Radiação Arcana: Totem De Arquivo

Capítulo 23: Tutores da Elite


— Sou eu, Water!

Meu cérebro precisou de alguns segundos para processar a mensagem. Meus pensamentos vagavam enlouquecidos, pensando somente em coisas tenebrosas, principalmente nos momentos que acabei de ter.

— Water? Water, claro! — Exclamei me lembrando do meu mestre da arte do fogo. — Mas o que faz aqui, mestre?

— Vim te ajudar. Soube que você lutou na Montanha de Obsidiana e cumpriu a primeira parte da sua missão.

— Como você soube?

— Isso não é muito relevante, o importante é que eu sei onde e quando você deve estar para a segunda parte dessa aventura.

— Ainda bem, pois eu não fazia a menor ideia de como resolver o enigma da poesia. Eu até ia te visitar para perguntar.

— Bem, preciso levar os meus amigos até os seus, então te conto no caminho.

— Como assim levar seus amigos até meus amigos? — perguntei, estranhando.

Nesse momento, olhei para um grupo de pessoas que conversava logo atrás de Water. Eram jovens que se vestiam de formas únicas. No total eram cinco, sem contar o próprio Water.

Eles notaram que eu estava olhando para eles, viraram e me cumprimentaram levantando uma das mãos ou acenando com a cabeça.

— Quem são eles? — questionei.

— Eles são meus amigos. Eu os trouxe aqui para treinar seus colegas.

— Mestre! — gritou meu irmão para um dos jovens do grupo.

Um homem baixinho, vestido com uma capa preta e encapuzado se virou. A sombra do capuz não permitia ver o seu rosto. Suas mãos estavam por dentro da capa que o cobria. Possivelmente ele era um ladino, como meu irmão, pois parecia sombrio o bastante para viver nas sombras e astuto o bastante para nos roubar sem perceber. Algo naquele cara me deixava irrequieto. Fechei o punho.

— Fear! Como é bom te ver — por mais que fosse um cumprimento amigável, sua voz só demonstrava frieza, a mesma frieza que meu irmão tinha agora.

— Ele é seu mestre? — perguntei.

— Sim, eu treinei com ele o poder da Morte. Ele também me ensinou algumas técnicas para ser um bom ladino e me deu botas de couro, iguais a dele. Elas não estragam nunca, a não ser que sejam atacadas — disse o meu irmão sorrindo, muito alegre.

Estranhamente, perto de seu mestre Fear ficava mais feliz. O pior era que eu também me sentia assim quando estava com Water. Ele era um dominador de fogo, não vivia com a família, era alegre e espontâneo, assim como eu.

Parei para prestar atenção nos outros mestres. O mais alto era um homem careca, com quase dois metros de altura, moreno, que vestia uma camiseta curta aberta no meio, uma bermuda também cinza e um cachecol marrom que descansava em seus ombros, caindo pelo peito. Ele não usava arma. Na sua testa um círculo branco estava desenhando e, dentro deste, uma cruz azul-marinho estava pintada. A cor de seus olhos era caramelo.

O segundo era um pouco mais baixo, mas,em compensação,era mais forte do que o outro. Não que o careca fosse fraco. Na verdade ele era como eu, tinha braços um pouco musculosos, porém sem exagerar. Esse segundo homem era diferente, seus braços eram fortes, mas não se comparavam as suas pernas, que eram extremamente musculosas. Ele usava ombreiras e braçadeiras espinhosas. Seu elmo era feito de pura ametista e o formato era o mesmo dos elmos espartanos. Ele não calçava nada e como roupa só tinha uma bermuda de pano bordada com botões de ferro. Duas cimitarras estavam presas às suas costas. Seus olhos eram castanhos e sua expressão era séria, apesar disso, por dentro eu sabia que existia um lutador enfurecido, com sede de sangue. Eu não sabia a cor dos cabelos, pois o elmo não permitia. O peito estava nu, mostrando os músculos e uma grande cicatriz em forma de raio que cobria do ombro direito até o lado esquerdo do quadril. O símbolo do raio era evidentemente feito por gosto, pois descia até o meio do tórax, subia um pouco e continuava a descer, como o gráfico de uma empresa indo a falência.

