Realeza em tanto

Capítulo 19


Olhei para a pessoa que nos tinha apanhado em flagrante e suspirei aliviada.

–Ethan, que susto! – disse aliviada. Mas Ethan continuava sério e eu lembrei-me do porquê disso. Afinal ele tinha acabado de apanhar o príncipe de Lusitana, o seu soberano, aos beijos com uma criada quando há poucos minutos tinha oficializado o noivado com outra mulher. – Ethan, eu posso explicar.

–Estou à espera. – disse Ethan cruzando os braços.

–Alexia, não precisas de explicar nada. – intrometeu-se Killian. Eu sabia que por Killian não daríamos explicação nenhuma para o que tinha acabado de acontecer mas eu também sabia que o Ethan merecia uma explicação para o que tinha visto, afinal ele é o meu melhor amigo.

–Desculpa Alteza, eu sei que é o meu soberano e que tem o poder máximo entre estas paredes e no país inteiro mas eu tenho o direito de saber o que se passa aqui afinal a Alexia é minha amiga e eu faço de tudo para a proteger. – respondeu Ethan a Killian.

–Mas pensa que eu vou obrigá-la a fazer alguma coisa? – perguntou Killian ofendido. Eu sabia que Killian estava chateado com o que acabara de ouvir pois já tinha passado por esta situação antes.

–Eu não disse isso. Só acho que a Alexia é demasiado inocente e que pode cair na sua cantiga quando na realidade Vossa Alteza acabou de ficar noivo.

–Estás a tentar insinuar alguma coisa, soldado? – perguntou Killian já elevando a voz. Eu estava com receio de como aquilo poderia acabar e por isso decidi intervir.

–Meninos calma. – Killian e Ethan olharam para mim como se só agora tivessem notado a minha presença quando na verdade a discussão estava a ser por minha causa. Olhei para Ethan – Ethan, eu falo contigo amanhã e explico-te as coisas. – Ethan ia protestar mas eu impedi-o – Por favor. – Ethan assentiu e retirou-se. Olhei para Killian e vi que ele se aproximava de mim encostando-me novamente à parede.

–Onde é que nós íamos? – perguntou Killian com um sorriso de lado e aproximando-se cada vez mais de mim, ou melhor, aproximando cada vez mais os seus lábios dos meus. Eu sei que se ele tocasse os seus lábios nos meus eu iria esquecer o que se tinha acabado de passar e isso não podia acontecer e, por isso, afastei-o delicadamente. Killian olhou para mim confuso – Que foi Alexia?

–Killian é melhor voltares para a festa, já devem ter notado que tu não estás lá. – disse. Apesar de ter dito isto, custava-me, visto que, estava a dizer para ele voltar para a festa, logo para ao pé da noiva.

–Mas eu quero ficar aqui contigo. – disse Killian voltando a aproximar-se de mim. Como é que eu podia resistir a um homem destes?

–Eu estou a falar a sério.

–Eu também. - Killian continuava a sorrir.

–Killian, não brinques. - voltei a afastá-lo delicadamente. Não responderia por mim com tanta proximidade - Tu tens de voltar para a festa e eu tenho de procurar a tua irmã, ela deve estar preocupada.

–Mas…

–Killian, falamos depois sobre isto, eu prometo. – disse. E como forma de garantir que aquilo não acabava por ali, dei-lhe um breve beijo nos lábios e saí em seguida, não sem antes olhar uma última vez para trás e ver que ele continuava a sorrir para mim.

Voltei ao salão e procurei Selena por todo o lado. Acabei por a avistar junto à mesa dos doces. Que novidade, aquela rapariga só pensa em comida. Mas ao aproximar-me percebi que ela não estava sozinha e sim acompanhada pelo príncipe Adam, irmão da princesa Eva. Decidi que não os interromperia, afinal poderiam estar a falar de algo importante. Dei mais uma volta pelo salão e de vez em quando procurava o Killian. Quando o encontrava, via que ele também olhava para mim o que me fazia rir feita parva. Sim, porque devia ser assim que agiam as pessoas apaixonadas. Riam por qualquer coisa, aliás não conseguiam tirar o sorriso da cara, porque uma pessoa quando está apaixonada, está feliz. E é assim que eu me sinto porque finalmente as dúvidas saíram da minha cabeça. Eu finalmente podia afirmar que estava apaixonada por Killian. E o melhor de tudo é que tenho praticamente a certeza que ele também sente o mesmo por mim. Apesar de todos os entraves e consequências que isto possa ter, eu apaixonei-me. Apaixonei-me por uma pessoa que tinha acabado de ficar noivo.

