Rainbow War

Uma pequena trevinha


– Esperai um pouquinho! – disse, eu totalmente atordoado com o que ele me contava (eu tinha tomado a decisão de encarar Kahel como um menino) – Você está tentando me convencer de que eu não sou humano e que existe uma guerra lá fora, e de que nós precisamos lutar pelas nossas vidas?!

Ele deu de ombro.

– Basicamente, é por aí.

Isso era insanidade, e é claro que falei isso pra ele e de uma forma nem um pouco sutil. Não se ele me deu um olhar compreensivo ou repreensivo, mas de uma forma ou de outra isso fez com que eu me arrependesse.

– Desculpe, mas é que eu não consigo me acostumar com essa idéia. É loucura demais pra mim! Eu sou só um adolescente normal, que quer terminar de estudar logo e curtir a vida com tudo que tiver direito, e não lutar numa guerra que eu nem sei se existe!

– Se não existisse – ele se aproximou um pouco de mim, e pude perceber o quanto eu era baixo perto dele – as sombras no banheiro tentariam te estrangular? Elas obedeceriam ao cara que apareceu no nada? Você teria criado asas de fogo para se defender? Eu teria controlado a terra pra te proteger?

– Aquilo foi uma alucinação, assim como você está sendo! Aliens não existe, e mesmo que existissem, porque eu seria um deles?

– Reflita um pouco e talvez encontre a resposta. Coisas que você sempre se perguntou, como: “por que eu nunca me queimo? Por que eu gosto tanto do calor? Por que meus pais não se parecem comigo? Por que eu sou tão quente?” Isso tudo é porque você é um mercuriano. Um descendente real da casa Hakzen, com poderes extremos sobre o fogo, o calor e coisas afins.

De fato, as coisas que ele dizia agora parecia fazer sentido. Quase tudo se encaixava, exceto o fato de eu ser um alien. Mas tudo o que ele dizia parecia fazer morada na minha cabeça, conectando pequenos acontecimentos que eu tinha presenciado ou ate mesmo causado.

Algumas vezes, quando eu ia pra praia, esquecia de passar protetor solar, mas de alguma maneira, eu nunca me queimava. Outra vez, eu quase fui assaltado quando saia da escola, mas quando o cara me segurou pelo braço, eu me virei assustado e ele me largou com um grito doído e segurava uma mão vermelha, como que marcada a fogo. Outra vez ainda, quando eu tinha acabado de discutir com meus pais, sai de casa e fui arrumar briga na rua, e acabei mandando um cara pro hospital com muitos machucados e algumas queimaduras de primeiro grau nos locais em que eu socara com mais raiva.

De uma maneira ou de outra, parecia que o fogo estava conectado a mim, mas isso ainda não provava que eu era um alien e também não estava disposto a encarar isso assim do nada. Queria explicações, muitas explicações mesmo!

– Tá bom, então! – meu tom de voz devia dizer exatamente o contrário – Vamos supor hipoteticamente que eu realmente seja um alien, e que tudo o que você falou seja verdade. Então o que eu posso fazer pra ativar meus poderes de novo?

Ele pensou um pouco em como me enrolar com mais um mentira e mandou ver na bravata:

– Repita o que você fez pra ativar as asas de fogo na batalha contra Darkshadow. Quando quero controlar a terra, eu penso naquilo que mais me dá raiva, e canalizo isso pra uma ação. Pelo menos é assim que funciona com os uranianos, mas não tenho a menor idéia de como os mercurianos fazem.

Francamente, não é que a resposta dele me convenceu? Vamos ver o que eu fiz quando eu estava lutando com o cara de preto? Ele me disse os planos dele e isso me deixou muito assustado, mas me deu uma raiva muito louca na hora e eu simplesmente senti o calor do meu corpo aumentando, ate o ponto de criar asas de fogo.

– Eu não faço a menor idéia também – e além do mais eu estava quase no segundo horário, e acho que era melhor me dirigir à sala antes do professor entrar – Escuta, podemos terminar essa conversa depois? Eu preciso ir pra sala, e estou muito atrasado com alguns compromissos. Você pode me encontrar quando e onde?

Ele me olhou seriamente e acho que não íamos nos encontrar tão cedo.

– Tem uma praça abandonada perto do centro, aonde ninguém vai lá depois de 17 horas. Acho que se você puder me encontrar lá hoje ainda, talvez continuemos esta conversa. Mas por favor, vá sozinho.

– OK, farei o possível pra poder ir – eu dei as costas pra ele, mas me virei no ultimo minuto – Muito obrigado, por salvar minha vida.

Cheguei na sala um pouco depois do professor, quase tive um infarto quando ele me olhou com aquela cara malévola do outro lado da porta.

– Muito bem, Jack, parece que hoje você se atrasou e muito! Pode nos dar uma boa explicação para chegar nesse horário?

