Quatro Estações

Capítulo 4 - Gosto de Cereja


Faltavam apenas alguns dias para que a data marcada do encontro com Jong Suk chegasse e Rosé já se via quase revirando de ansiedade e nervosismo que pareciam intrinsecamente ligados aos seus sentimentos naquele ponto, enraizados em seu peito, propagando uma sensação ruim. Quase como se ela não devesse ir ao encontro com o homem. Honestamente não sabia exatamente o motivo pelo qual havia aceitado ir em um encontro com Jong Suk para além da mórbida curiosidade que parecia preencher seu ser sobre como o homem seria. Todos os traços que havia percebido sobre ele mostravam apenas gentileza e educação, o suficiente para que sua resposta tivesse sido afirmativa ao invés da negativa que havia passado por seus pensamentos, culpa do receio que sentia de não ser boa o suficiente para um homem do nível dele.

Havia uma parte de si mesma que gostaria de insistir que ela não era suficiente para um homem tão mais velho, e bem sucedido, como Jong Suk, mas sabia que muitas vezes tudo o que passava por sua cabeça era apenas fruto da sua insegurança. Jennie e Lisa haviam compartilhado tudo que sabiam sobre ele. A primeira por trabalhar com ele nos projetos acadêmicos há dois anos e a segunda por ter sido sua aluna no primeiro ano de faculdade. Havia em sua memória o fato de ter bebido e acordado no apartamento dele. Uma verdade cruel para ela era que não seria capaz de mentir muito mais sobre como sentia-se perto dele desde que aceitara o convite. Era impossível negar que sentia-se atraída por ele, muito mais do que a boa aparência, ainda que também ajudasse.

Estar no mesmo ambiente com ele lhe causava arrepios e uma sensação estranha de que estava constantemente sonhando, como se ele fosse bom demais para ser parte da realidade. Como se fosse impossível um humano ser tão perfeito no ponto em que Lee era. E ao mesmo tempo, ela sabia que ele era real porque nenhuma inteligência artificial poderia ser tão convincente e emotiva, complexo em um nível que apenas humanos poderiam ser. No entanto, sabia que as coisas nunca funcionavam da maneira como os doramas gostavam de criar e pontuar, a realidade não abria espaço para finais felizes. Mas isso não a impedia de ter sentimentos, muito pelo contrário. Temia, por inúmeras razões, de que as coisas acabassem não funcionando. Muito além da insegurança e do sentimento de que não seria o suficiente, jovem como era. Racionalmente, Roseanne sabia que, além do que havia visto e conhecido sobre Jong Suk até aquele ponto, ele poderia ser completamente diferente dentro de um relacionamento. Além dos desencontros que a vida poderia proporcionar por si só, com a diferença de idade que possuíam. Mas pensar naquilo era supor um futuro em que estariam juntos e, por mais que desejasse, ainda não sabia se eram realmente compatíveis.

Seus pensamentos se concentraram em outro ponto, contemplando o fato de que ainda não havia contado aos seus pais sobre o encontro, desejando esperar para saber como o relacionamento poderia se desenvolver antes de compartilhar com seus progenitores. E não havia problemas de hierarquia ou escândalos de assédio que pudessem assombrar qualquer um dos dois porque, no fim das contas, eles eram como colegas de sala e não como professor e aluna. Eram duas pessoas iguais, com apenas uma diferença de oito anos entre si, e que se gostavam. Geralmente relacionamentos que se iniciavam na sala de aula, com uma grande diferença de idade envolvida não representavam coisas boas, pelo que sabia. Mas ao mesmo tempo tinha consciência de que o que eles possuíam seria completamente diferente do que era esperado. Ao menos esperava que seria assim.

Ele gostava dela, certo?

— Ei. Rosé. Tudo bem? — Jay a cutucou, percebendo que sua mente havia migrado para outro ponto muito distante daquela sala de aula.

— Hm? Hm! Sim, perdi alguma coisa? — o garoto olhou para Lisa e riu um pouco, balançando a cabeça. — Então por que me cutucou? — agora ela tinha a testa franzida enquanto Lisa, virada para trás, apoiava os cotovelos em sua mesa.

— Eu te chamei para comer comigo e Jay. E você não respondeu. Eu sei que você é mais velha e tudo, mas não precisa ser avoada assim com a gente, precisa? — agora, ela ria um pouquinho, meio sem jeito.

— Eu estou nervosa… e Jisoo não me respondeu sobre as coisas que pedi para ela me avisar.

