Rainha dos Corações

Especial | Dois Anos de Rainha dos Corações


A capela do Castelo de Frederiksborg, localizado na cidade dinamarquesa de Hillerød, brilhava com os suaves raios solares que entravam por suas janelas. As paredes verdes, que eram, quase em sua totalidade, cobertas por ouro, tornavam o ambiente digno da cerimônia que estava por vir. Os convidados, que se encontravam de pé nos dois andares do local, vestiam-se da mais fina maneira, as mulheres com deslumbrantes coroas encrustadas de pedras preciosas e os homens com suas inúmeras medalhas militares que reluziam qualquer luz. Mesmo com tanta formalidade, as vozes das mais de 200 pessoas ali presentes eram altas e preenchiam todo o local, como se estivessem em uma simples festa de família. Tudo ficou em silêncio, entretanto, quando o grande órgão no segundo andar começou a tocar A Entrada da Rainha de Sabá, ao mesmo tempo que a grande porta de madeira maciça era aberta, revelando uma figura encantadora.

A mais bela dentre todas as mulheres trajava um longo e elegante vestido escarlate com saia rodada e pregas, tudo fazia contraste com sua pele perolada, seus olhos azuis pareciam irradiar como as luxuosas joias que marcavam seu pescoço elegante. Seus pés pareciam flutuar pelo tapete da mesma cor que seu traje, com uma maestria que nem a melhor das professoras de etiqueta poderia ensinar, pois era um dom que já nascera com ela. Um dom que fazia todos, em todo o caminho que fez da porta da igreja até o altar, suspirarem. A cada passo, quando seu comprido manto com brasões da Família Real da Dinamarca e da Família Manteuffel — simbolizando a união entre as duas dinastias — era arrastado alguns metros pelo chão, novos sorrisos se abriam. A jovem Princesa — a ser coroada Rainha — viu expressões suaves em rostos que estavam quase que permanentemente sérios por conta da guerra que terminara havia apenas seis meses.

O tão jovem, porém tão sofrido casal herdeiro da Sibéria pareciam felizes pela primeira vez desde que a antiga Lady germânica os conhecera, ainda mais com os bebês que viriam, já evidenciados pela pequena barriga de Odelle marcada pelo vestido cor de marfim. Yuri e Sasha do Império Soviético, com as feições ainda não curadas do estresse tão recente, davam as mãos alegres. Freya e Werner — os únicos que não perderam seu juízo com os conflitos — sorriam, como se olhassem para todos aliviados pela paz que se instalara. E Juliane sabia que toda aquela alegria era por conta dela. Sua coroação, sua subida ao trono, marcava o início de uma nova era de tranquilidade, o que tornava a cerimônia ainda mais especial do que já era.

Continuando sua caminhada, passando por tantos outros nobres — alguns dos quais ela nem sequer conhecia — ela chegou ao altar, que se encontrava belissimamente decorado com rosas brancas e vermelhas, representando as cores da Dinamarca. Ali estavam também os membros da Família Real do país, os quais ocupavam posição de destaque ao lado dos tronos, posicionados em meio ao pequeno elevado geralmente utilizado somente pelo bispo para realizar os cultos. À esquerda, estavam os tios e as tias do futuro Rei, Henrietta — a viúva —, o casal exótico Vladimir e Matilda, Arymec, Benjamin e Carl, de respectivamente 21, 19 e 17 anos. Já à esquerda estavam a Rainha-Mãe Amalia, que já tinha seus olhos cheios de lágrimas, Frederick e sua namorada, Cecília de Navarra e a jovem Tyra, que exibia com orgulho sua pequena tiara de diamantes — que pertencera a sua avó. E foi até eles que a futura Soberana se dirigiu, se curvando em uma reverência educada como mandava o protocolo.

Enfim, passados por todos eles, a jovem donzela finalmente pôde se colocar em seu devido local, ao lado da sogra, simbolizando a mudança dos tempos, de geração e a passagem da função tão importante de Consorte. Já posicionada, Juliane viu as portas da capela se abrirem novamente, dessa vez para o mais importante participante da cerimônia. Em passos largos, porém ainda assim elegantes, o Príncipe a ser coroado Rei se locomoveu da entrada, fazendo o mesmo caminho que a esposa pelo tapete entre os convidados. O ouro das paredes parecia focar os raios de sol vindos das janelas no andar superior em suas medalhas militares, voltando ainda mais a atenção para a figura dele, que apenas alguns meses antes aparentava ser tão frágil e despreparada. O sorriso em seu rosto era maior que todos os outros ali presentes, apesar de ainda não carregar toda a vivacidade que tinha antes da morte do pai. Assim, de uma hora para a outra, os olhares curiosos e de admiração não estavam mais voltados para Juliane. E, diferente do esperado, ela não se incomodou com aquilo, pois sabia todas as dificuldades passadas por ele para que aquele dia acontecesse. O único sentimento que ela se permitia ter era o de orgulho.

