Rainbow War

Uma história bem interessante


Flashback Perla On

“Sei que parece estranho, mas sim, quem me fez Kahel, foi meu namorado. Ele me deu o bracelete na minha mão e deixou que eu o usasse todos os dias. Mas é claro que eu apenas peguei na hora e admirei a obra prima que tinha em mãos. Quis colocá-lo ali mesmo na hora, mas algo me dizia que não seria uma boa idéia, e convenci-o disso com relativa facilidade.

Ficamos conversando sobre o bracelete por algum tempo até que ele deixou escapar que ele tinha sido feito pelo Rafael. Por isso minha intuição disse que eu não deveria deixar que aquilo encostasse na minha pele, mas mesmo assim… Eu não queria fazer uma desfeita e disse que não ligava para quem tinha feito, que pra mim importava apenas quem tinha me dado.

E assim passou o tempo. Acho que foram cerca de quatro meses após o bracelete, aconteceu o que mudou minha vida para sempre: foi a primeira vez que eu usei meus poderes de uraniana. Foi absurdamente esquisito e devo dizer que deixou uma baita herança. Foi quando eu fui convidada pra uma festa onde as meninas se vestiam de meninos e os meninos de meninas. Parecia ser divertida, então fui. Detalhe, eu fui desacompanhada!

Como a entendida de moda que eu sou, fui comprar algumas roupas de macho pra dar de presente ao Hugo e pedir emprestado pra ir à festa. Nessa hora eu o levei comigo. Fomos ao shopping para comprar nas maiores grifes do país, já que eu ia comprar apenas um conjuntinho básico. Ficamos conversando um pouco sobre a festa e eu tentei de todas as maneiras convencê-lo a ir, mas ele se recusou terminantemente.

‘– Você sabe que é besteira da sua parte, não é? Eu me fantasio de menino e sou perfeitamente segura de mim mesma’.

‘– Não é questão de ser seguro de si mesmo, amor! Eu sou apenas uma criança. Meus pais não iriam deixar que eu fosse, mesmo estando ao lado da minha namorada, ainda mais com eles pensando que você é santa’.

‘– Credo! Mas olhando pelo lado deles, realmente tem razão. Eu sabia que namorar um Leite Ninho ia dar problema’! – eu brinco com ele até hoje disso, e ele fica injuriado.

‘– Ah porra pra ti! Deixa eu chegar pelo menos aos quinze, ta? Aí a gente pode pirar à vontade, mas eu preciso mostrar que sou um filho responsável e que sabe obedecer aos pais’.

“Ainda conversamos por mais tempo, mas logo decidi o que levaria e fomos embora. Ai foi só o tempo de chegar em casa, me arrumar e sair de novo. A festa era um pouco longe da minha casa, mas eu contava com a carona de papai hoje, então decidi ser corajosa e usar o bracelete que Rafael tinha feito. Abri o guarda-roupa, peguei a caixinha onde o guardava, tirei-o, coloquei-o no pulso e como eu continuava viva, decidi que ele não explodiria e me mataria a qualquer hora.

Sai de casa, e fui até o carro com o papel do endereço, o convite e duzentos reais numa carteira masculina que Hugo tinha me emprestado. Estava meio surrada, mas homem é bicho porco mesmo, então… Ei Jack, sem ofensas! Bom, então papai correu a cidade e me deixou na porta da casa. Mas ainda era meio cedo, então fui tomar um sorvete na esquina. Não pergunte como, mas eu tropecei nos meus próprios pés e caí na calçada, mas me levantei como uma lady e continuei andando.

Mas foi só entrar na festa e eu descobri que tinha alguma coisa estranha. Eu estava mais alta. E mais branca e magra também, mas me choquei foi com a altura. Nem me importei muito tempo, mas precisei me olhar no espelho para conferir como eu estava. Fui até o banheiro feminino e me olhei no espelho. Juro a vocês que quase desmaiei: eu estava linda! Claro que parecida com um menino, mas linda do mesmo jeito. Toquei meu rosto só pra confirmar, e era eu mesma!