— Você está mesmo pesquisando a vida dele? Acho que a Jisoo não vai conseguir te ajudar por agora. Ela e o Taehwan estão ocupados com a tese final, Rosé… — a garota tailandesa fez um pequeno bico, o que fez com que Rosé a observasse com uma expressão meio desesperada. Então Jisoo não poderia lhe contar as coisas que havia perguntado sobre Jong Suk? Mas ela era a mais velha dos veteranos que a loira conhecia e que mais poderia lhe acalmar.

Jaehyun observou as garotas com certa curiosidade e passou uma das mãos pela nuca antes de apontar para o professor, que estava olhando para as duas meninas sussurrantes como quem estava pronto para passar uma vergonha em ambas. Rosé pediu desculpas e Lisa também o fez.

O resto do dia passou sem maiores perturbações e entre os intermináveis trabalhos acadêmicos, Roseanne se pegava encarando a parede enquanto pensava no que aconteceria neste encontro. Ele a beijaria? Eles iriam embora juntos? Ele a traria até em casa ou iriam para a casa dele? Seu peito pesava com o simples fato de que, talvez, pudessem se envolver em uma relação mais íntima. E se as pessoas não achassem uma boa ideia que um veterano como ele ficasse com uma simples aluna de graduação?

Ela não tinha culpa alguma por ser tão nova e ainda estar construindo o próprio futuro. As pessoas deveriam compreender isso, certo? Elas iriam compreender, não é? Ela esperava que sim porque pensar que não a deixava um tanto mais ansiosa. Ela levantou-se da mesa de estudos, vendo que o relógio de seu celular marcava quatro da manhã, perdida entre pensar no encontro e estudar. Esticando os braços e a coluna da forma que podia, ela moveu-se pela casa, indo até a cozinha com um intuito de pegar um pouco de água na geladeira. Abrindo um sorriso pequeno ao ver a figura de seu pai se aproximando. — Ainda estudando?

— Sim. — meneou a cabeça em um aceno sutil, mordendo o lábio enquanto ele servia um pouco d’água para si. — Pai… o que o senhor diria se eu estivesse com uma pessoa mais velha?

— Mais velha quanto? O que ele faz da vida? Ele já se alistou? É um bom homem? — A série de perguntas a fez arregalar os olhos e respirar fundo. Dois dias agora pareciam uma eternidade. Ela seria capaz de responder todas aquelas perguntas? — Roseanne? Você é minha garotinha. Tudo que eu perguntei é importante, mas tem uma coisa que é mais importante do que tudo. Este homem te faz feliz? Ele vai te fazer feliz?

— Eu… acho que sim. Nós estamos nos conhecendo, papai… e eu só queria saber se o senhor iria aprovar porque não quero me apegar e depois ter de enfrentar a sua chateação. — tinha um sorriso delicado nos lábios da menina quando o homem se aproximou e segurou o rosto dela por entre as mãos.

— Eu preferia não vê-la com homem nenhum. Mas eu sempre soube que você iria crescer em algum momento, certo? Não é como se eu fosse alheio ao fato de que você iria se tornar uma mulher em algum momento… eu posso não te ver assim, mas você é o que é. E é boa julgando caráter. Se acha que deve sair com esse homem, conhecê-lo e dar uma chance, então tudo bem. Eu confio no seu senso de julgamento. — O homem a puxou para um abraço e Roseanne retribuiu com certo alívio em seu peito. Contente que seu pai achasse que tudo bem desde que ela ficasse feliz e considerasse boa ideia.

O problema é que ela não sabia o quão boa ideia ela considerava toda aquela situação. O medo de ser massacrada por todas as garotas que admiravam e cobiçavam Lee Jong Suk era uma como uma nuvem escura de tempestade pairando sobre sua cabeça. Sabia que não era a moça mais bonita ou interessante do departamento, haviam diversas mulheres no campus, inclusive mais velhas, que poderiam ser uma opção muito mais… atraente do que ela, que ainda estava no caminho de concluir a graduação. No entanto, havia uma vozinha que parecia disposta a sussurrar em seu ouvido, alegando que Jong Suk poderia ter visto algo nela que havia o atraido.

