Raios De Luz

Protegida pela Lua


Falkon não olhou para mim o percurso inteiro. Ele dirigiu até um parque. De longe, eu podia sentir o cheiro dos pinheiros e das flores silvestres que já até começavam a sair debaixo da neve. O lugar era especialmente bonito e estava... “Solitário” não seria a palavra certa, pois não parecia abandonado. Mas estava vazio, tinham alguns casais de velhinhos e algumas pessoas, mas não parecia um local de muita agitação, o que me proporcionou uma nostalgia, não sei devido ao que, mas me fez lembrar algo...

- Por que estamos aqui? Deveríamos estar na aula.

Estávamos sentados um ao lado do outro – não muito distantes – há longos cinco minutos.

- Tenho uma proposta. – Respondeu Falkon depois de outro longo minuto.

Falkon virou no banco e olhou para mim. Sustentei seu olhar.

- Quero ser seu guardião.

Por fora, meu corpo estava imóvel, não de jeito brusco, era como se eu não tivesse ouvido o que ouvi. Meus olhos permaneciam do jeito que estavam, sustentando seu olhar. Por dentro, eu estava uma pilha, era como quando se está enchendo um balão e ele escapole dos dedos e viaja pelo espaço. Meu coração batia rápido e fazia o meu peito doer, acho que Falkon podia ouvi-lo.

- Como é? – Murmurei.

- Cheguei a conclusão que quero me vingar de minha família, qual o melhor jeito se não protegendo com minha vida o pior inimigo?

- Me sinto honrada. – Murmurei.

- Eu irei te proteger com minha vida depois que selar o contrato, não apenas porque estou jurando, mas porque é isso que o contrato faz, cria laços. Quem não o melhor guardião, aquele que jurou mata-la? Sei seus pontos fracos, sei seus esconderijos, sei tudo sobre você e sou o único a saber. – Falkon titubeou no final.

- Como terei certeza que tudo isso não é armação e que irá desselar o contrato e me matar? – Retruquei.

- Depois de selado, um contrato não pode ser mudado.

Isso, parecia o bastante para mim. Ele tinha razão em tudo o que tinha falado. Seria o guardião perfeito, eu poderia levar séculos para morrer. O que me fez pensar em outra coisa.

- Mas e quando você morrer? Já que um contrato não pode ser mudado, seus familiares virão com mais força para cima de mim.

Falkon demorou um pouco para responder.

- Um guardião morre em combate, algo que nunca vai acontecer comigo, ou quando sua guarda morre.

Demorei um tempo para registrar aquilo, admito.

Levantei sobressaltada. Aquilo significava que ele estava se sacrificando por mim – ou por vingança, mas gosto de pensar que foi por mim.

- E por que tudo isso? Por que odeia tanto sua família?

- Não me julgue.

Voltei a me sentar. Agarrei o banco de concreto com minhas mãos. Ele estava gelado e minhas mãos já formigavam, o concreto fazendo pequenos machucados em minha palma.

- Tem que me contar. Se vai me proteger, preciso saber de tudo.

- Minha família matou meus pais.

Sim, eu preferia não saber. Mas naquele momento, algo intenso me atingiu, eu sabia a causa da amargura de Falkon. E talvez porque ele queria tanto se vingar.

Sentei ao seu lado no banco, dessa vez mais perto. Ele tinha abaixado a cabeça, mas nossa proximidade o fez ficar alerta e me observar. Eu odiava dizer coisas parecidas como “meus pêsames”, “minhas sinceras desculpas”, “meus votos”... Coisas como essas, achava tudo muito vago. Me lembrei de como foi quando meu pai morreu.

Minha mãe tinha separado um vestido bege para mim. Ela não falava nada desde sua morte, mas eu ouvia seus gritos durante seus pesadelos. Eu também tinha os meus, mas abafava meus gritos com a dor de minha mãe.

Todos nos olhavam, não tínhamos família, mas éramos importantes, a imprensa estava lá. Meu pai era alguém importante, mas nos distanciamos de tudo o que ele trouxe. Tudo parecia um borrão no enterro. As palavras de minha mãe foram roucas e entrecortadas por seus soluços, minhas lágrimas foram levadas sempre que caiam, por um lenço de alguém, nossos movimentos foram guardados pelas mentes dos presentes.

