Eu e meu irmão já tínhamos voltado do jogo há algumas horas quando uma tempestade começou a se aproximar. Savra não queria mudar o curso pois isso iria nos distanciar do local onde eles planejara nos deixar. O horizonte, na minha esquerda, era coberto de nuvens negras e um véu cinzento. Sabia que era a chuva forte que caía incansável, fria como inverno. Do outro lado vinha mais uma tempestade, que iria se encontrar com a da esquerda mais ou menos em cima de nós. Porém a da direita era diferente, pois não tinha uma gota de chuva, mas parecia uma sessão de fotos, pois os relâmpagos iluminavam todas as nuvens escuras.

Supreme parecia estar se divertindo vendo os raios. Ele dizia que iria nos proteger deles, os comendo quando atingissem o dragão.

− Mas Savra, suas magias não nos protegem dos raios? − Skarlatte perguntou.

− Não, crianças. Minhas magias protegem para que vocês não caiam, não sintam frio, não se molhem com a chuva, essas coisas, mas não posso fazer nada contra o raio. Eu não sentirei nada se um raio me atingir, no máximo um pequeno formigamento, mas vocês vão morrer.

− Droga! Supreme, você realmente consegue absorver os raios? − perguntei.

− Mas é claro, chefia. Talvez não tudo, mas consigo comer o bastante para nós não morrermos. Não sei quantos raios eu consigo absorver antes de chegar ao meu limite. Por mais que esteja pegando a energia para mim, meu corpo não aguenta essa transfusão das nuvens para mim.

Fiquei com medo de depositar minha vida nas mãos dele. Ele era só um desconhecido, nunca o vi fora do jogo e não criei tanta amizade assim. Mas ele era da minha equipe e eu precisava confiar na sua habilidade, pois ele confiou em mim no templo. Supreme podia ser impulsivo e agitado, fascinando-se facilmente, mas isso tudo originava sua determinação por vencer, por se mostrar competente e defender os amigos. Quando realmente era o General da S-War, não me considero mais já que estou há tanto tempo nessa missão, coloquei o bárbaro como um dos meus ajudantes. Ele tem o dom pra guerra e é um ótimo soldado, me orgulho de lutar ao lado dele.

Savra voava baixo, pois explicara que se fôssemos para cima das nuvens, ele não conseguiria enxergar o continente, já que sua visão de calor não passaria pelas camadas de chuva fria e se confundiria com os relâmpagos. Cada vez as massas negras se aproximavam mais, nos fazendo temer o destino.

− Por favor, Supreme, não avacalhe, precisamos que nos salve! − Limcon falou segurando firme a mão de sua dama.

− Confiem em mim, essas cuspidoras de eletricidade vão vem quem é que manda.

Supreme desenrolou suas correntes e se concentrou. Aos poucos elas começaram a levitar, juntos com pequenas partículas que estavam no couro do dragão. A corda metálica ascendeu até depois da cabeça do guerreiro, que estava de olhos fechados. Pequenas correntes elétricas surgiam e sumiam perto do seu corpo, como se ele fosse uma nimbus. Suas duas armas se enrolaram e formaram um pára-raios com uma base humana.

Supreme abriu os olhos, mostrando as pupilas cor índigo. Seus dentes de réptil eram mostrados sob forma de ameaça para as nuvens, que retribuíram com trovoadas grotescas e ferozes.

− Podem vir, tempestades malditas! Papai está esperando − Supreme disse gritando.

− Escondam-se atrás da minha cabeça, aqui tem menos chances de um raio acertar vocês, não que realmente faça alguma diferença agora.

As nuvens se encontraram sobre nossas cabeças, com uma descarga elétrica barulhenta. O céu ficou branco por um segundo, parecendo que estava de dia, não mais de noite. Voamos algum tempo sem nenhum raio passar perto de nós, até que um feixe de luz rapidamente passou próxima a asa do monstro. Fiquei surdo com o estalo do raio e cego com o flash do relâmpago. Meus cabelos e minha rala barba arrepiaram. Supreme respirou fundo, sentindo o que iria acontecer.

Um segundo terrível raio acertou sua corrente, que ficou vermelha por causa do calor. O meu amigo gritou de dor, mas se manteve firme. Mais correntes elétricas surgiram em volta de seu corpo, originadas do seu imenso poder. Supreme gritou muitos xingamentos, desafiando as nuvens. Ele só podia ser louco.

Mais um raio o atingiu, mas ele não conseguiu se manter em pé dessa vez, caindo sobre um joelho. Porém ele era forte e se pôs de pé novamente. Se eu já estava me sentindo mal porque os raios caíram a dez metros de mim, imagina ele que sofreu o golpe diretamente. As correntes estavam laranjas de tão quentes, as mãos dele tremiam, seus gritos de dor eram intensos. Mas ele continuou firme, como um bravo soldado.

− Ele não vai aguentar por muito tempo, tenho que dar um jeito nessa tempestade − Savra falou.

Nesse momento foi que a batalha de Supreme chegou ao fim. Dois raios caíram ao mesmo tempo sobre suas correntes. O dracônico desmaiou. As correntes caíram sobre seu peito nu, marcando de leve as escamas, fazendo uma tatuagem de queimadura em um formato de X.

Sem pensar, corri até meu amigo e coloquei ele sobre meus ombros. Corri de volta para o abrigo, temendo por ser acertado pela tempestade. Mas tive sorte e nenhum raio me acertou.

− Vamos, Savra, faça alguma coisa. Nos salve, nós vamos morrer! − meu irmão gritou desesperado.

Entendendo o perigo da situação, o dragão também preparou suas energias.

−Fechem os olhos e se preparem, segurem-se nas escamas porque irei desligara magia de proteção por um tempo, preciso usar minha mana para algo mais forte.

Fizemos o que ele pediu. Os segundos pareceram minutos, até o momento que o vento gélido arranhou meu rosto subitamente, indicando o término da magia de proteção. Em seguida escutei um barulho que parecia de um carro potente acelerando, claro que mil vezes mais alto. O som aumentou muito mais, até que um barulho estridente encheu meus ouvidos, seguido de um silêncio quase tenebroso. Mesmo de olhos fechados, minha visão ficou branca, pois muita luz me acertou no rosto. A força do vento queria me jogar para longe, o som queria me deixar surdo, a luz queria me deixar cego, o frio queria me matar congelado. Um calor de fornalha cobriu o ar repentinamente e tudo isso parou sem delongas.

− Podem abrir − Savra disse calmamente.

Abri meus olhos devagar e me espantei. Até o horizonte não havia nenhuma nuvem, nem para a direita, nem para a esquerda. O céu voltou a seu estrelado e calmo, e o mar… Logo abaixo de nós o mar tinha secado, fazendo uma buraco no tapete azul com o raio de alguns quilômetros.

− O que… você fez? − perguntei com a voz falhando.

− Usei um décimo do meu poder para fazer a água sumir, mas isso incluiu a água do mar e das nuvens. A temperatura é tão alta que as nuvens subiram muitos quilômetros e não vão nos atrapalhar.

− Só duas perguntas − engoli em seco − Como fez isso e por que não fez antes?

− Começando pela segunda pergunta. Achei que seu amigo iria dar conta do trabalho e queria ver o sangue de dragão que corre nas veias dele. Até que ele durou bastante e nem morreu com aqueles raios. Estou orgulhoso de carregar um descendente forte como esse. Já a questão de como fiz está mais ligado ao poder do fogo, como o seu. Lembra-se daquele poder que você fez no templo? − o dragão disse.

− Sim, o de criar uma grande proteção de fogo. Viu com sua visão de calor? − perguntei.

− Correto. Eu posso fazer isso também, mas, para fazer tudo sumir, criei várias camadas de proteção, uma colada na outra, fazendo uma miniatura do Sol, mas com um buraco de ar dentro, que era onde estávamos. Entendeu?

− Parece gastar muita energia − disse depois de assentir com a cabeça.

− Sim, por isso usei dez por cento do meu poder. O maior problema é que…

− É que o que, Savra? − Fear disse entrando na conversa.

− É que eu queimei muitas baleias nesse processo − o dragão disse com voz chorosa.

Todos brigamos com ele e voltamos a rotina de viagem. Horas mais tarde avistamos a praia bem longe. O imenso réptil voador alcançou ela em uma dezena de minutos. Procurou algum lugar para pousar onde não esmagasse nada, porém não achou. Então afundou as patas no mar e estendeu a cabeça para deitá-la na areia. Pegamos nossas coisas e descemos do ser alado.

− Muito obrigado pela carona, Savra, foi muito bom te conhecer, Sr. Comedor de Baleias − Supreme disse ainda com espasmos musculares por culpa dos raios.

− Eu que agradeço por carregar um ser com sangue do meu tipo e com bravura de enfrentar uma tempestade daquela.

O bárbaro cavou a areia com o pé, acanhado.

− Espero os ver mais uma vez ainda.

− Falando nisso… Como vamos voltar? Estava contando com sua ajuda, mas acho que você deve ter o que fazer − Skarlatte disse.

− Tenho sim, tenho muito o que fazer. Olhe quantos morros, montanhas e picos ainda existem no mundo. Poucos deles são causas naturais, a maior parte são dragões presos. Preciso salvar meus parentes.

− Bem, daremos um jeito de voltar, não se preocupe, somos garotos de sorte. Alguma última dica? − perguntei com esperança dele dizer como poderíamos ganhar das assombrações.

− Não morram − o dragão respondeu.

− Obrigado, eu acho. Ah, uma coisa… Como você sabia das assombrações mesmo estando preso desde antes delas surgirem? − Fear perguntou.

− Depois que o Balazar me libertou, eu voei pelo país das sombras para esticar meus músculos e avistei grupos de assombrações viajando e atacando, então fugi.

− Agora está explicado, já estava com essa dúvida há algum tempo. Bem, boa sorte no que quer que você faça.

− Para vocês também, vão precisar.

Todos se despediram e o dragão alçou voo, levantando areia. Olhei ao redor para apreciar a paisagem. O mar parecia infinito, a areia era amarela e grossa, as árvores que pareciam estar em constante luta contra a terra salgada. Troncos grossos cheios de músculos e folhas grandes e verdes eram o teto do caminho que teríamos de criar entre a densa vegetação a nossa frente. Eu sabia que não poderia botar fogo na floresta, seria perigoso demais, então pedi a Fear que cortasse as plantas espinhentas para nos dar passagem.

Os braços curtos e magros passavam de um lado ao outro, levando as machadinhas mortais, que ao tocar nas folhas as faziam murchar e apodrecer instantaneamente. Avançávamos lentamente e fazendo trocar de turno, deixando Supreme cortar as gramas com as correntes e Limcon com sua serra - elétrica, que não era muito eficaz na luta contra a grama.

Depois de duas horas nessa grande exploração, chegamos a uma clareira. Não era muito grande, mas todos podiam se sentar confortavelmente no chão úmido. Luz o bastante furava o manto verde acima de nós para que pudéssemos enxergar sem muito prejuízo.

− Obrigado, galera, foi um ótimo trabalho. Vamos descansar aqui por um tempo e planejar o que fazer − falei.

− Essa mata é difícil de passar, precisamos achar trilhas de animais ou coisas assim, para acelerar a caminhada. Fear, você consegue avaliar o local e achar um caminho?

− Vai levar algum tempo, mas eu consigo, se tiver. Montem uma fogueira, quero comer algo bom e tomar algo quente quando voltar − ele falou de forma tão sombria que ninguém pensou em discordar.

Meu irmão se movimentou como se não houvesse gravidade, escalando árvores e descendo rapidamente. Porém não demorou mais que um minuto para voltar, dizendo:

− Galera, temos problemas.

Escutei o barulho de gente se aproximando, e eles não pareciam calmos.