Incrivelmente entre dormir mal, comer mal e quase não ter tempo para sua necessidades básicas como escovar os dentes ou pentear os cabelos graças às provas que pareciam esmagá-la como uma avalanche, os dias acabaram passando mais rápido do que esperava e ela mal poderia acreditar que já era o tão esperado dia em que saíram. Estava no banheiro feminino quando Jisoo, Lisa e Jennie entraram. As meninas a olharam e foi a Kim mais velha quem pediu para que Jennie lhe passasse uma escova de cabelos. Umedeceu e penteou os fios dourados de Rosé enquanto Jennie lhe passava uma maquiagem no rosto e Lisa dava palpites sobre o que seria ou não melhor para seu visual.

Chaeyoung tentou perguntar o que estava acontecendo ou protestar para que elas parassem de tratá-la como uma boneca viva. Mas foi Lisa quem acabou explicando o que faziam ali depois de muitos resmungos e tentativas de Chaeyoung de ir embora. — Olha, você é linda. Ninguém aqui está dizendo que não é. Mas o semestre está acabando com sua saúde, bem estar e aparência. Então, como hoje é seu encontro, nós viemos te arrumar e tcharam! Você volta a ser o anjo dourado que faz os garotos babarem. — ela parecia mesmo ter ensaiado aquela fala por muito tempo.

— Há quanto tempo vocês estavam planejando me usar de Barbie?

Jennie deu um risinho malicioso e guardou toda a maquiagem que havia usado. — Tem umas duas semanas… desde que você aceitou sair com ele, no caso. — Roseanne arregalou os olhos e a observou com incredulidade. — Tudo bem, você pode ficar chateada, mas eu recomendo que você se olhe no espelho antes de brigar com a gente. Vai, por favorzinho!

Então, a loira bufou baixinho e virou-se para o espelho. Sua aparência era de alguém que estava dormindo bem e estava saudável. Suas bochechas coradas, lábios brilhosos com um gloss que ela percebeu ser o mesmo que ela, normalmente, usava. Nada parecida com a jovem universitária que tinha poucas horas de sono disponíveis e se desesperava por conta das provas.

Ela olhou para as garotas com um sorriso e as abraçou agradecendo por não estar mais a confusão que estava antes. Seus olhos fecharam-se antes de respirar fundo enquanto as garotas lhe davam algumas recomendações sobre homens coreanos. Ela sabia que as culturas eram diferentes. Mesmo tendo parte da criação de uma criança daquele país, ela ainda era uma estrangeira no meio de um bando de pessoas que verdadeiramente eram coreanas e adaptadas aos costumes que regiam aquela sociedade. Da mesma maneira que sabiam como garotos australianos eram, não poderia ter a mesma certeza em relação aos coreanos. E era grata às suas amigas por terem fornecido todo tipo de informação que poderia ser útil de alguma forma.

Seus passos foram certeiros e apressados em direção a entrada do laboratório de Jong Suk e ela não tardou a entrar no espaço, sorrindo de maneira quase nervosa demais para se parecer com um sorriso real. Na verdade, parecia muito com uma careta de dor. — Você está bem? — ele a olhou com certa preocupação enquanto lavava as mãos e retirava o jaleco para pendurá-lo. — Se não estiver bem, podemos adiar.

— Eu não pareço bem? — sua preocupação era visível quando ela fez aquela pergunta, o que fez o mais velho rir pelo modo como ela havia falado.

— Na verdade, parece sim. Exceto pelo fato de que parece meio ansiosa. Você se sente ansiosa?

Ela não queria ter de responder àquela pergunta porque falar para um homem que estava nervosa para ir comer e beber com ele parecia, na verdade, uma ideia não muito boa. Então, mudou de assunto bruscamente. — Podemos ir?

Ele assentiu e ofereceu uma mão para ela, que o seguiu com um sorriso. Os dois fizeram o trajeto do carro com conversas amenas sobre o cotidiano e como a universidade parecia prestes a cometer um pequeno massacre contra a saúde mental deles. Nada que já não estivesse acostumado àquela altura do campeonato, Jong Suk pontuou com um meio sorriso que fez Roseanne corar. Por que ela estava corando? Não sabia. Não havia sequer uma única explicação lógica para o fato de suas bochechas estarem vermelhas como um tomate ou para ela estar sentindo calor quando o carro tinha o ar ligado e era outono. Talvez fosse tudo apenas resultado dos sentimentos e ansiedade que misturavam-se em seu estômago, mas ao mesmo tempo não era uma sensação terrível.

Chegar ao restaurante foi, ao mesmo tempo, um misto de alívio e desespero. Ele disse que iria ficar no suco, mas pediu um bom vinho para ela, que negou de maneira suave a necessidade de uma bebida tão cara. — Mas eu insisto. Eu também beberia se não precisasse dirigir.