Voltei a mim. Levantei minha mão lentamente, como se faz com um bicho. Falkon seguia os meus movimentos. Pousei minha mão sobre seu casaco, sabia que era o suficiente, pois quando eu pedi ninguém fez isso comigo.

...

Aceitei o acordo que Falkon me propusera, mas não selamos o contrato. Falkon me levou para a escola e depois disse que ia para casa, tentei convence-lo de entrar, mas ele puxou a porta e saiu de lá mais rápido do que tinha me pego na rua e arrastado para o carro.

Quando entrei na escola estava no recreio, o que foi um alívio imenso. Ser sequestrada, me preparar para selar um contrato e interromper uma aula é demais para um dia só.

Me encaminhei para o pátio, eu cruzava os corredores em passos largos. Quem me visse acharia que eu estava decidida, que meus próximos movimentos estavam sincronizados e anotados em minha mente, mas na verdade, eu estava totalmente perdida. Parei subitamente, passei pelas portas que separavam o pátio - o lado livre e verde da escola - das salas de aula claustrofóbicas e dementes.

Ninguém pareceu ter me notado, mas eu não os culpo. A única que estava com os olhos na porta, foi a única que me notou também. Ela parecia preocupada e com certeza estava decidida. Parecia que ia matar alguém. Ela levantou do banco o qual estava sentada e marchou na minha direção, suspirei.

- O que você pensa que esta fazendo? – Hiver puxou meu pulso e me guiou até a mesa que estava sentada.

- Eu não estou ferida! – Sussurrei chamando sua atenção.

- Mas poderia estar! Você estava com ele, não estava? – Hiver sussurrou de volta.

Ela me puxou para o banco ao seu lado e me encarou. Notei seus amigos virando para mim, se perguntado o que eu estava fazendo lá, mas logo depois que notaram a pressão que Hiver fazia no meu pulso, desviaram o olhar de mim e voltaram a conversar entre si.

- Estava... Como sabe? – Voltei meu olhar para o rosto de Hiver.

Ela suspirou forte e soltou meu braço. Hiver se ajeitou no banco e tentou parecer relaxada para a plateia, mas era péssima atriz.

- Eu sinto o cheiro dele em você.

Me encolhi e cheirei meu casaco. Acho que era o meu olfato de foco que me fez sentir um pouquinho do cheiro adocicado de Falkon. Ele tinha cheiro de primavera. Tinha cheiro de doces e canela. Passei a mão no casaco.

- Coma um pouco. – Hiver disse puxando sua bandeja para perto.

Tinha um pouco de nachos com queijo, um suco, uma barra de chocolate pequena e um copo de café cheio. Puxei o café e beberiquei, o gosto reconfortante do café amargo e quente me fez fechar os olhos. Estava bem quente, mas não liguei, era o que eu precisava para me dar forças. Eu precisava contar a Hiver o que Falkon e eu tínhamos conversado.

- Hiver. – Chamei ainda de olhos fechados.

- Sim?

Abri os olhos. Quase pude ver meus olhos azuis no reflexo dos olhos castanhos de Hiver.

- Eu e Falkon conversamos sobre... – Criei coragem. – Sobre ele se tornar meu guardião.

Hiver ficou surpresa, depois decepcionada, em seguida se fechou.

- Ele diz que quer vinganças sobre sua própria família, e que o melhor modo de fazer isso é me protegendo. Ele não parecer que queria tanto assim me ferir... – Dei de ombros sem olhar para Hiver. – Falkon diz poder me proteger mais do que você pode.

Fechei os olhos mesmo sem olhar para Hiver. Não queria vendo-a explodindo.

Mas ela fez algo muito pior: ficou impassível.

- Parece certo. – Hiver disse.

Olhei para ela com um olho só. Sabia que Hiver tinha noção que depois de feito, o contrato fazia o guardião proteger e obedecer o foco com sua própria vida.

- Preciso falar com ele antes. – disse ela.

Um pequeno mecanismo de meu cérebro pareceu voltar a funcionar.

