dentro de seu escritório. Então lembrou-se que no escritório em casa também havia, no mínimo, uma pequena montanha de documentos que precisava assinar e encaminhar.

Estava começando a repensar sobre ter ido pra casa.

Será que não poderia apenas largar aquilo pra outro dia e ir para o bar de encher a cara? Seria ótimo pra variar, já que fazia séculos que não fazia isso. Sequer se lembrava mais como era estar bêbado.

Céus, ele precisava redescobrir o que era a embriaguez, sem contestações.

Ou melhor, sem contestações até encarar o porta-retratos sobre a estante próxima a si, onde sua esposa sorria com os gêmeos ainda com poucos meses no colo.

Um arrepio perpassou sua espinha.

Era realmente excelente que aquela foto permanecesse ali, para sempre lembrá-lo que caso cedesse àquele tipo de tentação, seus filhos provavelmente ficariam órfãos de pai.

— Ah, jovem mestre. Boa noite. Chegou agora? — Rose entrou na sala, sorrindo amigavelmente, como sempre.

— Boa noite, Rose — cumprimentou voltando a caminhar em direção às escadas. — E sim, neste instante — respondeu à pergunta da governanta. — E... por falar nisso... — Parou mais uma vez, finalmente percebendo que estava tudo silencioso demais. — Onde estão os moradores desse lugar?

— Bem, Mayah-sama foi até a casa de Souichirou-sama com Sayuri-chan. Há uma meia hora Satoshi-kun disse, depois de fazer muito drama, que iria esperar a mãe no quarto, estava subindo agora mesmo para ver porque estava tão silencioso — explicou sorrindo divertida. Crianças como Satoshi, quando ficam quietas por tempo demais, são sempre para se preocupar.

— Ok. Eu vou tomar um banho. Quando eu descer arrasto ele junto, então não se preocupe — avisou já subindo os degraus, fazendo Rose rir por um momento.

— Tudo bem. Vou falar com Kinana e Kaya para porem o jantar — informou e então seguiu para a cozinha.

Gintoki, por sua vez, subiu para o andar superior, parando à porta do quarto das crianças, para falar com o filho, mas o cômodo estava completamente vazio. Enrugou a testa, tentando imaginar o que aquele pequeno pestinha poderia estar aprontando.

— Satoshi? — chamou, mas sua resposta o surpreendeu muito além do que imaginara que o surpreenderia. — O que...

À porta da suíte, um pequeno ser idêntico a ele vestia peças de roupas bem conhecidas.

Seu antigo kimono branco, com detalhes azuis nas pontas que se arrastavam pelo chão, cobria a camisa preta em detalhes vermelhos, enquanto sua velha bokutou era segurada pelas mãozinhas do pequeno ser à sua frente.

— Olha, papai! Agora a gente vai ser confundido quando sair na rua! — comentou sorrindo grande, erguendo a espada de madeira em animação.

Simplesmente não conseguiu evitar.

A risada que surgiu em sua garganta fora externada com vontade, enquanto caminhava em direção ao pequeno.

— Agora você deu pra fazer cosplay de mim? — brincou se abaixando até ficar na altura do filho.

— Cos... o quê? O que é isso, papai? — questionou intrigado com a palavra estrangeira.

— Idiotas que se vestem como outros por não terem mais o que fazer.

— Aaaah, entendi. Pera… Oe!! Você tá me chamando de idiota! Eu não sou idiota, seu maldito! — xingou emburrando-se, o que fez o mais velho rir mais uma vez.

— Anda, vamos tirar isso antes que sua mãe chegue e nos confunda, não é mesmo? — Levantou-se pegando o menino no colo e entrando no quarto.

Sem dúvidas, nem se lembrava mais do cansaço que sentia. Só aquilo já tinha valido seu dia.

*♥*♥*♥*

Sentado confortavelmente em um dos sofás da sala de estar, Gintoki atentou-se ao fato de sua filha estar em silêncio por quase uma hora. Embora ela fosse muito mais silenciosa que seu gêmeo, não pôde deixar de reparar que estava diferente do normal, já que sempre que estava sentado ali há tanto tempo, relativamente desocupado, ela não demorava em subir ao sofá para iniciar uma conversa animada, contando histórias atrás de histórias as quais vivera, presenciara ou ouvira.

