Recomeços

Capítulo 4 - O Retorno


Por volta de meia hora depois disso o telefone tocou e a morena com mechas vermelhas atendeu enquanto a mais nova observava um pouco melhor o local em que se encontravam, dando uma maior privacidade à conversa da amiga, mas começou a estranhar quando Ruby começou a dar respostas curtas e pareciam cortadas pela outra pessoa no telefone. Assim que a morena desligou o telefone, parecendo mais branca que o normal.

— Ruby? - a menina perguntou hesitante, obviamente havia algo errado.

— Temos uma informação... É perto da ponte. - respondeu ela, e a de cabelos acinzentados já se levantou. - Vamos pra lá.

Alex assentiu, já se dirigindo à porta da delegacia, pensando no quanto aquele dia tinha se tornado oficialmente o mais estranho de sua vida. Balançou a cabeça para livrar-se dos questionamentos que se iniciaram em sua consciência e se ateve apenas à tarefa de chegar ao fusca amarelo de Emma, com a morena em seu encalço.

A viagem foi toda em um silêncio tenso, porém confortável, entre as duas, afinal estavam habituadas à companhia uma da outra e palavras não eram necessárias.

Chegaram ao local não muito tempo depois, com Ruby novamente ao telefone com Emma e caminharam em direção à ponte. O que nenhuma das duas esperava é que Alex escorregaria antes de alcançarem a cabeceira e caísse alguns metros abaixo, sujando-se de terra e adicionando alguns arranhões à sua coleção já tão vasta.

A jovem ergueu-se do chão ao mesmo tempo em que a amiga parou ao seu lado, perguntando-lhe se estava tudo bem, ao que ela respondeu que sim, afinal não era como se esse tipo de situação nunca tivesse acontecido, porém notou que Ruby parecera não prestar atenção, e Alex seguiu seu olhar, o qual estava focado em uma tábua que não combinava com nada com o ambiente em que se encontravam.

As amigas se entreolharam e, com um aceno de cabeça por parte de ambas, aproximaram-se do estranho objeto. A morena abaixou-se, analisando a madeira, enquanto White ficou parada a uma distância segura, apenas observando os movimentos de Ruby.

Logo que a mesma ergueu a tábua, ficou evidente que aquela terra havia sido mexida recentemente e aquilo era mais um indício de que algo estava fora do lugar. Com mais uma troca de olhares, a ex-garçonete pegou um galho e começou a remexer o local, não demorando a encontrar uma caixa de madeira.

Alex aproximou-se um pouco e pegou o recém-descoberto objeto e o tirou do buraco no qual se encontrava, notando que pesava medianamente. Ruby pegou novamente o celular e ligou para Emma, dizendo que encontraram a caixa. Com a ligação no viva-voz a loira orientou que a abrissem a fim de verificar o conteúdo e foi o que a adolescente fez.

No momento em que foi revelado o que ali havia, a morena deu um grito e White sentiu o estômago embrulhar, segurando-se para não vomitar, afinal era a primeira vez que via um coração humano arrancado do peito.

Tudo o que aconteceu depois desse momento foi um verdadeiro borrão na mente de Alex, a jovem apenas tomou consciência de seus arredores no instante em que o barulho do sino da lanchonete da vovó ressonou em seus ouvidos.

Dany apareceu com uma expressão de desespero, porém quando enxergou a irmã acalmou-se um tantinho e logo franziu a testa ao ver o estado em que a mais nova se encontrava.

— Devo perguntar? - indagou a loira e Alex apenas deu um sorriso amarelo, puxando-a não muito delicadamente para fora do local. A mais velha suspirou aliviada quando chegaram à rua e a caçula riu um tanto mais descontraída.

— O que te deixou nesse estado, sis? Parece que se alguém te tocar você explode de tanta tensão. - brincou Alex, cutucando a bochecha de Dany, que suspirou estressada.

— Você... não... tem ideia o que é essa lanchonete. - disse ela passando as mãos pelo cabelo, tentando não arrancá-los do couro cabeludo. - Fiquei louca! Andava de um lado pro outro, esquecia coisa, precisava voltar para buscar, parecia que só porque a Ruby não estava lá, todo mundo resolveu aparecer para comer e beber!!! Nunca tem essa quantidade de gente, mas hoje... Foi um horror total!!!!

Alex apenas balançou a cabeça divertida, conhecia sua irmã, sabia que ela tinha o dom de exagerar nas coisas, afinal o apelido de Drama Queen não apareceu do nada, tinha um motivo bem grande e bastante plausível.

