Dias e dias haviam se passado desde o episódio com os piratas e Kira ainda estava magoada. Zuko tentou pedir desculpas quando retornou ao navio, mas ela nem ao menos abriu a porta para ele. Após alguns dias ele se irritou ainda mais e quando não estava isolado em seu quarto, estava gritando ordens aleatórias para os soldados que já não o aguentavam mais.

Kira entendia que o príncipe carregava marcas profundas desde seu banimento e nunca teve a intenção de feri-lo ainda mais. Ela agora raramente ia até a proa e fazia suas refeições com os soldados.

Gavin tentava distraí-la, mas era com ele que Zuko mais pegava no pé, fazendo com que eles só conversassem durante as refeições.

–Amanhã teremos macarronada para o jantar. - disse Gavin animado. - Quem sabe não podemos colocar alguns soldados para tocar os instrumentos que Iroh comprou.

Naquela noite, Kira adormeceu rapidamente e sonhou com seu pai, sonhou com Zuko e sua mãe e com tudo como costumava ser, o sonho fez ela acordar com um aperto no peito de saudade. Ela sentia falta de Zuko, mesmo que ele fosse agora aquele garoto mau humorado. Ele era tudo o que havia restado de sua antiga vida.

Decidida a ir até a proa do navio, Kira primeiramente tomou um banho quente e se arrumou, não fazia idéia de que hora seria, mas resolveu não esperar até o almoço. Na proa, Zuko estava acompanhado de Iroh e do tenente.

–Bom dia, minha cara. - disse Iroh para ela fazendo Zuko a olhar rapidamente. - Acho melhor você se agasalhar, vem tempestade por aí, e das fortes.

–Perdeu o juízo, tio? O céu está perfeitamente azul e límpido, não há nem sinal de chuva.

Kira olhou para o céu e realmente não havia uma única nuvem nele, mas ela pode sentir uma energia estranha, talvez os dias dentro do quarto a tivessem afetado ou talvez Iroh tivesse razão.

–Seu tio pode ter razão, Zuko. - disse ela séria ainda olhando para o céu evitando o olhar do garoto.

–A tempestade se aproxima pelo norte, sugiro que mude o curso do navio, príncipe Zuko. - disse ele.

–A única coisa que sabemos sobre o avatar é que ele está viajando para o norte, e é para lá que vamos.

–Você precisa considerar a segurança da tripulação. - disse Iroh sério.

–A segurança da tripulação não importa! - disse Zuko alto atraindo a atenção do tenente que o olhou feio.

Zuko então caminhou até o tenente ficando de frente para ele. Ele era um palmo mais alto que o príncipe e mesmo assim Zuko não se importou de dizer palavras grosseiras na cara dele.

–Nem mesmo a segurança de vocês é mais importante que a busca pelo avatar. - disse Zuko entre os dentes antes de entrar na cabine fechando a porta com força atrás dele.

–Ele não quis dizer isso… - disse Iroh tentando livrar a barra do sobrinho.

Kira preferiu nem pensar e rumou para a cabine do capitão. O navio estava no piloto automático, o que a deixou sozinha ali. Ela se deitou no sofá e fechou os olhos, nem percebeu quando cochilou e ao acordar levou um susto.

Mesmo dali de dentro da cabine Kira viu que o céu à frente já não estava mais azul, ela levantou correndo e foi em direção à proa do navio, o tenente e outros soldados estava lá olhando a mesma nuvem negra que cobria quase toda a extensão de água à frente.

–Ao que parece, seu tio tinha razão. - disse o tenente se aproximando de Zuko.

–Pura sorte. - disse Iroh sorrindo nervosamente.

–Acho melhor você mostrar mais respeito, não me faça ensina-lo. - disse Zuko para o tenente.

–O que você sabe sobre respeito? - perguntou o tentente irritado. - Você trata mal todos no navio, desde a tripulação até seu tio. Nem mesmo a Kira fica de fora de seus maus tratos. Você só liga para você mesmo, mas o que eu poderia esperar de um príncipezinho egoísta?

Zuko se colocou em posição de combate com os olhos faiscando de raiva. Ele havia o desrespeitado na frente de boa parte da tripulação. O tenente também se posicionou e mal haviam começado a lutar quando Iroh os interrompeu.

