HOJE ESTAVA UM DIA CALMO. E isso é muito suspeito, bom, para a minha pessoa pelo menos. Não é como se eu nunca tivesse paz na minha vida, mas também não é como se a minha vida fosse um morango, tava mais para uma laranja. Não como muita fruta, pra falar a verdade, acho que minha vida tá mais pra um café preto com adoçante.

O que eu estou pensando?

— Pai.

Senti um dedo me cutucar meu braço. Meu anjo tinha essa mania sempre que comíamos algo no café da tarde, pensando que eu sempre dormia na mesa. E bom, não poderia julgá-lo pois parecia isso mesmo.

Minha mão encostada sobre a minha bochecha, servindo de apoio na mesa. Com os olhos fechados e respirando calmamente. É, de fato eu sei fingir que estou dormindo mesmo sem querer.

— Eu tô aqui. Pode falar. — Eu disse abrindo os olhos e olhando para o garotinho.

— Posso brincar na rua mais tarde? — Ele fez uma carinha de pidão instantaneamente.

Estreitei os olhos, desconfiado e pensativo. Esse garoto vai aprontar algo, estava bom demais para ser verdade.

— Então, você achou um amigo no bairro para brincar? — Eu perguntei tomando um gole de café rápido e colocando no pires novamente.

— Sim! Ele é bem legal, um pouco irritante, mas legal.

— Entendi. — Cocei meus olhos. Como eu odiava sentir sono, céus. — Pode ir sim. Só tome cuidado com os carros e não fique transitando pelo bairro por aí, é perigoso demais.

— Eu sou um literalmente um anjo, pai. — O moreno explicou, rindo sem graça pela minha preocupação. — Eu não morro tão fácil para um simples humano ou carro, além disso, sei me virar.

— Mesmo assim é importante tomar cuidado, Richarlyson. — Eu expliquei, vendo a cara dele se fechando. — E, por favor, não tente não vandalizar nada ou causar confusão pra cima de mim, por favor.

— Eu já disse: Aquele velho mereceu umas pedras no muro, foi por uma boa causa. — Já passava da décima vez a qual aquele garoto tinha falado tal frase, isso em menos de uma semana. — A polícia que passou na hora errada, no momento errado.

— É o trabalho deles, já te expliquei isso, não? — Passei a mão sobre os cachinhos dele. — Só…não se meta em confusão, tá bom? — Fiz um cafuné em seus cabelos, e ele acenou a cabeça devagarinho. — Agora, termina de comer que você já pode ir. Vou aproveitar e dar uma limpadinha em casa, coisa rápida.

— Eu vou ter que lavar a louça, não? — Eu retirei os dedos do cabelo dele quando vi que ele iria comer um pedaço do sanduíche que eu tinha feito, apenas, para não atrapalhar.

— É seu único trabalho e você ainda reclama. — Eu dei uma risada nasal e ele revirou os olhos. — Mas, como hoje eu estou bonzinho, posso abrir uma pequena exceção. Mas só hoje.

— Eba! Obrigado pai Cell. — Ele disse feliz, dando outra mordida na comida que estava em suas mãos.

Virei a cabeça para o lado, e pude ver a minha sala. Ela ficava bem perto da cozinha, já que a casa era pequena. No cômodo, continha o básico,TV, sofá, um tapete, hack, enfim, tudo bem decorado do jeito que eu gosto: a maioria sendo móveis pretos com branco. Porém, continha um diferencial: Uma janela acima do sofá de madeira, bem abrasileirada. Mas, o que me interessa mesmo, não é nem a janela em si, mas sim, o que dá pra ver com ela aberta sempre a essa hora da tarde.

— Ele sempre senta no meio-fio a essa hora…— Falei para mim mesmo, quase como um sussurro para mim mesmo.

É um rapaz novo. Ele usava uma camisa do homem-aranha junto de uma bermuda preta, e uma faixa azul na cabeça. Sempre às quatro horas da tarde ele fica na porta da sua casa, lendo algum livro, gibi ou mangá. Agora ele está lendo “O que o sol faz com as flores”. Ele parece ter um gosto bem diversificado, pois já vi ele lendo de tudo um pouco.

Além dele ser bem forte e bonito. Já vi várias mulheres — tanto humanas quanto anjos — que passam por essa rua olhando para ele maravilhadas. E de fato, a beleza dele é bem assustadoramente atraente, e forçando um pouco, acho que é um dos caras mais bonitos que eu já vi em toda a minha existência. E pode não parecer, mas eu já sou bem velho.

— Você está fazendo de novo, pai! – A criança falou cantarolando para mim, de um jeito debochado.

