Eu sou maior do que era antes

Estou melhor do que era ontem

Eu sou filho do mistério e do silêncio

Somente o tempo vai me revelar quem sou— Maior (Dani Black & Milton Nascimento)

— Você o quê?

Jane estava histérica do outro lado da linha. Ao fundo, ouvi a voz de Melanie, minha cunhada, pedindo para, pelo amor de Deus, ter alguma notícia minha. Suspirei, me jogando na macia e confortável cama onde uma pessoa morta costumava se deitar antigamente.

— Tô presa num apartamento – repeti. — Quero dizer, não tecnicamente. Mas não é bom eu sair daqui, sabe? Vim fazer um favor e...

— Santo Deus, Greta! Que favor foi esse? Você não conhece absolutamente NINGUÉM na Coreia – precisei afastar o telefone. Jane estava praticamente gritando. — Quer que eu ligue para a polícia internacional?

— Não precisa de tanto – rebati, incerta sobre o que eu falava. Não era porque os membros do chat foram amáveis e preocupados comigo que isso implicava que eu estava em segurança. Eu não os conhecia e não tinha a menor garantia de que não eram psicopatas em ação. Por outro lado, aquela irritante voz interna me mandava esperar e aguardar Seven realizar o seu trabalho. No fundo, eu estava com mais medo do hacker que me jogara ali do que da própria R.F.A. — Tem uma pessoa me ajudando, então logo vou sair dessa. Você fica feliz se eu disser que estão falando em inglês comigo?

— Presa num apartamento, Greta? Sério mesmo? Porque eu não estou vendo nenhuma saída pra você!

— Presa não. Tecnicamente.

Percebi que Melanie tomou o celular das mãos da minha irmã. Em segundos, escutei sua voz – preocupada, porém bem mais tranquila do que Jane.

— Querida, há algo que possamos fazer por você? – perguntou.

— Acho que me deixar explicar o que aconteceu. A Jane não me deixou falar.

E acabei contando. Expliquei sobre o número desconhecido, sobre Rika, sobre a R.F.A., sobre a festa, sobre como cada membro se apresentou a mim e sobre como virei uma organizadora da noite pro dia. Porém, omiti sobre o hacker, mesmo que ele fosse a peça principal de toda aquela confusão. Um erro, eu sabia. Se alguma coisa dessa errado, Jane e Melanie precisavam ter ciência de tudo o que estava acontecendo; mas as duas já estavam tão preocupadas que não me senti bem em acrescentar mais um item à lista. Eu me sentia suficientemente culpada por incomodá-las.

— Isso é muito... Argh! – Melanie exclamou. Ao fundo, escutei Jane reclamando pelo seu direito para falar comigo, descontrolada. “Eu sou a irmã dela, Mel!”. — Por que você aceitou isso?

Até então, eu não havia pensado nisso. Do momento em que entrei no apartamento de Rika ao instante em que, meio sem acreditar, liguei para Jane, não encontrei uma razão para o que fiz. Talvez eu realmente quisesse me aventurar. Conhecer outras pessoas, ser um pouco inconsequente alguma vez na vida. Agir por impulso em um local totalmente diferente, longe do meu tranquilo dia-a-dia.

Quase... como se eu quisesse ser outra pessoa pelo menos uma vez.

— Pensei que um pouco de gentileza não faria mal – menti. Que péssima desculpa! Não colou nem pra mim.

— Greta McGrath, espero que você me escute – Jane tomou novamente o controle sobre a ligação: — Me mande uma mensagem de hora em hora para que eu saiba que você está bem, certo? Nunca fique longe desse celular, nem mesmo pra ir ao banheiro! Me passe as informações sobre as pessoas que estão te ajudando e vou dar meus pulinhos aqui para descobrir algo também. Se precisar de qualquer coisa, me avise!

Um código de socorro!, ouvi Melanie gritar ao fundo.

— E um código de socorro! – Jane reforçou. — Se você precisar de ajuda, diga pênis!

— O quê? – quase engasguei.

— Nós nunca falamos sobre pênis aqui! Então, se der merda de alguma forma, você sabe o que escrever!

Sufoquei a vontade de rir, mas assenti. Não queria debochar da minha irmã e da minha cunhada, que estavam tão preocupadas e temerosas por mim.

— Vou ficar bem, Jane – assegurei.

— Tenho certeza que sim. Te amo, cabeção.

Quando encerrei a ligação, me senti solitária. Passei alguns segundos olhando para o teto, pensando que talvez realmente não tivesse sido muito inteligente abraçar aquela situação. Respirei fundo antes de virar a cabeça para o lado e observar o apartamento de Rika. Era um lugar limpo, claro, que não dava praticamente nenhuma informação sobre a mulher que viveu lá até ano passado. Um lado de mim queria investigar mais a respeito daquela jovem, porém outra parte me impedia de seguir em frente. V fora muito claro ao dizer que eu não deveria mexer em nada, e não estava muito a fim de desrespeitá-lo.

