Quando Você Passa

Essa barra que é gostar de você


Há duas semanas, eu era uma comum jovem de 20 anos, que gostava de bandas pesadas como Calypso, Djavú e Asas Livres, que havia feito uma Uniesquina meia boca e estava em busca de uma oportunidade de emprego num país em crise e sempre ouvia a mesma desculpa “Até sexta a gente liga”. Acho que as pessoas do RH, só esqueciam-se de mencionar “Até a sexta volta da Terra em torno do Sol, otária!”.

Sempre fui grande fã de super-heróis, contudo, nunca me conformei por que no Brasil só tínhamos a Carreta Furacão. Acho que até heróis fortes como Hulk, Superman e Batman (inclusive, Batman derrota todo mundo é o caralho) sempre tiveram medo de salvar nosso país, pois o armamento dos bandidos era muito superior. Então, resolvi criar um canal no youtube para falar sobre esses caras, seus superpoderes e discutir teorias.

Fiz vários vídeos, falando sobre vários assuntos desse meio. Porém, o máximo que consegui foram 200 inscritos. Até que resolvi fazer um vídeo com título clickbait: Obtenha o tanquinho do Doutor Estranho em horas.

O vídeo bombou (mais que o Amarra em Esquadrão Suicida, mais que o Ossos Cruzados em Guerra Civil, mais que o Alex Summers em X-Men Apocalipse) e ganhei mais de 100 milhões de visualizações em duas semanas. Sem contar que passei a ter haters que tentaram me dar strike, acusando-me de clickbait. Afinal, o vídeo mostrava o tanquinho da minha casa repleto de fotos do Doutor Estranho. Quando me referi a “tanquinho” jamais disse que seria aquela barriga gostosa, musculosa...

Como vocês já devem ter percebido, tenho um sério crush nesse homem. Meu vídeo tomou proporções tão gigantescas que adivinhem aonde eu vim parar? Isso mesmo, em Nova York! Cá estou eu, na verdadeira cidade que nunca dorme e que já foi destruída mais de 567848 vezes em filmes.

O motivo? Uma entrevista com o famigerado Doutor Estranho, meu mozão, o Mago Supremo, o bom doutor...

Estou no meu quarto de hotel, onde ouço uma das bandas brasileiras mais pesadas, Raça Negra. Penteio os cabelos e começo a vasculhar o guarda-roupa atrás de algo adequado para a ocasião de hoje, enquanto canto junto com a música:

Então me ajude a segurar
Essa barra que é gostar de você
Então me ajude a segurar
Essa barra que é gostar de você, êh

(Raça Negra – Cheia de Manias)

Pego duas peças de roupas: um vestido vermelho, na metade das coxas e uma saia longa. Revezo o olhar entre eles. Bafejo de canto. “Se eu for de vestido, posso fazer de conta que bateu um vento e apareceu minha calcinha, na hora que estiver com o Stephen”. Logo, vou ao banheiro e coloco-o.

Terminava de me maquiar quando ouço meu assessor de imprensa, vulgo meu primo, Henrique Girão, bater na porta do banheiro dizendo que estava atrasada. Corro para passar o delineador e por milagre não fico com olhos de panda.

Ao encontrá-lo, me olha boquiaberto e diz:

AR-RA-ZOU! – fala em tom alto, pausadamente.

Dou um sorriso tímido.

— Obrigada. Agora, vamos! Não podemos nos atrasar! – puxo-o pelo braço e descemos correndo para chamar um táxi.

Não demora muito para que cheguemos ao estúdio onde a entrevista seria realizada. Releio as perguntas a serem feitas e começo a ensaiar. De tempo em tempo, olhava para o relógio e balançava a perna com nervosismo.

— Ele está atrasado! – cochicho a Henrique.

— Calma, deve estar derrotando uns demônios interdimensionais. – comenta.

— Vou retocar meu batom. – saio em direção ao toalete, paro de fronte a um espelho e começo a passá-lo.

Ouço um barulho vindo da parte de fora e um vozeirão inconfundível expressa:

— Desculpem o atraso! O trânsito interdimensional estava caótico. – galhofa.

Meu coração se acelera contra o peito, bem como minha respiração.

— Paola... Ele chegou! – Henrique murmura, com um sorriso na voz.

