A sala é iluminada por um grande lustre ornamentado de cristais e pérolas. As paredes estão cobertas por cortinas espessas púrpuras, embalando de modo a impedir qualquer som fugir do cômodo. Contudo aquela fresta na janela da varanda é o cúmulo da negligência. Talvez fosse de propósito, pois a sala estava muito quente e abafada. Não consegue ver todos os presentes, apenas poucos homens grisalhos sentam em poltronas e divãs apoiando suas bengalas estilizadas no colo, uns mais jovens recostam sobriamente nos móveis caros e uma única mulher, ruiva e atraente, apoia o salto na parede, deixando escorregar o corte do vestido vermelho e aparecer boa parte da coxa lisa, sedutora. Numa plataforma à vista de todos, na poltrona de acolchoado negro senta o anfitrião da festa. O porte forte é espremido no terno branco de uma alvura imaculada, impressionante. A barba grisalha cobre o queixo quadrado como grama aparada. A expressão é dura, o olhar de superioridade.

Ao que parece, a conversa começara faz um tempo.

– Então está mesmo decidido? Realmente iremos atacar? - o homem baixo de bengala prateada mostrava-se ainda em dúvida quanto aos detalhes do plano.

– Ora, Herman, não vá amarelar agora! - resmungou outro de longa barba branca, soltando em seguida uma baforada do charuto.

– Estou dizendo que é arriscado. Uma aposta muito alta. - diz num tom sombrio.

– Não há como dar errado. Independente de qual será um sucesso, o lucro é o mesmo. - a voz vem de um lugar que Fay não consegue ver.

– Lucro este que será dividido igualmente.

O anfitrião observa a conversa com os braços cruzados sobre o colo. A ruiva aproxima com uma garrafa de vinho e lhe oferece uma taça. Ele aceita. Limpa a garganta com o líquido púrpuro antes de falar:

– Senhores, o tempo é propício. O plano foi elaborado com cuidado para que nada dê errado. E meu objetivo é fazer com que ambos deem certos. Para tal preciso da colaboração de todos, de suas empresas e funcionários. - varre com o olhar os rapazes vestidos de negro recostados cada qual ao lado de seu contratante. São todos os braços esquerdos ou direitos dos chefes. - Mas se é preciso, direi outra vez como deve acontecer.

Estala os dedos e a única mulher na reunião some do campo de visão, e volta com uma pasta em mãos. O chefão toma-a pasta e manda que ela afaste-se.

Os primeiros convidados começam a retirar-se, cansados de esperar o anfitrião, que não viria. Ryan puxa Fay para trás, prendendo-a contra o vidro da varanda a fim de camuflarem-se na escuridão. O coração dela acelera com a repentina visão da imensidão da noite, tão negro e sombrio que parece experimenta-la soprado o vento em seu rosto. Ao mesmo tempo está muito interessada na conversa dos mafiosos. Aguarda, entretanto, o amigo acenar positivamente com a cabeça para só então voltar-se ao quarto da reunião. Outra vez, acompanham somente metade da conversa, sem o começo.

– ...uma distração. Eu preferiria que ambos dessem certos.

– Mas os federais não são bobos. - contesta Herman.

– Claro que não. Estão buscando os nossos pescoços há meses! - outro velho de terno cinza e vista cansada ergue a voz.

– Calma, senhores - pede o anfitrião. O olhar agora é de uma imposição esmagadora de sua presença. - O carregamento chegará ao Trevo daqui a dois dias. E quando for a hora, não permitirei que recuem. Então façam suas apostas. Quem não estiver à vontade que diga, porém devo advertir: sabendo do plano, não sairá daqui vivo.

O clima gélido paira no ar. É fácil ouvir a saliva sendo deglutida na garganta dos empresários. O medo no salão é perceptível e ninguém atreve dizer que quer deixar a máfia.

O chefão volta a sentar-se. Sorri, mas não é um sorriso de verdade, é de ironia do pavor estampado nas faces de seus seguidores. Controlá-los exige medo. Eles deveriam sentir isso para que o respeite.

– Estou de acordo. - o barba branca limpa o suor da testa enrugada com um lenço.

– Eu também.

– Bem... - Herman ainda mostrava-se indeciso, porém também concorda. - Já que não haverá prejuízos.

E os demais confirmaram.

– Ótimo. Tudo começará a uma da manhã daqui a dois dias. E então deixaremos essa lucrativa cidade, os jatinhos estarão esperando no meu aeroporto.

A lâmpada do poste na rua estoura. Ryan sobressalta e ela observa sua expressão assustada. As janelas da varanda se abrem por dentro. Fay encontra os olhos semicerrados do anfitrião fitando-a, seu coração quase pula da boca. O rapaz recua-a pelo laço do corpete, põe-se entre eles com as mãos erguidas.

– Inesperado, eu sei. O senhor me pegou, pai.

– SEU PAI? - vira-se com espanto.

Estar tão concentrada em ouvir a conversa escondida somada a inquietante presença dele tão próximo dela não a fez pensar em usar seus poderes. Descobriria tudo do plano e o parentesco deles mais facilmente com telepatia. Contudo, estar com o amigo fazia aflorar sua parte tão humana quanto a dele, e Ryan fazia esquecer toda a sua mutação. Talvez fosse assim que Krad se sentisse a respeito dela. Quanto mais próximo eles estão mais ele queria reconquistar sua humanidade. Fay não tinha notado o quanto era doloroso sentir-se assim.

