Que chegue até você!

Único; Uma segunda chance


A COISA ESTAVA MORTA. Após 27 anos de muitas perdas, dores e esforço, finalmente Derry estava livre. Com isso, eles poderiam voltar às suas vidas normais. Mike planejava se mudar para outra cidade e construir uma nova vida. Ben e Beverly finalmente se acertaram; o Hanscom havia tomado coragem para assumir seus sentimentos por ela. Bill logo retornaria para Chicago, agora com Audra em seus braços, depois de tê-la despertado daquele transe com uma última volta e despedida de sua bicicleta Silver. Stan voltaria para o abraço da esposa, agora com certeza que Adonai os abençoaria com um bebê. E Richie... deu uma última caminhada na Ponte do Beijo, onde viu as iniciais “R = E” que havia gravado ali quando criança e agora sabia o que fazer. Eddie deveria estar arrumando suas coisas no hotel onde estavam hospedados, era sua última chance antes de esquecer tudo enquanto se afastava de Derry.

Ofegante, ele correu até o hotel e viu um táxi se afastando e sumindo pela rua. Começou a correr atrás dele.

— Espera! Eddie! — gritou, mas sem sucesso. O óculos escorrendo pelo nariz por causa do suor. — Espera! Eu... só queria tomar um café… — disse triste, apoiando as mãos nos joelhos, falando com pausas.

— Ele teve que ir, aconteceu um imprevisto na empresa dele. — Mike informou, chegando ao seu encalço. — Mas ele deixou esse número para que você o procurasse, com o endereço dele em Nova Iorque.

— Valeu. — Pegou o papel e o encarou com carinho.

— Você me parece triste. Quer desabafar, amigão?

— Nada, é só que… e se eu for ir atrás dele e ele se esquecer de mim? Ou se eu me esquecer dele? Que nem aconteceu nos últimos 27 anos.

— Se for pra ser, vocês nunca mais vão esquecer um do outro. A amizade de vocês superará tudo.. — Mike sorriu. — Olhe só o exemplo de Ben e Beverly! Eles vão se casar!

— Espero que você esteja certo mais uma vez, Mike. — Ele tocou no ombro do amigo.

As horas de avião do Maine para a Califórnia foram longas e monótonas. Richie Tozier ouvia baixinho uma música em seus fones enquanto observava a cidade pequena e rústica ficando para trás. Tantas memórias! Ele se perguntou como aquela magia poderia ter sido tão poderosa.

Uma semana havia se passado desde que deixara Derry e nada parecia mudar. Suas lembranças ainda estavam vívidas, mas ele estava preocupado com Eddie.

Então, um dia, quando estava prestes a sair de casa de manhã para ir malhar, seu telefone tocou. Era uma chamada vinda diretamente de Nova Iorque.

— Espero que não tenha se esquecido de mim, Chee.

Richie riu e sentiu os olhos se encherem de lágrimas.

— Jamais faria isso de novo.

— Desculpa não ter me despedido adequadamente de você. Meu melhor motorista bateu minha limousine mais cara em um poste na madrugada do último Met Gala. Graças a Deus, nem ele nem Demi Moore se feriram gravemente, mas a minha limousine...

— Sinto muito.

— O importante é que ninguém se feriu. E eu tenho uma boa notícia pra você.

— Diga.

— Você está sentado?

— Acabei de me sentar, então sim.

— Entrei com os papéis do divórcio com a Myra. — informou. — E se meu cronograma dar certo, poderei te fazer uma visita no meio de fevereiro. Pretendo ficar uma semana aí, na sua casa. Se não for incômodo.

— Não seja idiota, Eds. Isso jamais seria um incômodo.

— Não me chama de Eds. — corrigiu, rindo.

— Isso é daqui duas semanas. — Tozier observou. — Então, está tão ansioso assim para conhecer o meu big Richie? — Ele dançou com as sobrancelhas.

Beep-beep, Richie.

Os dois riram, Eddie estava com as bochechas coradas do outro lado da linha, se Richie visse isso, iria o zoar mais ainda.

— Preciso ir agora. — Kaspbrak informou. — Nos vemos em duas semanas.

Por supuesto, Eduardo. Estou com saudades. Eu te amo. — Richie sentiu seu peito ficar mais leve por finalmente conseguir dizer isso em voz alta.

— Eu também, tchau! Te amo.

