Quando a flecha aterrissou, Emily já estava preparada. Sua mãe havia recebido uma carta há dois dias de um tal Ji e imediatamente arrumou suas malas e comunicou a escola de sua partida. Então, sim, ela estava pronta para responder o chamado e se tornar uma samurai. Mas isso não foi o bastante para conter a ansiedade e o frio na barriga. Pegando a flecha em suas mãos, Emily correu para o quarto de Serena.

“Serena, olha. Chegou a hora.”

Serena sentou na cama e olhou pra flecha atônita. Uma única lágrima escorreu pelo seu rosto e ela suspirou forte.

“Estou nervosa. E se eu não conseguir? Tem tanta coisa em jogo e eu sinto como se eu não estivesse pronta. Será que eu sou a melhor escolha para assumir o papel de Ranger Amarela?”

“Emily, querida, olha pra mim. Respira fundo. Senta aqui do meu lado.” Emily fez o que lhe foi dito e se sentou na cama da irmã. Serena tirou a flecha de suas mãos e uniu seus dedos aos dela. “Você é mais forte do que imagina. Mamãe vem te treinando há anos, seu controle sobre a força símbolo é impecável e sua postura com a espada é até melhor que a dela. Você está mais que pronta, querida. Não ignore suas qualidades. Eu não consigo imaginar ninguém melhor pra ser a Ranger Amarela.”

Provavelmente você, Emily pensou, mas o sorriso encorajador de Serena a fez acreditar que talvez aquilo fosse verdade.

“Emily!” sua mãe apareceu na porta do quarto “Tem uma moto do clã Shiba pronta pra te levar pra Panorama City. Está na hora, querida.”

“Certo.” Ela soltou um suspiro e olhou pra irmã. “Vou sentir sua falta.”

“Eu também, maninha. Eu também. Não se esqueça de escrever, tá bom? Quero saber de todos os detalhes da sua aventura.”

“Eu também quero, viu? E Emily, filha, não se esqueça:” Emily olhou atentamente para sua mãe “você pode até ser uma Power Ranger agora, mas você ainda é uma adolescente. Não deixe seus afazeres de samurai tomarem conta da sua vida.” Sua mãe a abraçou apertado “Sempre que puder, saia, se divirta, faça novas amizades, se apaixone-“

“Mãe!”

“Só estou dizendo, querida. Eu deixei minhas responsabilidades me consumirem e hoje tenho vários arrependimentos. Só não quero que você cometa o mesmo erro que eu cometi.”

Emily se soltou do abraço e olhou nos olhos de sua mãe. É a primeira vez que ela a vê chorando em 10 anos.

“Não se preocupe, mamãe. Prometo que vou lembrar de me divertir. Mas, agora tenho que ir. São 3 horas até Panorama City e não posso deixar os outros Rangers esperando....Eu amo vocês.”

“Também te amamos, Emily.”

“Boa viagem, filha. Você vai conseguir.”

Despedindo-se finalmente da sua família e de sua fazenda, Emily subiu na moto que a levaria pra sua nova vida.

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São aproximadamente 3 horas de viagem da cidadezinha de Oak Town até Panorama City. Sua mãe geralmente faz o trajeto em 2 horas e meia. Já Serena leva 4 horas, por medo de acelerar muito na rodovia e virar a caminhonete amarela da família.

Por outro lado, esse moço da moto concluiu a viagem em 1 hora e meia. Metade -METADE- do tempo que leva pra qualquer pessoa que esteja dirigindo dentro dos limites de velocidade. Ele parou a moto em uma esquina qualquer da cidade e disse “Vou te deixar aqui. Você consegue se encontrar com os outros sozinha, certo?”.

Claro que não. Emily não fazia ideia de onde ela estava. Mas ela acenou que sim com a cabeça e desceu da moto. Tudo que ela queria era pisar em terra firme novamente. Suas pernas tremiam, seus joelhos se recusavam a suportar seu peso. Ela sentia náusea, como se fosse vomitar. Uau, ela pensou, nunca tinha andado na velocidade do som antes. Espero não repetir a experiência tão cedo.