– Entrem. - o pai de Ryan diz polidamente.

Ryan toma-a a mão de Fay para passar confiança. Porém, ela podia ver o pingo do medo riscando seu bosque fingindo calmaria no globo ocular. Ele não podia garantir sua segurança, e a mutante precisaria estar atenta.

Entram e são fitados com suspeita pelos presentes. Eram quinze integrantes, entre velhos e rapazes e a ruiva.

– Ouvindo escondido outra vez, chico? Acabara muerto! - ri o barba branca, abanando-se com o lenço manchado de suor.

– Buenas, Carl. - cumprimenta-o com sorriso educado.

– Quem é a garota? - Herman fita-a, já imaginando o fracasso do plano por causa de dois pirralhos.

– Queria lhe apresentar pai e a todos, esta é a senhorita Fay. E sugiro a participação dela no assalto.

A última fala fez levantar murmúrios e gargalhadas entre os mafiosos. Mesmo a garota parecia intrigada. O senhor St. Clair visa-a de cima a baixo, não vê mais do que uma garota fantasiada para um baile de gala, nada mais. A impressão, porém muda quando ele encontra seus olhos violetas, duas pedras de topázio lavanda. Fagulham em dúvida, mas flamejam com convicção; é o olhar dos que são capazes de trazer mudanças.

– Como ela pode ser útil? - questiona.

O mínimo de interesse que o anfitrião demonstrou faz o salão calar-se. A expectativa sobre Fay era enorme.

Ryan mostra seu sorriso, antes de soltar a mão dela.

A menina varre o local, observando as pessoas, as cortinas e a mobília. Eles a queriam no grupo para um assalto. Assaltos como Krad costuma fazer, sozinho, sem ela. Poderia usar este sucesso como prova de sua capacidade. Não precisava ser protegida o tempo todo, a telepata não era fraca. Sim; mais forte que um vampiro. Começa a mexer os objetos com a telecinese. Puxa a estante em que um dos contratados está apoiado, arrastando-a até o centro da reunião. Puxa a caixa de baralho no bolso de Ryan, embaralha-os e retiram as treze cartas de copas. Empilha-os dois a dois, em pequenos triângulos, até formar uma pirâmide. Em seguida rouba a espada na mão do soldado medieval no canto da sala e a faz voar no meio da pirâmide, perfurando apenas as cartas da segunda fileira e prendendo-as assassinadas na parede do outro lado, perto da cabeça de um contratante alto, musculoso e feições de surpresa. Faz tudo com evidentes gestos de mãos, para que saibam quem está realizando. Os velhos piscavam sem acreditar. O magnata de óculos limpa suas lentes e recoloca-os na ponta do nariz, fecha a cara, descruza os pés e diz:

– Você brinca de cartas, só isso?

O que a irrita profundamente, seus cabelos flutuando raivosos. Levita o idoso que a irritou. Ele debate-se no ar. Um a um retira dele o relógio de bolso de ouro, os anéis de safiras e rubis, um revolver guardado sob as camadas de roupa. Pede para que Ryan os segure. O corpo do mafioso tomba na cadeira que estava sentado. Ela aproxima, sussurra uma língua que ninguém entende, e sorri maliciosa.

– Olá, Barney. - cumprimenta-o. Sabia o nome dele, a família, os crimes que já cometera, e quanto tinha no banco. Ele não tinha graça. - O que está fazendo aqui?

Barney pisca algumas vezes. Parece atordoado. Olha em volta. Limpa o suor da testa com as mãos. Gagueja ao responder:

– Eu não deveria estar no clube de xadrez?

Satisfeita, Fay gira nos calcanhares em uma reverência perfeita ao público que a assiste. Eles estão pasmos. A ruiva mostra um sorriso torto, não gostava desse velho ranzinza e também, a garotinha serviu para mostrar o quanto as mulheres são superiores.

– Muito bom. - St. Clair aplaude.

– Ela está dentro, certo? - Ryan busca uma confirmação.

O chefão faz suspense. Pega duas taças no armário de cristais, toma a garrafa e serve o vinho. Dá um ao filho e outra à garota.

– Seria um estúpido se não a aceitasse. - brinda-os com a sua taça em mãos. - Vocês podem participar do assalto a joia. - contempla mais uma vez os olhos dela pelo cristal do copo. - Combina com uma bela donzela como você.

O contratante musculoso revolta-se no canto escuro ao lado da espada:

– É claro, deixe os novatos com o grandão aqui!

– Quieto, Bill! - exige Carl, o barba branca. - É bom que cuide bem do chico e a novia dele.

– Sim, senhor...

St. Clair sorri, adorava exemplos de poder. Gesticula para que a ruiva ofereça mais taças e encha-as de vinho. Todos devem beber e comemorar o sucesso que será os dois roubos: do cassino e da joalheria. Uma daria certo, outra não. Mas os sacrifícios eram necessários.

– Ao sucesso de ambos! -exclama.

Os cristais tilintam, abafando as pontas soltas que existiam em seu plano que, no entanto eles não precisam saber.