— Deus, Nosso Senhor através de Vosso Sagrado Filho, Jesus, estamos aqui hoje em vossa sagrada presença para consagrar este filho terreno que recebe uma grande missão, Christian, como novo Rei da Dinamarca, Pai pedimos que abençoe o reinado deste teu servo terreno, que ele seja longo e prospero, como o de seus ancestrais — disse o mais alto Bispo da Igreja Dinamarquesa assim que o jovem nobre se parou a seu lado na parte central do altar. — Que o Senhor possa iluminar essa casa nesse momento para que o início desse tão importante reinado.

Christian, continuando com o protocolo, se virou de frente para o altar simples, que apresentava apenas o brasão da Dinamarca entalhado a ouro. Ele, então, levantou a mão direita, fechando os olhos para relembrar do juramento, que fora proferido na frente tempos antes, na inesquecível coroação de Alexander VIII, quando o rapaz tinha apenas 7 anos de idade.

— Por toda a minha fé e minha honra, Juro que irei governar o Reino da Dinamarca com justiça, preservar a religião Luterana, apoiar escolas e ajudar aos pobres, com o mesmo respeito e dignidade que meus antepassados — proclamou o rapaz, com a voz mais alta que possuía. — Ajoelho-me frente a Deus, que com sua glória me permitiu estar aqui hoje para cumprir minha missão e afirmar minha lealdade para com a Dinamarca e seu Povo.

Ao som das suaves vozes do coral da Igreja, o a ser coroado Rei se ajoelhou em frente ao altar, com a cabeça baixa, simbolizando a remição a Deus e a todo o povo da Dinamarca, a prioridade em seu reinado. Nessa posição, ele esperou que o bispo, vestido com suas pesadas vestes cerimoniais, fosse até ele com a espada — que fora usada por tantos anos em eventos como aquele por seus antepassados — em mãos. Assim, o religioso encostou de leve o metal gelado nos ombros do nobre, proclamando palavras de glória e de fé em um dinamarquês arcaico, como mandavam as tradições do Reino. Logo após disso, a grande coroa, incrustrada de belas pedras preciosas e coberta por veludo roxo, foi entregue ao homem. Antes de colocá-la na cabeça do jovem em sua frente, ele a apresentou aos demais convidados, que a reverenciaram em homenagem a todos os monarcas que já a haviam usado. Por fim, Christian finalmente a recebeu, com um sorriso no rosto, sabendo de tudo que ela simbolizava para seu povo e para sua família.

— Apresento a todos Vossa Majestade, Christian Valdemar Ferdinand Eric, o Rei da Dinamarca — anunciou o homem, fazendo sinal para que o novo Soberano se levantasse, entregando a espada a ele. — Que ele tenha fé e compaixão e governe a gloriosa Dinamarca com a responsabilidade de todos os seus anteriores. Salve!

— Salve! — respondeu o público, se curvando em uma reverência. — Salve!

O novo Rei sorriu, olhando para todos os presentes, desde as mais jovens crianças até os mais velhos anciões, desejando dar orgulho a eles, sabendo comandar sua nação, evitando guerras e cumprindo suas obrigações como chefe de estado. Seus olhos, entretanto, pararam nos de sua mãe, que já tinha lágrimas dos olhos, em uma mistura de alegria, por estar vendo seu filho tão amado subir ao trono, e melancolia, pela perda tão precoce de seu marido — quase um ano antes — na terrível guerra da Sibéria. Ao ver essa expressão da mãe, ele se lembrou das tantas vezes que, depois que Agnes renunciara a favor do irmão, a figura forte do pai tentou explicar, sem sucesso, a importância do Rei para o povo. Na época tudo aquilo parecia muito difícil, mas agora Christian entendia. Ele era o soberano. O pai da nação dinamarquesa, a mais rica da Escandinávia. Isso não se tratava apenas de um mero título, era uma posição, algo que carregaria durante o resto de sua vida. Nos primórdios de sua vida, ele nunca poderia imaginar que estaria naquela posição, todavia a vida mudou para que seu destino fosse aquele e agora ele se curvava de bom grado a ele. Pelo seu povo, pela sua família. Ele era o Rei e ninguém poderia mudar isso.

— Muito obrigado a todos, por confiarem em mim para ser seu parceiro como governante e para manter, juntamente aos senhores, a paz no mundo — disse o jovem, com muita confiança, com sua voz sempre tão baixa e discreta ecoando pela capela. — Porém eu não exercerei meu papel sozinho. Terei ao meu lado alguém em cujas habilidades creio muito e que sei que fará um bom trabalho como Rainha Consorte da Dinamarca.