— Com quem você está falando, Edward?! — Myra perguntou, querendo tomar o telefone de suas mãos.

Eddie esticou sua mão para o alto depressa. Estavam na sala de espera do consultório do seu advogado — um dos melhores do ramo e indicado por Burt Reynolds. A mulher gorda e de semblante nervoso havia acabado de chegar.

— Isso não é da sua conta!

— Se falar comigo assim de novo, eu te enforco com o fio do telefone!

— E você seria indiciada por tentativa de homicídio na mesma hora, querida. O Dr. Wayne e sua secretária estão assistindo tudo.

— Que seja, seu merdinha!

Eddie agradeceu por Sr. Wayne e seus seguranças estarem ali para retirar Myra de cima de si. Nem quando a Coisa o hipnotizou havia sentido seu coração disparar assustado daquela forma. Junto com os papéis do divórcio, solicitou uma medida protetiva. Informou aos seus funcionários que tiraria uma semana de férias e passou os dias dirigindo pelas ruas de Nova Iorque, pensando ansiosamente em Richie.

[...]

Quando Richie acordou, foi surpreendido ao ver as janelas embaçadas. Havia nevado em Los Angeles pela primeira vez em quase três décadas. A luz suave da manhã entrava pelo vidro enquanto pequenos flocos de neve caíam lentamente do céu. Ele olhou para o calendário na mesinha. Eram 7h30 da manhã, dia 14 de fevereiro. Era irônico, considerando que Richie sempre detestara o Dia dos Namorados.

Era revoltante ligar a TV ou ouvir o rádio nessa data, testemunhar os apaixonados se declarando e fingindo viver felizes para sempre, apenas para traírem e machucarem seus parceiros na primeira oportunidade. A ideia de um feriado para celebrar o amor parecia patética. Se ao menos houvesse um Dia do Comediante, talvez ele pudesse se identificar.

Para Richie, o Dia dos Namorados nunca fez diferença. Ele se considerava um lobo solitário, mas desde que reencontrou Eddie, tudo parecia diferente.

Ele se dirigiu para a cozinha e começou a preparar uma receita de cookies com gotas de chocolate, lembrando-se de que eram os preferidos de Eddie. Sempre que se reuniam na casa de Bill, Sharon Denbrough preparava duas receitas de cookies, e Eddie sempre era o primeiro a devorar tudo.

Eddie também era super fã de maratonas de filmes, apesar do acesso ser mais restrito naquela época. Ele não gostava dos filmes de terror, como Richie amava, mas sim de filmes de drama e comédia. Ser uma criança criativa nos anos 50 era algo limitador, porém tinha seu charme. Ele dizia ser apaixonado por Marilyn Monroe.

— Eu me casaria com ela se pudesse — Kaspbrak disse uma vez.

— Ela é bem bonita e parece que beija bem — Beverly respondeu, abraçada no travesseiro.

— De fato, mas eu me vejo mais a protegendo do que me aproveitando dela. Ela parece uma flor intocada pelo mal.

— Consumir o casamento não é sinônimo de aproveitamento, espaguete! — Richie debateu.

Eddie apenas deu de ombros. Na época, todos imaginavam que, por serem crianças, era normal apenas querer admirar e não querer beijar mulheres.

A campainha tocou.

Estava óbvio que não era bem esse o caso.

Richie desligou o fogão e saiu correndo até a porta da sala.

— Feliz Dia dos Namorados, se bem que ainda nem sei se somos isso — Eddie sorriu, estendendo uma caixinha embrulhada para o Tozier. Ele usava um cachecol grande e vermelho ao redor do pescoço, calça jeans e camiseta branca de mangas longas. Havia retirado o curativo da bochecha e uma pequena cicatriz estava no lugar.

— Eu acho que podemos nos chamar assim — Richie piscou. — Sempre fui ansioso em tudo nessa vida, dessa vez não é diferente.

— Acho que já perdemos tempo demais para nos importarmos com detalhes — Eddie respondeu.

Richie abriu o embrulho, deparando-se com um relógio de ouro e brilhante da Rolex.

— Fiquei horas imaginando o que combinava mais com você. Como você já conquistou tanta coisa, fiquei com medo de você ter um parecido ou de não te dar algo à altura.

— Esse é o relógio mais bonito que já me deram, obrigado!