Pensando sobre isso, levantou seus olhos do pequeno livro que lia — Kasai havia mudado alguns artigos do Código Disciplinar da organização — e a olhou curioso com o que podia ter atraído a atenção de sua primogênita àquele ponto.

Sayuri estava deitada de bruços sobre o tapete fofo e recém-lavado; com vários lápis de cor espalhados à sua volta e um caderno à sua frente, se concentrava em pintar algo que ele não conseguiu identificar imediatamente. Assim que passou a olhar mais atentamente, porém, percebeu que havia alguma coisa disforme e arredondada no centro, com pernas e braços deixando seu interior, assim como uma cabeça e um pescoço ao topo.

Esforçando-se ao máximo para não confundir o desenho com um extraterrestre gordo e com membros desemparelhados, ele fechou o livro e abandonou-o sobre o criado ao lado. Levantou-se e achegou-se ao lado da filha, abaixando-se.

— O que exatamente é... isso? — Segurou o riso, tentando demonstrar alto interesse pela obra-prima em construção.

Sayuri, que aparentemente só percebeu a presença tão próxima do pai quando ouviu sua voz, sobressaltou-se de leve, e então o olhou sorrindo animada.

— É você, tou-chan³!

Embora tenha conseguido engolir a exclamação de indignação, não teve o mesmo sucesso com a surpresa.

— Eu? Esse... isso... é realmente eu? — Olhou melhor o desenho, tentando encontrar a semelhança.

A única coisa que podia-se dizer que o lembrava eram os rabiscos prateados que julgava serem seus cabelos.

— Sim! — Ela não parecia ter notado o tom de estranheza em seu questionamento; o que ele agradeceu intimamente, porque agora se sentia um péssimo pai. — A Ayume disse que hoje, na escola, a sensei pediu que todo mundo desenhasse o doce que mais parecia com seu pai, escrevesse uma mensagem e entregasse a ele, porque do dia dos pais! Aí eu queria fazer um também, mas não ficou tão bom quanto eu queria. Queria saber desenhar e pintar que nem a mamãe... — Fez bico, um tanto decepcionada consigo mesmo.

Ele sorriu. Claramente ela demonstrava naquele momento uma de suas características mais marcantes: o perfeccionismo.

— Até a mamãe precisou praticar muito para chegar aonde chegou — alegou tranquilamente, sentando-se ao lado dela, em posição de lótus. — E nem está tão ruim assim. — Autojustificou a mentira com a ideia de que estava sendo um pai legal com sua pirralha de 4 anos, decepcionada com ela mesma e com seu desenho. — Mais uns ajustes e vai ficar idêntico! — mentiu, muito mal por sinal.

Sayuri riu.

— Papai, isso não tem mais jeito. — Negou com a cabeça, sentando-se também.

Ele deu de ombros. Pelo menos tinha tentado. Mas observou mais um minuto a arte, tentando compreender que doce era aquele. Levou bons segundos pra finalmente saber o que era.

— Por que um mochi*? — perguntou realmente curioso pela resposta.

— Porque ele é branco. Foi o primeiro doce que pensei — respondeu sinceramente, dando de ombros. — Mas, parando pra pensar, — Levou o dedinho indicador direito à boca, numa expressão pensativa. — O mochi é meio sem graça quando a gente olha pra ele, mas quando come, é docinho, docinho. — Olhou subitamente animada e inspirada para o mais velho. — Igual você, tou-chan!

— Igual a mim? Você tá me chamando de chato? — perguntou confuso com a resposta, embora meio indignado mais uma vez.

— Não! — Ela riu com gosto novamente. — É que as pessoas que não conhecem a gente direito acham você chato e muito sério. A maioria dos nossos amigos têm medo de você. — Deu de ombros, desinteressada, mas ele guardou bem na memória que assustava a outras crianças. — Mas na verdade você não é assim Quer dizer, só quando tá trabalhando, — Pausou pensativa de novo. — mas de resto não! Você é engraçado e é legal. Por dentro o tou-chan é docinho que nem mochi! — Abriu seu maior sorriso, fechando os olhos, enquanto ruborizava de leve.

