Sem pensar duas vezes eu puxei o travesseiro e acertei nele, fazendo-o cair de lado na cama. Eu estava estupefata e incrédula com aquela situação. Sheldon havia invadido meu apartamento e pulou em cima de mim como um cachorro no cio, e isso era o tipo de coisa que eu esperava do Howard, nunca dele.
– Você é louco?! - esbravejei enquanto me levantava - O que diabos deu em você, Sheldon?!
– Alguém acordou de TPM hoje... - murmurou ele sem tirar o sorriso idiota da cara, o que me fez ficar com mais raiva ainda. Segurei o travesseiro e subi em cima da cama de joelhos, acertando vários golpes nele, que tentava em vão se esquivar.
– Nunca. Mais. Faça. Isso. - enfatizei, uma travesseirada para cada palavra.
– Se realmente quisesse me machucar pegaria algo mais pesado - sugeriu ele, arrancando o objeto das minhas mãos e jogando por cima do ombro. Apertei os olhos e fitei o abajur, Sheldon fez uma expressão meio apavorada - Por que eu fui abrir a minha boca...
Inspirei lentamente, contando até dez. Talvez eu tivesse exagerado um pouco, confesso. Meu vizinho sempre foi doido e excêntrico, e isso era só mais uma fase muito estranha da vida de Sheldon Cooper. Caminhei até o banheiro e peguei minha escova de dentes.
– Então, mais calma? - arriscou ele, eu lancei um olhar mortal em sua direção - Ok. Vai ficar muda, eu entendo. Mulheres fazem isso quando estão chateadas.
– E o que você entende sobre mulheres? - perguntei com desdém, colocando a escova na boca.
– Li muito sobre elas - respondeu depois de um tempo. Revirei os olhos.
– O que fez você invadir meu apartamento, afinal?
– Preciso de carona - revelou Sheldon, com um sorrisinho de lado.
– Não tô afim - declarei, a voz distorcida por causa da escovação. Ele caminhou até a porta do banheiro e se recostou nela, cruzando os braços.
– Você faz isso com todos os homens?
– Isso o quê?
– Acordar com mais brava que um pitbull, escovar os dentes até parecer um cachorro raivoso, desfilar pela casa com esse pijama broxante... - ele gesticulou com o dedo para a minha roupa - Isso corta o clima, Penny.
Eu podia ter cometido meu primeiro homicídio neste exato minuto, mas decidi ser a pessoa racional e simplesmente o empurrei para fora do apartamento, batendo a porta. O que diabos deu nele? Ele estava impossivelmente abusado como jamais nenhum cara que eu conheci havia sido. E por um momento a teoria de Leonard sobre "possessão" estava fazendo algum sentido. Não, espera. Isso não existe, deve haver uma explicação plausível para essa atrocidade que vem acontecendo com Sheldon. Uma explicação cientificamente plausível para explicar o possível "sumiço de neurônios" dele.
E como se uma lâmpada se acendesse de repente, eu tive uma ideia brilhante. Troquei de roupa rapidamente, e corri até o telefone.
– Alô? - falei assim que Amy atendeu.
– Miguxa - disse ela em um tom descontraído - Como vai? A julgar pela época do mês você deve estar precisando de um dia de garotas para comer chocolate, chorar e assistir filmes do Kutcher.
– Oi? - indaguei com uma careta, e então entendi o que ela quis dizer - Não, não é isso. Eu preciso da sua ajuda.
– Sobre o que exatamente?
– É só uma teoria sobre uns artigos de neurobiologia que eu li uma vez...
– Você leu sobre neurobiologia? - questionou a garota, não se preocupando em esconder a descrença na voz - Isso é grave. Está sentindo dores ou calafrios?
– Não, Amy - respondi rapidamente - Quando podemos nos ver?
– Amanhã, talvez, se eu encontrar o macaco cientificamente controlado por chip cerebral que eu estava estudando.
– Você perdeu um macaco? Onde?!
– No shopping. Ele apresentava grandes tendências suicidas, espero que ainda não tenha pulado... - dizia ela, e eu podia ouvir o som de vozes ecoando em exclamação ao seu redor - É, parece que ele pulou.
– Coitadinho - murmurei.
– Tudo bem. Não quer mesmo assistir um filme do Kutcher? - perguntou seriamente - Depois do funeral do macaco, lógico.
– Não, mas obrigada. Te vejo amanhã - respondi desligando o aparelho.
Peguei as chaves do carro e sai do apartamento, trancando a porta. Já no corredor era possível ouvir a voz esganiçada de Leonard do outro lado. Antes que eu pudesse girar a maçaneta, Sheldon saiu com uma cara divertida, vestindo uma camiseta do flash e jaqueta de couro.
– Você não vai querer entrar lá - avisou.
– Por quê?
– Eu meio que... Usei as revistas em quadrinho do Leonard pra acender a lareira - disse arqueando as sobrancelhas e comprimindo os lábios. Refleti por um momento, franzindo a testa.
– Mas você não tem lareira.
Exato!– exclamou Sheldon, dando uma gargalhada.