Ela murmurou um 'O-obrigada' tremido pro motorista e ele se foi. Depois de uns segundos recuperando seu fôlego, ela parou pra pensar no que fazer em seguida. Emily não conhece a cidade. Só o parque e o mercado que sua mãe costuma frequentar mensalmente. Quais as chances dos outros Rangers estarem em um desses lugares? Nenhuma. Sem chances. Não tem o que fazer. O que me resta é esperar por um milagre.

Como se ouvindo seus pensamentos, um grande carro preto passa por ela em alta velocidade. Por sorte Emily consegue ver o símbolo do clã Shiba na lateral do veículo. Tá aí seu milagre. Sem pensar duas vezes ela corre. Talvez ela não alcance o carro, mas pelo menos não estará mais perdida. Ela pode seguir o mesmo caminho e encontrar com os outros.

Ah, quem ela tá tentando enganar? Não deu nem pra ela piscar e o carro já havia tomado a dianteira dessa corrida entre eles sem nenhum esforço. Se continuar assim ela vai perdê-lo de vista em questão de segundos. Ou será que não. Porque parece que ele parou. Um jovem usando moleton azul batia nos vidros do carro até uma moça com um cardigã cinza descer do banco de trás. São eles!

Alcançando o casal, Emily não conseguia conter sua empolgação.

“Você é o Ranger Vermelho?”

“Não, eu sou o Azul.”

É, faz sentido. Quer dizer, ele tá usando uma roupa azul. Ela mesma tá vestindo um suéter amarelo. A outra menina deve ser a Ranger Cinza.

“Vocês devem ser meus colegas.”

A voz veio de trás dela e pertencia a um garoto que parecia exalar confiança e uma certa arrogância. Pela sua postura, ele poderia muito bem ser o líder.

“Você é o Vermelho?” Azul perguntou ao novato.

“Não, eu sou o Verde.” E com isso a postura se foi. Ele ainda tentava demonstrar um pouco de seriedade, mas seu olhar era de uma criança ansiosa pela festa de aniversário. Parecia que ele queria falar mais alguma coisa, mas eles foram interrompidos pelo relinchar de um cavalo. O Ranger Vermelho chegou.

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A batalha contra os Moogers e o Nighlok Tooya foi um sucesso. Tirando o totem de Zord que eles formaram sem querer, todos lutaram muito bem.

“Aí cara! Você arrasou! Toca aqui.”

“Ah, valeu, é...cara.”

Verde e Vermelho se cumprimentam com um soquinho e Vermelho chama a atenção do grupo.

“Pessoal, parabéns na sua primeira batalha. Vocês foram melhores do que eu esperava. Se puderem me acompanhar, agora eu vou levar vocês até a casa Shiba, onde vão morar a partir de hoje.”

O grupo começou a seguir o líder. Sem perceber, Emily diminui sua velocidade e abriu distância entre ela os outros. A adrenalina da primeira luta como ranger havia deixado seu corpo e sua mente voltou a trabalhar.

É isso. Essa será a minha rotina por sei lá quanto tempo. Esses caras lutam como profissionais. Perto deles vou parecer uma criança tentando imitar o super-herói favorito. Não posso falhar. Tenho que me esforçar pra ser mais forte. Eu prometi pra Serena.

“Ei, você tá legal?”

A mão em seu ombro a tirou de seus devaneios e ela finalmente percebeu o quão longe estava dos três garotos do grupo que andavam a frente.

“Você se machucou durante a batalha?” Rosa perguntou. Ela tinha um tom materno na sua voz que tranquilizava os pensamentos conturbados dentro da cabeça de Emily.

“Ah, não. Eu tô bem. Só, caindo a ficha, entende.”

“Há, entendo direitinho. Meu nome é Mia. Muito prazer.”

“Emily. O prazer é meu, Mia.”

“Parece que seremos as únicas garotas aqui. E aí, o que achou dos meninos?”

O que ela achou? Bom, se ela for bem honesta, a primeira impressão que Emily teve é que a personalidade de cada um combina com o animal de seu Zord. Vermelho, como um leão, é um líder nato, corajoso e confiante. Azul aparenta ser orgulhoso como um dragão, diligênte, disciplinado. A própria Mia carrega em si a paciência, segurança e sapiência da tartaruga. Agora, o Verde...ela não sabe como descrever o Verde. Como um urso, a primeira palavra que vem à cabeça é ‘grande’. O que é irônico, já que, entre os meninos, ele é o mais baixo. Mas, tirando a altura, tudo nele o torna grande. Ele tem os ombros mais largos, a voz mais potente, gesticula com mais intensidade. Ele é um urso, grande, largo, barulhento e assustador.

A única que não encaixa com o Zord é ela. Emily é tímida, se assusta facilmente, tem medo de sair da sua zona de conforto. Ela tá mais pra um coelho do que pra um macaco. A Serena, por outro lado...

“Eu achei todos uns gatos. Você não?”

De novo a voz da Mia a tirou de seus pensamentos desagradáveis. Mas dessa vez acabou jogando-a nos pensamentos desconfortáveis.

“G-gatos? Ah, b-bom, acho que dá pra dizer que eles são...é...bonitos, né.” Eu tô sentindo meu rosto corar! Que vergonha. Por que, Mia? Por quê? As risadas da Ranger Rosa foram sua única resposta.

“Galera, chegamos.”

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A casa Shiba na verdade é uma mansão. Vermelho os apresentou ao Mentor Ji e logo fizeram um tour pela casa. O jardim, a sala com a mesa de reuniões, a cozinha, a enfermaria, o dojo...

“E por último, nesse corredor ficam os quartos. Os dois da esquerda são pras meninas e os dois da direita são pros meninos. No final do corredor tem o meu quarto. E é isso gente, a bagagem de vocês deve chegar em algumas horas, mas se já quiserem se acomodar, fiquem a vontade. Espero vocês em 5 minutos na mesa de reuniões. Temos que fazer as apresentações, né. É, apresentações.”

Ele murmurou o final e saiu. Emily teve a impressão de que seu líder, apesar de muito habilidoso como ranger, não se saía tão bem quando o assunto era interações sociais.

“Vem cá.” O Verde se virou pra ela. “Por que você já trouxe uma mochila? Quando me ligaram disseram que iam mandar um carro pra buscar as malas.”

“Ah, é-é que eu não sou daqui. Minha mala só chega amanhã.”

Os olhos dele pareciam que queriam furar um buraco em sua cabeça. Emily olhou em qualquer lugar, menos pro garoto que a encarava fixamente.

“Entendi. Beleza então, galerinha. Vejo vocês em 5 minutos.”

Ele abriu a porta de um dos quartos e entrou, Mia e Azul fizeram o mesmo, até Emily encontrar forças pra mover as pernas e sair do corredor.

Foi uma pergunta inocente, mas Verde a assustava. Ele a fazia lembrar de Rick Thompson, artilheiro do time de futebol da escola. O olhar penetrante, agitado, animado, barulhento.

Grande.

Rick também era extremamente impulsivo e altamente volátil. Ano passado, durante uma briga com a namorada, ele acabou dando um soco na cara da pobre Sarah Martinez no meio do refeitório. Ele e a família se mudaram de Oak Town pra evitar o julgamento popular, mas ninguém esquece do incidente. Para Emily, basta olhar a cicatriz no rosto da Sarah que a memória retorna.

Mas Verde não é o Rick. Ela precisa se acalmar e lembrar disso. Rick jamais arriscaria a vida dele para ser um ranger. Isso em si já mostra que, apesar da aparência intimidadora, Verde tem um bom coração. Exatamente, Emily. Agora, para de bobeira, se controla e vai logo pra mesa de reuniões. Não dá mais pra chamar eles pela cor do uniforme.

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“É...agora que estão todos aqui, podemos começar com as apresentações.”

Os cinco rangers estavam sentados nos bancos que cercavam a mesa retangular de madeira que seria usada como local de reuniões, aparentemente. Mentor Ji estava escorado na parede num canto da sala observando a interação dos jovens.

“Acho que...nada mais justo do que eu começar, né. Bom, meu nome é Jayden Shiba, tenho 19 anos e fui criado aqui, na casa Shiba, desde que nasci.”

Jayden pareceu relaxar vendo que já podia passar a tocha pra outro. Ele não é nada bom com interações sociais mesmo.

“O quê você gosta de fazer no seu tempo livre, Jayden?”

Com essa pergunta do próprio Mentor a tensão voltou aos ombros do líder, que gaguejou várias vezes até conseguir formar uma resposta coerente.

“A-a-ah, e-eu gosto d-de, ahn, brincar com meu Zord e observar as nuvens, eu acho.”

“Certo. Usem essa resposta do Jayden pra fazer a sua apresentação, por favor. Próximo.”

“Oh, meu nome é Kevin Baron. Tenho 21 anos e sou daqui de Panorama City mesmo. Quando não estou treinando eu gosto de sair pra correr e...nadar.”

“Você nada profissionalmente, Kevin?”

“Sim. Minha equipe estava a um passo de garantir vaga nas competições estaduais. Mas...eu tive que sair. Sou um samurai agora. Como ranger, defenderei o mundo e o Ranger Vermelho com a minha vida. Sem pensar no passado.”

Ele diz isso, mas Emily tem a sensação de ter visto um pouco de tristeza em seu olhar. Ele devia amar ser nadador.

“Muito bem. O próximo.”

“Eu sou Mike. Mike Parry. E aí.”

O Verde -Mike- começa a se apresentar e Emily sente seu coração acelerando. Ele não é o Rick. Ele não é o Rick.

“Tenho 18 anos. Sou nascido e criado aqui em Panorama City, e gosto de andar de skate e de jogar videogame.”

“Já terminou o ensino médio, Mike?” Quando foi que o Mentor passou a controlar o fluxo da conversa? Jayden pelo menos parece feliz em só ouvir.

“Meu pai subornou o diretor da minha escola pra me deixar passar esse ano sem ter que repetir depois, o que é demais. Só que eu vou perder a formatura, o que não é demais. Tirando isso, tudo de boa Mentor.”

“... Tá bom. Próximo.”

“Oi. Meu nome é Mia Watanabe, tenho 20 anos e sou de Lakeview City, há 1 hora de distância daqui. É tão perto e eu venho pra cá com tanta frequência que eu sinto como se tivesse sido criada em Panorama City mesmo. Eu gosto muito de cozinhar e, bem, cuidar de crianças.”

“Cuidar de crianças?”

“É. Eu trabalho- Quero dizer, trabalhava em uma creche lá em Lakeview. Sempre gostei muito de brincar com os baixinhos. Minha segunda profissão do sonho é ser professora. A primeira: chefe de cozinha.”

“Interessante, Mia. Próximo.”

Chegou a vez dela. Respira fundo, não pensa muito nisso e vai lá, garota.

“Me-me-meu nome é Emily. Ava. E-Emily Ava.” Respira de novo, vai dar certo. “Tenho 17 anos, nasci e fui criada em Oak Town, uma cidadezinha cercada por fazendas que fica há mais ou menos 3 horas daqui e eu gosto de tocar flauta e tratar das galinhas.”

...

TRATAR DAS GALINHAS, EMILY!? Eu sei que eu disse pra não pensar demais, mas você pensou de menos, querida.

“Peraí, você mora em fazenda?”

Seu sangue gelou na hora. Foi o Mike que fez essa pergunta. Ela até conseguia ver o Rick Thompson rindo com desdém da cara dela-

“Cara, que maneiro! Eu nunca estive numa fazenda. Morro de vontade. Vocês tem vacas e cavalos e tudo mais?”

Ele não é o Rick Thompson. O Rick Thompson não tinha olhos verdes cheios de bondade, carregados de uma curiosidade quase infantil. Esse é o Mike Parry. O Mike Parry é melhor que o Rick Thompson.

“Temos sim! Ahn, olha só, se você quiser, depois que a nossa missão acabar, você pode passar um tempo lá. Vocês todos estão mais do que convidados. Tem bastante espaço na fazenda.”

Ela observou a todos sorrindo e agradecendo o convite com diferentes graus de empolgação.

“Que demais! Olha só, é uma promessa, tá? Promete aqui no mindinho.”

Ele esticou a mão direita e apontou o dedo mindinho em sua direção. É sério que ela tava com medo dele? Tudo bem que ela ainda conseguia ver o grande urso assustador na sua personalidade, mas agora parece que o que predomina nele é o ursinho de pelúcia. Sorrindo com o pensamento Emily une seu dedinho ao dele.

“Prometo.”

“E você, Emily? Qual a sua situação na escola?”

A pergunta do Mentor estourou a bolha que envolveu o grupo e a garota rapidamente puxou a mão de volta pro seu colo.

“É... Eu não sei se minha mãe subornou a diretora, mas ela concordou em me aprovar esse ano e eu termino o 3° quando voltar pra casa.”

“Certo. Bom, rangers, agora que as introduções acabaram eu vou fazer nosso jantar e recomendo que vocês vão dormir depois de comer. Começaremos logo cedo amanhã com o treinamento da força símbolo.”

Algumas horas depois, deitada na cama que seria sua pelo resto da sua jornada como ranger, Emily pensou em Serena. Ela seria a mais velha do grupo. Tenho certeza de que estaria amando tudo isso. Não se preocupe, Serena. Vou treinar bastante, não só por você, mas pelo meus novos amigos também.

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Um novo dia começa e a determinação de melhorar de Emily só cresce. Depois do treino de força símbolo ela decide que seria melhor treinar com a espada também.

Mas eu ainda tenho muita vergonha de chamar um dos outros pra treinar comigo. Eu já sou a mais nova, não quero que eles me vejam como o bebê do grupo. Não, eu consigo fazer isso sozinha. Não vou incomodar os outros com minhas fraquezas.

Com isso em mente ela pega uma das shinais e sai da casa sem ninguém perceber. Não foi difícil. O Kevin tava treinando no dojo, o Jayden e o Mentor estavam tendo uma “reunião” particular, Mia estava arrumando seu quarto e Mike estava comendo de novo. Ninguém viu ela saindo e ninguém vai ver ela voltando. Eu vou pro parque. Pelo menos eu sei o caminho e é melhor do que treinar no mercado.

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“Emily!”

Ela se levantou de sua posição e viu Mia, Kevin e Mike se aproximando. Pareciam preocupados. Ai não, faz quanto tempo que ela saiu?

“Tá treinando sozinha?"

“É! Essa é a dedicação de um samurai."

Mike revirou os olhos pra empolgação de Kevin e continuou comendo um espetinho como que pra passar a impressão que ele não se importa com a conversa.

Mas dá pra ver que ele se importa sim. Todos eles se importam, senão não teriam saído pra procurar por ela. Eles tem que saber a verdade. Não é justo com eles esconder isso pra sempre. Só espero que eles me aceitem aqui, mesmo que eu não mereça.

“Não é só isso. Eu prometi pra minha irmã mais velha que me esforçaria pra conseguir lutar tão bem quanto vocês.”

“Irmã mais velha?” a confusão na voz de Kevin era perceptível no olhar de todos. Justificável inclusive.

“A minha irmã é que deveria ser a Ranger Amarela. Mas ela ficou doente e eu tive que substituí-la.”

“Uau, isso é muita responsabilidade.”

“Mas o pior de tudo é saber que ela tá doente. Enfim, resumindo, eu nunca me destaquei muito-” O que ela tá tentando fazer? Eu tô tentando justificar minha insignificância? É isso? Não, eu não vou dar desculpas.

“Você não tem que se diminuir, Emily.” Será que a Mia tem um sensor que avisa quando é hora de interromper seus pensamentos? Ela sorri pra eles. De repente ela se sentiu um pouco mais confiante.

“Mas eu tenho talento. Eu sou muito boa tocando flauta e com certeza sei manusear uma espada. Então me tornar uma Power Ranger é como um recomeço.” ...É verdade. Eu não tinha visto por esse ângulo ainda. Está na hora de me valorizar e essa é a oportunidade perfeita pra começar.

“Ouviu isso?” Kevin dirigiu seu olhar a Mike. Por que será que eles estão se farpando tanto hoje? “Ela tem o coração de uma guerreira samurai de verdade.”

Emily corou com o elogio. Ela queria dizer que ele estava exagerando e que não era pra tanto, mas não teve tempo.

“Tá treinando a beça. Precisa disso mais que eu. Toma.”

Mike estendeu o espetinho que estava segurando a ela.

“N-não precisa, Mike. Brigada mesmo assim.”

“Precisa sim. Pega. Eu não te vi tomando café da manhã e você pulou o almoço. Samurai com fome não consegue lutar, vai por mim. Você sabe que você quer, tá uma delícia. Aceita, vai. Vai.”

Como ele sabe que ela não tomou café? Bom, de qualquer forma, ele não tá errado. Ela está sim com fome e seria melhor não desmaiar no segundo dia. Ele começou a balançar o espetinho na frente do rosto dela e fez um biquinho.

“Tá bom, tá bom, eu aceito! Muito obrigada.”

“Ah, que isso. A gente tem que cuidar dos caçulas.”

Hum, tá gostoso mesmo.

“Você não é nem 1 ano mais velho que eu, seu bobo.”

“E? Ainda sou mais velho.”

“Não, a Emily tá certa. Vocês dois são os caçulas.”

“Ih, qual é, Kevin.”

“Tô falando sério. Na verdade, a Mia e eu é quem deveríamos estar cuidando de vocês dois.”

Mia riu da piada (e provavelmente da cara de indignação dos dois rangers mais novos) e decidiu entrar na brincadeira.

“Exatamente. Eu concordo. Aliás, hora de voltar pra casa, crianças. Vamos?”

“Crianças!? Emily, você ouviu isso? A gente vai deixar isso barato?”

Ela engoliu o resto do espetinho, jogou o lixo na lata mais próxima e fez a expressão mais determinada que conseguiu enquanto segurava o riso.

“Nunca.”

Assim começou a acirrada corrida entre Emily e Mike contra Mia e Kevin. Quem chegar na casa Shiba primeiro vence. Valendo!

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Vergonha. Decepção. Culpa. Era só isso que ela sentia agora. Esse último nighlok, Scorpionic, era forte mas não seria um grande desafio pra eles. Jayden foi enfrentá-lo sozinho e ela sabia que ele sairia vitorioso. O problema foi quando ela usou seu Boomerang Terra contra uns Moogers mas acabou atingindo o Ranger Vermelho também. Ela correu pra servir de escudo humano pra seu líder, mas os outros fizeram o mesmo e no fim todos receberam o ataque do monstro.

Não importa que eles ainda assim venceram a batalha, não importa que Jayden não a tenha culpado e ainda disse que ela demonstrou força. Nem mesmo as palavras encorajadoras de Mia (“Sua irmã vai ficar orgulhosa de você”. Será?) ou a dancinha que o Mike começou no dojo foram o suficiente pra afastar esses sentimentos. Ela sabia que se alguma coisa tivesse acontecido, a culpa era dela. Querendo ou não ela prejudicou a missão.