–Parem com isso. Estamos muitos dias no mar e estamos todos cansados. Nada disso resolverá nossos problemas. - disse Iroh tentando controlar a situação. - Sei que depois de uma macarronada tudo ficará bem.

O tenente se afastou com os soldados deixando apenas tio Iroh e Kira com Zuko.

–Não preciso de ajuda para comandar meu navio. - disse Zuko ao seu tio que tentou colocar as mãos no sobrinho para consola-lo.

–Zuko, nós estamos aqui para ajuda-lo. - disse Kira docemente.

–Eu sou o príncipe da Nação do Fogo. Não preciso da ajuda do meu tio e com certeza não preciso da sua ajuda.

–Zuko vire o navio na direção contrária, quem sabe… - Começou Kira.

–Quem você acha que é para me dar ordens? - gritou ele.

–Não estou dando ordens, estou apen… - disse ela se aproximando dele, mas ele cortou suas palavras.

–Você se acha muito esperta não é? - disse ele sarcasticamente. - Mas você sabe que não passa de uma camponesa, nunc...

Kira não o deixou terminar a frase dando uma tapa no rosto do príncipe banido. Várias emoções passavam pelos olhos de Zuko, mas Kira não se importou em identificar.

–Como ousa? - disse ele entre os dentes, sua voz estava carregada de raiva. O tenente e alguns soldados ainda estavam na proa e assistiram a tudo, ela o havia desrespeitado ainda mais. - Eu sou o comandante desse navio! - gritou ele. - Sou o príncipe da Nação do Fogo, você deveria me respeitar.

–Eu sou o comandante, eu sou o príncipe... - repetiu ela com raiva. - Você fica gritando isso para ver se você mesmo se enxerga como tal?

–Você está aqui apenas de favor, deveria ser a primeira a se calar.

–Não seja por isso. Na próxima colônia que pararmos eu vou descer e sumir.

–Não, você não vai sair desse navio. - disse ele indo em direção a garota.

–Vou sim, como você mesmo disse, minha segurança não é importante. - gritou Kira.

–Não sei porque você acha que a sua segurança deveria ser mais importante que minha caça ao avatar.

–Talvez por causa de uma promessa idiota. - disse ela tristemente o olhando.

Seus olhos queimavam com as lágrimas que insistiam em brotar, ela passou a mão em seu colar, símbolo da promessa e o segurou forte puxando e arrebentando-o. Sem pensar sua vezes ela jogou o colar na cara de Zuko e correu para seu quarto.

Kira ficou em seu quarto até a hora do jantar, a raiva que a dominara na discussão agora havia dado lugar à uma tristeza profunda e sem lágrimas, mas ela se negou a ficar trancada no quarto.

Quando desceu até onde os soldados faziam as refeições, o salão ficou quieto, como se ela fosse o assunto.

–Venha, a janta está quase pronta. - disse Gavin a puxando para uma grande mesa.

–Tenho que dizer, você foi muito corajosa hoje cedo. Se fosse com alguns de nós, ele nos teria jogado no mar. - disse o Tenente.

–Eu não tive a intenção de brigar com o príncipe, briguei com meu melhor amigo. - respondeu ela cabisbaixa.

–Você precisa de amigos melhores. - disse um dos soldados.

–Zuko mudou, ele não foi sempre assim.

Ela não queria, fazia dias que lutava contra as lembranças, mas após dizer aquelas palavras foi como se tivesse mergulhado em suas memórias. Ela ouvia as vozes exaltadas dos soldados, mas elas pareciam distantes demais…

“Kira vinha de uma família de comerciantes, mas seu pai viu esperança de uma vida melhor para a filha quando entrou para o treinamento de soldados da Nação do Fogo. Após dois anos de treinamento, seu pai fora convocado para integrar um batalhão especial, o fazendo se mudar com Kira para a capital da Nação do Fogo. Depois de instalados em Praça Real, surgiu a oportunidade de uma bolsa escolar para Kira na mais renomada Instituição da Nação do Fogo.

No primeiro dia de aula de Kira, ela estava tão envergonhada e nervosa que mal conseguiu focar os rostos das crianças que a olhavam, mas o rosto dele ela conseguiu. Zuko a olhava de uma carteiras ao fundo e sussurrou o nome da garota, como se para não esquecer… “Kira.”

Após alguns dias, Kira se deu conta de que tinha algumas aulas com os netos do Senhor do Fogo Azulon. Azula era um criança magricela de cabelos negros, seus olhos tinha um ar maldoso e por vezes Kira a via maltratando bolsistas, mas ela sabia o seu lugar e se mantinha longe da realeza. Mas Azula era esperta e observadora e não pode deixar de notar um profundo interesse de Zuko na garota.

Sempre que havia trabalhos em duplas, Zuko tentava chegar até Kira e conhece-la melhor, mas Azula sempre o impedia alegando que ele deveria fazer par com seu amiga Mai, uma garota alta de longos cabelos negros que mantinha aquela cara de tédio todo o tempo, menos ao lado de seu garoto favorito, Zuko.

Em um determinado dia, Kira caminhava pelo campus da Instituição aproveitando o horário de aula vago para conhecer mais o local que era enorme. Havia edifícios alto por todo o campus assim como bonitos jardins cheios de flores e árvores com raízes tão grossas que deveriam estar ali à séculos.

Kira estava contornando o bloco da biblioteca quando viu uma roda de crianças, a maioria de sua turma. Imaginando que pudesse se tratar de algum recado de professores ela caminhou até lá, mas quando chegou perto ela notou que se tratava apenas de uma das brincadeiras da realeza. Azula estava no centro do meio círculo e lançava dobra de fogo em direção a um aluno amedrontado que estava encostado na árvore com uma maçã na cabeça.

Rápida, ela percebeu a aproximação de Kira e logo falou:

–Venha, Zuzu, é sua vez.

–Mas não quero brincar. - reclamou ele.

–Não seja chato, está todo mundo assistindo… Quem vamos chamar para seu sua cobaia? - perguntou ela, mas já sabia exatamente quem chamar.

Zuko não havia visto que Kira estava ali e olhava as crianças em volta dele como se não enxergasse.

–Você… - apontou Azula para Kira. - Venha participar da brincadeira.

Azula sorria maldosamente enquanto puxava Kira para dentro da roda, Zuko olhou com terror quando viu quem ela havia escolhido.

–Ah, não… - disse ele.

–Ande, Zuzu, coloque a maçã na cabeça da garota.

Kira encostou na árvore enquanto Zuko parecia com medo, ela pode ver ele hesitando em ir até ela, Azula também viu e o empurrou para frente de Kira. Apenas ela via as mãos do pequeno garoto tremer, ele não conseguia levantar o braço e colocar a maçã na cabeça dela, ele não queria brincar. Ele não era bom na dobra de fogo como Azula e não queria machuca-la. “Especialmente ela” pensou ele.

Vendo a dificuldade do garoto, Kira pegou as mãos dele nas suas e o ajudou a colocar a a maçã em sua cabeça. Ele a olhava com surpresa.

–Você não está com medo? - perguntou ele.

–Não. - respondeu ela calmamente.

–Por que não está com medo?

–Eu sei quem você é, você um dia vai governar nossa nação. Eu confio em você. - disse ela sorrindo para ele.

O sorriso e as palavras dela deram confiança ao garoto que lhe devolveu um sorriso tímido e se afastou. Ele respirou fundo e olhou nos olhos daquela garota que em apenas um minuto havia acreditado tanto nele e com uma dobra rápida e precisa, Zuko acertou a maçã na cabeça da garota a derrubando.

Ela riu, colocou as mãos na cabeça e corou quando viu que Zuko a olhava com certa admiração. Não demorou muito até Zuko se aproximar e passar cada vez mais tempo com a garota, fazendo trabalhos com ela e depois até mesmo fora do horário de aulas…”

–Kira? Está tudo bem? - perguntou Gavin preocupado vendo seus olhos cheios de lágrimas.

Os soldados conversavam alto uns com os outros e agora ela conseguia ouvir sobre o que era, Zuko.

