Uma semana havia se passado desde o casamento. Flash sentia falta de Shayera, mas agora, era tarde demais. Para ele, sempre foi tarde demais. Ela nunca correspondeu a suas investidas, e agora seria muito feliz em seu casamento com John Stewart, afinal, era tudo que ela sempre quis. Ele não ousaria estragar sua felicidade, e nem ousaria magoar seu bom amigo.

Pelas conversas que ouvia no corredor, o casal acabara de voltar de sua lua de mel. Como doía só de pensar! A mulher que amava nos braços de outro.

Viu o casal ao longe, andando juntos. Eles pareciam felizes. Como se soubesse que ele a encarava, Shayera olhou diretamente para ele. Flash lançou-lhe um sorriso sem jeito, e tratou de fugir.

*****

Dois dias se passaram desde que Shayera viu Flash pela última vez. Ela sabia que a torre era grande, porém não grande o bastante para jamais ver o amigo novamente. Um momento ou outro se encontrariam, mesmo que de relance.

Foi como invocá-lo. Então ele estava na sua frente, e ela bateu contra a parede de músculos que ele era. Flash segurou seus braços, impedindo-a de cair. Sorriu em jeito e se desvencilhou do amigo.

─Me desculpe. Eu estava... distraída...

Shayera não diria que o motivo de suas distrações era ele. Não em voz alta.

─Vi você e o Lanterna outro dia. ─Disse, já se enrolando. Ele queria parar, mas sua boca simplesmente não obedecia.

─Você balbucia demais quando fica nervoso, Wally. ─Fez uma pausa e o encarou, procurando as palavras certas. ─Não estou brava com você. Por que simplesmente não esquecemos o que houve aquele dia? Vamos fingir que aquilo não aconteceu e seguir em frente...

Parecia um bom plano. Simples e de fácil execução. Não era necessário pensar muito para saber que falhas eram quase inexistentes. Quase, porque o fator humano era uma grande falha. No momento, contudo, era tudo em que conseguia pensar.

Demorou um tempo até ele responder. A voz do amigo, baixa o suficiente apenas para ela ouvir, não passou de um sussurro.

─Tudo bem, Shay. Amigos ainda?

Estendeu a mão a ela, forçando um sorriso. Ela aceitou a mão que lhe era oferecida, sorrindo também.

─Sempre, Wally.

─Legal, agora tenho que ir.

Num piscar de olhos, ele estava fora. Shayera ficou um tempo parada, fitando a direção por onde ele se foi. Céus, o que acontecia com ela?

*****

Naquela noite, por mais que tentasse, não conseguia dormir. Rolou para o lado, apenas para encontrar a forma adormecida de John. O marido não se mexia, nem mesmo quando ela chutou as cobertas e saiu da cama. De pé, encostada na porta, observou-o por alguns instantes. Vendo que não acordava, abriu a porta e saiu.

Os corredores encontravam-se praticamente vazios, exceto por um ou outro herói de plantão. Caminhou solitária até o refeitório. As luzes estavam apagadas, silencioso. Quando ousou acender a luz, deu um pulo, colocando a mão sobre o coração. A figura escarlate levou um tempo até se acostumar com a luz.

─Deus, Wally. Você me assustou!

─Shay, desculpa. Não quis te assustar.

─Certo. ─Ela se aproximou. ─O que faz aqui?

Ele mostrou o copo para ela.

─Não conseguia dormir, então resolvi fazer um lanchinho.

Shayera riu e sentou na mesma mesa que ele, mas longe o bastante para não se tocarem.

─Posso não estar certa, mas o café não te deixaria mais acordado?

Wally deu de ombros.

─E você, Shay? Não que eu não goste de sua companhia, mas o que faz aqui?

Soltou um suspiro pesado, e escondeu o rosto entre as mãos.

─O mesmo que você, embora não pensasse em tomar café. Também não consigo dormir.

─Você está bem? Se precisar de algo, eu estou aqui...

Tocou-lhe a mão. Ela se afastou do gesto. Foi involuntário, um movimento de auto defesa. O olhar dolorido do amigo trouxe a sensação de culpa a seu estomago. Segurou sua mão novamente.

─Sinto muito, eu fui pega de surpresa.

Era estranho. Wally foi o único com o qual ela nunca precisou ser cuidadosa para falar ou agir. Ela sempre viu a relação deles como irmãos, ou primos. Eles eram sinceros um com o outro, e podiam falar o que quisessem, se tratar como quisessem. Tudo mudou com aquele beijo. O simples gesto em si não deveria representar algo grande se não sentisse nada. No entanto, significava.

Talvez tenha ficado tempo demais em silêncio, porque Wally levou a mão livre ao rosto e tirou a máscara. Era raro vê-lo sem ela.

Shayera pode então admirar o conjunto de seu rosto. Sua pele clara, sua boca franzida num leve sorriso. Seus olhos azuis. Eles brilhavam com uma vida furiosa neles, ao mesmo tempo em que havia um pouco de dor. Ela poderia se perder naquelas piscinas azuis profundas, se manter neles para sempre. Ousando um pouco mais, via ela mesma em seus olhos. Sentia-o transmitir todo o amor naquele pequeno gesto.

Ela queria fugir. Seu desejo era correr para longe, para não se ver caindo ainda mais. Era como ficar preso em areia movediça. Quanto mais lutasse, mas rápido afundava...

Não, não. Era um insulto comparar a vida naqueles olhos com algo sujo. Eles lembravam mais o mar, uma imensidão azul capaz de tragar aqueles que se aventuravam em sua imensidão desconhecida. Isto. Ele era como o mar revolto, sedento.

Perdeu a conta de quanto tempo ficaram lá, apenas na toca de olhares. A realidade colocou-a de volta a seus pés apenas quando sentiu a mão dele em seu rosto. Num gesto gentil, acariciou-lhe a bochecha. Ela fechou os olhos.

Logo, a respiração dele estava próximo à sua pele. Quente...

Os lábios dele junto aos seus...

Ela estava perdida! Deus, ela se perdera no momento em que deixou-o beijá-la na noite de seu casamento. E agora, apenas para afundar mais, Wally a beijava novamente. No início tímido, até receoso. Shayera se viu retribuindo o carinho. Sua mente deixando John cada vez mais distante.

Tão rápido quanto veio, se foi. Shayera ainda com a mente nublada pelo momento, sentiu os lábios dele abandonando os seus. Wally estava de pé, passando as mãos pelos cabelos. Nervoso.

─Shay! Shay! Isso não era para acontecer. Eu jurei que deixaria você em paz. Sou um péssimo amigo. Olha a confusão que eu criei!

Ajeitou a máscara em seu rosto. No segundo seguinte, estava fora.

─Flash! Wally! ─Ela gritou, em vão. ─Espera!

Encontrava-se sozinha, e envergonhada com sua atitude. Sabia que estavam errados. Ainda assim, tocou os lábios com os dedos, como se pudesse sentir o calor de seu beijo. Era uma tola...