Reli as primeiras conversas que tive com os membros da R.F.A. Eu não fazia ideia do motivo de ter também aceitado organizar as festas da R.F.A e, mais uma vez, tentei pensar se não era porque eu queria algum ânimo na minha vida. Desde os meus últimos anos da universidade, eu não participava de nada do tipo. Ainda me atrevia a acompanhar minha irmã e minha cunhada em algumas saídas a pubs e eventos um pouco mais formais, mas as festas foram abolidas totalmente.

Talvez porque ele tivesse me roubado isso também.

Ignorei o pensamento derrotista e resolvi pesquisar sobre aquelas pessoas. Comecei por Zen, e não demorei a achar vários resultados na internet sobre as suas peças e as inúmeras fotos que o mostravam caracterizado como seus personagens. Eu ficaria mais feliz se conseguisse pelo menos entender coreano, mas as fotos foram suficientes para me satisfazer. Ele existia e parecia ser bem popular – além de ser dono de uma beleza que me fazia entender a razão pela qual Jaehee era sua fã. Me desconcentrei enquanto admirava aquele corpo moldado por Deus.

Eu sabia que não conseguiria encontrar muitos resultados sobre Yoosung (além do seu jogo favorito) e Seven, então me concentrei em pesquisar a respeito da companhia que Jumin dirigia. Graças a Deus, o site da sua corporação oferecia a possibilidade de lê-lo em inglês, e não tive maiores problemas para descobrir que a C&R International era muito maior do que eu imaginava. Olhei embasbacada a quantidade de departamentos que a companhia abraçava, e entendi o motivo pelo qual Zen sempre reforçava a riqueza dos Han. Jumin não era apenas rico; era muito rico.

Passei algum tempo também observando a sua foto no site. A beleza de Jumin era algo peculiar. Elegante, esguio, tinha um olhar confiante e seguro de si. Seu sorriso era discreto, como se Jumin soubesse conter qualquer tipo de emoção. Seus lábios finos e seu olhar amendoado eram incrivelmente... atrativos.

O celular tocando me fez desviar a atenção das minhas pesquisas.

Era Jumin. Como se tivesse descoberto que eu estava fuçando sobre a sua vida.

— Sou eu – o inglês dele era claro e limpo, dava para compreender perfeitamente bem. E... que voz era aquela? — Liguei para saber como você está. E para parabenizá-la novamente pela sua entrada na R.F.A. Espero que saiba que terá muito trabalho pela frente.

Ele falava com polidez, assumindo sua posição de executivo.

— Olá – respondi, também adotando um tom mais sério. — Obrigada pela preocupação, Sr. Han. E garanto que darei o meu melhor para fazer essa festa acontecer.

— Sr. Han? – ele pareceu estranhar aquela forma de tratamento. — Você parece a Assistente Kang falando, Greta. Suponho que não deve ser mais velha do que eu.

— Como pode ter tanta certeza assim?

— Sua voz é jovial, assim como o seu comportamento também. Afinal, pelo que nos contou, embarcou em uma aventura sozinha pela Coreia. Não imagino pessoas mais maduras se aventurando dessa forma.

— Quer dizer que você acha que não tenho maturidade, Sr. Han? – reforcei o pronome de tratamento apenas para implicar. Super infantil, eu sei.

— Longe de mim. Estou apenas afirmando que você tem um espírito jovem.

— Vou levar isso como um elogio então – falei, segurando novamente o tablet e olhando o site da C&R International. Jumin falava como se fosse um homem de 50 anos, embora no site falasse que ele tinha apenas 26.

Tão jovem e já tão promissor.

— Preciso ser breve na minha ligação – afirmou, retomando a razão pela qual me contatou. — Como V a orientou, você não pode mexer nas coisas de Rika, apenas nos documentos que têm relação com a festa. Rika tinha convidados bastante respeitados e populares, então você deve agir com cautela. Se o seu desempenho for bom, garanto que teremos mais festas no futuro.

— Não se preocupe. Vai ser a melhor festa da sua vida, eu garanto – não faço ideia do por que falei daquela forma. Logo eu, uma quase antissocial de carteirinha, com um excesso de confiança em organizar uma festa que nem no meu país aconteceria!

— Gosto da sua confiança - Jesus Cristo, que timbre era aquele? — Você não gostaria de fazer memórias das quais jamais se esquecerá?

— Bem... – a viagem por si só já estava sendo inesquecível. E a tendência era piorar.

— Por fim, Greta, devo lembrá-la de não pular as suas refeições. Mesmo que você esteja em uma viagem internacional e queira conhecer novos sabores, se assegure de comer adequadamente. Aproveite o resto do seu dia. Se precisar de alguma coisa, fale com a Assistente Kang.

Ele estava realmente se preocupando com a minha alimentação? A minha alimentação?

Tem um hacker atrás de mim!

— Obrigada pela preocupação. Até mais, Jumin – falei, me esforçando para não rir.

— Até breve, Greta.

Mesmo após o término daquela ligação, não consegui dar uma gargalhada sequer. Havia algo naquela voz que, estranhamente, deixou minhas pernas bambas.