Dessa maneira, as garotas compartilhando o dia de cada uma, Alex contando sobre o dia na delegacia e sobre o quanto foi interessante, apesar do susto com o coração. Dany lhe deu a ideia de pedir a Emma que a deixasse acompanhar em mais casos, já que se interessava pelo assunto. A mais nova concordou, porém disse que queria terminar as traduções dos livros antes de se comprometer com um “emprego”. A loira concordou, afinal o horário na delegacia podia ser bastante instável. Nesse clima mais ameno as irmãs caminharam em direção ao apartamento, ambas agradecendo que o dia estressante estava acabando, e a partir daquele momento poderiam fazer algo de que gostavam e se distraírem.

Os dias se passaram sem muitas novidades para as irmãs, além do fato de Mary Margaret ter sido presa por ser suspeita de matar Kathryn Nolan. As jovens, apesar do bom relacionamento que mantinham com a professora e amiga, não envolveram-se para ajudar na investigação, afinal Emma Swan havia prometido que faria o que pudesse para provar a inocência da mulher.

As jovens voltaram à rotina de estudos, imergindo cada vez mais nas traduções das runas para os livros em branco e ficavam até tarde da noite fazendo isso, afinal eram linguagens bastante complexas, o que dificultava bastante o entendimento delas, porém nada em que não dessem um jeito. Alex tinha mais facilidade pois se dava bem em aprender línguas novas, já Dany possuía a inteligência mais visual, identificava os símbolos com mais tranquilidade e assim ambas se ajudavam. Aqueles os quais a loira lia se referiam quase que única e exclusivamente à magia branca, ao contrário dos que a mais nova traduzia, que praticamente eram apenas sobre magia negra.

Em uma das tardes as quais passaram, as irmãs estavam da mesma maneira; Dany sentada no sofá com seus materiais organizados sobre a mesinha de centro, enquanto Alex sentava-se no chão e deixava os dela por ali, sempre brincava que se concentrava melhor daquela forma. Conversavam justamente sobre a discrepância entre os livros que encontraram e sobre como aquilo era curioso. Novamente lhes passou pela mente que alguém que as conhecia muito bem havia deixado-os lá de propósito para que pegassem, mas... Por que fariam isso? Afinal magia não existia fora do mundo da ficção. Qual seria o motivo de fazerem-nas "perder tempo" com coisas "inúteis"? Não que alguma das duas pensasse dessa maneira, afinal estavam lendo e estudando algo de que gostavam muito e aquela foi de longe a melhor coisa que acontecera a elas em muito tempo.

Alex era capaz de se imaginar em um duelo, lançando os feitiços que "aprendera", como o de criar fogo com as próprias mãos, o de sufocamento, o que transforma seres em insetos... A menina não era de índole ruim ou tinha vontade de sair por aí assassinando as pessoas que enxergasse pela frente, ela apenas não teria problemas em usá-los contra alguém que a ameaçasse ou sua irmã e, se fosse bastante sincera consigo mesma, a adrenalina das batalhas lhe traria ótimas sensações. Sendo mais sincera ainda, o feitiço que mais queria que funcionasse era o de "aparatação", uma vez que seria muito útil para aparecer nos lugares e não se incomodar com a distância.

Já Dany gostava bastante da magia de luz, combinava realmente com sua personalidade, afinal a jovem gostava muito de ajudar os outros. As magias curativas sobre as quais lera seriam de grande ajuda, poderia sempre curar sua irmãzinha dos ferimentos os quais a mais nova sempre conseguia com facilidade até demais. Um grande desejo que possuía era o de poder voar, com toda a certeza seria maravilhoso poder enxergar a paisagem e a cidade de cima, vendo o tamanho diminuindo cada vez mais conforme ela se afastava.

Nenhuma das duas, naquele momento, incomodava-se muito com o fato de que as coisas que liam não eram reais, aquilo acionou o modo sonhador das irmãs novamente, permitindo que escapassem da chatice do cotidiano. Enquanto estavam imersas naquele estudo esqueciam-se do quanto os domínios de Storybrooke e a mente das pessoas eram pequenos, não se importavam nem um pouco com a briga da prefeita e de Swan pela guarda de Henry… Tinha até lhes fugido da memória o que Ruby havia contado dias antes sobre o fato de Kathryn Nolan ter sido encontrada e Mary Margaret inocentada de qualquer acusação. Eram apenas duas jovens mergulhadas no universo dos livros, sem pressa alguma de voltar à superfície.