Com um sorriso no rosto, a jovem loira, que aguardava pacientemente sua participação na cerimônia, caminhou até o marido, arrastando ainda com muita elegância sua pesada túnica. As mãos dos dois se entrelaçaram com paixão, enquanto seus olhos se encontravam com muita suavidade. Lentamente, ele a aproximou de si, depositando um beijo carinhoso em sua testa, que representava todo o respeito que ele tinha por ela. Ela, não querendo quebrar o protocolo, retribuiu o ato de amor do rapaz se ajoelhando em sua frente, levando metade de seu volumoso vestido vermelho ao chão.

— Meu Rei, eu juro fidelidade ao senhor, juro que estarei ao seu lado para os bons e maus momentos, para todas as dificuldades de seu governo, com o apoio tanto psicológico quanto intelectual, como sua esposa e consorte — ela afirmou, ainda com um dinamarquês carregado de sotaque, encarando-o com seus belos olhos azuis. — Espero que possa cumprir com todas as minhas obrigações com bom senso e consciência.

— Tenho certeza que isso ocorrerá, minha amada — disse ele, passando a mão que não estava ocupada com a espada em seu rosto. — Deus colocou-a em minha vida para estar a meu lado, para me ajudar, com toda a sua graça, a governar esse país. E é por isso que, nesse momento, dou-lhe a Coroa de Margareth I, Rainha Reinante da Dinamarca, Noruega e Suécia em tempos passados, com a convicção que você será tão boa governante quanto ela.

O Bispo, que estava ao lado observando tudo, pegou com seu ajudante a mais brilhante das coroas dinamarquesas, que raramente era retirada dos cofres e que nunca antes fora dada a uma consorte. A joia era feita de ouro puro, modelado delicadamente em forma de flores e de símbolos que representavam o poderoso Reino. As pedras que possuía eram poucas, mas mesmo assim elas brilhavam, ainda mais quando colocadas sobre os cabelos louros da nova Rainha, cujo sorriso cintilava tal qual um coral de pérolas.

— Que o Senhor a ilumine nessa jornada — desejou o Chefe da Igreja, enquanto posicionava delicadamente o objeto nos cabelos da jovem, tomando cuidado para que seu belíssimo penteado não fosse desfeito. — Que seu reinado ao lado de Christian seja cheio de benções, tanto para vossas majestades quanto para seu povo.

Antes que ela se levantasse, seu marido a entregou a rosa dourada, um pequeno cedro específico das Rainhas Consortes. Seus dedos finos envolveram o instrumento como se fossem feitos para aquilo, como se os antecessores tivessem pensado exclusivamente nela ao forjá-lo. E, assim, ela se pôs de pé, arrancando aplausos de todo o público em sua frente.

Com aquela coroa ancestral em sua cabeça e o objeto usado há tantos anos por outras mulheres em sua posição em suas mãos, ela finalmente pôde sentir que seu dever estava cumprido. Seus sonhos, pelos quais ela lutara desde que notícia de uma visita da Família Real Dinamarquesa a casa de Friederich Manteuffel chegara a seus ouvidos, foram realizados naquele momento. Ela se tornara o que a mãe e as irmãs sempre quiseram: uma Rainha, reconhecida e adorada pelo povo. O poder, a partir daquele dia, estava em suas mãos, mesmo que apenas o poder de uma consorte.

— Apresento-lhes Vossa Majestade, Juliane Marie, a Rainha da Dinamarca — anunciou o rapaz, com muita emoção. — Salve!

— Salve! — respondeu o público. — Salve!

Christian, então, pegou a mão livre da esposa, depositando ali um beijo que mostrava todo seu carinho e, ao mesmo tempo, respeito por ela. Assim, os dois se dirigiram até os tronos um pouco atrás deles, ele, no vermelho do Soberano Reinante e ela, no prateado do Consorte. Os leões, que por tanto tempo aterrorizaram o jovem Rei com seus grandes olhos de rubis, agora sentavam-se de costas para ele, protegendo-o como por anos protegeram seu pai. Os demais nobres, que desde sua infância foram seus superiores, agora se curvavam em sincronia em uma reverência, evidenciando que, a partir daquele momento, eles eram seus equivalentes.

E o rapaz, ao notar o quanto sua vida mudara em tão poucos minutos, não pôde deixar de sorrir, encarando os olhos extremamente azuis de sua companheira, que assim que percebeu, o encarou de volta. Aquele dia marcava um novo início na história de ambos. Um novo início cheio de responsabilidades e de incertezas, mas que eles viveriam juntos, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença.