Paul
Eu conheci Daisy no ônibus da escola. O ano letivo estava começando e eu era "o garoto novo".
Subi, procurando um lugar no meio de tanta gente, meio perdido por não ter ninguém com quem sentar.
Sentados lá no fundo, avistei ela e George, cada um segurando um lado de um exemplar da revista Rolling Stone.
Me aproximei cautelosamente. Eu já havia lido aquela edição, tinha uma matéria ótima sobre os últimos dez anos da música nacional.
Quando o ônibus parou em frente à escola, eu já tinha dois melhores amigos, mesmo que não estivéssemos na mesma classe.
Com o passar dos anos nós três ficamos muito próximos, e o que eu mais gostava em Daisy era que ela sabia ouvir como ninguém. Era como uma terapeuta, e seus conselhos eram ótimos.
Anos depois, Daisy fez por mim algo que nunca vou esquecer.
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—Então, acho que a reunião pode ficar para a semana que vem. - Ringo estava bem determinado.
—Não vejo problemas - concordou Brian. - Assim o show em Liverpool não fica tão corrido.
O empresário sempre ouvia nossas opiniões e nós frequentemente podíamos escolher em que ordem queríamos fazer as coisas, ele dava um jeito de remarcar tudo. Acho que era por isso que todo mundo adorava ele, além do senso de humor incrível e da ótima pessoa que ele era.
—Para mim está ótimo. - John sorriu e se levantou. - Não acha Paul?
— Eu? Ah, é. Está perfeito. - Voltei a olhar para baixo.
Eu não conseguia me concentrar em nada ao meu redor, só pensava nesse maldito show em Liverpool. Eu não queria voltar para lá.
Eu estava suando frio. Só de olhar nos olhos deles de novo...Seria assustador.
Aposto que comecei a ficar branco, mas para a minha sorte, ninguém percebeu.
— Daisy, você precisa ajudar os meninos com a música nova até quinta-feira, ok? Eles precisam apresenta-la nesse show.
—Tudo bem. - Ela assentiu.
Para ela uma música nova não era nenhum desafio, Daisy era ótima em seu trabalho. A melhor compositora que podíamos ter escolhido para ser nossa parceira, na minha opinião. Suas músicas tinham um toque do seu amor pela música clássica que deixava tudo mais elegante.
—Bom, é isso aí. Boa noite para vocês, descansem - pediu Brian enquanto saía da sala.
Pouco a pouco todo mundo foi embora e eu fiquei sozinho. Apenas eu, as paredes brancas do quarto de hotel e minha mente barulhenta.
Passei a mão pelo rosto, me culpando por ser um idiota. Estava farto.
Então, quando as lágrimas já turvavam minha visão, a porta se abriu.
Olhei, assustado, e vi Daisy adentrando o cômodo com um copo de água na mão.
—Oi. - Ela sorriu para mim.
Não respondi, só fiquei olhando. Pensei no quão patético eu deveria parecer: O rosto pálido de quem está perturbado com algo, as bolsas debaixo dos olhos de quem não dorme desde que recebeu uma notícia ruim e os olhos marejados de quem está prestes a chorar.
— O pessoal vai sair para comemorar...Tomar alguma coisa... - Se sentou ao meu lado, me esticando o copo. - Quer me contar o que está acontecendo?
Ah, então era isso que eles entendiam por descansar: Tomar umas. Esses eram os meus amigos.
Seu vestido florido balançava com o vento que entrava pela janela, devia estar com frio. Observei-a por um monto, não sabia como ela conseguia se transformar em alguém tão gentil e maternal de repente.
— Vamos voltar. - Eu disse, finalmente.
— Como assim?
—Liverpool, vamos voltar. - Bebi a água toda, era do que eu precisava.
—Ah, é. Mas vai ser legal. Eu quero ver a minha família, sinto falta deles.
—É, família.
— O que há, Paul? Vai dar tudo certo, vamos poder relembrar o tempo de infância...Já pensou? Nós cinco de volta às ruas da nossa velha cidade. -Os olhos castanhos dela brilhavam enquanto ela gesticulava espalhafatosamente. -Vamos, qual é o problema?
As cenas da minha mãe estavam na minha cabeça, lutando para sair. Eu queria contar o que sentia, sabia que podia confiar nela.
—É que...Desde que minha mãe ficou doente eu não pude ir visita-la por causa da turnê, e...Quando ela morreu eu também não fui ao enterro, apesar de ter pausado tudo por aqui. Sabe, eu não quero chegar lá e ter que olhar pra os meus irmãos e para o meu pai e dizer que agora que ela já se foi eu resolvi visita-los.
Ela me olhou com um misto de pena e compaixão. Então me abraçou.
— Todos nós sabemos que não havia como você voltar para vê-la, não podia deixar a banda na mão e ela compreendeu perfeitamente. Depois, todo mundo aqui sabe que se você tivesse ido ao enterro teria sido pior... Centenas de fãs iriam atrás de você e...bom, ninguém quer ser incomodado por multidões num velório. Paul, você só tomou as decisões certas.
Seu sorriso me encheu de uma sensação boa, uma enorme coragem que nada poderia abalar.
—Você acha que eles não vão me odiar?
— Eu tenho certeza. Eu conheço a sua família, eles vão entender e...vão ficar incrivelmente felizes por você voltar para casa- fez uma pausa. -Agora vamos, estão todos esperando lá fora.
Naquela dia de aflição, ela foi o meu Sol.