Ele permitiu-se observar por alguns segundos aquela face rosada que agora sorria tão doce quanto o mochi que ela mencionara. Sem dúvidas não esperava por aquela, mas ouvir tais palavras fez algo ronronar mansamente em seu interior, fazendo um calor crescer gradualmente em seu peito.

Sorriu novamente.

Puxando Sayuri contra si, sentou-a em seu colo, abraçando-a da forma mais terna que conseguia, e abandonou sobre os fios bastos e chocolates um beijo de igual sentimento.

— Assim então me parece que você é minha mochi-chan, certo?

Sua resposta foi apenas um “Hum!” afirmativo, que retribuía seu abraço com todo o calor que ele próprio emanava de dentro de si.

*♥*♥*♥*

— Ne, tou-chan. Me carrega pro quarto? — pediu com a voz manhosa a qual sua dona já levantava os bracinhos.

— E porque a senhorita não sobe sozinha? — Levantou uma de suas sobrancelhas, também levantando os olhos do documento que tinha em mãos para encarar a caçula, largada no sofá diante dele.

— Porque eu vou perder minhas perninhas se subir tuuuudo isso de degraus. Você não quer sua pequena fada sem pernas, quer? — Fez bico, chantageando absurdamente bem pra uma criatura de três anos.

Precisava urgentemente levar seus filhos às instituições de pesquisa do clã. Eles não podiam ser crianças normais.

— Aonde você aprende essas chantagens emocionais? — questionou já levantando-se e abandonando a pasta sobre a poltrona.

— O Satoshi-nii-san me ensina ― explicou, já sendo erguida pelo pai e então envolvendo seus braços em seu pescoço, aconchegando o rosto na nuca dele.

— Oh, me lembre de amanhã puní-lo por te ensinar essas coisas — pediu divertido enquanto subia as escadas.

— Hai... — Mayume concordou, sem saber exatamente com o que concordava, quase pegando no sono imediatamente.

Mal sabia ela que seu irmão roubaria seu pudim no dia seguinte como vingança.

*♥*♥*♥*

— Viu, Gintoki? Era só questão de tempo.

— Questão de tempo? Questão de tempo nada, seu filho me odiava. Eu tive que rezar pra uma divindade anciã num templo escondido em uma caverna numa montanha onde eu tive que subir vendado!

— Ah, Gintoki, as coisas que você diz pra não perder um argumento... — A morena suspirou, quase rindo do exagero de seu marido.

No entanto, entendia o ponto dele.
Soujirou, o adorável caçula de sua família, tinha apenas algumas poucas semanas de idade, das quais em nenhum momento deixou seu pai segurá-lo.
Desde que nasceu, toda vez que Mayah o colocava nos braços paternos, seguiam-se alguns segundos de silêncio, os dois olhando atentamente para as feições pequeninas, até que lentamente uma careta se formava e o recém-nascido desatava a chorar e não parava até que voltasse ao colo da mãe.
Eles não tinham nenhuma ideia do porquê desse comportamento, mas continuaram tentando acostumá-lo ao pai da forma que podiam, deixando-o ao menos próximo a Gintoki sempre que possível. E ao que parece, estava dando certo.

— Já faz dois minutos.

Ele encarava o rosto do pequeno Soujirou, que o encarava de volta, ainda alerta, à espera do berreiro.

— Você estava contando? — A mulher novamente segurou o riso.

— É só uma estimativa.

— Você não sabe fazer estimativas.

— O que você tem hoje? Desistiu de comer como um ser humano normal e decidiu se alimentar da minha desgraça? É nutritivo pra você jogar na minha cara como eu sou patético?! O que mais você quer de mim, mulher?!

Ela finalmente desatou numa gargalhada.

— Me pergunte isso de novo mais tarde — respondeu, entre risadas e uma piscadinha.

— Como você pode, na frente do próprio filho... — criticou, falsamente estupefato.