‘– Nossa, garota! Você está linda! Amiga, me conta como você conseguiu esse visu incrível’? – perguntou uma garota bonitinha. Parecia uma tentativa frustrada de imitar o Elvis Presley.

‘– Nem pergunte, amore. Nem mesmo eu sei como fiz essa mágica’. – respondi, e me surpreendi com minha voz melodiosa, andrógina como meu corpo.

Sai do banheiro feliz da vida e nem reparei mais no tempo, em quem me alisava em quem eu alisava, em nada. Eu era o sucesso da festa e só não esqueci que tinha namorado porque o bracelete pesava no meu braço, seja pela consciência ou pela culpa. E deu a hora de acabar a festa, mas eu queria aproveitar um pouco mais. Saí de lá com algumas pessoas que tinha conhecido na hora, dois ‘meninos’ e duas ‘meninas’, se é que vocês me entendem.

“Ficamos vadiando por um tempo na rua, até que eu tropecei de novo e quase caí de cara no chão. Mas para minha surpresa, o chão era macio como um colchão d’água. Eu fiquei um pouco assustada, mas por fim me lembrei do que o cara estranho tinha dito pra mim sobre os planetas, e ali estava eu, como prova incontestável a mim mesma de que ele estava sendo verdadeiro. Mas tudo o que é bom, dura pouco. Quando eu penso em algo ou alguém, às vezes o que eu pensei aparece na minha frente. Pena que não funciona com dinheiro.

‘– Então o primeiro dos sete é Urano? Isso é algo muito interessante! Não era pra vocês serem os calminhos’? – perguntou uma voz estranha. Parecia uma espécie de ronronar: sensual e perigoso. Fiquei em pânico só de ouvir isso.

E a mesma alucinação de alguns meses atrás tinha voltado à minha mente: um homem alto, negro, forte, de cabelos trançados, usando roupas pretas saindo do meio de uma poça de sombras. Tentei colocar a culpa na bebida, mas eu nem tinha tomado um gole de cerveja, então não funcionou. De um jeito ou de outro, dessa vez eu não estava em posição de fugir. Mas não fiquei tão preocupada, eu já o conhecia, embora não soubesse o nome dele. Loucura, eu sei.

‘– Oi, cara! Boa noite, né? Como vai você’? – disse eu, um pouco assustada, mas tentando não demonstrar. – ‘Vem passear com a gente, eu estou me sentindo tão alone e carente’.

Minha tentativa de parecer uma fêmea gostosa e carente não foi muito bem sucedida. Ele convocou as sombras ao meu redor, enroscou-as no meu pescoço e me suspendeu no ar. Eu comecei a sentir muito frio e a me tremer toda, além de sufocar e engasgar. Quase tive um chilique e implorei pela minha vida, mas o desespero de tentar me livrar das sombras fez com que eu me mexesse loucamente, e num desses movimentos, lancei uma pilha de terra contra o cara das sombras.

‘– Mas quem diria? Ele já despertou seus poderes assim logo cedo? Você realmente é bem mais forte do que eu pensei, Urano! Mas eu não vou deixar você sair vivo daqui’!

Pelo menos eu tinha uma pista. Ele não sabia quem eu era, pois estava me tratando como um menino. Isso podia ser bom ou mal, mas eu pensaria nisso depois. Primeiro precisava sair dali o quando antes! Tentei repetir o movimento, mas não deu certo. Já estava quase perdendo a consciência quando ele deu um grito e desfez as sombras. A terra ao redor dele tinha amolecido e prendido ele até o pescoço como se ele tivesse entrado em uma piscina e a água tivesse se solidificado.

Cai que nem uma pedra do chão, mas o importante é que o chão ficou macio, e eu não me machuquei. Eu tinha que sair dali o mais rápido possível, e isso incluía a galera que estava comigo. Mas eu estava tão nervosa que nem sabia em que direção correr, até que ouvi alguns barulhos atrás de mim e saí correndo na primeira direção que encontrei. Não me importava onde fosse dar, eu só queria fugir.