Já o terceiro, na verdade era a terceira. A mestra possivelmente era de Limcon, pois estava com duas pistolas no cinto de couro. Ela vestia uma camiseta regata bege e uma bermuda muito justa, que parecia uma calça de corrida cortada para virar uma bermuda. Seu cabelo loiro estava preso em um curto rabo de cavalo. Sua pele era clara e seus olhos eram verdes. Nas suas costas uma metralhadora do estilo militar repousava. No cinto, junto com as pistolas de policial, cartuchos com munição estavam presos. Ela usava uma corrente com o símbolo de um dos deuses que esse universo possuía. O símbolo era de uma engrenagem, então imaginei que era do deus das tecnologias. Não sei o nome dele ou dela, mas tanto faz.

Reparei que todos os mestres tinham o símbolo de um dos deuses. Essa mulher possuía uma corrente com uma engrenagem, o careca tinha o desenho de um círculo com uma cruz, o cara do elmo tinha uma cicatriz no peito em forma de raio, o mestre do Fear usava o anel do elemento Morte e até o Water possuía uma mancha, por mais bem que escondida, de queimadura em forma do símbolo sagrado do fogo na palma da mão.

Quase ia meesquecendo de mencionar um último jovem mestre que estava escondido atrás do careca. Era um garoto, talvez com pouco mais de 14 anos, magro, loiro e sardento. Seus olhos eram uma mistura de dois tons: verde e caramelo. Ele tinha pouco mais que um metro e meio de altura e devia pesar menos de cinquenta quilos. Seus dedos não paravam quietos e ficavam girando em torno deles mesmos. Usava calça jeans, cheia de bolsos, e uma jaqueta de couro falso, de cor cinza, com o zíper fechado. Parecia estar com vergonha de nós.

— Balazar, esses são os outros mestres, que ensinarão seus amigos. Alguns deles já se conhecem, como o Fear conhece o End, o mestre do elemento Morte, e o Limcon conhece a Tânia, a mestra do elemento Tecno. Mas eu trouxe mais três mestres: Roah, mestre do Raio, Trevor, mestre do Metal e mestre ferreiro, e por último o Igor, mestre do Espaço — disse Water, apontando os mestres.

— Oi! — gritou Roah, com uma voz que realmente parecia um trovão.

— O-Olá, tu-tudo bem? — Trevor perguntou, acanhado.

— Você é minha aluna — Igor disse, apontando para Skarlatte — Venha comigo, passarei o início do treinamento.

Igor se virou e caminhou para o meio da praça. Acordando do choque, Skarlatte acelerou o passo para seguir seu mestre, mas antes dela alcançá-lo, o tempo parou. Não tem outra forma de explicar, simplesmente o tempo parou, todos pararam de se mexer, e não só os humanos, os animais, os pássaros que voavam congelaram no ar, as nuvens solitárias pararam, o vento parou. Tudo. Todos.

Não tive tempo para pensar o que era aquilo, pois tão rápido quanto aquele efeito esquisito surgiu, uma voz a seguiu. Grave, ela vinha de todos os lados, enquanto parecia não vir de lugar nenhum. Era como se fosse meus próprios pensamentos, mas eu tinha certeza que não era o único a escutar.

— Caros jogadores, eu sou o criador do jogo. Sinto em não me apresentar, mas não é o foco dessa conversa. Venho lhes informar que o jogo está sofrendo sua última atualização, que será tão radical que eu mesmo tive de vir explicá-la. Mas primeiro vou falar de algumas informações de certa relevância — a voz pausou por alguns segundos — O jogador terráqueo mais evoluído de todos está no nível 63, enquanto o jogador lunático está no 80. Outra informação que eu preciso passar é que os seis continentes presentes nesse mundo (no “topo”, na “base”, na “esquerda”, na “direita”, na “frente” e no “verso” do globo) podem ser alcançados pelos jogadores, mas se viajarem de navio demoraria, mais ou menos, três meses. A última informação é que o tempo para fazer as supermissões que os moradores da Lua estão ordenando diminuiu para quatro meses, não importa se a guilda começou a missão há três meses, ela terá só mais um mês para fazer.

Isso significava que nós teríamos,mais ou menos, uns três meses para completar a missão. Tínhamos pouco tempo. Além disso, se a missão acabasse em outro continente, como iríamos terminar a tempo?

Depois de uma breve pausa, a voz continuou, porém agora falando sobre as nove mudanças na atualização

Primeiro: a morte no jogo, sem exceções, levará os heróis para o Submundo, o mundo dos mortos, habitado por todos os monstros e pessoas de almas sujas, reinado pelos demônios e, em si, um campo de sofrimento eterno. Existem duas formas de sair do desse lugar: alguém usar um ritual de ressurreição no defunto ou o jogador mesmo achar a saída de lá, que fica mudando de lugar de tempos em tempos. Os corpos não serão mais transformados em uma chuva de códigos, pois agora o corpo será preservado para os rituais. Mas,em uma semana, o corpo já fica deteriorado demais para ser ressuscitado, a não ser que seja colocado em algum lugar especial que proteja o mesmo.