Ela concordou de maneira sutil, ainda sentindo-se um tanto sem graça. Seus olhos pousaram de maneira curiosa sobre a mão dele, percebendo que havia um curativo da cor de sua pele. — Como conseguiu isso? — o olhar dele desceu para a própria mão e ele respirou fundo antes de encolher os ombros como se não fosse nada demais.

— Aqueci uma vidraria danificada e ela explodiu. Eu estava fazendo anotações ali perto e um pouco do material quente caiu na minha pele. Mas já tem tempo, eu lavei, passei medicamento e agora estou com um curativo. — havia um meio riso nos lábios dele, como se os acidentes daquele tipo fossem comuns e, de fato, eram.

— Você deveria ter ido no médico para ver isso, sunbae. — ela torceu o nariz em desagrado com o pequeno desleixo que ele parecia ter consigo mesmo.

— Mas eu estou bem, vê? E o curativo é muito bom, eu até molhei a mão outras vezes depois de colocá-lo. Mas ele continua firme como se eu tivesse acabado de grudá-lo aqui. — dessa vez, ele riu um pouco e Roseanne acompanhou, ainda que balançasse a cabeça como se o desaprovasse. — Se te deixa mais tranquila, eu posso ir procurar um médico amanhã.

— Isso me deixa sim mais tranquila. Não acho que você deva facilitar e dar sorte ao azar. — ele acabou achando engraçada a expressão que a garota usou e mudou de assunto. Conversaram sobre suas famílias, os costumes que ela havia adquirido e o que mais estranhava em relação aos países onde havia morado e a Coréia. Ela tinha muito a dizer, pontuando pequenas diferenças e semelhanças. Afinal as pessoas continuavam sendo humanas, não importa o lugar em que estivessem. O fato fez com que o tempo passasse de maneira agradável até que a comida chegasse.

Eles comeram e beberam, com Roseanne sentindo-se tonta por causa da excessiva quantidade de vinho que havia consumido. Ela passou as mãos pelo rosto assim que saíram do restaurante e seguiram para o estacionamento. Na verdade, havia algo que ela queria fazer desde que o vinho parecia ter ativado seus centros de curiosidade e coragem. Então, quando entraram no carro e ele pediu seu endereço, ela apenas sussurrou. — Me beija?

A expressão no rosto dele dizia que ele não tinha muita certeza se deveria levar ou não o convite a sério. — O quanto você bebeu? — a pergunta era importante porque ele não queria correr o risco de ser inapropriado e se aproveitar de uma garota embriagada.

— O suficiente para me lembrar do meu endereço. Onde moro e com quem vivo. Eu só estou tonta. Mas é porque sou fraca para bebida. Então, por favor, deixa eu me aproveitar dos meus minutos de coragem e curiosidade e me- — a fala dela foi interrompida quando os lábios dele encontraram os seus. A primeira coisa que tinha registrado foi como a boca dele era macia, pressionando a sua de forma suave e gentil antes que realmente passassem a se beijar.

O beijo era lento, permitindo que ela sentisse o gosto do suco misturar-se ao vinho, acostumando-se com a sensação de ser beijada, ainda que sentisse os sinais do nervosismo. Sua mão havia alcançado a nuca do homem para mantê-lo por perto quando a língua dele deslizou e tocou o céu de sua boca lhe arrancando um suspiro. Se estivesse de pé, ele precisaria tê-la segurado, porque suas pernas pareciam ter se tornado gelatina ao passo em que seu coração se tornou errático, acompanhando os seus sentimentos. Que pareciam florescer ainda mais em uma doce confusão em seu interior.

Ela se permitiu gemer baixinho quando os dedos dele pressionaram sua nuca antes que se endireitassem, separando-se e ele colocasse o cinto de segurança, dando a partida no carro finalmente. Tempo o suficiente para que ela se recuperasse minimamente dos efeitos provocados pelo beijo. — Eu moro duas ruas abaixo da faculdade… te digo quando estivermos perto onde você precisará virar. — Roseanne respondeu com os olhos fixos no lado de fora do parabrisas, seu coração ainda estava batendo em um ritmo maior.

— Rosé? — seu nome parecia ter sido sussurrado em meio a um suspiro descompassado, lhe causando um estranho arrepio. — Você tem mesmo gosto de cereja e vinho. — pontuou o mais velho, dando um sorrisinho malicioso antes de sair com o carro para levá-la em casa. Ela não tinha outra palavra para descrever como se sentia além de balançada.