No outro dia Dany acordou cedo, como de costume e, para sua surpresa, Alex já havia preparado o café da manhã para elas e estava completamente desperta, completamente diferente de sua normalidade. A loira precisou esfregar os olhos duas vezes para se convencer de que aquilo não era uma miragem, e se beliscou para ter a certeza de que também não era um sonho. Quando a de cabelos acinzentados viu isso, balançou a cabeça e começou a rir, fazendo com que sua irmã desse dois passos para trás com uma expressão assustada em seu rosto.

— Quem é você e o que fez com minha irmãzinha? - perguntou ela em um tom espantado, realmente não acreditando no que seus olhos viam e ouvidos escutavam. Alex White rindo às 7h30min da manhã?! Em nenhuma dimensão conhecida isso era possível!

A jovem em questão soltou uma gargalhada, balançando negativamente a cabeça à reação de sua irmã mais velha e se aproximou, abraçando-a com força e com o carinho que realmente reservava apenas a ela.

— Como você é boba, sis. Vem, vamos tomar café antes que nos atrasemos. - falou Alex, soltando-a do abraço e puxando-a pela mão em direção à mesa. Dany franziu a testa ao se sentar e pegar sua xícara, bebericando do café.

— Okay... Eu me atrasar tudo bem, afinal tenho horário para cumprir. Agora você? Vai fazer o quê? - o tom de voz da loira era desconfiado. A isso, a de cabelos acinzentados sorriu novamente antes de tomar um gole do que sua irmã presumia ser chocolate quente.

— Vou com você, faz tempo que não converso com a Ruby direito. - respondeu a mais nova. Dany apenas deu de ombros e ambas terminaram o desjejum em um silêncio confortável após as devidas explicações.

O caminho até a lanchonete foi bastante tranquilo e silencioso, afinal não era longe e as irmãs sentiam-se confortáveis na companhia uma da outra. Quando adentraram o recinto, ambas pressentiram que havia algo de errado; o ambiente parecia pesado, estava mais vazio que de costume. As duas jovens se entreolharam e questionaram silenciosamente o que havia acontecido ali.

Como se tivesse ouvido a pergunta, Ruby aproximou-se com o semblante sério e respondeu:

— O filho da prefeita está em coma. Ninguém sabe o que aconteceu... Ele apenas mordeu um pedaço de torta de maçã e caiu desacordado!

Dany levou as mãos à boca em choque e Alex só conseguia pensar no quanto aquilo deixaria a prefeita possessa. Estremeceu ao pensar no sofrimento que a mulher estaria passando naquele instante.

— Como assim, Ruby? Simplesmente caiu? A torta estava envenenada? - questionou a mais nova. A situação era irônica demais.

A garçonete deu de ombros, demonstrando que não sabia.

— Ele estava com Emma quando aconteceu, não acredito que ela tentaria matá-lo. - respondeu, logo olhando para o balcão e vendo que precisava entregar alguns pedidos. - Depois conversamos, preciso ir. - e se dirigiu à sua estação de trabalho.

Dany balançou a cabeça negativamente, tentando ordenar os pensamentos; aquele dia não poderia ficar mais estranho.

— Alex do céu... - foi a única coisa que conseguiu dizer antes de ver o olhar furioso da Vovó e notar que estava atrasada. Deu um beijo no rosto da irmã e já foi ajeitando o cabelo para entrar na cozinha, deixando uma Alex perdida em pensamentos parada no meio da lanchonete.

A menina de cabelos acinzentados sentiu um delicado empurrão na direção do balcão e viu que era Ruby. A morena deu um leve sorriso e indicou uma das cadeiras.

— Não vai pagar mais barato se não sentar.

A outra apenas sorriu à brincadeira, porém sentou-se onde a amiga havia indicado.

Depois que a grande maioria das pessoas saiu dali para seus afazeres matinais, a garçonete finalmente teve tempo de sentar e conversar com Alex sobre os últimos acontecimentos. Conversaram sobre a chegada do forasteiro August, coisa da qual a de cabelos acinzentados não havia se dado conta até então, Ruby falou sobre a proximidade entre ele e Henry, contou-lhe também sobre as teorias do garoto de que Storybrooke e todos seus moradores eram fruto de uma maldição supostamente lançada pela Rainha Má, personagem que o jovem Mills acreditava que era a sua mãe adotiva, e finalmente voltaram ao assunto da torta supostamente envenenada, porém não chegaram a conclusão alguma, suas teorias eram uma mais absurda que a outra. Dany terminou seus cupcakes com certa antecedência e foi sentar com as outras duas, que lhe deixaram a par das novidades e estranhezas. A loira não conseguiu achar a ideia da maldição tão absurda assim, afinal acreditava que tudo era possível. Alex compartilhava da mesma opinião, ambas eram espertas o suficiente para saber que existem muito mais coisas fora da compreensão humana e que não deixavam de existir simplesmente porque não eram entendidas. A ideia de que só existe o que se entende, na concepção das garotas, era arrogante e tola demais. Apesar da grande imaginação, nenhuma delas foi capaz de juntar as peças do mistério e, surpreendentemente, fazia sentido que Regina fosse a Rainha Má e tivesse tentado envenenar Emma, porém como Henry era um garoto esperto, acabou por fazer isso para salvar sua mãe biológica e também para obrigá-la a acreditar nele.

As irmãs acabaram ficando na lanchonete para almoçar antes de retornar ao apartamento delas. Despediram-se de Ruby, dizendo que se veriam no dia seguinte.

Ao saírem do local, as duas começaram a discutir sobre o que havia acontecido com Henry e Dany questionou se realmente não era verdade o que ele dizia, que a prefeita era a Rainha Má e que todos viviam amaldiçoados naquela cidade sem lembrar-se de quem eram, ao que Alex respondeu que realmente torcia para que fosse, afinal provaria que a magia existe e o fato de estarem vivendo sob o efeito de uma maldição queria dizer que já tinham vivido outra vida pré-Storybrooke e isso explicaria muito bem o incômodo das garotas com a pequenez daquele lugar, ainda que não soubessem expor em palavras o que realmente as aborrecia.

As irmãs chegaram a seu lar e largaram-se no sofá, continuando a confabulação sobre quem seriam elas. Dany dizia que Alex seria Aurora, a Bela Adormecida porque se fosse possível, a de cabelos acinzentados dormiria por 100 anos seguidos. Já a mais nova dizia que a irmã seria Cinderella, porque nunca em sua vida conhecera alguém que gostasse tanto de sapatos! Em sua concepção esse amor da mais velha se devia à falta do sapatinho de cristal.

A loira riu do exagero de sua caçula e fez um questionamento bastante relevante: será que nessa outra realidade também eram irmãs? A outra se manteve em silêncio durante alguns instantes e respondeu que não importava pois nunca deixariam de sê-lo, o amor que carregavam uma pela outra era fraternal e nada mudaria isso. Dany sorriu às palavras de Alex, sabia que a mesma estava sendo bastante sincera e que não tinha o hábito de fazer "declarações" afetivas dessa maneira.

As duas permaneceram a maior parte da tarde dessa maneira, sem pegar nos livros para estudar, apenas jogando conversas, brincadeiras e teorias ao vento, pensando no quão interessante seria se realmente o que Henry dissera sobre a maldição fosse verdade. Evitaram de pensar muito sobre o garoto, uma vez que tudo aquilo poderia também não ser verdade e ele estivesse realmente doente, ou pior, alguém tivesse tentado envenená-lo de verdade.

Em dado momento, as irmãs sentiram simultaneamente como se algo as tivesse atingido, memórias retornando de maneira instantânea.

Dany teve flashes dos pais verdadeiros, de sua infância, Lady Tremaine separando-a de suas irmãs... O reencontro com Alexandra e posteriormente com Ella, a amizade com Thomas, a noite do baile, a captura de Rumpelstiltskin... A troca de olhares com o homem dos olhos azuis, o incêndio no castelo e por consequência a notícia da morte de seus pais adotivos e, por fim, os planos de fuga que foram impedidos pela chegada da maldição da Rainha Má.

Já Alex fora atingida pelas lembranças de sua infância na companhia do chefe da Guarda Real, seus treinamentos com ele e mais tarde com Daniella, a noite do seu primeiro "trabalho" no baile, as chamas que engoliram seu pai no castelo enquanto o mesmo tentava protegê-lo, a força do momento em que fitou os olhos da Rainha e, sua última memória anterior à fumaça roxa que vira pela janela: o abraço que dera na irmã com a promessa de que tornariam a se encontrar.

As duas encararam-se, levemente estarrecidas e não demorou para que envolvessem uma a outra em um novo abraço forte, cheio de emoção e alívio por terem notado que passaram os anos anteriores juntas. Naquele momento tudo fez sentido para as jovens e tiveram a certeza de que encontrariam o que buscavam há tanto tempo.

No instante em que se separaram, ambas tiveram uma sensação estranha inundando seus sentidos, Dany foi envolvida por uma energia rosa e os olhos de Alex tornaram-se iguais aos de um gato. Ambas as coisas não duraram mais que uma fração de segundo, porém foi suficiente para que ficassem intrigadas. O que diabos tinha acabado de acontecer?