Richie deixou o relógio em cima da mesinha e o abraçou com força. Era apertado e aconchegante. Podiam sentir os batimentos do coração um do outro.

Logo se separaram.

— Quer entrar?

— Claro.

Richie deu uma rápida olhada na rua antes de entrar. Os vizinhos poderiam estar os observando pela janela, mesmo sendo o dia de celebrar o amor, a sociedade ainda era maldosa com quem era diferente.

Eddie encarou a casa de Richie, admirado.

Havia um mural perto da TV, com todas as fotos — em preto e branco e com marcas do tempo — que Richie conseguiu recuperar e restaurar com Mike na biblioteca de Derry. Eram fotos do clube dos otários nos principais eventos de rua da cidade. Acima delas, estava uma faixa escrita: “Bem-vindo, Eds! Você não sabe por quanto tempo eu esperei”. Eddie riu ao perceber o quão baixinho e franzino ele era.

— Espero que tenha gostado da surpresa. Não foi tão cara quanto a sua, mas é de coração.

— Parece que consegui voltar ao passado. Obrigado, Richie. — Ele virou-se para o homem e sorriu.

— Isso porque você nem viu os cookies que preparei pra você ainda.

— Mal posso esperar.

Eddie se aproximou, tocou o rosto do rapaz e juntou seus lábios em um beijo calmo.

— Eu te amo, Richie Tozier.

— Também te amo, Eddie Ursinho.

— Sem graça! — acusou Eddie, dando um selinho.

— Sempre foi fácil te irritar. — Richie gargalhou. Como Eddie sentira saudades daquela risada.

— Calma, que cheiro de queimado é esse? — Eddie franziu os cenhos de repente e começou a tossir com o cheiro forte.

— Os cookies! — exclamou Richie. — Não acredito que só desliguei a calda e me esqueci do forno!

De maneira desengonçada, Richie correu até a cozinha. Eddie riu e se aproximou mais do mural. Ali, viu cartas, pregadas com tachinhas coloridas, com datas do verão de 1958. Pegou um envelope azul e a abriu com cuidado. A letra era cursiva e escarranchada, assim como o papel estava amarelado e cheirando a mofo, mesmo assim, era legível.

“Oi Eds, sei que você nunca vai ler isso, mas meu dia foi complicado

Hoje eu descobri que você e sua mãe vão se mudar para Manhattan. Ela está com câncer e lá eles oferecem um melhor tratamento. Não te julgo, Derry é tão pequena que não tem nada para oferecer além de calor, terror e um maldito palhaço assassino.

Eu conversei com a Bevvie. Do nosso grupinho, é a única que me entende. Ela veio me consolar quando a nossa reunião terminou e cada um tomou seu rumo. Que era para o bem da sua mãe, e se sua mãe estiver bem, você também estaria. Ela é cricri, mas é sua mãe

Soube através dela também que nessa época do ano neva em Nova Iorque. Que sorte! Vai ser o seu primeiro natal iluminado e com neve. Aqui em Derry meus natais são sozinhos e tediosos. Nem meus pais, nem os outros moradores parecem ter disposição para comemorar. Aqui em casa, desde que a vovó morreu, nunca mais fizemos uma ceia. Queria preparar um chocolate quente pra você, construir um boneco de neve e beijá-lo debaixo de um visgo.

Eu te amo, mas sou covarde demais para encarar o mundo e te dizer. Acredito que os meus “eu comi sua mãe” sejam a minha forma de conseguir dizer “eu te amo”. Confuso, eu sei.

Você vai ter um futuro próspero em Nova Iorque, Eddie. Não sei se terei o mesmo se continuar fadado a esta cidadezinha. Espero um dia poder sair daqui. Próximo destino? Nova Iorque? Quem sabe! Espero me tornar alguém de quem você se orgulhe. Quem sabe assim poderei ver seu sorriso novamente

Espero que isso chegue até você algum dia, Eds.

Do seu maior admirador,

Richard Tozier

20/12/1958”

Ouviu passos, escondeu a carta depressa.

— Ai droga, me desculpe por isso — Richie chegou com uma bandeja de cookies pretos feito carvão. — Pelo menos a calda de chocolate está boa, acho que dá para te recompensar. — Levantou a mão com a tigela.

Eddie riu e beijou sua testa.

— Eu sinto muito orgulho de você, Richie!

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.