Estávamos no carro, dirigindo por algumas ruas movimentadas de Pasadena. Devido ao nosso último passeio juntos, eu estava totalmente desconfortável de andar por aí com Sheldon ao meu lado. Era como se isso me lembrasse constantemente do acidente, e de várias coisas mais que eu preferia ignorar. Abri as janelas ao notar que começava a suar um pouco, o vento abafado da manhã amenizou um pouco a situação, mas não totalmente.
– Você está bem? - indagou Sheldon, se virando no banco para me encarar. Eu apenas assenti com a cabeça, inspirando e expirando com assopros. Ele continuou a me observar atentamente, e isso estava me deixando mais nervosa. Estacionei próximo ao parque central.
– Só preciso pegar um ar - falei, saindo do carro e fechando a porta. Sheldon contornou o veículo e caminhou ao meu lado, pra onde quer que eu estivesse indo. O local estava vazio, exceto por algumas pessoas correndo e pombas procurando alguns farelos no chão. Arrastei as mãos pelo cabelo, colocando-o pro lado.
– Você sabe que não teve culpa do que aconteceu - falou Sheldon, depois de momentos de silêncio. E aquela frase me pegou desprevenida.

Há dias que eu estava me preparando minha paciência e emocional para esse confronto. Pelo que eu conhecia do Doutor Cooper, ele iria jogar na minha cara mil razões científicas, lógicas e plausíveis sobre o quão imprudente e irresponsável eu fui. Ele ia me detonar por ter batido o carro e ter mandado ele pro hospital, e eu já havia me conformado com isso, pois eu sabia que a culpa era minha. Mas o que eu acabara de ouvir havia me deixado meio atônita. Definitivamente nada nesse novo Sheldon fazia sentido.
– Penny - ele me chamou, estalando os dedos em frente ao meu rosto.
– Ah, eu... Não acho que é a hora pra falar disso - dei de ombros e segui para o centro do parque, onde havia alguns brinquedos infantis. Sentei num balanço e apoiei os cotovelos nas coxas, fitando o nada.
Mulheres– Sheldon imitou meu gesto e sentou-se no outro balanço, ao meu lado - Sempre evasivas.
– Você não é bem o mais indicado para falar sobre pessoas evasivas– disparei, arqueando uma sobrancelha - Afinal, até agora não disse pra mim nem pra ninguém por que está agindo por aí como o bad boy do bairro.
Ele deu uma risada sem graça e então colocou as mãos em frente ao rosto, massageando as têmporas por longos segundos, até virar a cabeça para me fitar.
– É complicado - murmurou.
– Você está deixando muita gente preocupada - disse baixinho.
– Inclusive você - falou, comprimindo os lábios.
– É, inclusive eu - suspirei pesadamente. Sheldon se levantou do balanço e parou logo atrás de mim, segurando nas correntes do brinquedo e dando leves empurrões. Franzi a testa e então comecei a rir, encarando-o. - Isso é hilário.
– O quê? - ele deu de ombros, sorrindo de lado.
– Nada. É só que eu estou sentada num balanço pra crianças de cinco anos e o "Senhor PHD" está me empurrando. - admiti divertida.
– Tem vezes que é preciso enlouquecer pra você saber que está vivo - disse ele, ainda me fitando. Fiquei me perguntando o sentido daquelas palavras, ou se elas realmente tinha algum. A verdade era que eu estava começando a gostar desse lado do Sheldon que eu não fazia ideia existir, tudo bem que era totalmente doido, mas se não fosse doido não seria ele. Não é mesmo?
– Eu te desafio a descer de pé - disse apontando para o escorregador. O Doutor apertou os olhos pra mim, curvando os lábios levemente pra cima, e então andou até o brinquedo.
– Ah, eu preciso ver isso melhor - levantei do balanço e fiquei de frente para o escorregador. Sheldon subiu as escadinhas, parando com os pés na beirada, olhando pra baixo.
– Se eu me estabacar, eu vou encher a sua calça de areia - prometeu ele, enquanto afirmava os pés na rampa e deslizava dando algumas travadas no meio do caminho. Mas por incrível que pareça, ele conseguiu. - Sua vez - falou sorridente enquanto me indicava o caminho.
– Nem pensar! Diferente de você, eu tenho certeza que eu vou me estabacar todinha– afirmei, balançando a cabeça.
– Se você cair eu te pego - assegurou Sheldon.
– Não confio em você - protestei.
– Qual é! Tá com medinho? - provocou ele.
– Não. Só quero continuar intacta.
– Eu acho que você tá com medinho - insistiu.
– Ok, idiota. Eu vou - disse irritada, indo em direção ao brinquedo. Subi as escadinhas, e fiquei em pé na rampa, esfregando a ponta dos tênis pra ver o quão escorregadia ela era. Suspirei e cravei os pés, tentando deslizar devagar, mas ao invés disso eu desci com tudo, quase como se estivesse num piso molhado. Quando eu senti que estava prestes a colidir com o chão arenoso, Sheldon esticou os braços e me segurou pela cintura, andando alguns passos para trás devido ao choque de nossos corpos.
– Opa, olha o que caiu do céu - falou malicioso. Revirei os olhos, com um sorriso incrédulo.
– Isso é uma cantada? Eu mereço - desdenhei sarcástica.