- A-Ah! Eu posso conseguir o telefone dele! Talvez com uma das secretárias...

Mas Hiver se focou em algo atrás de mim, olhei para trás também e surpreendentemente meu coração deu um pulinho. Olhei para o meu peito e coloquei a mão por onde achava que meu coração ficava, suspirei.

Falkon estava apoiado ao lado das portas duplas do pátio, quando eu olhei para ele, sorriu com os lábios, me chamando. Levantei do banco com o copo de café na mão e ajudei Hiver a se levantar. Caminhamos lentamente até Falkon, alguns estudantes nos observavam. Não sabiam o que se passava, mas também não estavam muito interessados nisso, estavam mais interessados no porque de Hiver estar andando com a novata. “Seria ela uma prima” “Será que Hiver tinha enlouquecido?”, podia ver passando por suas mentes.

- Bom dia, Hiv. – Falkon sorriu mostrando seus dentes incrivelmente brancos.

- Bom dia...

Eu podia quase ver a tensão entre eles. O invisível miasma, agora parecia palpável. Tive vontade de dar alguns passos para trás e fugir daqueles dois que se encaravam com tanta raiva.

- Eu... Acho que... Vou deixar vocês conversarem. – Disse apontando para as quadras.

Virei e fui em direção às quadras, contornando o prédio, mas uma mão forte segurou meu pulso. Olhei para trás devagar.

- Você fica. – Disse Hiver segurando minha mão.

Virei para eles e suspirei. Estávamos ao lado do prédio, precariamente escondidos do resto dos estudantes. Perto da entrada pelo pátio das quadras de esportes. Eu poderia correr... Não, me pegariam antes de eu me mover.

- Quer ser o guardião dela? Está louco? Acha que eu irei permitir? – Hiver cruzou os braços em frente ao peito.

- Não preciso de sua permissão. É só Fox me beijar.

Falkon se moveu rápido. Ele me puxou pelos ombros e aproximou o rosto do meu. Meus olhos se tornaram enormes esferas azuis. Me inclinei para trás, para longe de seus lábios vermelhos.

- Não! Eu que vou beija-la! – Hiver rosnou.

Hiver tirou as mãos de Falkon de meus ombros e me puxou pelos braços. A segurei pelos ombros, empurrando-a para longe. Me soltei dos dois que me puxavam um de cada lado e me sufoquei na parede.

- Não encostem em mim! Os dois! – Gritei.

Eles pararam, com as mãos no ar. Engoli em seco.

- Hiver, você tem que entender. Eu entendo você.

Hiver não disse nada. Prossegui.

- Falkon é mais habilitado a me proteger, apesar de ter sido treinado durante pouco tempo e menos que você. Ele é nosso inimigo e qual a melhor forma de vencer, se não se aproximando do inimigo?

- Até por que... Se não me aceitar, vou te matar. – Falkon se apoiou na parede ao meu lado e fechou os olhos.

Puxei o ar e depois não soube como solta-lo.

- Tudo bem. – Hiver disse.

Descobri como respirar.

- Oh! Hiv! – Abracei-a.

- Você sabe que não vai se livra de mim tão fácil! Ainda vai ter que ficar de olho em mim.

Falkon abriu um dos olhos.

- Sim!

Hiver fechou os olhos e fez biquinho em quanto se inclinava para mim, tentando me beijar de novo.

- Hiver! – Gritei.

- Não. – Falkon nos empurrou apenas usando as mãos em nossas testas.

Hiver cruzou os braços em frente ao peito. Ri deles dois.

...

O dia continuou normal, tirando o fato que eu, Hiver e Falkon andávamos pela escola juntos agora. No final da aula, Falkon e Hiver quiseram me levar em casa, mas eu quis ir andando. Tinha muito que pensar e sabia que nenhum dos dois ia me deixar pensar em paz. Mas o que Falkon me disse foi muito pior do que me levar em casa. Ao sairmos da escola, Falkon virou para mim e disse calmamente.

- Fique pronta. Amanha quero que você venha para a minha casa durante umas semanas. Vou te treinar. – Depois virou para o estacionamento e saiu.

Fiquei estática.