Deram então início a uma guerra de alfinetadas ambíguas sem se aperceberem do que estava prestes a acontecer até enfim ocorrer: um barulho ensurdecedor, capaz de derrubar o teto e arrancar a pele do rosto de um ser humano. Mas não de fato. Exagerar era uma coisa que o prateado costumava fazer até em sua própria mente.

O fato era que havia sido apenas o bebê presente que finalmente cansara de esperar para voltar aos braços de sua mãe, que ele sabia que estava ali, e resolvera deixar claro seu desejo através de um muito bem executado choro. O qual também cessou assim que sua mãe o tomou de volta.

— É isso mesmo, ele só quer saber de você — disse, amargo, observando-o enquanto Mayah o amamentava. — Olhe pra ele.

Olharam. O bebê aproveitava sua refeição mais tranquilo do que nunca, os olhos com volumosos cílios bem fechados. Sua pele era clara e tão fininha que chegando mais perto era possível ver os vários pequenos vasos sanguíneos que davam a cor rosada de suas bochechas. Os cabelos ainda poucos e curtinhos eram tão negros quanto os da mãe, porém, ostentavam também uma mecha branca como o permanente natural de Gintoki. Para seus corações paternos, era nada menos que o bebê mais lindo do mundo.

— Até na aparência ele prefere você! É a sua cara! Só o que ele tem de mim é essa mísera mecha branca! E se ele for igual ao pestinha? — Por "pestinha" se referia à Satoshi.

— Já tá na hora de parar, homem hipérbole! — A morena rolou os olhos, pensando como aquele homem havia tirado o dia para dramatizar tudo que pudesse. — O que mais você quer? Sayuri e Mayume te idolatram, deixe alguma coisa pra mim!

Ela respirou fundo, recuperando o fôlego, antes de continuar.

— Eu já te disse antes, relaxe. Se ele for realmente parecido comigo em tudo, você não precisa se preocupar em não ser o preferido. Mas o que eu realmente aposto é que ele vai ter mais de você do que imagina.

*♥*♥*♥*

Já passava das onze da noite e lá estava ela, enquanto penteava seus longos cachos negros em frente ao espelho de sua penteadeira, planejando como arrastaria seu marido pro quarto, considerando que ele parecia imerso no trabalho que levara pra casa para terminar.

Não podia e jamais iria reclamar sobre aquele ponto em especial. Gintoki, mesmo sendo tão ocupado em sua função como Comandante, se esforçava para ser sempre presente em casa, fosse como pai ou como marido. Sua insatisfação era simplesmente por birra — não que ela se sentisse orgulhosa em admitir aquilo. Birra porque poderia estar agarrada a ele na cama e ao invés disso ele estava lá no escritório, provavelmente xingando mentalmente toda a burocracia que seu posto exigia, além do trabalho em campo.

Ainda matutando sobre como faria para convencê-lo a ir se deitar, afiou suas orbes verdes vivas refletidas no objeto, encarando a si mesma e, determinada, largou a escova sobre o móvel, levantando-se enquanto bagunçava propositalmente seu robe em seda negra, o qual escondia o lingerie vinho escuro que delineava seu corpo esbelto e curvilíneo.

Após percorrer todo o caminho até o cômodo alvo, que ficava no andar térreo, encostou-se ao batente da porta, que se encontrava aberta, cruzando seus braços e passando a observar o homem concentrado na leitura de uma das dezenas de pastas com arquivos em cima da mesa.

— Assim parece que eu cometi algum crime e você está pensando na minha pena de morte. — A voz masculina cortou o silêncio local, embora seus olhos permanecessem fixados nos papéis em mãos. — Eu juro que não fiz nada.

— Assim parece que você é um criminoso cheio de culpa que assume crimes sem tê-los cometidos — devolveu na mesma moeda, ironicamente.

— Menos mal então. — Deu de ombros, deixando uma última assinatura no documento e passando para o próximo.

— Desse jeito parece que você está prestes a trocar alianças com um bando de papéis — comentou, descruzando os braços e pondo-se a caminhar em direção à mesa, após fechar a porta.

— É o que eu vou ter que fazer pra conseguir dar conta de toda essa merda. — Suspirou derrotado e irritado, largando a pasta sobre o tampo de madeira e finalmente encarando sua esposa, que agora se encontrava de pé à sua frente. Levantou uma de suas sobrancelhas ao notar a situação na qual ela se encontrava.