Corri vários quilômetros, eu imagino, e fui acabar na praça abandonada no centro da cidade. Corri tão depressa que nem prestei atenção se tinha alguém comigo, mas agora eu tinha certeza de uma coisa: eram quase quatro da manhã, tinha um assassino atrás de mim, eu tinha controlado a terra, e estava sozinha numa praça perigosíssima. Disso tudo, estava ainda tentando me lembrar o numero da polícia pra pedir ajudar.

‘– Nossa, garoto. Você corre pra caramba! Da próxima vez, avisa, ta bem’? – perguntou o cara de preto, aparecendo atrás de mim. Dei um grito e ele tentou me calar com um tapa, mas eu me esquivei e cai sentada no chão.

‘– Você é mesmo patético. Se eu soubesse que Urano enviaria um descendente tão fraco, nem teria perdido meu tempo vindo atrás de você. Mas já que estou aqui’…

E ele ergueu a mão para lançar uma saraivada de espinhos de sombras afiadíssimos, prontos para me tornarem uma peneira ambulante. Quase mijei nas calças, mas me contive e me obriguei a esperar o suficiente para escapar. Quando ele lançou aquelas coisas em cima de mim, eu agi sem pensar e coloquei meus braços a frente e a terra respondeu: uma parede grossa de terra dura como mármore surgiu e me protegeu contra os espinhos.

“Levantei-me e voei baixo na corrida pra escapar daquela praça, embora soubesse que pra onde quer que eu fosse, ele me seguiria. Dito e feito: quando eu já estava quase saindo, olhei pra trás pra ver se o via atrás de mim, e me surpreendo esbarrando em alguém. Ele tinha aparecido bem na minha frente como uma sombra e quase tinha me pegado. Tentei escapar rapidamente e ele aproveitou essa brecha pra me prender com sombras. Fiquei literalmente enrolada.

‘– Você até que controla seus poderes direitinho, garoto. Mas eu não vou deixar você vivo por mais nem um minuto. Respire pela ultima vez, e aproveite tudo que o pós-vida tiver de melhor’!

E as sombras começaram a apertar até quase esmagarem meus ossos, e eu já estava sem ar até pra raciocinar, então como que por milagre, as sombras folgaram e eu pude respirar melhor. Então eu vi que dessa vez tinha estalagmites agudas e afiadas apontando na direção dele. Eu estava impressionada comigo mesma, mas não me deixei levar. Levantei a cabeça e tentei barganhar.

‘– Vamos fazer o seguinte? Você me solta, e eu te solto, beleza? – perguntei.

No instante seguinte, as sombras se soltaram totalmente e eu me vi livre para voar como uma linda borboleta, mas eu não me levantei de imediato. Tentei conversar com a terra para que ela tirasse as estalagmites, mas foi meio que inútil. Disse que não sabia o que fazer para abaixar as armas, e ele só me olhou surpreso. Depois ele se transformou em sombras e passou por elas como se fossem papel.

‘– Seu instinto de auto-preservação é realmente uma força-motriz, mas não é isso que me interessa. Eu quero lutar contra você de novo quando estiver com raiva! Quero ver você perder a sanidade lutando contra mim, e se tornando tão perigoso quanto possível. Escute bem, garoto, eu vou te dar só essa chance. Existem outros seis por aí, encontre quantos puder e monte sua equipe, pois que vou matar todos aqueles que estiverem no meu caminho’!

E sumiu em sombras, me deixando confusa e apavorada. O sol nascia e tudo se iluminava, mas eu continuava fria e apavorada. Agora eu tinha mais do que uma simples missão. Eu tinha uma verdadeira guerra da qual eu mesma era a capitã. Queria ser soldado raso, mas não tinha escolha. Era hora de lutar, contra mim, meus medos e minhas falhas. Urano? Não, nascia ali, um novo menino. Nascia ali, Kahel”!