Segundo: as magias não serão mais invocadas por comandos do jogo. Agora, somente se os jogadores souberem controlar sua própria mana, poderão invocar quantas magias quiserem, mas somente se tiverem controle dela e força de vontade para que ela não se esgote. Já os itens mágicos não terão problemas, pois não precisam da mana do usuário para funcionar.

Terceiro: a barra de vida não existirá mais, pois agora os jogadores morrem como pessoas normais, por exemplo, com doenças, golpes fortes demais, cortes mortais, esse tipo de acontecimento. Claro que,por sermos heróis, podem resistir a coisas mais fortes e, ainda por cima, dependendo da força de vontade, são capazes de serem queimados vivos e não morrerem, contudo isso é quase impossível, pois a dor da queimadura faria qualquer um desejar a morte, assim como ninguém aguentaria as milhares de formas cruéis de acabar com a vida.

Quarto: as estatísticas dos personagens serão somente para definir os bônus e servir de base, mas, dependendo do empenho, o jogador pode ser mais forte do que um touro, mesmo tendo só cinco pontos de força, ou ser mais rápido que o som, mesmo tendo só dois pontos de velocidade. Resumidamente, o jogo agora está real, mas ainda em um mundo mágico, e como nós somos heróis, podemos fazer grandes feitos fora do comum.

Quinto: a dor é equivalente à dor real.

Sexto: cada jogador possui uma habilidade especial, mas que será descoberta na hora certa.

Sétimo: como o jogo é real, não existe limite de magias que se pode aprender, pois agora tudo depende da memória.

Oitavo: as dicas sobre eventos históricos ou qualquer coisa de senso comum entre os personagens não jogadores irá aparecer em sua memória, como se você já tivesse nascido nesse mundo e estudado os acontecimentos.

Nono: o dia irá durar 24 horas agora, como no mundo real. Os não jogadores não irão perceber essa mudança.

Depois de dizer isso, o criador do jogo disse:

— Essas foram as principais atualizações. Bom jogo.

O tempo voltou ao normal e os mestres seguiram andando, falando e interagido, como se nada tivesse acontecido, mas nós, jogadores, nos olhamos, assustados.

Prestei atenção na minha visão, que antes era como a de um jogo, cheia de informações nos cantos ou coisas desse tipo. Mas agora não era assim. Minha visão tornara-se limpa. Eu me sentia vivo dentro daquele jogo, mas sentia algo quente dentro de mim. Imaginei que era a minha mana, que corria em minhas veias, que eu devia aprender a controlar.

— Balazar, agora a porra ficou séria cara — falou Limcon.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntou Water, olhando para mim e depois olhando seriamente para End e Tânia.

— O jogo atualizou, agora somos como vocês — meu irmão avisou.

Contamos o que tínhamos acabado de saber para os mestres ali presentes. Somente Skarlatte e Igor não estavam ali, mas possivelmente ela devia estar contando para ele. Ao acabarmos de informar tudo que sabíamos, End disse:

— Não há o que temer. Vocês são como nós, mas são heróis, possuem habilidades diferentes dos seres comuns. Vocês controlam a mana, nossa energia mística, e com ela podem se defender e fazer coisas inimagináveis, só têm que aprender a controlar ela com perfeição. Leva algum tempo, mas vocês já tem o básico.

— Temos? — Limcon perguntou.

— Vamos explicando enquanto vocês nos levam para o seu grupo.

— Ok, mestre — respondeu Fear.

Dirigimo-nos ao nosso Quartel, que devia estar um caos com essa informação.

— Vocês aprenderam golpes fora do comum conosco, não foi? Por exemplo,você,Fear. Você aprendeu a invocar os mortos comigo.

— E você Balazar, que aprendeu a Esfera de Fogo Frio comigo — disse Water, interrompendo Fear, que não demonstrou emoção com o corte.

— Limcon, você aprendeu comigo como atirar com mais perfeição. Infelizmente isso não te dá domínio sobre sua mana, mas eu tentarei te ensinar. Contudo, temos que reequipar vocês para aguentar as batalhas. Limcon, venha comigo, eu irei te passar um treinamento apropriado. Encontraremos vocês naquela praça, junto com Igor.

— Está bem — responderam em coro Water e Fear.

— Até mais, galera — falou Limcon.