–Estou cansado das ordens dele, cansado de caçar o avatar. Quem ele pensa que é? - gritava o tenente.

–Você quer mesmo saber? - disse Iroh entrando na sala.

–General Iroh…

–Posso me juntar a vocês?

–Mas… mas é claro. - disse o tenente sem graça.

–Olhe aí, o macarrão esfriou. - brigou um outro soldado.

–Você pode… Kira? - perguntou Iroh.

Kira colocou sua palma da mão para cima e se assustou quando apenas uma chama pequena e fraca apareceu, tão fraca que ela não conseguiu nem domina-la.

–Você deve estar cansada. - disse Gavin dando tapinhas gentis nas costas da garota.

–Tente entender, meu sobrinho pode ser um pouco complicado, mas nem sempre foi assim. Ele passou por muita coisa que vocês mesmo nem fazem idéia. - disse Iroh sério.

Kira se levantou, ela já sabia o que viria por aí, mais memórias.

–Me desculpe, eu conheço essa história decor. - disse ela e então subiu.

Quando chegou na proa se assustou, eles estavam entrando na tempestade, o céu estava carregado de nuvens escuras. Raios e relâmpagos eram as únicas luzes no céu. Após um tempo admirando com temor a tempestade um trovão ressoou a fazendo se assustar, já estava voltando para dentro da cabine quando percebeu luzes na torre de vigia.

Preocupada, Kira subiu para se certificar de que não havia ninguém lá. Havia muitos raios e relâmpagos no céu, só de estar ali em cima ela já estava se arriscando.

–Ei, não fique aqui em cima com essa tempestade. - disse Kira ao soldado de guarda.

–Não posso descer, ordens do príncipe Zuko.

–Desça, por favor. Eu me resolvo com ele depois. - disse ela bondosamente.

–Só me deixe arrumar as coisas aqui e fechar direitinho. Pode descer na frente.

–Não, vai que você me engana e fica aqui morrendo de medo do Zuko. - brincou ela.

O soldado riu e organizou os papéis que estavam em uma pequena mesa e os guardou em uma pasta. Após se certificar de que mais nada poderia sair voando pelos ares, Kira o ajudou a fechar bem as pequenas janelas antes de sairem da pequena guarita.

O soldado estava quase na escada e Kira ainda estava perto da porta quando um raio caiu na guarita, o impacto rachou a pequena “sacada” bem próximo onde o soldado estava, o fazendo se desequilibrar e ficar pendurado ao corrimão.

Os estrondo do raio ainda ecoava nos ouvidos das garota que tentava de todo jeito puxar o soldado de volta, mas eles já estavam no meio da tempestade, o navio balançava bruscamente. Kira foi contornar a guarita para ficar mais próxima do soldado e nem viu quando uma enorme onda acertou o navio, quase a derrubando da guarita, os dois agora estavam segurando no corrimão.

–Onde fomos atingidos? - perguntou Zuko aos berros.

–Príncipe Zuko! - disse Iroh assustado apontando para a torre onde Kira e o soldado estavam pendurados.

Rapidamente ele correu até a escada, mas nem conseguiu subi-la, o balanço no navio estava cada vez mais forte e as ondas cada vez mais alta.

–Segurem firme! - gritou ele e começou a subir.

Antes que pudesse chegar até a metade da torre outra onda enorme praticamente cobriu o navio, dessa vez Kira não conseguiu se segurar e seguiu a onda caindo de volta ao mar.

A garota sentiu o peso da onda em seu corpo, mesmo dentro da água, cada vez que subia à superfície outra onda enorme vinha em sua direção, seus olhos não conseguiam nem enxergar o barco.

–Kira! - gritou ele em pânico e então desceu gritando para o tenente. - Tire o soldado de lá de cima!

Zuko procurava Kira no mar, Iroh e os soldados o ajudavam, mas estava tão escuro, que nem se podia enxergar.

Kira sentia seu pulmão arder, e cada vez que afundava demorava mais tempo para chegar a superfície até que uma onda forte nem a deixou respirar ao chegar à superfície jogando-a para o fundo do mar, ela se debateu lutando contra a força da água, mas não conseguiu, alguns segundos depois ela já não lutava mais.