Pela milésima vez, voltei a olhar para Killian mas, diferente das outras vezes, a princesa Eva estava ao lado dele toda sorridente o que só fez com que o meu sorriso murchasse. Eu compreendia perfeitamente que ela era a noiva dele mas mesmo assim é complicado ver a pessoa de quem se gosta ao lado de outra mulher. Assim, decidi que estava na hora de sair do baile.

Antes de ir dormir, passei no quarto de Selena para trocar as roupas e por pouco não fui apanhada. Por fim, voltei ao meu quarto e deitei-me.

No dia seguinte acordei à hora habitual para ir trabalhar. Mas parecia que aquele iria ser o primeiro dia que me iria atrasar porque mal abri a porta, Ethan esperava-me.

–Bom dia pequena. – cumprimentou-me Ethan e abraçou-me.

–Bom dia. – respondi.

–Temos uma conversa pendente. – disse Ethan fazendo-me lembrar de tudo o que se tinha passado na noite anterior. Não que eu tivesse esquecido. Aliás, não houve um momento que não me lembrasse do beijo de Killian.

–Eu sei.

–Anda, vamos conversar para um lugar mais sossegado. – disse Ethan. Ethan dirigiu-se à ala masculina e eu supus que fossemos para o quarto dele para que ninguém nos ouvisse.

Chegamos ao quarto de Ethan. Era a primeira vez que eu ali estava. Ao contrário das mulheres, cada homem tinha o seu quarto. Apesar de o quarto ser pequeno, eles tinham a privacidade que qualquer pessoa merece. E isso eu achava uma injustiça. Se as mulheres tinham de dividir o quarto, porquê que os homens também não os dividiam?

Vi que aquele quarto pouco tinha. Tinha apenas uma cama, um armário e uma cómoda. Em cima da cómoda, havia vários quadros com fotografias. Fotografias de Ethan com os irmãos, com a mãe, com o pai e comigo. Uma foto que nós tiramos há alguns anos atrás. Lembro-me que foi pouco tempo antes de o pai de Ethan ter morrido. Era o aniversário da irmã mais nova de Ethan, Anita. Como a minha família e a dele eram próximas, todos fomos convidados. Aliás, todos exceto o meu pai. Aquele foi um dos dias que mais me diverti. E no meio daquela festa toda, surgiu esta foto. Eu e Ethan com um sorriso de orelha a orelha abraçados a olhar para a câmara.

–Lembro-me tão bem deste dia. – disse recordando-o com um sorriso.

–Também eu. Foi a última festa antes de… - mas Ethan parou e eu sabia o porquê. Foi a última festa antes de o pai dele morrer e eu sei que, apesar de já terem passado dois anos, ele ainda sentia muita falta dele.

–Eu sei. – respondi.

–Alexia, nós temos uma conversa pendente. Podes esclarecer o que é que eu vi ontem. É que sinceramente não percebi nada. Desde quando tens tanta confiança com o príncipe? Aliás, desde quando vocês têm tanta intimidade? – perguntou Ethan.

Decidi contar tudo a Ethan. Contei-lhe aquilo que tinha ocultado sobre a história da Alison, sobre ter supostamente agredido Killian. Contei-lhe tudo o que se passou até ao primeiro beijo que Killian me dera, aquele que eu rejeitei. Contei como depois disso decidimos ficar amigos e como as coisas evoluíram para algo mais. E com algo mais, quero dizer o beijo que Ethan presenciou na noite anterior.

Ethan ouviu tudo atentamente sem nunca me interromper. Devia ter receio que me arrependesse de estar a contar e me calasse. Mas eu sabia que estava na altura de ele saber porque há uns tempos atrás eu prometi-lhe que ele seria o primeiro a saber.

–Que história Alexia, até parece um filme. – disse Ethan.

–Eu sei. E eu agora tenho a certeza que estou apaixonada por ele, Ethan. Só que…

–Ele está noivo. – eu concordei – Eu só tenho receio que ele te faça sofrer e isso é a última coisa que quero.

–Eu também. Mas eu conheço-o e sei que ele não brincaria com os meus sentimentos.

–Eu espero bem que não, pequena. Porque se ele se atrever a magoar-te, eu juro que não vai fazer diferença ele ser o príncipe de Lusitana. – disse Ethan e eu sabia que ele não estava a brincar.

–Certo, eu aviso-o da situação. – brinquei tentando amenizar o ambiente. O que acabou por resultar porque Ethan sorriu.