— Até — respondi enquanto meu irmão acenava com a cabeça.

— Fear, eu irei fazer uma coisa com seus machadinhos. Empreste-os, por favor — disse o mestre do meu irmão.

Fear entregou suas armas sem hesitar. End pegou os itens, se concentrou e retirou a essência do poder da Floresta, o cactos. Duas esferas de vidro que brilhavam em um tom verde claro caíram no chão, mas não quebraram. O mestre pegou e entregou a Fear, dizendo:

— Use nas suas luvas, serve mais para que você possa se agarrar melhor nas superfícies úmidas. Eu vou agora transformar esses machadinhos em armas de obsidiana, o que acha?

— Isso seria ótimo, mestre — disse Fear, coçando a cabeça.

— Enquanto esses dois dão um jeito nessa arma, eu irei te dar um presente, Balazar — Water falou, me chamando entregando um saco de pano.

Eu abri, e despejei o que tinha dentro na mão. Três pedaços de cristal caíram, um negro, outro dourado e o último verde.

— O que é isso? — perguntei.

— São cristais das outras três chamas principais que você não sabe controlar. Vá até um ferreiro e peça para que ele os coloque nas suas manoplas, assim como ele deve desmanchar seu anel de fogo e colocar nessas luvas também. Assim todo o seu poder estará na arma.

— Muito obrigado, mestre. Assim que eu puder, irei fazer isso.

— Assim que você puder nada, você fará isso agora, assim que chegarmos ao seu quartel.

— Como?

— Trevor é um ótimo ferreiro e fará isso de graça. Ele veio para treinar certa pessoa da sua equipe, mas fará isso para você também. Transformar as coisas em obsidiana é fácil para o End, então ele não precisa de ajuda, mas encantar uma arma é algo muito difícil de fazer, bem mais difícil do que desencantar algo.

Trevor estava andando perto da gente, conversando com Roah. Roah estava muito exaltado, pois gritava e ameaçava destruir coisas na rua, como árvores ou cachorros, mas quando uma velha pediu para ele parar de gritar, ele ficou quieto, como uma criança que está levando um sermão. O baixinho ao seu lado riu da cena, sem parar de mexer os dedos, uma mania que eu também tenho.

Logo chegamos a nossa base, que, como eu imaginei, estava um caos. Salocin correu, desesperado, me chamando.

— Balazar! Balazar! Você viu o que aconteceu? Se nós morrermos iremos ficar presos nesse jogo. Eu soube que o Submundo é infinito e mortal, mas todos que morrem lá voltam para lá, não há como escapar. Ah, quem são estes com você? — perguntou ele, parando para prestar atenção nos mestres.

— Esse é Water, mestre do Fogo. Junto de nós também está End, mestre da Morte. Trevor, mestre do Metal e Roah, mestre do Raio. Limcon foi treinar com sua mestre, assim como Skarlatte, a garota do Polo Sul — eu respondi, calmamente, como se fosse somente mais um dia normal.

— Trevor, por favor, cuide das armas do Balazar — disse Water para o ferreiro, que me pediu para entregar minhas manoplas e meu anel. Assim que eu o fiz, ele saiu correndo para um canto, onde começou a trabalhar.

Fear já estava com um machado de obsidiana, a pedra símbolo da morte. O segundo machado ainda estava sendo transformado por End, que suava e já estava sem capuz, mostrando seus cabelos negros sedosos.

Uma coisa que eu não contei, porque não achei muito espantoso, era que todos os mestres eram humanos.

— Olá — disse Water e End.

Roah gritou de novo, chamando um nome ao invés de cumprimentar.

— Supreme! Cadê você, seu fracote?!

Supreme saiu correndo numa velocidade realmente impressionante. Ele parou na frente de Roah, encarou ele por alguns segundos e perguntou:

— Quem é você? O que quer?

— Eu sou Roah, seu mestre na arte do Raio. Venha treinar comigo e você reaprenderá a usar sua magia.

Supreme pensou durante alguns segundos, mas isso não era o que ele gostava de fazer. Digo, ele não gostava de pensar.

— Eu aceito. Vamos começar agora mesmo.

Os dois saíram correndo para fora do Quartel sem dizer mais nada, só gritando feito louco.

— Agora, Balazar, temos que conversar sobre a sua missão. Ela não é em qualquer lugar, ela é no outro lado do continente, especificamente na Ruína dos Golens e você deve estar lá daqui a três dias, enquanto os golens se reúnem.

— Como assim?! — perguntei.

— Vamos sentar para eu te explicar.