Mayah sorriu travessa, deu a volta no móvel amadeirado e sem cerimônias sentou-se em seu colo, já enlaçando sua nuca.

— Você quer mesmo me ferrar, não é? — reclamou irônico, supondo aonde aquilo iria acabar chegando e fazendo um bico de pura manha surgir nos lábios bem delineados de sua mulher.

— Eu não vou ficar parada enquanto você simplesmente resolve me trocar por essas montanhas de celulose — afirmou embirrada, voltando a cruzar seus braços e virando o rosto para a parede, arrancando uma risada sarcástica do outro.

— Claro, porque realmente é meu sonho viver com milhares de partículas de celulose ao invés de células repletas de oxitocina — sacaneou, mas logo tornou seu tom mais dócil. — Me desculpe Mayah, mas eu realmente preciso terminar isso. É uma merda e eu me odeio por estar dizendo isso, mas acho que hoje eu vou ser obrigado a ficar com as montanhas de celulose. — Sorriu se desculpando.

— Fique a vontade com seus papéis. Eu não vou sair daqui enquanto não te levar junto — avisou desafiante.

— Até porque não terei dificuldade alguma em me concentrar em listas, penas de crimes e relatórios de investigação com você em cima de mim, seminua e absurdamente sexy — revogou, mais uma vez repleto de sarcasmo.

— Pode tentar se quiser. — Deu de ombros e sorriu, voltando a circundar o marido com seus braços, aproximando seus rostos. — Eu não saio daqui.

Gintoki, por sua vez, baixou seu olhar até os lábios provocantes. Seu cérebro já começava a querer parar de resistir; poderia simplesmente carregá-la pra cima e jogá-la na cama e ocupar-se o resto da noite em fazê-la pagar caro pelo que estava fazendo.

― Mayah. Você. ― Levantou seus olhos, passando a encarar os verdes vivos da morena. — É uma mulher terrível. Deveria ser proibido esposas manipuladoras como você — reclamou jogando a cabeça para trás, passando a enxergar o teto, como uma tentativa de controlar a si mesmo.

Mayah, por sua vez, se ajeitou sobre seu colo e aproximou-se de seu ouvido, largando ali sua sedução em forma de um sussurro provocador.

— Eu posso te mostrar coisas muito mais interessantes do que palavras entediantes escritas por um de seus subordinados — concluiu, mordiscando de leve o lóbulo masculino.

E foi após esse gesto que, largando mão de todo o seu autocontrole, Gintoki a empurrou contra a mesa de forma brusca, embora tomasse cuidado para não machucá-la.

— Eu realmente vou te fazer pagar por isso... — declarou em voz baixa, também próximo ao ouvido da mulher, que sorriu satisfeita por alcançar seu objetivo.

Não foi preciso de muito mais que aquilo para seguirem em frente.

Concentrando-se no colar cálido dos lábios por ambas as partes, as mãos de Mayah já adentravam a camisa do marido, explorando cada centímetro de seu tórax bem definido, fazendo com que o beijo se aprofundasse cada vez mais. Assim que o ar faltou aos dois, a região de sua nuca fora tomada pelos beijos e leves mordidas que ele ali abandonava, provocando-a lentamente, enquanto também permitia que as mãos masculinas invadissem por entre o robe.

Quando conheceu quem na época era seu futuro marido, não imaginou que seu corpo fosse desejar tanto que aquelas mãos percorressem todo o caminho de suas curvas. E era exatamente assim que se encontrava naquele momento: desejosa pelo toque do homem o qual lhe pertencia. Assim como sabia que se sentia da mesma forma quanto a mulher que lhe pertencia.

Tanto um quanto o outro não imaginara, naquela época quando se conheceram, o quão grande aquilo se tornaria, e nem mesmo tudo o que construiriam juntos. Gintoki, principalmente, deveria ter levado mais a sério o fato de sua avó, assim como seu antigo mestre, nunca estar errada. Porque realmente, Tomoko nunca estivera tão certa em sua vida quanto no dia em que lhe falara sobre seu broto de Sakura.