— Não estou! — Disse me virando o mais rápido possível e tentando disfarçar também. Pude escutar ele começar a sorrir, esse muleke é o capeta com asas e auréola, to falando sério. — Só estava olhando a minha sala, só isso. Nem isso eu vou poder fazer mais agora?

— Ninguém nunca encara a própria sala por mais de cinco segundos. Ninguém normal, pelo menos. — Ele disse lógico, gesticulando na hora de falar. — E mesmo você não sendo muito normal, ainda sim é estranho vindo de você.

Agora foi a minha vez de revirar os olhos. Às vezes eu pensava que não tinha um filho, muito menos um anjo. Mas sim, uma especie de mãe que sempre que ve o filho com alguma pessoa do sexo oposto (ou no meu caso do mesmo sexo) ela acaba perguntando instantaneamente se é seu namorado e que horas será o casamento.

— Por que você não tenta ao menos falar com ele? Não é você que sempre me incentiva a falar com outras pessoas, ter amigos?

Começou a palhaçada. Ou esse moleque tá querendo virar cupido, ou ele tá sofrendo com a minha vida amorosa mais parada do que trânsito de São Paulo. Ou os dois, vai saber, ele é mais maluco que eu.

— O que eu falaria, algo como tipo: “Ah, a gente é vizinho, olha que legal.” ou “ah eu vi que você gosta do homem-aranha, eu não sou muito fã de super-herói mais achei adorável”.Claro que não, Richas! Eu nem ao menos sei o nome do indivíduo, isso seria estranho. — Eu expliquei de maneira lógica, ele apenas me lançou um olhar entediado.

— Por que você simplesmente não conversa com ele normalmente? É tão difícil pros adultos fazerem amizades ou é apenas fogo do seu cu que queima o clima?

— Richas! — Não me contentei e comecei a rir. Aquele garoto vai me matar de duas formas: Me deixando doido ou de sufocado de tanto ficar rindo das piadas idiotas.

— Mas é sério, Pai! — Ele deu uma leve risada. — Por que você não tenta fazer no mínimo algum amigo aqui na vizinhança? Só vejo você com o Pai Forever, Mike, Pac e Felps. E eles nem vem muito aqui em casa.

— Você parece meu pai, me forçando a sair de casa e fazer novos amigos, ou no caso, um possível namorado. — falei cômico. — Eu só não gosto e não tenho ninguém pra fazer novos amigos. — Expliquei, tomando outro gole do café.

— Não, você só é um advogado anti-social que não sabe direito como é que se fazem amigos. Quem dirá namorar alguém.— Dei mais uma risada. Mas ele não, parecia até mesmo estar preocupado. — Eu sei que você quer falar com ele! você vive vendo ele pela janela. Se pudesse, viraria anjo da guarda dele só para conhecer ele mais de perto.

— Você já começou a fanfic? — Perguntei, O moreno caiu na gargalhada assim que eu falei aquilo.

E então, nós escutamos algumas batidas de mão na porta da casa. Eu, pelo menos, não estava esperando nenhuma visita. Me levantei da cadeira, mas antes mesmo de eu poder começar a andar em direção a porta, já pude ter uma noção de quem era.

— Richas! Ei, Richas!

Eu me sentei novamente na cadeira e pude ver ele pegando o sanduíche para comer no caminho. Estava apressado que só.

— Não esqueça: tome cuidado, se cuide e não tente vandalizar nada. — Falei mexendo a colherzinha de no líquido preto e amargo, enquanto os passos do garoto só iam ficando mais longe.

— Tá bom! Tchau! Amo você também! — E então, o portão foi batido com força, fazendo um barulho estrondoso.

Um dia esse muleke vai me matar do coração. Pra falar a verdade, eu acho que falo muito de morte para alguém que vive a mesma quantidade de vida que um humano, só 110 anos de vida, no mínimo.

E bom, eu agora que cheguei nos meus trinta. Ainda tenho muito tempo pela frente, não preciso ter pressa pra nada.

E, sendo bem sincero, quero viver assim. O casamento dá muito trabalho, assim como filhos também dão, mas com casamento é ainda pior. Prefiro ser assim; pai solo, advogado e em uma bela casinha em um bairro calmo.

Sem casamento, sem namoro, sem nadinha. Apenas eu e meu filhão.

Pra que caixas d’ água eu fui abrir o instagram? Assim, não é como se eu tivesse preconceito, mas eu acho uma babaquice, sem vergonha, putaria, blasfêmia do casete namorados no instagram que fica postando thredzinha bonitinha. Aquela thread do batom acaba comigo.

Não é como se eu quisesse…mas, sabe, seria tão legal se fosse comigo. Eu passeando com uma pessoa, ela tendo uma boa relação com meu filho, quase como um pai para ele, e ela me enchendo de beijos…

Odeio quando a internet me deixa carente, acho que esse é o único defeito dela. E também as pessoas nela, e também sites duvidosos, e…ok, a internet é muito defeituosa, mas esse defeito é o que mais me irrita no fim de tudo.

Até porque, o que me resta além disso? São poucas as vezes que senti libido em minha vida, e não é agora que em plenos trinta que vou ter tanto assim, diria que é quase inexistente. E, eu tenho quase certeza que nenhum homem quer se prostituir apenas para ficar agarradinhos vendo algum filme. Ainda sim, e não concordaria, pois acharia isso estranho demais.

Meu filho bem que tem razão, eu só fodo com as minhas relações por conta do fogo carente do meu rabo. Por que, eu tenho certeza que nenhum homem quer um relacionamento assim, que não tenha sexo, libido ou coisa do tipo. O que resta é isso, tá quase chorando no meio da tarde porque não tem um amor igual um vídeo de 15 segundo do teco teco.

Eu sou muito exigente, né? cadê meu filho falando nisso?

De repente, eu escuto a campainha tocar. É só pensar no Richas que ele aparece, é incrível.

Me levantei do sofá, e fui em direção ao portão. E, assim que eu abri a porta da minha casa, meu corpo paralisou.

Eu às vezes penso em deserdar ou chamar o conselho tutelar para mim. Por que esse anjo só pode ter o capiroto enfiado no cu dele, não é possível.

Era o Garoto do meio-fio. Ele estava ali, parado em frente a minha casa com um pequeno cartãozinho na mão esquerda, enquanto a direita segurava o livro que ele estava lendo algumas horas atrás.

Abaixo dele, estavam duas crianças. Um capetinha que sorria para mim como se fosse um anjo (que de fato era), e um mais alto e velho, bem parecido com o rapaz do livro, pareciam ser até irmão, chutaria.

— Ola! — Ele me disse alegre. Só de olhar e ver ele falar, já pude sacar duas coisas: Bonito e estrangeiro. Seu sotaque entregava que ele não era do Brasil e sua aparência entregava que ele era uma espécie de escultura feita pelas mãos do próprio Leonardo da Vinci que criou vida e vaga pelo mundo para espalhar seu encanto. Ou resumidamente: Caralho, que espanhol hablante gostoso.

— Olá. Boa noite. — Falei o mais amigável possível. Faz tempo que não converso com vizinhos, acho que desaprendi. E olha que eu só falei boa noite e olá até agora.

— Eeh…seu hijo acabou falando que vocês queriam conhecer um lugar novo, e — Queridinho, meu hijo é um baita de um mentiroso. Eu olhei para ele com um olhar ameaçador por alguns segundos, ele me respondeu com uma desviada de olho. Esse muleque ia ver se ia. — E minha irmã abriu um restaurante de comida mexicana aqui recentemente. Então, eu estou te convidando para ir lá! — Ele me disse entregando o cartãozinho. “Leonarda Quesadilha”, adorável nome. — Além de deixar o Richarlyson em casa, a pedido dele. — Nem precisava você falar bonitão, eu conheço a cria que eu tenho.

— Ah, obrigada pelo convite. — Disse segurando o papel em mãos. — Vamos ir assim que puder. Obrigada pela indicação e por trazer meu filho, Sr…

— Me chamo Roier. — Até o nome dele é bonito. Como pode existir um ser humano que nem o nome dele estrague a sua beleza? Deus tem seus preferidos mesmo. — E você?

— Cellbit. É um prazer, Roier.

— O prazer é todo meu. — Ele disse pegando a mão de sua criança. — Até mais.

— Até.

Enfim, puxei meu filho para dentro de casa e fechei a porta. Me virei para ele o safado ainda estava sorrindo.

— Você acha isso bonito? — Perguntei cruzando os braços.

— Você acha feio eu ter ajudado o Roier com o restaurante da hermana dele? — Ele cruzou os braços que nem eu. Abusado, diria.

— Vai contar piada no circo, palhaço.

— Mas a gente vai, né? — Ele perguntou sério. Eu ingenuamente achei isso surpreso. Ele quer ir pro restaurante?

— Não sei…você realmente quer ir?

— Claro que eu quero. — Ele falou como se fosse obvio. — Você tem que parar de pensar que tudo envolve sua vida amorosa, pai. Eu só queria comer umas comidinhas diferenciadas, e coincidentemente o garoto meio-fio conhece um lugar. Só isso. — O moreninho entrou dentro de casa logo após terminar de falar, dando um enorme silêncio.

Eu estava tão paranóico com esse papo de namoro que acabei pensando que meu filho minimamente se importava com isso.

Sou um idiota carente mesmo, puta que pario.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.