Alguns minutos depois de fazer algumas besteiras a mais, como subir na árvore mais alta (no meu caso, subir e demorar um ano pra descer por que fiquei com medo da altura) e andar de pé nos balanços, nós deixamos o parque.

Ficamos o dia todo fora, passamos no shopping pra comer alguma coisa e depois Sheldon insistiu para que fôssemos ver o filme de terror que estava em cartaz, embora eu preferisse comédias românticas. Cedi ao capricho dele por pura encheção de saco e quase morri de susto umas dez vezes, enquanto ele ria da minha cara. Assim que o filme acabou, só por vingança, eu o fiz assistir um drama de mais de quatro horas. Mas acontece que o tiro saiu pela culatra, pois nós dois dormimos durante a sessão inteira.



Já era quase de noite quando decidimos voltar para casa, mas antes disso Sheldon quis passar numa loja de instrumentos. E qual não foi a minha surpresa quando ele agarrou um violão acústico cor de tabaco, cordas de aço extra e um afinador.
– Desde quando você toca? - perguntei por cima do ombro, enquanto ele pagava no caixa.
– Desde agora - Sheldon sorriu sarcástico, e então fomos embora.

No caminho de volta ele ficou fuçando a toda hora no rádio, trocando as estações e aumentando o volume conforme a música. Chegamos no prédio em silêncio, subindo os degraus vagarosamente. Assim que identifiquei estarmos no nosso andar, andei com ele até a porta.
– Então, boa noite - falei, tirando minhas chaves do bolso e dando as costas.
– Penny - ele me chamou, eu me virei e Sheldon veio na minha direção. Ele gentilmente passou a mão pela minha cintura, e com a outra afastou o cabelo do meu rosto, se inclinando na minha direção. Eu fiquei sem reação diante do gesto, apenas petrificada. Por alguma razão ele ia me beijar e nós não estávamos bêbados. Quando sua boca estava a centímetros da minha ele parou, e então ele deu um sorriso diabolicamente irônico.
Ba-zin-ga– sussurrou contra meus lábios, enfatizando cada sílaba. Apertei os olhos com um ódio mortal. Ah, é? Você que brincar? Então vamos brincar, Doutor Cooper. Apertei seus ombros, empurrando-o para frente, o que o fez dar com as costas na porta de seu apartamento.Sheldon arregalou os olhos, totalmente surpreso com a minha atitude. Eu me inclinei contra ele, e vi seus olhos fitarem diretamente a minha boca.
E era lógico que ele achava que eu ia beijá-lo.
E foi nesse momento que a porta abriu.
E foi nesse momento que nós caímos desajeitados no chão.
– Sheldon? Penny? - indagou Leonard com um tom surpreso e expressão mais ainda.
– Eles estavam se agarrando atrás da porta? - indagou Howard com um sorrisinho besta. Levantei-me do chão rapidamente, limpando as mãos nas calças.
– Ninguém estava se agarrando atrás da porta! - chiei com ele, e então percebi que estavam todos na sala, sentados em uma rodinha com um tabuleiro de Ouija no centro dela.
– Pra mim pareceu que eles estavam se agarrando atrás da porta - comentou Raj, se virando para Bernadette.
– Vocês estão fazendo macumba? - indagou Sheldon, que já estava de pé e incrédulo ao meu lado. Todos se entreolharam nervosos.
– Ninguém está fazendo macumba! - exclamou Howard, com a expressão de quem foi pego com a boca na botija.
– Pra mim parece que vocês estão sim fazendo macumba! - disparei, arqueando uma sobrancelha.
– Não é macumba! É só que algo muito errado aconteceu com o Sheldon... - revidou Leonard, e então seu tom de voz desceu gradualmente, o que só acontece quando ele mente - E nós só estávamos aqui tentando contatar os mortos...
– Miguxa! - saltitou Amy, vindo dos quartos. E então se virou para Howard - Vocês ainda precisam da galinha preta? Eu liguei pra granja e eles só tem branca, mas eu tenho tinta preta - disse ela, me fazendo abrir a boca.
– Isso é...
– Inacreditável - Sheldon terminou a frase que eu não consegui completar.
– Quer saber? Boa noite pra vocês. É loucura demais pra um dia só - falei, balançando a cabeça. E então sai, fechando a porta atrás de mim.

O que quer que tivesse acontecido com Sheldon, não seria resolvido na base da macumba. E ninguém mais que Leonard deveria saber disso.
Mas numa coisa ele tinha razão: Algo muito errado aconteceu com ele, e eu ia descobrir o que era.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.