O professor agora era Danilo, de matemática e, diga-se de passagem: ele era um verdadeiro cavalo batizado. Fiquei com um pouco de receio de responder porque ele poderia me dar um corte cruel ao ponto de chorar. Busquei com o olho a ajuda de alguém da sala, mas só encontrei o olhar calmo de Hikari, e uns movimentos com a boca que eu consegui traduzir:

– Eu me atrasei porque eu desmaiei no banheiro – não era bem isso que eu queria dizer, mas foi o que consegui improvisar com a frase de Hikari – Tive uma súbita queda de pressão.

– E o que causou essa súbita queda de pressão? – seu tom inquiridor dizia claramente que ele não acreditava nem na metade da minha estória – Foi algum ratinho que entrou na sua calça?

– Na verdade, foi uma barata – eu já estava imaginando a cena – bem grande e cascuda. Voadora.

– E o que você fez com a barata?

Agora simplesmente eu não sabia o que dizer. Minha criatividade estava à beira de um colapso, e eu ainda não tinha pensado direito desde que terminei de falar com Kahel. Mais uma vez olhei pra Hikari, esperando ver alguma coisa de esclarecedora e vi pela leitura labial algo que provavelmente eu não falaria, mas no desespero:

– Eu comi.

A sala inteira começou a montar um fuzuê tão grande que o Danilo esqueceu de mim e começou a andar a esmo. Eu juro que nunca passei tanta vergonha na minha vida inteira, mas mesmo que já tivesse passado, não compensava pra simplesmente entrar em sala. Mas Danilo parecia estar se divertindo tão intensamente que não via outra maneira de prosseguir com a aula se não fosse tirando uma coma minha cara.

– E qual foi o gosto? – eu queria tirar aquele sorrisinho da boca dele, mas me controlei – Vai te sentar, rapaz!

Quando me sentei, eu quase morri de raiva de ver a cara do Hikari com um sorriso sem graça me olhando. Tem umas horas que ele é um grande amigo, mas outras eu tenho tanta vontade de arrancar a cara dele com uma gilete que só Deus.

– A próxima vez que você me fizer dizer essas coisas, eu vou te matar! Miserável, não poderia ter pensado em outra coisa que não aquilo?

– Desculpe, mas você sabe que a coisa que ele mais gosta depois de dar coice é o aluno se humilhar pra ele. E você parecia querer entrar de qualquer maneira – O sorriso dele agora parecia arrependido e sincero – Eai? Como está de novas por esses dias?

– Eu sou um alien vindo de mercúrio e minha vida corre perigo porque um psicopata está tentando me matar pra acabar com a linhagem real do meu planeta que é Mercúrio.

– Ah, normal pô. Eu acho que posso arrumar algumas armas pra você na minha base secreta debaixo do sofá – seu tom era tão sarcástico que eu ate pensei que era Danilo do meu lado – Tu tem que parar de sonhar acordado e de tomar suco de pimenta antes de dormir.

Outra das minhas esquisitices, todo mundo toma leite morno antes de dormir, eu tomo suco de pimenta pelando.

– Eu sabia que você não ia acreditar em mim! – eu começava a ficar frustrado com a possibilidade de estar surtando mesmo – É tanta loucura que nem você acredita em mim.

– Não fique triste, eu acreditarei quando você me mostrar um pouco de seus poderes…

No decorrer do dia, as coisas foram as mais normais possíveis, sem nenhuma aparição de Darkshadow ou Kahel. Com o final do dia, os meus amigos começaram a se dispersar e eu fiquei com medo de ir pra casa e ser atacado por aquele louco de novo, então preferi me dirigir logo pra praça que o Kahel me dissera. E lógico, como eu iria sozinho, estava um pouco apreensivo.

– Jack, espera! A sua casa é pra lá!

Reconheci a voz de Romolo e me virei em tempo de vê-lo chegando perto de mim, um pouco arfante por ter corrido. Fiquei um pouco arrependido de ter concordado em ir me encontrar com Kahel, porque não poderia levar ninguém comigo. E ele parecia ser perfeito pra me acompanhar, pois ele era tão acostumado com tudo que nem se importaria. Espere um pouco aí! Ele disse pra ir sozinho no encontro, mas não me proibiu de levar alguém comigo ate o caminho.

– Romolo, você quer ir comigo numa praça abandonada perto do centro da cidade? Quando chegarmos lá não vai ter ninguém, e eu não quero ficar sozinho.

Ele me olhou como se eu tivesse dito que gostava de comer bananas com sal e limão, mas não disse nada contra.

Quando chegamos próximo a praça, pedi que ele me esperasse e fui ter uma boa conversa com Kahel. Quando cheguei, ele já estava me esperando em um banco, e usava mesma roupa de hoje de manha. Eu me sentei do seu lado e olhei bem fundo em seus olhos só pra deixar claro que eu era forte pra agüentar a situação. Ele abriu a boca pra dizer alguma coisa, mas depois olhou atrás de mim e com uma expressão exasperada disse:

– Pensei que tivesse dito pra vir sozinho!

Imediatamente olhei pra trás, porque eu já sabia quem estava ali. Quase disse um palavrão pra Romolo, mas mordi a língua quando vi a situação em que ele estava: estava amarrado e amordaçado por sombras que o seguravam a alguns cm do chão, e do seu lado, me encarando de maneira muito tranqüila, estava Darkshadow.