Depois de esclarecido este assunto, fui ter com Selena que a esta hora estava, provavelmente, desesperada por eu ainda não ter chegado. E mal entrei no quarto lá estava Selena, como previ, sentada na cama à minha espera.

–Onde é que a menina andou? Não me digas que foste fazer uma visita matinal ao meu irmão? – perguntou Selena sorrindo maliciosamente.

–Selena! – chamei-a à atenção – Eu e o teu irmão…

–Desapareceram ontem da festa no mesmo momento, pensas que não reparei? – eu encarava-a chocada – E escusas de fazer essa cara Alexia. Finalmente deste uns amassos com o meu irmão.

–Selena! – voltei a chamá-la à atenção corando com o comentário dela – Não é nada disso.

–Sim, vou fingir que acredito. – disse Selena dirigindo-se à porta. Mas antes de sair voltou-se para mim e disse. - E o Killian vai contar-me tudo, isso te garanto. – e saiu. Eu até já conseguia adivinhar onde ela ia e eu não poderia fazer nada para a impedir. Frustrada, decidi começar o meu dia de trabalho.

Selena não apareceu durante o dia todo. E ainda bem porque eu sabia que Killian lhe contaria tudo e ela não me deixaria em paz. Mas também era como se o tudo fosse grande coisa. É verdade que nos tínhamos beijado, mais do que uma vez na realidade, mas nada ficou decidido até porque entre nós existiam muitas barreiras. Barreiras que provavelmente não seriam ultrapassadas porque Killian não era como Selena. Selena disse que deixaria tudo por amor e eu acredito que ela seria capaz disso mas relativamente a Killian eu não podia dizer o mesmo. E, apesar de eu ter dito a Ethan que Killian não brincaria com os meus sentimentos, eu tinha medo que ele me magoasse.

Selena voltou somente ao fim da tarde com um sorriso gigante no rosto.

–Eu já sei de tudo. – cantarolou Selena. – Então andas mesmo a agarrar o meu irmão pelos corredores. ADORO!

–Não queres falar mais alto? Acho que a tua mãe ainda não ouviu. – falei ironicamente.

–Se quiseres. – Selena ia gritar e eu corri até ela para lhe tapar a boca.

–Estás louca? Tu deves querer ficar sem criada.

–Agora que falas nisso, eu tinha uma coisa para te dizer mas, visto que andas a dar umas pegas no meu irmão não sei se será uma boa notícia. – disse Selena misteriosamente. E, como sempre, a minha curiosidade falou mais alto fazendo com que a irritação com que estava neste momento desaparecesse.

–Conta de uma vez, Selena. – pedi quase como se fosse uma ordem.

–É sobre os teus dias de folga. Serão nos próximos dois dias. – Selena disse e a primeira coisa que fiz foi abraçá-la. Eu estava cheia de saudades da minha mãe e dos meus irmãos e não havia nada que me deixasse mais feliz.

–Estava mesmo a precisar de voltar a casa. Obrigada Selena. – agradeci.

–São as tuas folgas. Só é pena que partas daqui a pouco e deixes o meu irmão sem qualquer resposta. Coitadinho, vai ficar desesperado. – disse Selena e eu levei a mão à testa como só agora me lembrasse que tinha um assunto inacabado com Killian.

–Será que…

–Sim podes ir mas tens pouco tempo.

Saí do quarto de Selena e só não fui a correr até ao quarto de Killian porque poderiam desconfiar. Como sempre, foi Thomas que abriu a porta. Inventei a desculpa que tinha um recado para Killian de Selena. Killian pediu a Thomas que se retirasse para que pudéssemos ficar a sós.

–Então… - começou Killian.

–Killian, eu tenho dois dias de folga para visitar a minha família. Parto hoje. – disse tudo de rajada e pude ver a cara de dececionado de Killian. Com certeza ele achava que eu vinha falar de outro assunto.

–Mas… - mas mais uma vez, voltei a interromper.

–Eu sei que prometi que falaríamos do que aconteceu, mas também podemos adiar por mais dois dias. – pedi.

–Não sei se vou aguentar mais dois dias, Alexia. Tu sabes há quanto tempo eu espero por isto? – perguntou Killian desesperado aproximando-se de mim.

–Eu sei… Eu prometo que falaremos quando eu voltar. – disse. E, como fiz da última vez para ele saber que eu estava a falar a sério, beijei-o. Mas não foi um breve beijo, como da última vez, e sim um beijo de despedida. Uma despedida para os próximos dois dias que para mim iam parecer uma eternidade.