“Ok, sem dar um ataque de fangirl. Você consegue. É só uma pessoa comum.”— penso comigo mesma.

Abro vagarosamente a porta e me deparo com o mozão. A pele branca, a barba rala, os cabelos levemente grisalhos, a roupa tradicional na cor azul-escura, luvas amarelas e a capa balançando regozijante atrás dele. Tudo tornava aquele momento perfeito.

P.O.V. Stephen Strange:

Conversava com o assessor de imprensa da entrevistadora, quando vejo uma formosa moça sair do banheiro. Tão bela... Será que estava cagando?

Desfila com seu vestido vermelho, enquanto seus cabelos balançam de acordo com seu movimento. Todos a encaram estupefatos.

Ela me encara e abaixa o rosto, com um sorriso envergonhado. Parecia estar a quilômetros de distância, continuava a caminhar graciosamente. Só para quando tropeça, vira o pé e cai em cima de seu assistente que a segura, mas quase cai junto.

— D-Doutor E-Estranho?! – dirige-se a mim, ainda se recompondo do quase tombo.

— O próprio! – sorrio, simpático.

— Ah... – ela suspira e alenta. – Me come... – fala baixo, entretanto, consigo ouvir.

— O quê? – questiono, confuso.

— Quero dizer, é um prazer! – conserta. – Vamos para a sala de gravações... – aponta para o local.

Sento-me em uma cadeira branca, acolchoada. Ela se senta em uma cadeira de plástico ao meu lado.

3, 2, 1... Gravando! – avisa o câmera.

— Olá senhoras e senhores! Eu sou Paola Girão, a Rainha Nerd. E no vídeo de hoje temos um convidado especial: o Doutor Stephen Vincent Strange, também conhecido por Doutor Estranho! – apresenta.

— Senhorita Girão, é um prazer estar aqui. – gracejo. – Fiquei extremamente lisonjeado com a homenagem que me fez no vídeo do tanquinho!

— Sério que você gostou? – consinto. – Você é tão... Tão... – balbucia. - Ah, vamos às perguntas! – Para você que já é mestre em artes marciais, místicas e Mago Supremo, como foi derrotar Dormammu barganhando?

— Eu sou o mestre da barganha. Sou tão foda que até Sherlock Holmes teria inveja de mim. – comento e rio pelo nariz.

— Soube que além de tudo isso, está desenvolvendo sua telepatia e até mesmo dom de prever acontecimentos futuros. Você tem alguma previsão para nos falar neste momento?

Fito-a sério. Encaro o chão e noto que uma das pernas da cadeira estava torta.

— Sim. Sua cadeira vai quebrar em 3, 2, 1... – seu assento dissipa, todavia, consigo segurá-la a tempo, antes que caísse.

P.O.V. Paola Girão:

Acreditem se quiser, mas minha cadeira quebrou mesmo e ele não usou magia para isso. Por sorte, me segurou e fiquei numa posição de rã quando sai da lagoa pra tomar sol. Encaramo-nos por longos segundos.

— Por que está me olhando desse jeito? – indaga.

— Seus olhos são verdes com tons de azul misturados. – sorrio. – E por que você tá me olhando assim?

— Você é meio estrábica, né? – faço uma expressão de emburrada. – Ah, desculpe. É que eu gosto muito de reparar nas pessoas. – ri, sem graça.

“And I IIIIIII will always love you… I will always love youuuuuuu”— ouvimos alguém entrar no estúdio cantando.

Levanto-me e ajeito a roupa, até que um homem usando trajes vermelhos bate palmas.

— Ownnnn, vocês dois são tão fofinhos. Eu shippo! Qual é o nome do shipp? Patephen? Raiphen? Girstrange? Nerdstrange?

— O que você quer aqui, Wilson? – finalmente, minha ficha cai. Era o mercenário tagarela, Deadpool.

— Porra, desculpa atrapalhar esse momento fofolho do casalzinho, mas assim... Um cara loucão que vive sentado numa cadeira e parece o Hulk roxo, está atrás de você e do Visão porque quer as Joias do Infinito.

— Essa não... – ele exprime.

— O que foi? – interrogo-o.

— Thanos chegou! Vai causar uma devastação na Terra! – completa.