Por esse motivo ela se retirou pro seu quarto depois do jantar e não saiu mais. Apenas sentou na cama e começou a tocar sua flauta. A mesma música que Serena a ensinou anos atrás. Hoje Emily espera que ela afaste os pensamentos negativos.

Uma batida inesperada na porta é o suficiente pra interromper tanto pensamentos quanto música.

“Oi Emily. Precisava falar com você. Posso entrar?”

“Ah, pode sim Mike. Tá aberta.”

Ele tornou a fechar a porta depois de entrar e se sentou na ponta da cama enquanto ela tentava esconder o que sentia por trás de um sorriso forçado.

“Foi sua irmã quem te ensinou a tocar flauta? Você toca muito bem.”

“Brigada. Foi ela sim. E você? Aprendeu a dançar com quem? Arrasou.”

“Valeu. Minha mãe é instrutora de dança. Ela me obrigava a dançar com ela quando eu era criança e acabei tomando gosto.”

Um silêncio um pouco desconfortável caiu sobre eles até que Mike decidiu falar novamente.

“Como é que você tá? Se sentindo melhor? Espero que a dança tenha ajudado, porque foi a única coisa que veio na minha cabeça pra te animar.”

“Você fez aquilo só pra me animar?”

“É. Mas eu também queria mostrar pros outros o tanto que eu sou um pé de valsa. Foi muito estranho?”

O sorriso em seu rosto agora era genuíno. Ela deve desculpas ao Mike por ter sentido medo dele quando ele é uma pessoa tão gentil e bondosa.

“Foi não.”

“Que bom. Eu só não queria que você ficasse se torturando por causa de um erro que não teve maiores consequências e que, sinceramente, poderia ter sido cometido por qualquer um de nós. Ainda mais depois de você ter mostrado tanta coragem e força hoje. E eu não tô falando de se jogar na frente do Jayden.”

Ele apertou seu ombro, olhou fundo em seus olhos e ela soube. Ele tá falando da Serena.

“Emily, eu não tenho nem ideia do que você tá passando ou do que você tá sentindo. Mas queria que você soubesse que, se precisar de alguém pra desabafar, ou só conversar mesmo, pode contar comigo. Eu não sou o melhor pra dar concelhos, mas ouvir é comigo mesmo.”

Emily sentiu como se fosse chorar. Ela pensou que continuaria remoendo a vergonha, a culpa e a decepção por mais vários dias. Mas só de ouvir essas palavras ela já se sentia mais leve. É reconfortante saber que você não está sozinha. Que seus amigos te apoiam e vão te ajudar a todo custo. Ela não precisa ficar se culpando de erros pequenos e sem importância. Isso só vai fazer mais mal a ela e a todos a sua volta.

“Muito obrigada, Mike. Eu digo o mesmo. Se precisar de ajuda pra qualquer coisa pode contar comigo.”

O sorriso dele vai de orelha a orelha e a gratidão é clara em seu olhar.

“Valeu, Emy. Ah, eu posso te chamar de Emy, né? Porque, agora que eu já comecei, vai ficar meio difícil de parar.”

“Hahahaha, pode. Não me incomoda.”

“Que bom. Isso significa que você não tem mais medo de mim?”

....

“V-você percebeu?”

“Aham, deu pra reparar.”

Ai que vergonha.

“Olha, eu sinto muito Mike. Foi bobagem minha. É que a primeira impressão que eu tive de você me fez lembrar de um ex colega de escola assustador. Acho que eu acabei projetando a imagem dele em você. Mas aí eu me dei conta do tanto que você é legal e vi que eu tava sendo ridícula. Me desculpa, de verdade.”

“Preocupa com isso não. Uns amigos já me disseram que eu pareço um pouco intimidador. Relaxa. Amigos?”

Ele levantou o punho, pronto pra um soquinho. Parece que essa é sua forma favorita de cumprimentar os outros. Emily não hesitou antes de tocar sua mão na dele. Não havia nenhuma dúvida sobre isso.

“Amigos.”